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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.18 n.4 Lisboa jul. 2011

 

Pâncreas: avaliação funcional

 

Teresa Antunes1

1Presidente do CPP - Clube Português do Pâncreas; Serviço de Gastrenterologia - Hospital de Santa Maria, Lisboa - Portugal; E-mail: m.teresa.antunes@hotmail.com

 

A digestão dos alimentos é determinante para a absorção dos nutrientes. A hidrolise enzimática tem um papel fundamental neste processo. É neste contexto que os enzimas pancreáticos actuam e a sua importância reflecte-se nas situações de má absorção resultantes das diferentes patologias que se acompanham de insuficiência funcional.

A ingestão de alimentos interrompe o ciclo interdigestivo de secreção, provocando uma resposta, que se desencadeia alguns minutos após o início da refeição. Atingindo o pico de secreção máxima 30 a 60 minutos após o estímulo, mantém-se mais ou menos estável durante o período digestivo (3 a 4 horas) ao fim do qual se verifica uma redução com retorno ao valor basal. No período interdigestivo, o fluido pancreático tem uma concentração média de bicarbonato de 80mEq/L e a secreção de lipase, amilase e tripsina é respectivamente 1000U/min, 50 - 250 U/min e 50 - 100 U/min. No adulto, refeições com conteúdo calórico rondando as 500 Kcal desencadeiam respostas secretoras máximas que terão maior ou menor duração consoante a quantidade e características físicas e químicas do conteúdo alimentar. Os lípidos são os principais estimulantes da secreção pancreática, sendo os hidratos de carbono os nutrientes com menor capacidade de desencadear o estímulo.

A pancreatite crónica é a causa mais frequente de insuficiência pancreática exócrina e embora se assista a uma degradação progresssiva da capacidade secretora, a malabsorção com a consequente esteatorreia instala-se habitualmente em estadios avançados de doença quando o pâncreas apenas mantém cerca de 10% da sua capacidade funcional. Verifica-se que, correspondendo a diferentes etiologias, temos padrões de hipofunção também com características diferentes. As formas idiopáticas, com instalação precoce, aparentemente têm uma função preservada durante mais tempo quando comparadas com as pancreatites de etiologia alcoólica.

A resposta secretora à ingestão alimentar foi profusamente avaliada e DiMagno et al apresentaram estudos exaustivos contemplando este aspecto. Em doentes com insuficiência pancreática grave, na resposta a uma refeição variada o débito de lipase é cerca de 2,5UI/min o que representa 0,2% do normal (3,000 UI/min).

Foi ainda evidente que a secreção enzimática, para além de reduzida, perde o padrão bifásico normal, ou seja, não se verifica o padrão em planalto, observando-se apenas um discreto pico inicial seguido de uma descida abrupta da secreção.

Mais recentemente Layer et al estudaram a resposta pancreática a uma refeição standard semi-líquida com 300 kcal comparando indivíduos normais e situações de pancreatite crónica com insuficiência funcional grave (teste de secretina < 5% do normal). Em simultâneo foi efectuada uma intubação oro-ileal que permitiu a recolha de amostras para avaliação da absorção intestinal dos nutrientes. A insuficiência grave associa- se a má digestão e malabsorção, e, nestes, 40% dos nutrientes atingiram o íleon terminal em contraste com os 5% observados nos indivíduos normais. A grande maioria dos estudos utiliza a refeição padronizada para o teste de Lundh (13 gr de proteína de leite, 18 gr de óleo de milho, 40 gr de glucose, em 300 ml de água) o que equivale a 250,5 kcal).

A utilização de estímulos específicos, como a Secretina e CCK, permitiu padronizar a secreção pancreática de modo a identificar níveis diferentes de insuficiência pancreática, estratificando-a em ligeira, moderada e grave.

O teste standard continua a ser a Prova de Secretina (S) ou Secretina-Colecistoquinina (S-CCK), considerando-se como normal, valores de secreção de bicarbonato m 80 – 90 mEq/L, consoante os centros de referência. Considera-se como hipofunção ou insuficiência ligeira uma secreção de bicarbonato e enzimas que atinge 75% dos valores mínimos normais; valores moderados entre os 30-75% e insuficiência grave, níveis de secreção l 30% do limite inferior do normal. Sobretudo nos estadios precoces da doença, em que há suspeição clínica sem alterações morfológicas presentes, apenas o teste de Secretina tem sensibilidade suficiente para confirmar o diagnóstico. Tentando obviar as dificuldades inerentes à metodologia deste exame de diagnóstico, tem-se utilizado o “teste endoscópico”, variante com colheita de suco duodenal, por via endoscópica, de 15 em 15 min durante 60 min, após a injecção endovenosa de Secretina. A dose administrada, em bolus ou perfusão contínua, depende dos centros e protocolos utilizados. Salientamos que nesta variante o duodenoscópio tem que estar posicionado durante 1 h com o doente em sedação consciente, caso se pretenda determinar o débito total nos 60 min ou colher amostras nos tempos acima referidos para doseamento do pico máximo de secreção. Não está completamente definido o efeito dos fármacos sedativos na capacidade secretora. A utlização da “variante reduzida” (posicionamento do duodenoscópio e colheita contínua de suco durante 10 ou 15 minutos, entre os 30 e 45 min após estimulação) é uma opção a ter em conta.

