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Jornal Português de Gastrenterologia

Print version ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.18 no.2 Lisboa Mar. 2011

 

Permeabilidade Intestinal, Endotoxemia e Inflamação na Cirrose: Que Relação?

Intestinal Permeability, Endotoxemia and Inflammation in Cirrhosis: What Relationship?

 

Pedro Pimentel-Nunes1

1Serviço de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Serviço de Gastrenterologia do IPO - Porto – Portugal; Email:
pedronunesml@msn.com.

 

No presente volume do Jornal Português de Gastrenterologia o artigo “Permeabilidade Intestinal em Doentes com Cirrose Hepática: Correlação com Endotoxinemia e Níveis Circulantes de TNFα, IL - 1 e IL - 6”1 avaliou a relação entre permeabilidade intestinal, endotoxemia e inflamação em dois grupos distintos: cirróticos e indivíduos sem cirrose que realizaram endoscopia digestiva alta (“controlos”). Os autores para avaliarem a permeabilidade intestinal usaram o teste da lactulose/manitol (Lac-Man), que é considerado o teste mais eficaz para avaliar a presença deste fenómeno, e cujos resultados em doentes cirróticos são já bem conhecidos1 Como os próprios autores discutem, os resultados obtidos foram algo anómalos já que foram bastante elevados em ambos os grupos, mas particularmente no grupo dos “controlos”, onde foram inclusivamente superiores aos dos cirróticos. Os autores sugeriram que este fenómeno poderia ser atribuído aos Inibidores da Bomba de Protões (IBPs), contudo, a associação entre IBPs e o aumento da permeabilidade intestinal em indivíduos saudáveis não está estabelecida na literatura conhecida. Mesmo nos cirróticos essa associação é muito discutível e, portanto, os resultados obtidos poderão dever-se a outros factores, nomeadamente a uma grande heterogeneidade do grupo controlo. De qualquer forma, os valores foram superiores aos de referência o que parece confirmar o aumento da permeabilidade intestinal nos doentes com cirrose, já demonstrado noutros estudos2,3.

Curiosamente, este aumento da permeabilidade intestinal não se acompanhou de aumento significativo dos níveis séricos de LPS (endotoxemia). Sabe-se que a medição de LPS sérico é muito dependente do método de colheita, varia de acordo com a hora do dia e jejum, entre outros factores, e por essa razão muitos autores procedem à medição de outros factores séricos para confirmar um aumento da endotoxemia, particularmente quando de forma crónica. De facto, um aumento da endotoxemia acompanha-se de um aumento da produção de LBP (LPS - Binding protein) e de sCD14, dois co-factores essenciais para o reconhecimento imunológico do LPS. Vários estudos mostram que nos cirróticos, mesmo quando os níveis séricos de LPS são sobreponíveis aos controlos, os níveis de LBP e de sCD14 estão muito aumentados, reflectindo de forma mais precisa um estado de endotoxemia4,5. Traduzindo uma muito provável endotoxemia, apesar de níveis de LPS sobreponíveis aos controlos, os cirróticos apresentaram um aumento dos níveis séricos de citocinas pró-inflamatórias. Apesar de a doença hepática crónica de etiologia alcoólica ser considerada uma situação pró-inflamatória não é muito consensual que os doentes abstinentes com cirrose apresentem de forma basal níveis aumentados de citocinas pró-inflamatórias6-8. Muitos autores defendem mesmo nesta fase da doença uma situação de “paralisia imunológica” decorrente de endotoxemia crónica, condicionando uma menor e atrasada resposta inflamatória em relação a vários estímulos o que pode contribuir para o elevado risco de infecções nestes doentes5,9,10. Parecendo confirmar esta teoria alguns estudos mostram níveis aumentados de citocinas pró-inflamatórias apenas nos doentes com consumo de álcool activo, na fase de hepatite aguda/crónica ou em doentes com cirrose descompensada e não nos doentes abstinentes e com cirrose compensada5-8. Alguns dos doentes neste estudo eram doentes internados e, portanto, provavelmente descompensados, o que poderá justificar o aumento das citocinas pró-inflamatórias neste grupo de doentes.

