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Jornal Português de Gastrenterologia

Print version ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.17 no.3 Lisboa May 2010

 

Diarreia associada a Clostridium Difficile (DACD) num Hospital Central – Uma reflexão urgente!

Clostridium Difficile associated diarrhea (CDAC) in a Central Hospital – An urgent reflection!

 

Marília Cravo

Assistente Hospitalar Graduada de Gastrenterologia, CHLN

 

No artigo intitulado “Diarreia associada a Clostridium Difficile (DACD) num hospital central”1, Vieira AM, et al fazem uma análise retrospectiva dos doentes internados no Hospital de Santa Maria entre os anos de 2000 e 2007 com o diagnóstico de DACD. Foram identificados 93 casos e o primeiro aspecto que eu diria gritante senão mesmo alarmante, refere-se à incidência anual média observada ao longo dos anos. Assim, enquanto que a incidência anual média não atingia 2 /10.000 internamentos no ano 2000, com um aumento lento mas progressivo entre 2001 e 2004 onde atingiu quase 4/ 10.000 internamentos, em 2007 este número «dispara» para 15,4/ 10.000 internamentos. Os AA referem várias razões potenciais para este aumento, nomeadamente uma alteração do método de diagnóstico que passou a detectar simultaneamente as toxinas A e B e uma maior sensibilização por parte dos clínicos. Porém, na minha perspectiva, este aumento exponencial deve-se muito provavelmente a um aumento real na incidência desta patologia e deve-nos obrigar a uma reflexão sobre os factores etiológicos que estarão na base deste aumento. Tanto mais que, apesar de no presente estudo não se ter observado mortalidade atribuível a DACD, estão descritos casos fatais, sobretudo quando se trata da estirpe hipervirulenta NAP1/0272.

No artigo de Vieira AM, et al1 não foi realizada uma análise uni e multivariada que nos permitiria uma melhor identificação dos factores de risco. No entanto e de acordo com estudos anteriores, os autores observaram que o principal factor de risco foi a antibioterapia prévia, nomeadamente com mais do que um antibiótico que se observou em cerca de 66% dos doentes. Adicionalmente, em 55% dos casos a infecção foi nosocomial, adquirida no Hospital. A imunossupressão, tão utilizada nos dias de hoje em grupos de risco para esta patologia como sejam os doentes com DII, foi também um factor de risco importante para DACD, embora no presente estudo os AA não especifiquem a razão para imunossupressão. Existem depois outros factores de risco nomeadamente a idade, com um pico aos 70 anos, que é um factor comum a muitas outras patologias, pois é hoje reconhecido que a nossa população em geral, e a hospitalar em particular, é uma população envelhecida. Porém, se este é um factor inerente ao hospedeiro no qual não podemos interferir, a utilização de antibióticos, muitas vezes de forma indiscriminada, é uma realidade que nos deve levar a uma reflexão mais profunda e mesmo à mudança da nossa prática clínica. O número de antibióticos disponível no mercado, para estirpes resistentes a outros antibióticos, cresce de forma exponencial, de ano para ano. Paralelamente, crescem também as infecções nosocomiais, infelizmente a maioria das vezes ligadas à utilização empírica e profilática de antibióticos, em contextos cujo benefício não está demonstrado. É urgente que as comissões de infecção Hospitalar tomem uma posição firme no que toca a política de prescrição de antibióticos, que promovam uma formação e educação médica continuada nesse campo, de modo a prevenir esta escalada de morbilidade associada à prescrição indevida desta classe de fármacos. Uma das consequências desta prescrição excessiva é a emergência de estirpes resistentes e hipervirulentas como a NAP1/027, associada a formas graves de doença, com mortalidade acrescida3. Embora no nosso País não existam estudos desta natureza, um estudo recente do Quebec, Canadá, refere que a mortalidade associada à utilização profilática de antibióticos em doentes cirúrgicos aumentou de 0,7 casos por 1000 procedimentos em 2002, para 14,9 em 20053.

