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Jornal Português de Gastrenterologia

Print version ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.20 no.4 Lisboa July 2013

https://doi.org/10.1016/j.jpg.2013.07.001 

EDITORIAL

 

Critérios diagnósticos na hepatite auto-imune

Diagnostic scoring systems for autoimmune hepatitis

 

Sara Folgado Alberto

Serviço de Gastrenterologia, Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca EPE, Amadora, Portugal

Correio eletrónico: sarafalberto@gmail.com

 

A Hepatite auto-imune é uma doença hepática crónica, de etiologia desconhecida, que afecta indivíduos de qualquer idade, género (principalmente mulheres) ou raça e que se caracteriza por hipergamaglobulinemia, autoanticorpos, hepatite da interface e boa resposta à terapêutica imunossupressora1,2. Apesar de algumas características nos poderem ajudar na sua suspeita, a heterogeneidade da apresentação clínica, a inexistência de um achado clínico ou laboratorial típico e a necessidade de exclusão de outras hepatopatias torna o diagnóstico da hepatite auto-imune um desafio2,3. Para dificultar ainda mais, existe um espectro de doenças auto-imunes, cujas características clinicas e laboratoriais se sobrepõem à HAI e que podem coexistir no mesmo doente, como os síndromes de sobreposição3,4.

Pela necessidade de comparar grupos de doentes, foi criado, em 1993, um score diagnóstico numa tentativa de homogeneizar os critérios diagnósticos de hepatite autoimune, pelo International Autoimmune Hepatitis Group5. Em 1999, a revisão desses critérios (chamados critérios clássicos) de diagnóstico tornou-os mais específicos para a exclusão de outras patologias auto-imunes e passou a incluir também a resposta à terapêutica6. Por serem complexos e difíceis de usar na prática clinica diária, foi publicado, em 2008, um score mais simplificado que inclui apenas 4 itens: título de auto-anticorpos, níveis de IgG, histologia hepática e exclusão de hepatite vírica7. Estes critérios de diagnóstico simplificados, embora não validados em estudos prospectivos mostraram uma elevada sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de hepatite auto-imune2,7,8.

Assim, os critérios diagnósticos clássicos foram criados para comparar grupos diferentes de doentes em cenário de investigação clínica, excluem os síndromes de sobreposição difíceis de aplicar na prática clínica. Como são usados na identificação dos doentes com hepatite auto-imune terão, por definição, sensibilidade de 100%1-3,9,10.

Os critérios de diagnóstico simplificados são menos sensíveis (sensibilidade de 80 a 88%) mas mais específicos (97 a 99%) pois foram concebidos para serem aplicados na prática clínica1,3,9.

Desde então têm-se tentado comparar estes 2 sistemas de critérios diagnósticos numa comparação que é ingrata e quase impossível.

Se não há um gold standard diagnóstico qual vai ser a base da comparação? Como comparar 2 sistemas de critérios criados para fins diferentes? Como comparar 2 sistemas em que a seleção dos doentes é feita a partir de um deles?

Os vários estudos existentes, apesar maioritariamente retrospectivos e com pequenas amostras, confirmam a aplicabilidade e fiabilidade dos critérios simplificados em várias populações distintas. O grau de concordância entre os 2 sistemas de critérios tem sido descrito mesmo em indivíduos com coexistência de outras hepatopatias crónicas com hepatite auto-imune de apresentação aguda8,10-14.

Do mesmo modo, o estudo de Correia L. et al15 compara estes 2 sistemas de classificação numa população portuguesa. Apesar da sua pequena amostra, tem a vantagem de incluir várias formas de apresentação (crónica, aguda e fulminante) e de um seguimento longo, permitindo a avaliação pós terapêutica.

Em 7.1% não foram detectados os anticorpos padrão mas também não foram avaliados outros anticorpos menos frequentes na hepatite auto-imune.

A presença de auto-anticorpos é importante e faz parte de ambos os critérios de classificação, com valores de titulação com diferente pontuação. Alguns estudos mostram que eles podem não estar presentes ou ocorrerem outros anticorpos menos típicos3,8. Os anticorpos típicos da hepatite auto-imune são comuns em outras doenças hepáticas crónicas, sendo a sua existência simultânea mais útil no diagnóstico do que a sua presença isolada8.

O nível de concordância entre os 2 sistemas de classificação foi menor no estudo de Correia L. et al15 do que em outros estudos, com os critérios simplificados a excluírem 15% (6 doentes) do diagnóstico de hepatite auto-imune.

A diferença de pontuação entre diagnóstico provável e definitivo de hepatite auto-imune relaciona-se principalmente com o título de anticorpos, no entanto, sabemos que a sua concentração pode variar no curso da doença.3,8. Assim, a diferença entre hepatite auto-imune definitiva ou provável pode apenas representar esta variação temporal e não subgrupos fenotipicamente diferentes3. Se estudos posteriores confirmarem esta hipótese resta apenas comparar estes 2 sistemas sobre a exclusão da doença.

Os doentes diagnosticados pelos critérios simplificados têm características clínicas mais típicas do que os doentes diagnosticados pelos critérios clássicos9. Tendo em conta que a sensibilidade representa a taxa de verdadeiros positivos e a especificidade a taxa de verdadeiros negativos é de esperar que os critérios simplificados sejam menos sensíveis, pois foram criados para a pratica clinica diária, isto é, para excluir os doentes sem hepatite auto-imune9.

Em vez de tentar comparar estes 2 sistemas de classificação poderemos pensar que os critérios simplificados poderão ser usados numa abordagem inicial, ficando os critérios clássicos reservados para os casos mais atípicos de HAI, o que também é discutido por Correia L. et al2,9,15.

Até à data, biopsia hepática é fundamental, sendo um dos itens avaliados em qualquer um dos critérios de classificação e também para a decisão de paragem de terapêutica. Permite obter um diagnóstico, diferenciar os síndromes de sobreposição, excluir hepatite auto-imune e orientar a terapêutica3,16.

O objectivo de toda esta discussão é identificar os doentes com hepatite auto-imune para um tratamento atempado mas se se tivesse de escolher um item gold standard diagnóstico, seria talvez a resposta à terapêutica imunossupressora, incluída nos critérios clássicos de 1999 mas não nos critérios simplificados1,6,7,16.

Em conclusão, não podemos esquecer que ainda é o bom senso clínico que impera e o importante é um diagnóstico clínico e atempado. O diagnóstico da hepatite auto-imune é difícil e os critérios de diagnóstico foram criados para ajudar e não para dificultar a vida do clínico. Por definição os critérios clássicos terão sensibilidade de 100% e os 2 sistemas de critérios de classificação poderão não ser comparáveis mas terem papeis diagnósticos complementares.

Não podemos esquecer, que estes critérios não foram feitos para identificar síndromes de sobreposição e, na suspeita de autoimunidade, a biopsia hepática ainda é fundamental sendo, por vezes, o melhor árbitro e guia terapêutico. Seria útil uma comparação entre os 2 sistemas de classificação na determinação que doentes necessitariam realmente de biopsia hepática e quais beneficiariam com a terapêutica imunossupressora.

Para além da necessidade de uma validação em grandes estudos prospectivos dos critérios simplificados, temos ainda por esclarecer se haverá algum critério de classificação melhor para uma determinada população. Será este baixo valor de concordância obtido no artigo de Correia L. et al15 um aviso que os critérios simplificados não serão os ideais para a nossa população? Qual o melhor score para a nossa população portuguesa? Esperamos que este estudo seja o primeiro de vários para obtenção das nossas respostas.

 

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