Apesar de alguns resultados discordantes com a literatura, os autores também não encontraram qualquer correlação entre os valores de permeabilidade intestinal, endotoxemia e inflamação. Isto está de acordo com alguns trabalhos publicados que também falharam em encontrar uma correlação directa entre estes factores5,11. O que poderá justificar esta discrepância ainda não está esclarecido.

Portanto, em conclusão, a cirrose acompanha-se de um aumento da permeabilidade intestinal, endotoxemia e aumento das citocinas circulantes, principalmente em doentes descompensados. Contudo, estes fenómenos podem não ocorrer simultaneamente, como é sugerido pelos resultados deste estudo. Isto traduz que a cascata de aumento de permeabilidade intestinal-endotoxemia-inflamação é modulada por diversos outros factores (por exemplo imunológicos ou grau de shunts portossistémicos) que poderão ser cruciais para o resultado final (tolerância versus infecção e/ou inflamação). Como sabemos a infecção é cada vez mais uma importante causa de mortalidade nos doentes cirróticos12, 13. Actualmente, não temos ao nosso dispor instrumentos que nos permitam avaliar quais os doentes que têm maior risco de infecção. São necessários estudos nesta área que procurem perceber a fisiopatologia dos fenómenos de permeabilidade/endotoxemia/inflamação/infecção no doente cirrótico de maneira a ser possível a estratificação do risco dos doentes e eventuais intervenções terapêuticas.

 

REFERÊNCIAS

1. Mão de Ferro S, Salazar M, Machado M, et al. Permeabilidade intestinal em doentes com cirrose hepática: correlação com endotoxemia e níveis circulantes de TNF􀀀, IL - 1 e IL - 6. GE - J Port Gastrenterol 2011;18:66-72.        [ Links ]

2. Dastych M, Dastych M, Jr., Novotna H, et al. Lactulose/mannitol test and specificity, sensitivity, and area under curve of intestinal permeability parameters in patients with liver cirrhosis and Crohn's disease. Dig Dis Sci 2008;53:2789-2792.

3. Campillo B, Pernet P, Bories PN, et al. Intestinal permeability in liver cirrhosis: relationship with severe septic complications. Eur J Gastroenterol Hepatol 1999;11:755-759.

4. Oesterreicher C, Pfeffel F, Petermann D, et al. Increased in vitro production and serum levels of the soluble lipopolysaccharide receptor sCD14 in liver disease. J Hepatol 1995;23:396-402.

5. Pimentel-Nunes P, Roncon-Albuquerque R, Jr., Goncalves N, et al. Attenuation of toll-like receptor 2-mediated innate immune response in patients with alcoholic chronic liver disease. Liver Int 2010;30:1003-1011.

6. McClain CJ, Song Z, Barve SS, et al. Recent advances in alcoholic liver disease. IV. Dysregulated cytokine metabolism in alcoholic liver disease. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2004;287:G497-502.

7. Frank J, Witte K, Schrodl W, et al. Chronic alcoholism causes deleterious conditioning of innate immunity. Alcohol Alcohol 2004;39:386-392.

8. Laso FJ, Vaquero JM, Almeida J, et al. Production of inflammatory cytokines by peripheral blood monocytes in chronic alcoholism: relationship with ethanol intake and liver disease. Cytometry B Clin Cytom 2007;72:408-415

9. Lin CY, Tsai IF, Ho YP, et al. Endotoxemia contributes to the immune paralysis in patients with cirrhosis. J Hepatol 2007;46:816-826.

10. Wasmuth HE, Kunz D, Yagmur E, et al. Patients with acute on chronic liver failure display "sepsis-like" immune paralysis. J Hepatol 2005;42:195-201.

11. Lin RS, Lee FY, Lee SD, et al. Endotoxemia in patients with chronic liver diseases: relationship to severity of liver diseases, presence of esophageal varices, and hyperdynamic circulation. J Hepatol 1995;22:165-172.

12. Christou L, Pappas G, Falagas ME. Bacterial infection-related morbidity and mortality in cirrhosis. Am J Gastroenterol 2007;102:1510-1517.

13. Garcia-Tsao G. Bacterial infections in cirrhosis: treatment and prophylaxis. J Hepatol 2005;42 Suppl:S85