Outro factor etiológico não investigado neste estudo refere-se à utilização, provavelmente também excessiva, dos inibidores da bomba de protões (IBP). Sabemos que os esporos do Clostridium Difficile são resistentes aos ácidos enquanto que as formas vegetativas são passíveis de serem destruídas pelo pH ácido do estômago4. Num estudo recente que estudava a associação entre a DACD e a utilização dos IBP, os AA verificaram que em 63% dos doentes não existia uma indicação válida para a prescrição daquele tipo de fármacos5.

Finalmente, a utilização de nutrição entérica, sobretudo com recurso a fórmulas elementares tem também sido associada a um risco aumentado de infecção pelo Clostridium Difficile6. Estas fórmulas semi-digeridas poderão promover o crescimento do Clostridium Difficile por i) suprimirem as secreções gástricas e pancreatobiliares que têm um efeito bacteriostático7 ii) serem um excelente meio de cultura para este microorganismo8 iii) serem destituídas de fibra fermentável. As fibras da dieta ao serem fermentadas pela flora saprófita do cólon dão origem ao ácido gordo de cadeia curta, butirato, propionato e acetoacetato, os quais são, por excelência os nutrientes para os colonocitos. Podemos especular se esta deficiência em ácidos gordos de cadeia curta não contribuirá para fragilizar a barreira intestinal o que associado a um desequilíbrio da microbiota intestinal, favoreceria o aparecimento da DACD9. A utilização de fórmulas enriquecidas em fibra poderia ser um modo de restabelecermos o equilíbrio a nível da flora saprófita, promovendo o crescimento das estirpes benéficas e contrariando o de estirpes patogénicas nomeadamente o Clostridium Difficile.

Em conclusão, os resultados obtidos por Vieira AM, et al1 devem-nos levar a reflectir sobre os factores que estão na base do aumento exponencial desta patologia verificados nos últimos anos, nomeadamente sobre as atitudes médicas que podem favorecer esse aumento, muitas delas de benefício não comprovado.

 

REFERÊNCIAS

1. Vieira AM, Machado MV, Lito L, et al. Diarreia associada a clostridium difficile num hospital central. GE – J Port Gastrenterol 2010;17:10-17.        [ Links ]

2. McDonald LC, Killgore GE, Thompson A, et al. Na epidemic, toxin gene-variant strain of Clostridium difficile. N Engl J Med 2005;353:2433-41.

3. Carigan A, Allard C, Pépin J, et al. Risk of Clostridium difficile infection after perioperative antibacterial prophylaxis before and during an outbreak of infection due to a hypervirulent strain. Clin Infect Dis 2008;46:1838-1843.

4. Jump RL, Pultz MJ, Donskey CJ. Vegetative Clostridium difficile survives in room air on moist surfaces and in gastric contents with reduced acidity: a potential mechanism to explain the association between proton pump inhibitors and C. difficile-associated diarrhea? Antimicrob Agents Chemother 2007;51:2883-2887.

5. Choudry MN, Soran H, Ziglam HM. Overuse and inappropriate prescribing of proton pump inhibitors in patients with Clostridium difficile-associated disease. QJM 2008;101:445-448.

6. Bliss DZ, Johnson S, Savik K, et al. Acquisition of Clostridium difficile and Clostridium-associated diarrhea in hospitalized patients receiving tube feeding. Ann Intern Med 1998;129:1012-1019.

7. O’Keefe SJ, Lee RB, Anderson FP, et al. Physiological effects of enteral and parenteral feeding on pancreatobiliary secretion in humans. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2003;284:G27-G36.

8. Iizuka M, Itou H, Konno S, et al. Elemental diet modulates the growth of Clostridium difficile in the gut flora. Aliment Pharmacol Ther 2004;20supll1:151-157.

9. O’Keefe SJD. Tube feeding, the microbiota and Clostridium difficile infection. World J Gastroenterol 2010;14:139-142.