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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.15 n.2 Lisboa abr. 2008

 

Editorial

 

Fátima Carneiro *, Raquel Seruca **

 

 

Neste volume do Jornal Português de Gastrenterologia, Rosa I. e colaboradores apresentam um trabalho intitulado “Importância e caracterização do carcinoma gástrico em famílias com diagnóstico ou suspeita de síndroma de Lynch”. Os autores analisaram uma série de 25 carcinomas gástricos (CG) identificados em 20 famílias com o diagnóstico ou suspeita de síndroma de Lynch (SL). Estas famílias foram agrupadas em três grupos: 12 famílias com critérios de Amsterdam, com 13 CG (pelo menos uma família com dois CG); 2 famílias com critérios de Bethesda e Instabilidade de Microssatélites (IMS), com 3 CG (pelo menos uma família com dois CG) e seis famílias com critérios de Amsterdam modificados, em que os autores consideraram o CG como uma das neoplasias do espectro da SL, com 9 CG (não é possível inferir o número de famílias com mais do que um CG). De acordo com os critérios usados pelos autores, os dois primeiros grupos correspondem a SL “clássica” ou “típica” e o terceiro grupo a SL “atípica”. Os autores fizeram uma análise comparativa das características clínico-patológicas dos 25 carcinomas gástricos identificados nas famílias com SL (“típica” e “atípica”) e as observadas em 58 CG esporádicos, não tendo identificado diferenças significativas relativamente ao tipo histológico dos tumores de acordo com a classificação de Laurén. Verificaram contudo que, de acordo com a classificação da OMS, o carcinoma mucinoso é mais frequente nas famílias com SL e o carcinoma mucocelular (carcinoma de células em anel de sinete) é mais frequente nos carcinomas esporádicos. A maior frequência de CG de tipo mucinoso apresenta alguma analogia com o verificado nos carcinomas colorectais (CCR) na SL.

Este trabalho suscita a discussão de alguns aspectos particulares: I) critérios para o diagnóstico definitivo da SL; II) patogénese dos CG que se desenvolvem em famílias com SL.

I) Relativamente aos critérios de diagnóstico da SL, importa considerar, por um lado, a importância dos critérios clínicos, com base nos quais as famílias são seleccionadas (isto é o fenótipo da doença, que é heterogéneo) e, por outro lado, as alterações genético/moleculares (genótipo) em que assenta o diagnóstico definitivo da SL. Relativamente a estes aspectos foi verificado que nem todas as famílias que cumprem os critérios de Amsterdam correspondem realmente a SL, nomeadamente se a designação desta síndrome se restringir a doença autossómica dominante em que é condição sine qua non a identificação de uma mutação germinativa de um gene de reparação do DNA [gene de tipo Mismatch Repair (MMR)] (1,2). De facto há várias descrições na literatura de famílias suspeitas de SL (pelo fenótipo dos doentes/famílias) em que não se detectaram mutações dos genes do sistema MMR. É actualmente sugerido que, para estas famílias se aplique a designação de “CCR familiar de tipo X” (3) ou, em alternativa, para evitar a confusão com o cromossoma X, a designação de “CCR familiar de tipo indeterminado” (1). No trabalho de Rosa I. e colaboradores, pelos menos 6 famílias seriam classificadas neste grupo (3 casos com critérios de Amsterdam em que não se detectaram mutações dos genes de tipo MMR e 3 casos com critérios de Amsterdam modificados em que a pesquisa de mutações foi inconclusiva), ficando por esclarecer o diagnóstico definitivo nas 6 famílias em que ainda não foi feito o diagnóstico genético. Estas circunstâncias poderão ter contribuído para obscurecer algumas características dos carcinomas gástricos desenvolvidos em SL confirmado por diagnóstico genético que, na série apresentada, corresponde apenas a 8 famílias.

Importa ainda fazer uma breve referência a vários cenários que, na clínica, podem simular a SL e que devem ser considerados no diagnóstico diferencial, tais como:

• Polipose juvenil (4), Polipose hiperplásica (5) e Polipose de tipo misto (6) (nestas situações os pólipos podem ser muito pouco numerosos, incluindo pólipos adenomatosos);

• Mutações germinativas de TGFbetaRII e AXIN2 (não associadas a IMS) (7,8);

• Metilação germinativa hemi-alélica de MLH1 (CCR múltiplo com fenótipo de syndrome de Lynch e IMS, mas sem mutação germinativa de genes de tipo MMR) (9,10).

