SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.19 issue5Autoimmune liver disease in pediatric patients: review author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Jornal Português de Gastrenterologia

Print version ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.19 no.5 Lisboa Sept. 2012

 

Alterações manométricas esofágicas nos doentes diabéticos - questões por responder

 

Esophageal manometric findings in diabetic patients - unanswered questions

 

Eduardo Pires

Serviços de Gastrenterologia do Hospital Fernando Fonseca e do Hospital da Luz, Lisboa, Portugal

Correio eletrónico:eduardopires7@gmail.com

 

É reconhecido que os doentes diabéticos apresentam maior prevalência de sintomas gastrointestinais (GI)1, alguns dos quais atribuídos ao esófago, que condicionam importante morbilidade. A frequência dos sintomas relatada é inconstante mas quando indagado a disfagia pode ser detetada em cerca de 39% dos diabéticos2. Tradicionalmente estes sintomas têm sido atribuídos a disfunções motoras. Mandelstam et al. descreveram pela primeira vez alterações manométricas esofágicas associadas à diabetes em 19693. A função do esófago, aparentemente simples, de transportar os alimentos da boca para o estômago, requer um complexo processo neuromuscular subjacente que coordena o relaxamento dos 2 esfíncteres esofágicos, o superior (EES) e o inferior (EEI), bem como as ondas de contração sequenciais que percorrem o corpo do esófago conduzindo o bolo alimentar para a cavidade gástrica. A manometria esofágica continua a ser a técnica «gold standard» para detetar anomalias na motilidade esofágica. Existem hoje ao nosso dispor a manometria de alta resolução (método que utiliza um elevado número de sensores de pressão [até 36] que permite obter um mapa muito detalhado das alterações da pressão no corpo do esófago e nos esfíncteres) e a impedância intraluminal (método não-radiológico que permite a avaliação do fluxo anterógrado ou retrógrado no esófago através de alterações da condutividade elétrica durante a passagem do bólus) que podem contribuir para uma melhor caracterização das alterações motoras esofágicas4. As alterações da motilidade esofágica podem ser detetadas por  manometria em 50% dos doentes diabéticos. Não existe um padrão definido para estes doentes apresentando alterações inespecíficas da peristalse, como por exemplo peristalse ineficaz com ondas não-transmitidas, ondas bifásicas ou multipico, ondas simultâneas ou contrações espontâneas, ondas de duração aumentada e baixa amplitude, podendo raramente apresentar alterações semelhantes ao espasmo difuso esofágico5. A pressão do EEI pode também encontrar-se reduzida contribuindo para a ocorrência de refluxo gastroesofágico anormal nestes doentes5. A fisiopatologia destas alterações tem sido atribuída à neuropatia autonómica diabética irreversível (efeitos degenerativos no sistema nervoso autónomo com disfunção do nervo vago) encontrando-se, no entanto, trabalhos com resultados díspares que corroboram a controvérsia dos mecanismos responsáveis6,7. A hiperglicemia é outro fator que influencia a motilidade esofágica quer nos doentes diabéticos quer em indivíduos normais8. A hiperglicemia parece também afetar a perceção das sensações provenientes do tubo digestivo9. Os níveis de glicemia podem assim servir de modulador fisiológico das funções motora e sensorial gastrointestinais9,10. O fraco controlo da glicemia por si só tem sido descrito como responsável major dos sintomas GI nos diabéticos10,11. Outros fatores que poderão estar implicados são a duração da diabetes e a coexistência de patologia psiquiátrica embora falte evidência científica que o confirme12.

Neste número do Jornal Português de Gastrenterologia é publicado um artigo intitulado «Características manométricas do corpo esofágico em doentes diabéticos tipo 2 de acordo com a glicemia basal matinal» de Jorge JX et al.13. que pretende averiguar, num grupo de doentes diabéticos, a associação das alterações manométricas esofágicas com os diferentes níveis de glicemia Os autores deste trabalho apresentam um estudo realizado em 25 doentes com diabetes mellitus tipo ii, que dividem em 2 grupos de acordo com os níveis de glicemia em jejum: um com níveis inferiores ou iguais a 7 mmol/L, outro com níveis superiores a 7 mmol/L, submetidos a manometria esofágica estacionária de perfusão. Os resultados encontrados na avaliação da motilidade do corpo esofágico revelaram uma percentagem maior de ondas não-transmitidas no grupo de doentes com glicemias mais elevadas, sendo esta a única diferença estatisticamente significativa demonstrada entre os 2 grupos. Tal como reconhecido por Jorge JX et al.13 este trabalho inclui um número muito pequeno de doentes diabéticos o que limita as suas conclusões. Outros aspetos que tornam este estudo pouco robusto são: (1) a ausência de um grupo controlo não-diabético; (2) a inexistência de referência aos sintomas dos doentes, não só a nível gastrointestinal mas também a nível de complicações da própria diabetes (retinopatia, neuropatia periférica, nefropatia).

