SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número2Infeções bacterianas no doente com cirrose hepáticaSífilis: uma causa rara de hepatite colestática índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.20 no.2 Lisboa mar. 2013

https://doi.org/10.1016/j.jpg.2012.07.001 

Migração de prótese esofágica para a região ileocecal

Esophageal prothesis migration to the ileocecal region

 

João Xavier Jorge , Luís Almeida e Sousa, Edgard Augusto Panão, Sofia Mendes, Mário Júlio Campos e Abel Cardoso Vale

Serviço de Gastrenterologia, Centro Hospitalar de Coimbra, Hospital dos Covões, Coimbra, Portugal

*Autor para correspondência

 

RESUMO

A colocação de próteses esofágicas metálicas autoexpansíveis é, na atualidade, uma das terapêuticas de eleição, entre as medidas paliativas, nos doentes com neoplasia esofágica estenosante inoperável. Todavia, a migração das próteses esofágicas continua a ser uma complicação importante. Reportamos um caso de um paciente de 66 anos de idade do género masculino, que tinha uma neoplasia do esófago distal, inoperável. Referia disfagia e apresentava-se muito emagrecido. Uma prótese metálica autoexpansiva coberta (Ultraflex) foi colocada e o paciente esteve assintomático durante 6 meses. Posteriormente, voltou a ter disfagia e retornou ao hospital. A radiografia do tórax não revelou a presença da prótese no esófago. Foi feita uma radiografia do abdómen que revelou a migração da prótese na fossa ilíaca direita. O paciente não referia obstipação nem dor abdominal. Uma segunda prótese foi colocada no esófago distal. Seis meses depois o paciente não tinha problemas em deglutir ou defecar.

Em conclusão, tratou-se de um caso de migração de prótese esofágica para a região ileocecal num paciente com neoplasia esofágica inoperável.

Palavras-Chave Migração; Prótese esofágica; Região ileocecal

 

ABSTRACT

Nowadays, esophageal stent is an important palliative treatment of inoperable esophageal cancer. However, stent migration is still a common complication. We report a case of a 66 years old that had an esophageal inoperable cancer of distal esophagus. The patient had total dysphagia and a significant weight lost. A covert self-expanding metal stent was placed and he stayed well during almost 6 months. After that period, the patient restarted having dysphagia and went back to the hospital. Chest radiography was performed and no image of the stent was observed. An abdominal radiography was made and observed the image of the stent in the right iliac fossa. The patient did not complain a defecation problems or abdominal pain. Another covert stent was placed in the distal esophagus. After 6 months the migrated stent remained in the same place and the patient had no problem in defecation or eating.

In conclusion, we described a case of stent migration to the ileo-cecal region, without signs of intestinal obstruction in a patient with an inoperable esophageal cancer

Keywords Migration; Esophageal stent; Ileo-cecal region

 

Introdução

As próteses esofágicas autoexpansíveis vieram revolucionar o tratamento paliativo das neoplasias esofágicas. A sua fácil aplicação e segurança aumentaram de forma significativa a sua utilização e têm permitido uma melhoria significativa na qualidade de vida daqueles pacientes1 (Bay J 2010). Todavia, a migração das próteses esofágicas continua a ser uma das suas complicações mais comuns1,2. A migração ocorre em cerca de 7 a 25% dos pacientes, podendo chegar até 42,7%3,4. Pode ser transparietal e resultar em lesões de órgãos vizinhos do esófago como são a traqueia, os brônquios ou os grandes vasos do tórax5,6, ou distal para outras porções do tubo digestivo7,8, podendo naquelas causar obstrução ou perfuração1,2 ou ser simplesmente eliminado por via rectoanal9. A migração de próteses para a região íleocecal e para o cólon tem sido descrita10.

Apresenta-se um caso de migração de prótese esofágica para a região íleocecal num paciente com tumor do esófago.

