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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.15 n.4 Lisboa out. 2008

 

Prevenir o Cancro do Cólon e Recto

 

Venâncio Mendes*

 

 

O cancro do cólon e recto (C.C.R.), em não fumadores, de ambos os sexos, é o cancro mais frequente nos Estados Unidos da América, Europa Ocidental e Austrália. A Organização Mundial de Saúde, estima que, até 2010, 600 mil pessoas morrerão por cancro colo-rectal em todo o Mundo. Em Portugal constitui-se, como a primeira causa de morte por tumor maligno, único pais do Mundo Ocidental em que tal facto se verifica, segundo os últimos dados da Direcção-Geral da Saúde, em 2005 registaram-se 3319 óbitos por C.C.R..

Alterações genéticas e hábitos alimentares, representam os maiores factores de risco.

Clinicamente, o cancro do cólon e recto, manifesta-se fundamentalmente por alterações do trânsito intestinal e rectorragias, sendo que sintomas como a dor abdominal e o emagrecimento, traduzem já um estadio avançado da doença. As taxas de sobrevida aos cinco anos poderão ser superiores a 90% se o diagnostico é feito numa fase inicial, no entanto só 37% dos casos são diagnosticados nesta fase. O rastreio, como medida preventiva, assume neste caso particular evidência e relevância, porque se realizado de um modo eficaz, reduz grandemente a taxa de incidência e de mortalidade. Os exames endoscópicos configuram-se como os métodos de eleição, não só para o diagnóstico, mas também e fundamental para a prevenção, ao permitirem diagnosticar e tratar os adenomas, lesões precursoras do cancro em cerca de 95% dos casos.

Apesar de comprovada cientificamente a eficácia do rastreio, continua a verificar-se a total passividade e inépcia dos Órgãos Directivos da Saúde, no combate à neoplasia que mais mata no nosso país.

 

 

PREVENÇÃO

Prevenção primária

Embora não esteja completamente estabelecida, a associação da dieta com o C.C.R., recomenda-se uma alimentação rica em produtos de origem vegetal, limitar o consumo de ovos e carne vermelha, substituir as gorduras de origem animal, por gorduras vegetais, como o azeite. Concluindo-se, assim, que uma dieta tipo mediterrânico, é a mais apropriada como medida preventiva.

Pode ser que a chave para a associação entre dieta e cancro colo-rectal esteja na interacção dos nutrientes entre si e entre todos constituintes dos alimentos, associada a respostas individuais aos factores dietéticos, determinadas por sua vez por factores genéticos, fisiológicos e de estilo de vida.

Estudos recentes ao realçaram que a obesidade ou excesso de peso são dos principais factores de risco independente para o CCR, põe a tónica da prevenção do CCR na manutenção do peso corporal ideal, estes estudos confirmaram a já antiga asserção de que a restrição calórica atrasa a senescência, prolonga a vida e diminui a incidência de neoplasias.

O tabaco constitui-se também como um factor de risco, pelo que se devem abolir os hábitos tabágicos.

O reconhecimento, através de diversos estudos epidemiológicos, de que a ingestão frequente de aspirina e outros anti-inflamatórios não esteróides(AINEs), parecia contribuir para uma redução do risco de CCR, levou a diversos estudos in vitro e estudos experimentais em animais que parecem apontar para que existe de facto uma relação de causalidade nesta associação. Deverão ser vários os mecanismos potencialmente envolvidos nesta associação: uns dependentes das prostaglandinas e da ciclooxigenase (COX), nomeadamente da COX-2, e outros provavelmente independentes. No entanto pelos seus efeitos adversos não está indicada a sua utilização no grupo de risco padrão.

À luz do conhecimento actual, poder-se- á considerar a toma de cálcio sobre a forma de carbonato na dose 1.200 mg/dia e de ácido fólico 1 mg/dia, como modo preventivo, não se recomendando o uso de selénio e antioxidantes.

 

 

Rastreio ou Prevenção Secundária

Como já referido, o cancro do cólon e recto representa nos países do Mundo Ocidental, E.U.A. e Austrália uma das principais causas de morte por tumor maligno. Igualmente, estão hoje já perfeitamente definidos os dois grandes grupos de risco: a idade acima dos 50 anos e a história familiar de polipose ou cancro. Para além isso, cerca de 95% dos casos de cancro colo-rectal, tem origem, numa lesão precursora, o adenoma. Estes três aspectos: alta incidência, grupos de risco caracterizados e lesão precursora identificada, validam de forma incontestável os benefícios de um programa de rastreio.