Outra crítica passível de ser colocada a este trabalho diz respeito à técnica de manometria utilizada. Em pleno século xxi, seria recomendado proceder a estudos de investigação da motilidade esofágica com a técnica combinada de manometria com impedância e, de preferência, utilizando a manometria de alta resolução.

A importância clínica das alterações manométricas encontradas no esófago continua incerta uma vez que a maioria dos doentes se encontra assintomática, apresenta uma dismotilidade silenciosa. No entanto, este estudo de Jorge JX et al.13 deixa em aberto uma questão interessante que consiste na hipótese de averiguar prospetivamente se um controlo mais eficaz dos níveis de glicemia induzirá uma reversibilidade nas alterações manométricas encontradas.

 

Bibliografia

1. Bytzer P, Talley NJ, Leemon M, Young LJ, Jones MP, Horowitz M. Prevalence of gastrointestinal symptoms associated with diabetes mellitus: a population-based survey of 15.000 adults. Arch Intern Med. 2001;161:1989-96.         [ Links ]

2. Holloway RH, Tippett MD, Horowitz M, Maddox AF, Moten J, Russo A. Relationship between esophageal motility and transit in patients with type I diabetes mellitus. Am J Gastroenterol. 1999;94:3150-7.         [ Links ]

3. Mandelstam P, Siegel CI, Lieber A, Siegel M. The swallowing disorder in patients with diabetic neuropathygastroenteropathy. Gastroenterology. 1969;56:1-12.         [ Links ]

4. Sifrim D, Fornari F. Non-achalasic motor disorders of the oesophagus. Best Pract Res Clin Gastroenterol. 2007;21: 575-93.         [ Links ]

5. Ahmed W, Vohra EA. Esophageal motility disorders in diabetics. J Pak Med Assoc. 2004;54:597-601.         [ Links ]

6. Ahmed W, Vohra EA. Esophageal motility disorders in diabetics with and without neuropathy. J Pak Med Assoc. 2006;56: 54-8.         [ Links ]

7. Kinekawa F, Kubo F, Matsuda K, Fujita Y, Tomita T, Uchida Y, et al. Relationship between esophageal dysfunction and neuropathy in diabetic patients. Am J Gastroenterol. 2001;96:2026-32.         [ Links ]

8. Zhang Q, Horowitz M, Rigda R, Rayner C, Worynski A, Holloway RH. Effect of hyperglycemia on triggering of transiente lower esophageal sphincter relaxations. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol. 2004;286:G797-803.         [ Links ]

9. Rayner CK, Smout AJ, Sun WM, Russo A, Semmler J, Sattawatthamrong Y, et al. Effects of hyperglycemia on cortical response to esophageal distension in normal subjects. Dig Dis Sci. 1999;44:279-85.         [ Links ]

10. Bytzer P, Talley NJ, Hammer J, Young LJ, Jones MP, Horowitz M. GI symptoms in diabetes mellitus are associated with both poor glycemic control and diabetic complications. Am J Gastroenterol. 2002;97:604-11.         [ Links ]

11. Rayner CK, Samsom M, Jones KL, Horowitz M. Relationships of upper gastrointestinal motor and sensory function with glycemic control. Diabetes Care. 2001;24:371-81.         [ Links ]

12. Clouse RE, Lustman PJ. Gastrointestinal symptoms in diabetic patients: lack of association with neuropathy. Am J Gastroenterol. 1989;84:868-72.         [ Links ]

13. Jorge JX, Iracema Borges C, Delgado FJ, Panão EA, Lima Silva A, Correia Coelho A, et al. Características manométricas do corpo esofágico em doentes diabéticos tipo 2 de acordo com a glicemia basal matinal. GE - J Port-Gastrenterol. 2012;19: 225-8.         [ Links ]