Caso clínico

Paciente de 66 anos de idade que foi enviado pelo médico de família ao hospital por apresentar quadro de disfagia moderada-severa (Disfagia Severity Rating Scale), com algumas semanas de evolução. Apresentava-se muito magro e desidratado, com marcada astenia. Tinha, há cerca de 18 meses, o diagnóstico de neoplasia (adenocarcinoma) do esófago distal em estádio inoperável, em estádio iii, por extensão das lesões para os gânglios hilares pulmonares e perigástricos observados por TAC torácica e abdominal. Tinha antecedentes de ablação tumoral esofágica com árgon plasma. As análises revelaram anemia ligeira de 10,4 g/dl normocrómica normocítica, com provas hepáticas e função renal normais. Foi decidida a colocação de uma prótese esofágica metálica autoexpansível coberta Ultraflex, da Boston Scientific, com 120mm de comprimento e 18 x 23mm de diâmetro, com libertação distal (fig. 1). Após a colocação da prótese, que decorreu sem complicações imediatas, o paciente começou a deglutir normalmente a dieta passada. Volvidos 6 meses, o paciente começou a ter novamente disfagia, recorreu ao hospital onde foi feita radiografia do tórax com o objetivo de verificar a presença da prótese no esófago. Não se visualizaram sinais da presença da prótese no esófago. Foi, de seguida, feita uma radiografia abdominal simples de pé que evidenciou a presença da prótese na fossa ilíaca direita (fig. 2). O paciente negava dor abdominal ou obstipação e a palpação abdominal era indolor. Decidiu-se pela colocação de uma nova prótese esofágica semelhante à primeira, não retirar a prótese que migrara, por não ter sinais aparentes de complicação local (fig. 3) e fazer um acompanhamento clínico mais frequente com, pelo menos, uma consulta mensal pelo médico de família. Seis meses depois de colocada a segunda prótese, o paciente continuava sem disfagia e a defecar sem dificuldades e sem dor abdominal.

 

 

 

 

Discussão

Com efeito, a elevada frequência de até 20% ou mais de migração das próteses esofágicas colocadas na transição esófago-gástrica, justifica e deve merecer a atenção de todos os clínicos que lidam com o processo da sua colocação e acompanhamento dos pacientes. O principal sinal de alarme, que pode indiciar uma eventual migração da prótese esofágica, é o reaparecimento da disfagia, surgida precoce ou tardiamente. O paciente deve ser instruído a recorrer de imediato ao seu médico ante o surgimento de tal sintoma, não apenas pela disfagia em si, mas também pelas complicações, às vezes catastróficas, que podem resultar da própria migração da prótese ao nível do tubo digestivo. No caso particular da migração da prótese esofágica para a região íleocecal, a obstrução intestinal e a perfuração são 2 complicações graves descritas1,2,10. A migração do tubo digestivo para aquela região sem complicações locais aparentes não é descrita como sendo comum, razão pela qual consideramos este caso interessante. De qualquer forma, casos semelhantes devem merecer um rigoroso seguimento perante o risco de surgirem complicações tardias.

Em caso de migração para a região íleocecal, a remoção endoscópica, mais utilizada na migração para o estômago, pode ser um recurso eficaz11, mas pode condicionar uma remoção cirúrgica4. De qualquer forma, a decisão de remover uma prótese que migrou distalmente e o método de o fazer devem merecer uma avaliação criteriosa, caso a caso, pelos riscos que podem acarretar12.

Considera-se que a escolha da prótese adequada, particularizando aspetos como as suas dimensões e estrutura (helicoidal, coberta, Niti-S stent), pode contribuir para a diminuição do risco de migração13. Todavia, mesmos acautelando estes aspetos, o risco de migração das próteses esofágicas, particularmente do esófago distal, é muito elevado. Tal migração resulta principalmente da dinâmica motora esofágica e gastrointestinal, podendo ser esta a única razão para a sua migração no caso descrito. O recurso à fixação mecânica com endoclips da prótese na mucosa esofágica tem sido utilizado e discutido14,15, mas os resultados não são consensuais. Assim, o seguimento clínico, radiológico e endoscópico parece ainda ser o método mais eficaz para monitorizar ou resolver eventuais complicações.