No entanto, importa adequar a estratégia a uma estratificação do risco, uma vez que este é variável. Assim, por:

• Risco Padrão, devemos considerar os indivíduos assintomáticos com idade superior a 50 anos. Estes casos representam 70% a 75% dos casos de C.C.R.

• Risco Aumentado, os indivíduos com história familiar de polipose ou cancro. Este grupo contribui para 15% a 20% dos casos de C.C.R. Integram também este grupo, os indivíduos com história pessoal de cancro do útero, mama e ovário.

• Alto Risco, Síndromes hereditários de polipose (Polipose Adenomatosa. Familiar

- 1% dos casos de C.C.R./ Síndrome Lynch

– 5% dos casos de C.C.R.) e doentes com colite ulcerosa ou doença de Crohn.

Os dois grandes objectivos de um programa de rastreio do cancro colo-rectal, são não só o diagnóstico precoce, mas particularmente a prevenção.

Ao permitir diagnosticar e tratar os adenomas, lesão precursora, do C.C.R., o rastreio assume-se como uma medida fortemente preventiva, reduzindo grandemente as taxas de incidência e mortalidade.

Os métodos de rastreio, actualmente disponíveis, estudados e validados são a pesquisa de sangue oculto nas fezes (P.S.O.F.), a sigmoidoscopia flexível e a colonoscopia.

A P.S.O.F., utilizando a resina de guaico  “Hemoccult”, é o método mais testado,não invasivo e de baixo custo. Apresenta no entanto, fortes limitações na sua sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo. Com uma sensibilidade muito baixa para o despiste de adenomas (10% a 20%), mostra um valor muito limitado, no que é o grande objectivo de um programa de rastreio, prevenir o cancro colo-rectal. Os ensaios realizados, mostram uma redução da taxa de mortalidade que varia de 15% a 33%, decorridos 20 anos conclui- se por uma redução da incidência de apenas 20%.

Os argumentos para a utilização da Sigmoidoscopia Flexível (S.F.), como forma de rastreio, baseiam-se no reconhecimento de que a maioria dos adenomas e cancros se localizam no colon esquerdo, cerca de 75% e que a presença destas lesões à esquerda, representam um valor preditivo de lesões de risco no colon proximal em 10% dos casos. Estima-se que, com a utilização da S.F., se atingem taxas de redução da mortalidade de 60% a 85%. Aguardam-se os resultados de dois grandes estudos, randomizados e controlados (Prostate, Lung, Colon and Ovarian Câncer Screenig –E.U.A. e FlexiScope Trial – Inglaterra).

A Colonoscopia como meio de rastreio,  constitui-se sem dúvida como o “Gold Standard”, no despiste das lesões alvo. Permite o diagnóstico de mais de 25% das lesões avançadas não detectadas por outros métodos, mostrando também que cerca de 4% dos indivíduos rastreados, não apresentavam lesões no colon distal. No entanto, os benefícios da colonoscopia foram demonstrados de forma indirecta, (National Polyp Study –E.U.A.), que demonstrou uma redução da incidência de C.C.R. em cerca de 80%, com a ressecação dos adenomas, a realização de colonoscopia após Hemoccult positivo e de sigmoidoscopia flexível preditiva de lesões no cólon proximal.

Com base em tudo o exposto, sugerimos as nossas recomendações, de acordo com os grupos de risco: • Grupo de risco padrão: Em nossa opinião os métodos endoscópicos, mostram-se claramente superiores à P.S.O.F., quer na redução da taxa de mortalidade, quer na diminuição da incidência. A questão põe-se, na escolha entre colonoscopia/sigmoidoscopia flexível. Claramente, a colonoscopia é o método mais sensível para a detecção e tratamento das doenças-alvo. Já aprovada como método de rastreio, nos E.U.A., na Alemanha, na Polónia e Luxemburgo. Nesta decisão devem ter-se em conta os recursos humanos e institucionais de cada país.

• Grupo de risco aumentado: Os indivíduos, que integram este grupo de risco, devem ser sujeitos a colonoscopia.

• Grupo de alto risco: Pelos condicionalismos que os indivíduos que integram este grupo apresentam, devem ser orientados para centros de referência.