II) Relativamente à patogénese do CG que se desenvolve em famílias com fenótipo de SL, o problema centrase em saber se os carcinomas que se desenvolvem no estômago são causados pelo mesmo defeito genético da SL (mutação germinativa de um gene do sistema MMR) ou, em alternativa, correspondem à agregação em famílias com SL de CG esporádico. Este problema é particularmente importante em Portugal onde a prevalência do CG esporádico é elevada. Na série descrita por Rosa I., não é possível antecipar se o estudo molecular do CG poderia ter contribuído para resolver este problema, nomeadamente através da pesquisa de IMS, da metilação do promotor do gene MLH1 e da pesquisa de mutações somáticas dos genes de tipo MMR. A IMS poderá não constituir uma característica distintiva, uma vez que ocorre também no CG esporádico, acompanhando-se de um fenótipo particular (tumores expansivos do estômago distal, de tipo intestinal, com infiltrado linfóide abundante) (11-13). Relativamente às mutações somáticas de genes de tipo MMR, foi recentemente verificada a sua ocorrência em CG esporádico com IMS (14). Estas mutações localizam- se em sequências repetitivas dos genes, sugerindo que sejam consequência e não causa da IMS no CG esporádico (14). Está por elucidar a relevância desta alteração molecular para, no contexto de SL, distinguir se o CG é esporádico ou causado pela alteração genética responsável pela SL. Um último ponto para referir brevemente a Síndroma de Carcinoma Gástrico Familiar de Tipo Intestinal, definida pelo “International Gastric Cancer Linkage Consortium” (IGCLC) (15). Este consórcio definiu, para esta síndrome de cancro gástrico familiar, critérios análogos aos de Amsterdam para a SL, aplicáveis em Países com elevada prevalência de CG (Portugal e Japão). Já se identificaram casos de CG familiar com IMS e mutações de genes de tipo MMR (hMLH1) (16). Estas verificações introduzem um nível adicional de complexidade na análise das famílias com cancro gastrointestinal familiar associado a alterações do sistema de MMR e IMS.

 

 

 

Bibliografia

 

1. Lynch HT, Boland CR, Gong G, Shaw TG, Lynch PM, Fodde R, et al. Phenotypic and genotypic heterogeneity in the Lynch syndrome: diagnostic, surveillance and management implications. Eur J Hum Genet 2006; 14: 390–402.

2. Jass J. Hereditary non-polyposis colorectal cancer: The rise and fall of a confusing term: World J Gastroenterol 2006; 12: 4943-4950.

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4. Jass JR, Williams CB, Bussey HJ, Morson BC. Juvenile polyposisa precancerous condition. Histopathology 1988; 13: 619-630.

5. Jass JR, Cottier DS, Pokos V, Parry S, Winship IM. Mixed epithelial polyps in association with hereditary non-polyposis colorectal cancer providing an alternative pathway of cancer histogenesis. Pathology 1997; 29: 28-33.

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8. Lammi L, Arte S, Somer M, Jarvinen H, Lahermo P, Thesleff I, et al. Mutations in AXIN2 cause familial tooth agenesis and predispose to colorectal cancer. Am J Hum Genet 2004; 4: 1043-1050.

9. Gazzoli I, Loda M, Garber J, Syngal S, Kolodner RD. Ahereditary nonpolyposis colorectal carcinoma case associated with hypermethylation of the MLH1 gene in normal tissue and loss of heterozygosity of the unmethylated allele in the resulting microsatellite instability-high tumor. Cancer Res 2002; 62: 3925-3928.

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11. Seruca R, Santos NR, David L, Constância M, Barroca H, Carneiro F, et al. Sporadic gastric carcinomas with microsatellite instability display a particular clinicopathological profile. Int J Cancer 1995; 64: 32-36.

12. Santos NR, Seruca R, Constância M, Seixas M, Sobrinho-Simões M. Microsatellite instability at multiple loci in gastric carcinoma: Clinicopathologic implications and prognosis. Gastroenterology 1996; 110: 38-44.

13. Pinto M, Oliveira C, Machado JC, Cirnes L, Tavares J, Carneiro F, et al. MSI-L gastric carcinomas share the hMLH1 methylation status of MSI-H carcinomas but not their clinicopathological profile. Lab Invest 2000; 80: 1915-1923.

14. Pinto M, Wu Y, Mensink RG, Cirnes L, Seruca R, Hofstra RM. Somatic mutations in mismatch repair genes in sporadic gastric carcinomas are not a cause but a consequence of the mutator phenotype. Cancer Genet Cytogenet 2008; 180: 110-114.

15. Caldas C, Carneiro F, Lynch HT, Yokota J, Wiesner G, Powell S, et al. Familial gastric cancer: overview and guidelines for management. J Med Genet 1999; 36: 873–880.

16. Keller G, Grimm V, Vogelsang H, , Bischoff P, Mueller J, Siewert JR, Höfler H. Analysis for microsatellite instability and mutations of the DNA mismatch repair gene hMLH1 in familial gastric cancer. Int J Cancer 1996; 68(5): 571-576.

 

 

 

(*) Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP).

Serviço de Anatomia Patológica, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Serviço de Anatomia Patológica, Hospital S. João, EPE, Porto, Portugal.

(**) Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP).

Serviço de Anatomia Patológica, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal.