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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.18 no.5 Lisboa set. 2011

 

Terapêutica de Manutenção da Remissão na Colite Ulcerosa Moderada a Grave – Infliximab e Inverdade

 

Maintenance Therapy in Moderate to Severe Ulcerative Colitis

 

Fernando Tavarela Veloso1

1Professor catedrático da Faculdade de Medicina do Porto

 

O curso clínico da colite ulcerosa (CU) é um processo dinâmico caracterizado por períodos de actividade que alternam com períodos de remissão. Na história natural da doença a recidiva surge em 50-80%dos doentes após um acesso agudo. Para tentar modificar esta tendência foi criado o tratamento de manutenção que se inicia após ser alcançada a remissão com o intuito de a manter. O objectivo primordial do tratamento de manutenção consiste, portanto, em diminuir a tendência à recidiva, modificando-se deste modo a insidiosa história natural da doença. Tal desiderato é conseguido na grande maioria dos doentes com o recurso à terapêutica com salicilatos.

No trabalho Terapêutica de Manutenção da Remissão na Colite Ulcerosa Moderada a Grave1, publicado no número anterior do GE, não foi considerada a terapêutica com salicilatos, contrariamente ao que o título panorâmico do artigo deixaria antever. Deste modo, o universo de doentes sobre o qual este trabalho de consenso incidiu ficou reduzido a uma pequena fracção da totalidade dos doentes com CU moderada a grave.

Os autores referem que o objectivo do estudo consistiu na actualização do conhecimento quanto a novas terapêuticas de manutenção da remissão em doentes com CU moderada a grave e na sua adaptação à prática clínica nacional, através de recomendações baseadas na evidência. Na realidade, o grupo nominal centrou a sua atenção, fundamentalmente, na apreciação parcial ao uso de uma droga velha, a azatioprina e de uma nova, o infliximab.

Na realização da terapêutica imunossupressora utilizam-se 3 grupos de fármacos: análogos da tiopurina (azatioprina e 6-MP), metotrexato e inibidores da calcineurina (ciclosporina e tacrolimus). O papel da azatioprina na prevenção da recidiva é bem conhecido desde há mais de 3 décadas. Em trabalhos de meta-análise, previamente publicados, foram analisados o efeito poupador de corticoides, a continuidade vs descontinuidade do tratamento e a comparação com placebo na manutenção da remissão. Está estabelecido que a azatioprina é o único imunossupressor com inquestionável evidencia cientifica de eficácia na terapêutica de manutenção da CU. Nesta publicação foram salientadas limitações/desvantagens da azatioprina, nomeadamente, a inexistência de evidência de cicatrização da mucosa, o que é surpreendente pois os doentes em remissão não evidenciam lesões endoscópicas de actividade. Teria sido interessante, ao invés, considerar as vantagens da utilização da azatioprina face à realidade clínica nacional, descapitalizada.

O infliximab foi introduzido recentemente no tratamento da CU. Faz parte do grupo das drogas biológicas, cuja actuação incide sobre mediadores da inflamação (imunomoduladores). Todavia, neste trabalho o infliximab integra os medicamentos com efeito imunossupressor, conforme é evidente nas figuras e no texto, o que pode originar leituras tendencialmente diferentes.

Segundo os autores devido à crescente incidência da CU e ao impacto negativo na qualidade de vida, é fundamental fazer-se uma reflexão assertiva nesta doença, particularmente uma actualização do conhecimento e posicionamento terapêutico do infliximab. Naturalmente os doentes em remissão clínica estão praticamente assintomáticos e é da maior importância que continuem bem, pelo que a utilização de drogas com elevada toxicidade e até mortalidade impõe cuidada reflexão, posicionamento que não foi tido em conta.

Deste trabalho sobre a terapêutica de manutenção da remissão da CU resultaram duas conclusões: “Existe evidência de que, tanto o infliximab como a azatioprina são fármacos úteis na manutenção da remissão da CU” e “O infliximab deve ser considerado o fármaco de 1ª linha em doentes com CU moderada refractários à azatioprina”.

No que concerne à utilização de infliximab considero que não foi demonstrada evidencia que suporte as conclusões destiladas no presente estudo1. Com efeito, só é susceptível de poder ser afirmado o seguinte: apenas nos doentes em que a remissão é alcançada com o recurso ao infliximab, o prolongamento deste tratamento poderá, eventualmente, manter a remissão. Não existem estudos controlados randomizados para avaliação da eficácia das terapêuticas biológicas vs placebo na prevenção da recidiva na CU quiescente. Os estudos ACT1 e ACT2 avaliam a recidiva durante a extensão do período de follow-up, mas em nenhum deles é feita a re-randomização à semana 8, pelo que é impossível afirmar-se que o efeito de manutenção da remissão é devido ao infliximab2. Portanto, através de recomendações baseadas na evidência, objecto central desta publicação, não é possível transferir para o tratamento de manutenção da CU a eficácia comprovada no tratamento de indução da CU severa refractária.

Asseveram os autores que ”na sua pratica clínica, o médico deve sempre ter em conta as recomendações desta reunião”, bem como, “embora existam recomendações para o tratamento da CU a nível europeu, foi necessário adaptar estas recomendações à realidade clínica nacional”. Sem comentar a presunção gostaria de salientar que compete às Sociedades Cientificas e, particularmente, à SPG promover a actualização do conhecimento e o desenvolvimento da Gastrenterologia ao serviço da saúde da população portuguesa. É consabido que no âmbito da Doença Inflamatória Intestinal, desde há dois biénios que a SPG delegou em exclusividade as suas competências educacionais.

Pessoalmente não subscrevo as conclusões e recomendações do “painel de peritos”, matéria em que seguramente sou acompanhado pelo American College of Gastroenterology IBD Task Force, que muito recentemente sentenciou: “Data available were not sufficient to make a recommendation for biological therapy as maintenance therapy for UC and more studies are required”3.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Magro F, Benito-Garcia E, Cremers I, et al. Terapêutica de manu­tenção da remissão na colite ulcerosa moderada a grave. GE-J Port Gastrenterol 2011;18:170-178.         [ Links ]

2. Ford A C, Sandborn W J, Khan K J , et al. Efficacy of biological thera­pies in inflammatory bowel disease: systematic review and meta-analysis. Am J Gastroenterol 2011;106:644-659.         [ Links ]

3. Talley N J, Abreu M T, Achkar J-P, et al. An evidence-based systema­tic review on medical therapies for inflammatory bowel disease. Am J Gastroenterol 2011;106 (Suppl 1): S2-S25.         [ Links ]