A conjugação da estimulação panceática com Secretina seguida de colangiopancreatografia por RM é utilizada, mas os estudos disponíveis incluem um número reduzido de indivíduos testados. A conjugação com CPRE está em desuso pelo risco aumentado de pancreatite aguda.

A prova de Secretina, pelas dificuldades inerentes ao método e pelo custo, está limitada ao uso em centros especializados e situações específicas, nomeadamente para validação dos novos métodos indirectos que vão sendo desenvolvidos. Os métodos indirectos, menos invasivos e dispendiosos, tornam-se mais aliciantes para uso em rotina. Todavia a sua sensibilidade e especificidade mais baixa e variável limita a informação que deles pode advir.

A utilização de diferentes opções depende da informação que pretendemos. Os testes respiratórios e o doseamento das gorduras fecais permitem avaliar a capacidade digestiva da glândula. O doseamento dos enzimas fecais avalia a concentração dos enzimas presentes nas fezes, o que constitui uma correlação directa com os enzimas segregados.

Quando avaliamos comparativamente o doseamento da concentração da elastase fecal com a actividade da quimotripsina fecal, optamos pelo primeiro teste, pelas suas vantagens: boa correlação quantidade de enzima segregado/concentração fecal, estabilidade no tracto digestivo, utilização de anticorpos monoclonais humanos no método, pelo que não há necessidade de interromper medicação de suplementação enzimática. Esta característica torna-o um bom método para o follow-up de doentes com pancreatite crónica já diagnosticada e com terapêutica instituída. Embora não apresente uma alta sensibilidade para as formas de insuficiência ligeira (60%), quando em presença de insuficiências moderadas ou graves a sensibilidade do teste atinge níveis próximos de 77-100%, com especificidade próxima de 93%.

A avaliação da capacidade digestiva como forma indirecta de avaliar a secreção enzimática, é feita actualmente utilizando os testes indirectos orais nomeadamente o Pancreolauryl Teste e o Teste Respiratório com triglicéridos marcados com 13C (TGM-13C).

No primeiro, avalia-se a hidrólise do dilaurato de fluoresceína pelos enzimas pancreáticos com libertação de fluoresceína, hidrossolúvel, absorvida posteriormente pela mucosa intestinal. Alguns protocolos aconselham a estimulação com secretina antes da refeição standard bem como a utilização de metoclopramida (Pancreaolauryl teste optimizado) com o objectivo de anular a interferência dos atrasos do esvaziamento gástrico, quando se efectua a avaliação sérica da fluoresceína (120, 150, 180 e 240 min após ingestão de refeição standard com 1mmol de dilaurato de fluoresceína). O valor máximo de fluoresceína sérica m 4,5ng/mL é considerado normal; valores séricos < a 2,5ng/mL representam uma insuficiência pancreática grave. A utilização deste protocolo facilita a utilização deste teste ao prescindir duma primeira toma para valores basais e recolha de urina num período de 10h em 2 dias (basal e prova).

Os testes respiratórios, utilizando radio-isotopos estáveis, são os mais recentes testes desenvolvidos neste âmbito. A utilização de TGM-13C é a mais frequente. O protocolo consiste na avaliação de 13CO2 recolhido em amostras de ar expirado (cada 30 min por um período de 6 horas) após a ingestão de refeição standard marcada com TGM-13C. É um teste simples, não invasivo, pouco dispendioso, que tem como único inconveniente o tempo necessário para a sua execução (6h durante as quais não é permitida ingestão de alimentos ou actividade física mais intensa). Permite a avaliação da capacidade digestiva dos enzimas pancreáticos, mas pode igualmente ser utilizado na identificação de má digestão quando associada a outras patologias nomeadamente gastrectomia parcial ou total.

Os diferentes testes disponíveis permitem uma utilização variável consoante os parâmetros que se pretendem quantificar. Embora a ultrasonografia represente actualmente uma mais-valia para o diagnóstico dos estadios mais iniciais, o seu uso conjuntamente com os testes funcionais aumenta a sensibilidade na avaliação global, (estrutural e funcional) da glândula.

 

REFERÊNCIAS

1. Layer P, Keller J. Pancreatic enzymes: secretion and luminal nutrient digestion in health and disease. J Clin Gastroenterol 1999; 28:3-10.        [ Links ]

2. DiMagno EP, Go VL, Summerskill WH. Relations between pancreatic enzymes output and malabsoption in severe pancreatic insufficiency. N Engl J Med 1973;288:813-815.        [ Links ]

3. Malagelada JR, Go VL, Summerskill WH. Different gastric, pancreatic and biliary responses to solid-liquid or homogenized meals. Dig Dis Sci 1979;24:101-110.        [ Links ]

4. Dominguez-Muñoz JE, Hyeronimus C, Sauerbruch T, et al. Fecal elastase test: Evaluation of a new noninvasive pancreatic function test. Am J Gastroentrol 1995;90:1834-1837.        [ Links ]

5. Dominguez-Muñoz JE. Non invasive pancreatic function tests. In: MW Buchler, H Freiss, W Huhl, P Malfertheiner (eds). ChronicPancreatitis: Novel concepts in biology and therapy. Oxford, Berlin: Blackwell Publishing 2002;225-232.        [ Links ]