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Jornal Português de Gastrenterologia

Print version ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.21 no.1 Lisboa Feb. 2014

https://doi.org/10.1016/j.jpg.2013.04.006 

EDITORIAL

 

Avaliação da natriurese no doente cirrótico: determinação pontual Na + /K + na urina ou doseamento de sódio na urina de 24 horas?

Natriuresis in cirrhotic patients: Spot urine determination Na + /K + or 24 hour urine sodium?

 

Susana Lopes

Serviço de Gastrenterologia, Centro Hospitalar de São João, Porto, Portugal

Correio eletrónico: su.isa.lopes@gmail.com

 

A ascite é a complicação mais frequente da cirrose, com metade dos doentes desenvolvendo ascite aos 10 anos de seguimento, o que se traduz num compromisso da sobrevida, com mortalidade de 50% aos 2 anos1. A formação da ascite deve-se àativação de mecanismos neuro-hormonais, cujo resultado é a retenção renal de sódio e água. Torna-se, pois, evidente que para a mobilização do líquido ascítico é necessário obter um balanço negativo de sódio, o que é possível pela limitação da sua ingestão e pela utilização de diuréticos. A maioria dos doentes (90%) obtém uma resposta adequada com esta estratégia e na minoria considerada como ascite refratária outras opções terapêuticas deverão ser adotadas (paracenteses de repetição, TIPS, shunts cirúrgicos ou transplante hepático)2,3. Um dos grandes obstáculos ao controlo eficaz da ascite é a dificuldade dos doentes em aderirem a um regime alimentar hiposalino, o que compromete a resposta à dose máxima de diuréticos e por vezes os classifica erradamente como tendo ascite refratária. Um dos objetivos do tratamento é aumentar a excreção urinária para mais de 78 mmol/dia. Uma das formas de se avaliar a adesão à dieta restritiva em sal, bem como a resposta aos diuréticos, e uma estratégia de primeira linha quando a perda de peso é menor do que a esperada, é a determinação da excreção urinária de sódio no período de 24 horas4. Esta determinação, num número significativo de casos, não é totalmente correta nem fidedigna, devido à dificuldade dos doentes em efetuarem a recolha total do débito urinário. São várias as tentativas de se ultrapassar esta limitação, como seja a determinação de sódio em amostra isolada de urina, a natriurese induzida pela furosemida ou a razão Nau/Ku em amostra isolada de urina. A determinação, numa amostra isolada, do sódio urinário é comprometida pela excreção não uniforme ao longo do dia, tendo algum interesse apenas quando os valores se situam nos extremos (0 mmol/L ou > 100 mmol/L). A razão Nau/Ku tem mostrado boa correlação com Nau24h ≥78 mmol/dia, com valores cutoff variando entre os diferentes trabalhos5-7. Segundo as orientações da AASLD, nos doentes que não respondem ao tratamento diurético deve ser feita a quantificação da excreção de sódio de forma a determinar se os doentes ingerem mais sal do que o permitido ou beneficiam do aumento dos diuréticos3.

Nesta edição do GE, Marcos da Silva et al. publicam um trabalho que pretendeu comparar a determinação pontual de sódio urinário com a determinação de sódio na urina de 24 horas para avaliação da natriurese em doentes cirróticos com ascite, numa população da América Latina. Neste estudo transversal foram incluídos 20 doentes em regime de ambulatório ou internamento, observados num período de 18 meses. Este grupo de doentes era predominantemente do sexo masculino, com idade média de 54 anos. Relativamente à etiologia da doença hepática verificou-se um predomínio da doença hepática alcoólica, com ou sem infeções associadas por vírus hepatotrópicos, sendo de salientar a prevalência mais elevada de infeção por VHB e VHC, comparativamente aos países europeus. De acordo com o esperado e já anteriormente reportado, os doentes com maior compromisso de função hepática (score MELD mais elevado) foram também os que apresentaram menor excreção de sódio na urina, verificando-se correlação entre a determinação da Nau/Ku e a excreção urinária diária de sódio. Ao contrário do observado noutros trabalhos, não se verificou diferença entre o grupo com baixa excreção e o grupo com Nau24h≥78 mEq, relativamente a indicadores de hipertensão portal (plaquetas e leucócitos), de compromisso da função renal (ureia) ou compromisso da excreção de água livre, secundário a ativação neuro-hormonal (elevados níveis de ADH), traduzido por valores mais baixos de sódio sérico. Relativamente à correlação entre a determinação ocasional da razão Nau/Ku e a determinação Nau24h, este trabalho vem confirmar o que tem sido descrito, com uma acuidade de 80%, PPV e NPV de 90%, para um cutoff de 15,6,8,9, sugerindo que este método pode ser utilizado com fiabilidade na prática clínica da avaliação dos doentes com ascite.

Este estudo vem, mais uma vez, reforçar a importância da medição da excreção urinária de sódio nos doentes cirróticos complicados com ascite, de forma a poder identificar corretamente os que beneficiam dum aumento das doses de diuréticos, evitando as complicações do seu incremento desnecessário e inadequado e da realização de manobras invasivas, nomeadamente paracenteses de grande volume. A dificuldade na recolha da urina de 24 horas é assim ultrapassada com a determinação pontual da razão sódio/potássio na urina, que apresenta uma elevada acuidade diagnóstica (80%), sobreponível aos dados disponíveis na literatura.

Poderíamos argumentar que a determinação isolada desta razão não refletiria a verdadeira excreção de sódio ao longo do dia, mas Park et al.7 e Stiehm et al.6 já demonstraram que a variação da excreção de potássio é proporcional à do sódio pelo que a razão se mantém constante.

Como limitação a este trabalho realça-se a não avaliação da acuidade, sensibilidade e especificidade de diferentes cutoff na razão Nau/Ku, uma vez que permanece por estabelecer qual o melhor cutoff a utilizar (cutoff mais elevados associam-se a um ganho de especificidade embora cada um dos estudos envolva um número limitado de doentes10,11), nem a influência de diferentes esquemas de diuréticos nessa variação.

Não podemos deixar de realçar que a perspetiva apontada por Marcos da Silva et al. tem grande aplicabilidade prática e poderá conferir uma maior segurança na tomada de decisões a todos os clínicos que orientam estes doentes em equilíbrios frágeis, excessivamente expostos ao empirismo ou intuição do que à evidência científica.

 

Bibliografia

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