Em conclusão, tratou-se de um caso de migração de prótese esofágica autoexpansível coberta para a região ileocecal sem complicações locais, num paciente com neoplasia inoperável do terço distal do esófago.

 

Bibliografia

1. Bay J, Penninga L. Small bowel ileus caused by migration of oesophageal stent. [Article in Danish] Ugeskr Laeger. 2010;172:2234-5.         [ Links ]

2. Harries R, Campbell J, Ghosh S. Fractured migrated oesophageal stent fragment presenting as small bowel obstruction three years after insertion. Ann R Coll Surg Engl. 2010;92:W14-5.         [ Links ]

3. Ko HK, Song HY, Shin JH, Lee GH, Jung HY, Park SI. Fate of migrated esophageal and gastroduodenal stents: experience in 70 patients. J Vasc Interv Radiol. 2007;18:725-32.         [ Links ]

4. Johnson E, Enden T, Noreng HJ, Holck-Steen A, Gjerlaug BE, Morken T, et al. Survival and complications after insertion of self-expandable metal stents for malignant oesophageal stenosis. Scand J Gastroenterol. 2006;41:252-6.         [ Links ]

5. Turkyilmaz A, Eroglu A, Aydin Y, Kurt A., Kurt A, Bilen Y, Karaoglanoglu N. Complications of metallic stent placement in malignant esophageal stricture and their management. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2010;20:10-5.         [ Links ]

6. An HJ, Lee HY, Kim BW, Park SM, Ji JS, Lee BI, et al. Endoscopic removal of a migrated esophageal self-expandable metal stent after compression with detachable snares through an intact esophageal stent. Gastrointest Endosc. 2010;71:205-7.         [ Links ]

7. Furlong H, Nasr A, Walsh TN. Gastropleural fistula: a complication of esophageal self-expanding metallic stent migration. Endoscopy. 2009;41 Suppl. 2:E38-9.         [ Links ]

8. Clerc C. Fate of migrated esophageal and gastroduodenal stents: experience in 70 patients. J Vasc Interv Radiol. 2008;19:154.         [ Links ]

9. Oh YS, Kochman ML. Polyflex esophageal stent migration with elimination per rectum. Gastrointest Endosc. 2007;66:633.         [ Links ]

10. Macdonald AJ, Drummond RJ, Wright DM. Migration of a metal esophageal stent presenting as obstruction at the ileocecal valve 2 years postinsertion. Endoscopy. 2007;39 Suppl. 1:E190.         [ Links ]

11. Shah MB, Jajoo K. Endoscopic retrieval of a migrated esophageal stent in the cecum. Endoscopy. 2010;42 Suppl. 2:E245-6.         [ Links ]

12. De Palma GD, Iovino P, Catanzano C. Distally migrated esophageal self-expanding metal stents: wait and see or remove? Gastrointest Endosc. 2001;53:96-8.         [ Links ]

13. Verschuur EM, Homs MY, Steyerberg EW, Haringsma J, Wahab PJ, Kuipers EJ, et al. A new esophageal stent design (Niti-S stent) for the prevention of migration: a prospective study in 42 patients. Gastrointest Endosc. 2006;63:134-40.         [ Links ]

14. Manes G, Corsi F, Pallotta S, Massari A, Foschi D, Trabucchi E. Fixation of a covered self-expandable metal stent by means of a polypectomy snare: an easy method to prevent stent migration. Dig Liver Dis. 2008;40:791-3.         [ Links ]

15. Silva RA, Dinis-Ribeiro M, Brandão C, Mesquita N, Fernandes N, Lomba-Viana H, et al. Should we consider endoscopic clipping for prevention of esophageal stent migration? Endoscopy. 2004;36:369-70.         [ Links ]

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver «conflito de interesses».

 

*Autor para correspondência

Correio eletrónico: Cambombo@hotmail.com  (J.X. Jorge).

 

Recebido a 12 de julho de 2011; aceite a 5 de agosto de 2011