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Jornal Português de Gastrenterologia
versão impressa ISSN 0872-8178
J Port Gastrenterol. v.17 n.2 Lisboa mar. 2010
Esofagite eosinofílica com aspecto endoscópico peculiar
Eosinophilic esophagitis with a peculiar endoscopic appearance
Paulo Freire1, Francisco Portela1, Adriano Rodrigues2, Mário Rui Silva3, Paulo Andrade1, Hermano Gouveia1, Maximino Correia Leitão
1Serviço de Gastrenterologia,
2Serviço de Medicina III,
3Serviço de Anatomia Patológica – Hospitais da Universidade de Coimbra
CASO CLÍNICO
Doente de 17 anos, sexo feminino, referenciada ao nosso hospital por disfagia para sólidos com carácter intermitente e evolução arrastada. A endoscopia digestiva alta (EDA) já realizada tinha revelado friabilidade da mucosa esofágica com sangramento fácil ao toque do aparelho e várias áreas com pontilhado branco (Fig. 1 e 2), aspecto considerado sugestivo de candidíase esofágica. Foi medicada com nistatina, não se registando qualquer melhoria. À data da admissão na consulta estava a tomar, sem benefício, omeprazol 40 mg id.
Fig. 1. A- Friabilidade mucosa com sangramento fácil resultante da passagem do aparelho; B: àrea com pontilhado branco.
Fig. 2. Esófago proximal: àrea com pontilhado branco.
Realizou-se EDA que mostrou mucosa esofágica friável com pontilhado branco difuso. As biópsias esofágicas revelaram numerosos eosinófilos intra-epiteliais (> 15 por campo de grande ampliação), enquanto as biópsias gástricas e duodenais não exibiram alterações. Analiticamente constatou-se inexistência de eosinofilia. Iniciada administração tópica de fluticasona (2 puffsorais duas vezes por dia) que condicionou resolução completa das queixas dentro duma semana. Após 8 semanas de terapêutica a mucosa esofágica era endoscopicamente normal e a avaliação histológica revelou ausência de fenómenos inflamatórios.
Dos antecedentes familiares salienta-se o facto da mãe ter rinite alérgica. Apesar da doente não ter história pessoal de atopia, foi referenciada a consulta de alergologia.
DISCUSSÃO
A esofagite eosinofílica é uma doença inflamatória do esófago, com reconhecimento e incidência crescentes, caracterizada pela infiltração significativa e isolada da mucosa esofágica por eosinófilos, cuja etiologia permanece indeterminada1. Não obstante, a frequente associação com história pessoal ou familiar de fenómenos atópicos e a melhoria clínica condicionada pela toma de corticóides e pelas dietas elementares, faz supor a existência dum componente alérgico, em eventual relação com alergenos alimentares e/ou respiratórios1.
Esta entidade é mais frequente no sexo masculino (relação homem:mulher de 4:1) e embora possa ser diagnosticada em qualquer idade é mais frequente na população pediátrica sendo raro o diagnóstico após a quarta década de vida2.
Clinicamente, na população pediátrica as manifestações são sobreponíveis às do refluxo gastro-esofágico (dor abdominal, vómitos, regurgitação) enquanto nos adolescentes e adultos a doença se manifesta por disfagia intermitente ou sob a forma de impacto alimentar1,3. Curiosamente, como é reflectido pelo caso da nossa doente, a disfagia ocorre mesmo na ausência de diminuição do lúmen esofágico, o que poderá resultar da alteração da motilidade ou da perda da elasticidade condicionadas pela infiltração eosinofílica3.
Na EDA, embora a mucosa esofágica possa ter um aspecto normal, é frequente encontrar uma ou várias das seguintes alterações: apagamento do padrão vascular; erosões lineares longitudinais; mucosa esofágica friável com ocorrência fácil de lacerações à passagem do aparelho (crepe paper mucosa); múltiplos anéis, dando ao esófago um aspecto traqueiforme, enrugado ou felino; estenoses esofágicas, amiúde proximais; ocasionalmente, como na nossa doente, detectam-se múltiplas pápulas esbranquiçadas com aspecto semelhante ao da candidíase e que correspondem, em termos histológicos, a micro-abcessos eosinofílicos1-4. A importância da EDA resulta não só da imprescindibilidade diagnóstica das biópsias, mas também da sua utilidade na exclusão de alguns diagnósticos diferenciais, nomeadamente da doença de refluxo gastro-esofágico (DRGE)1-3. A realização de biopsias gástricas e duodenais é fundamental para fazer a distinção com a gastroenterite esoinofílica1-3.
A avaliação histológica, nomeadamente a detecção de > 15 eosinófilos por campo de grande ampliação (400x), constitui o esteio do diagnóstico desta entidade, permitindo também o diagnóstico diferencial com outras causas de eosinofilia esofágica, como por exemplo a DRGE, a doença de Crohn ou a esclerodermia1-3.
A eosinofilia periférica é um achado invariável em idade pediátrica mas é infrequente nos adolescentes e adultos3.
A terapêutica assenta fundamentalmente em três elementos: inibidores da bomba de protões, corticóides e alterações dietéticas. Os inibidores da bomba de protões têm uma dupla função: por um lado constituem a prova terapêutica de que as queixas não resultam duma simples DRGE e, por outro, são um complemento importante do tratamento já que a esofagite eosinofílica propicia a ocorrência de refluxo3. Quanto à corticoterapia, a aplicação tópica (deglutida) parece ter eficácia semelhante à da administração sistémica e tem a vantagem de minorar os efeitos colaterais2. A maioria dos autores recomenda 2 puffsorais bi-diários de fluticasona durante 4 a 12 semanas, administração que deve ser acompanhada dos seguintes cuidados: enxaguar a boca após a deglutição e abstenção alimentar durante 30 minutos após a administração1. A resposta à corticoterapia é, geralmente, rápida e completa, mas transcorridos 4 meses a recidiva é frequente, sobretudo se esta terapêutica não for complementada por medidas de evicção alergénica2. As medidas alergológicas podem basear-se na eliminação da dieta dos alimentos suspeitos identificados nos testes cutâneos, ou, em alternativa, na realização de dietas oligoantigénicas ou elementares, seguidas da reintrodução progressiva dos alimentos até à identificação daquele(s) que condiciona(m) reaparecimento das queixas1-3. A dilatação endoscópica, dado o risco aumentado de perfuração associado a esta condição, deve ser reservada para as estenoses que não respondem à terapêutica médica, incluindo corticoterapia sistémica2,5.
Fig. 3. Mucosa friável e com pontilhado branco difuso.
Referências
1. Gupte AR, Draganov PV. Eosinophilic esophagitis. World J Gastroenterol 2009;15:17-24.
2. Atkins D, Kramer R, Capocelli K, et al. Eosinophilic esophagitis: the newest esophageal inflammatory disease. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 2009;6:267-78.
3. Piedade S, Gaspar A. Esofagite eosinofílica. Rev Port Imunoalergologia 2009;17:215-224. [ Links ]
4. Sundaram S, Sunku B, Nelson SP, et al. Adherent white plaques: an endoscopic finding in eosinophilic esophagitis. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2004;38:208-212.
5. Kaplan M, Mutlu EA, Jakate S, et al. Endoscopy in eosinophilic esophagitis: feline esophagus and perforation risk. Clin Gastroenterol Hepatol 2003;1:433-437.
Correspondência: Paulo André Vinagreiro Freire; E-mail: pauloavfreire@gmail.com; Tel: +351 239 701 517.
Recebido para publicação: 11/08/2009e Aceite para publicação: 23/11/2009.