 

 

NOVOS MÉTODOS

Testes imunoquímicos para a P.S.O.F.,  que utilizam anti-corpos mono e/ou policlonais, que detectam a porção proteica da globina que integra a hemoglobina humana, mostram uma maior sensibilidade, tendo também a vantagem de dispensar a  dieta, necessária no “Hemoccult”, apresentando no entanto custos mais elevados. Aguardam-se mais ensaios clínicos para a sua validação como método de rastreio. A pesquisa de mutações e estabilidade do ADN nas fezes foi recentemente proposta como métodos de rastreio não invasivo optimizado em relação à PSOF. Métodos laboratoriais muito precisos permitem a detecção do ADN nas fezes mesmo em quantidades diminutas, proveniente das células neoplásicas (sendo que o seu DNA permanece estável ao contrário das células normais). Este teste demonstrou a capacidade de detectar 91% dos indivíduos com cancro e 82% daqueles que tinham adenomas avançados, bem como a grande probabilidade de excluir estas lesões, quando o teste resulta negativo (especificidade de 83%), mostrando-se mais eficaz que a pesquisa de sangue oculto nas fezes. Apresentam-se assim específicos para as lesões de neoplasia, consistentes, bem tolerados não sendo necessária preparação e, estima-se que poderá permitir um alargamento dos intervalos de rastreio comparativamente ao sangue oculto nas fezes.

Mais ainda, este teste poderá permitir a detecção de tumores proximais no tubo digestivo como no estômago ou esófago. Contudo, falta ainda clarificar a sua implementação em termos de aplicação à população geral, e optimizar os aspectos relacionados com os custos e refinamentodo teste designadamente em termos da sua automatização.

A colonografia por TAC ou Ressonância Magnética, termo médico, ou “colonoscopia virtual”, termo mais correntemente usado, é um método de imagem que usa o Raio-X através da tomografia axial computorizada (TAC) ou da Ressonância Magnética.

A reconstrução de imagens tridimensionais, poderá permitir a detecção de lesões por detrás de pregas ou angulações do intestino, por vezes de difícil observação por colonoscopia endoscópica.

Se para lesões com dimensões superiores a 10mm este exame apresenta uma sensibilidade de 85%, para lesões inferiores a 5mm, só em média, poderão ser detectadas metade dessas lesões (sensibilidade de 48%). Acresce o facto das lesões planas para as quais não há dados na literatura do uso desta tecnologia poderem não ser despistadas.

Para além de aspectos processuais da técnica terem necessidade de optimização, esta tecnologia não apresenta ainda dados respeitantes a indivíduos da população de risco padrão. Apresenta ainda alguns problemas em termos de exame de rastreio já que a necessidade de limpeza intestinal e de insuflação de ar, sem possibilidade de exérese dos pólipos, não permitem estabelecer claras vantagens sobre a endoscopia convencional.

• O cancro do cólon e recto, representa, em Portugal, um gravíssimo problema de saúde pública, por se constituir como a primeira causa de morte por tumor maligno. Como tal, não é aceitável, que todos os dias morram cerca de dez portugueses por CCR, mortes grandemente evitáveis, com a implementação de um programa de rastreio de âmbito nacional e base populacional.

• Segundo a Constituição da República, todos os portugueses, têm direito a cuidados de saúde preventiva. Em Portugal, são já várias as iniciativas neste campo:combate à obesidade, prevenção do tabagismo, rastreio do cancro da mama e  útero… Assim sendo, é de todo incompreensível, a insensibilidade e inércia do Ministério da Saúde, no combate ao cancro do cólon e recto, quando os estudos mostram, numa análise custo-benefício, uma razão fortemente ganhadora, comparativamente  a outros rastreios. Acresce o facto, do investimento do Ministério na resolução das listas de espera de cirurgia, tão propagandeade e divulgada. No entanto esquecem os dirigentes da saúde, a extrema dificuldade que os portugueses enfrentam, para realizar uma colonoscopia não só de rastreio mas também e primordialmente de diagnóstico.

• A Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva, com o apoio de outras Sociedades Cientificas, tem desenvolvido uma intensa campanha de sensibilização, não só junto da população em geral e profissionais da saúde, mas também estabeleceu vários contactos com os órgãos da tutela, os quais até à data se mostraram, totalmente infrutíferos. • Das partes se faz um todo, por isso, todas as iniciativas, no sentido de promover um rastreio do cancro colo-rectal, sejam de carácter institucional ou particular, devem ser validadas, encorajadas, estimuladas e reconhecidas, tendo em vista que um rastreio de âmbito nacional e base populacional em Portugal, se afigura remoto e inconsistente.

 

*Director do Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE