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Forum Sociológico

Print version ISSN 0872-8380On-line version ISSN 2182-7427

Forum Sociológico  no.40 Lisboa June 2022  Epub July 29, 2022

https://doi.org/10.4000/sociologico.10490 

Dossiê - Envelhecimento, ciclo de vida e desafios societais

(In)sustentabilidade dos mais novos: O preço para as gerações idosas

(Un)sustainability of the youngest: The price for older generations

iUniversidade de Évora, Escola de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia, 7000-803 Évora, Portugal


Resumo

O número de pessoas idosas tem crescido de forma contínua ao longo dos anos, ocupando um lugar de destaque nos estudos e nas discussões da atualidade. Se por um lado, a família mais próxima tem um papel chave como rede informal que presta apoio no cuidado dos idosos, por outro, observa-se que os filhos adultos necessitam do apoio dos seus pais. Neste artigo, tendo como objetivo a melhor compreensão deste fenómeno e contando com os contributos de autores como Suiter, Glasser e Drake, foi conduzida uma investigação qualitativa com aplicação de entrevistas exploratórias semiestruturadas. A partir da sua análise, verificou-se que os pais idosos acreditam prestar mais apoio aos filhos adultos do que o inverso, e que, na generalidade, todos estes pais parecem assimilar o apoio prestado como uma responsabilidade parental, sem refletirem muito sobre os efeitos do mesmo.

Palavras-chave: apoio; intergeracional; familiar

Abstract

The number of elderly people has grown continuously over the years, occupying a prominent place in current studies and discussions. If, on the one hand, the closest family plays a key role as an informal network that provides support in caring for the elderly, on the other hand, adult children also need the support of their parents. In this article, aiming at a better understanding of this phenomenon, with the contributions of authors such as Suiter, Glasser and Drake, a qualitative investigation was carried out using semi-structured exploratory interviews. The analysis indicates that elderly parents believe they provide more support to their adult children than the opposite, and that, in general, all these parents seem to assimilate the support provided as a parental responsibility, without reflecting much on its effects.

Keywords: support; intergenerational; familiar

Introdução

A família tem uma posição de destaque nas relações e no cuidado dos idosos. Oferecendo-se enfoque aos filhos já adultos, e sendo estes que costumam ajudar de forma mais facilitada os pais idosos com tarefas como ir às compras, cuidar da casa, tomar banho, vestir, etc., importa perceber se também os idosos têm uma posição diferenciada na prestação de apoio à família, nomeadamente para com os seus descendentes, os filhos. Este artigo tem como objetivo principal compreender e descrever os vários tipos de apoio que os pais idosos dão aos seus filhos adultos, quais são as causas que fundamentam essa disponibilização de apoio por parte dos pais, e como este apoio se manifesta e é percecionado. Sendo caracterizado como indispensável o apoio que os filhos adultos prestam aos pais idosos numa altura mais tardia da sua vida, a questão que se coloca é a seguinte: de que forma se torna também indispensável o auxílio que os pais idosos prestam aos seus filhos na sua fase adulta?

Umas das transformações sociais que se tem manifestado de forma mais expressiva é o envelhecimento da população. No mundo inteiro, assiste-se ao crescimento vertiginoso do número e da proporção das pessoas idosas, de tal forma que se estima que o número de indivíduos com 60 ou mais anos não só duplique até 2050, como triplique até 2100. O continente europeu é aquele que tem uma maior percentagem de população com 60 ou mais anos (25%) (Organização das Nações Unidas (ONU), 2022). Em Portugal, no ano de 2019 contava-se com 2,3 milhões de pessoas com mais de 65 anos, 22% da população portuguesa, sendo esta caracterizada por percursos, estilos de vida, características individuais e redes familiares diferentes (Moreira, 2020). Este fenómeno, fruto do progresso, que é tratado por uma grande parte da literatura sobre o estado social como um ‘problema’ para a sustentabilidade das políticas sociais, acarreta consequências para todos os setores da sociedade, como é o caso do mercado laboral e financeiro, da procura de bens e serviços (e.g., habitação), dos transportes, da proteção social, das estruturas familiares e dos laços intergeracionais.

As famílias, nomeadamente cônjuges e filhos, fazem parte da rede informal que mais cuida e dá apoio aos idosos que não se encontram institucionalizados. De facto, este cuidado acaba por fomentar a autonomia, saúde mental e o nível de satisfação que os indivíduos que se encontram dentro desta faixa etária têm com a vida, principalmente, devido às contínuas alterações e ao empobrecimento das redes sociais, causado pelas transformações familiares que advêm do processo de envelhecimento, como é o caso da viuvez, da reforma ou da mobilidade dos mais jovens para outras regiões ou países (Moreira, 2020).

Neste sentido, alguns estudos que remontam a data da obra Suicídio de Durkheim (1897), demonstram que as relações sociais oferecem apoio emocional, social e económico que potencia o bem-estar físico e emocional ao longo da vida (House et al., 1988 em Carr & Moorman, 2011). As relações sociais são um conceito composto por várias estruturas, funções e qualidades. Estas relações podem ser baseadas em laços legais, na ‘partilha de sangue’, no status coresidencial, ou simplesmente pelo carinho e desejo de conexão mútua, variando também, no que diz respeito à voluntariedade, permanência e duração. Os laços familiares, nomeadamente aqueles que são compostos por indivíduos do mesmo sangue, como pais, irmãos e filhos, são laços involuntários que se baseiam num sentimento forte de obrigação e por isso não são colocados de lado ou abandonados facilmente (Litwak, 1985 em Carr & Moorman, 2011).

O papel da família

Com a evolução populacional, tem-se observado o progressivo crescimento do número de idosos, emergindo algumas questões ligadas ao processo de envelhecimento, nomeadamente o papel da família no cuidado e nas relações interpessoais com estes. Desta forma, interessa perceber pormenorizadamente como as relações familiares, sobretudo entre pais e filhos, se têm vindo a manifestar, e se, para além do cuidado e apoio familiar que os filhos disponibilizam aos seus pais quando estes necessitam, o contrário também acontece, ou seja, se os pais também têm ou não um papel de destaque no fornecimento de vários tipos de apoio aos seus filhos adultos.

Geralmente, a população idosa vive em casal sem presença de filhos ou em famílias unipessoais (sós), resultante da sua condição conjugal, da independência dos filhos, da autonomia física, mental e financeira. Quando uma dessas variáveis falha, a coresidência ou ampliação das famílias pode ser uma estratégia benéfica tanto para as gerações mais novas como para as mais velhas (Camarano, 2020). Assim, a família pode ser entendida como a fonte de apoio informal mais importante para os seus constituintes, sendo, em muitos países, a única alternativa de apoio. Esta situação verifica-se tanto pela coresidência, como pela transferência de bens, serviços e recursos financeiros, pois dentro de uma família todos se ajudam mutuamente a alcançar o bem-estar coletivo, “(…) constituindo um espaço de ‘conflito cooperativo’ onde se cruzam as diferenças de género e intergeracionais. Daí surge um leque variado de arranjos familiares.” (Camarano, 2020, p. 4170).

O apoio

Tem sido bastante percetível que os pais, de uma forma geral, dão mais apoio aos filhos do que recebem (Fingerman et al., 2009 em Drake et al., 2017), continuando a figurar-se como um apoio fulcral na vida dos seus filhos, mesmo quando estes já não são crianças e atingem a idade adulta. De facto, a paternidade vai para além da idade adulta e os relacionamentos pais-filhos continuam a ter uma posição privilegiada ao longo da vida.

O início da década de 1980 foi marcado precisamente pelos estudos das relações pai-filho adulto. Neste período vários estudos (Bengtson & DeTerre, 1980 em Suitor et al., 2011) verificam o contínuo fornecimento de cuidados e apoios da generalidade dos filhos (principalmente filhas) aos pais idosos, apesar da existência de várias mudanças sociais potencialmente ameaçadoras. Ainda na mesma altura, foi explorado o fluxo de apoio entre gerações, destacando-se um padrão onde os pais idosos dão mais apoio aos filhos adultos do que recebem, pelo menos até aos 70 ou 80 anos (A. S. Rossi & P. H. Rossi, 1990; Cooney & Uhlenberg, 1992; Umberson, 2006 em Suitor et al., 2011), altura em que começam a surgir mais problemas de saúde nos idosos.

Este tipo de apoio prestado de pais para filhos adultos varia conforme o período da vida em que estes se encontram, no entanto, pode ser observado um conjunto de formas de apoio disponibilizadas frequentemente pelos pais idosos: o cuidar das crianças (netos), o apoio emocional, as tarefas de limpeza e manutenção da casa (coincidente com o início da extensão familiar), e por fim, a assistência financeira, quando os filhos se encontram na fase tardia da meia-idade (Cooney & Uhlenberg, 1992; Swartz, 2009 em Suitor et al., 2011). É necessário ressaltar que o apoio prestado na forma de cuidados infantis e tarefas domésticas acaba por ser também uma ajuda financeira disponibilizada pelos idosos, já que através deste apoio os encargos dos filhos diminuem e poupam na requisição de auxílio externo pago. Aliás, segundo os cálculos de Silverstein e colegas, estes filhos acabam por poupar, graças aos pais, entre 17 a 29 biliões de dólares (Gans & Silverstein, 2006 em Suitor et al., 2011).

A creche das avós

Analisando esta última questão mais pormenorizadamente, observa-se, na Europa, uma tendência para serem as avós mais jovens, instruídas, saudáveis, com netos mais jovens (menos de seis anos), que apresentam maior probabilidade de disponibilizar cuidados de creche. Na mesma linha de raciocínio, o envelhecimento da população, o aumento das mães trabalhadoras, e o elevado número de separações e divórcios, são outras causas para o aumento da probabilidade de os avós desempenharem um papel de destaque na vida familiar. Ressaltam-se aqui, os poucos direitos e quase nenhum reconhecimento dos idosos, tanto pelas famílias como pelo Governo (Glaser et al., 2013).

Em Portugal, Espanha, Itália e Roménia, devido às baixas prestações sociais pagas aos pais e mães que ficam em casa, às poucas estruturas formais acolhedoras de crianças, às poucas oportunidades para as mães trabalharem a tempo parcial, e por as mães empregadas trabalharem mais de 40 horas por semana, é sobre os avós que recai o grande apoio no cuidado dos netos. Na verdade, em Portugal, 70,5% dos avós fazem parte da rede direta de apoio parcial das famílias, oferecendo ajuda financeira, no cuidado dos netos ou na disponibilização de outros apoios (Aboim et al., 2013 em Jorge & Lind, 2016). O nosso país é um dos que apresenta uma maior percentagem de mulheres com filhos (com menos de seis anos) trabalhadoras a tempo inteiro e onde a prestação de cuidados intensivos por parte dos avós (diários ou de mais do que 15 horas por semana) é superior aos cuidados ocasionais ou menos intensivos (Glaser et al., 2013 em Jorge & Lind, 2016).

Perante esta posição de destaque dos pais idosos na vida dos filhos e netos, torna-se necessário compreender como se pode combinar a prestação de cuidados informais fornecidos por estes, em complementaridade com a preservação dos seus empregos remunerados, pois são os avós mais jovens, com melhores condições de saúde e com uma maior probabilidade de tomar conta dos netos, que os Governos de toda a Europa pretendem incentivar a manter os seus empregos remunerados mais tempo, com o objetivo de aumentar a produtividade, financiar as suas próprias pensões, cuidados de saúde e assistência social numa altura mais tardia da sua vida. Outro desafio associado a este tema é:

Tendo em conta que as avós com idades entre os 50 e os 69 anos que não exercem empregos remunerados são as que apresentam maiores probabilidades de prestar cuidados infantis, os planos dos governos europeus para o aumento das idades de reforma e da participação feminina na vida profissional em idades mais avançadas são suscetíveis de entrar em conflito com o papel dos avós no que se refere à prestação de cuidados infantis. Isto terá implicações significativas ao nível da participação das mães mais jovens no mercado de trabalho e na obtenção de pensões e de segurança financeira por parte das mulheres de meia-idade. (Glaser et al., 2013, p. 3)

Assim, é necessário refletir e promover políticas sociais que apoiem a preservação destas relações sociais de avós e netos, pois estas, para além de complexas são também potencialmente frágeis (Glaser et al., 2013).

Ah… o dinheiro

Na tentativa de compreender mais detalhadamente as motivações por de trás do apoio financeiro concedido pelos pais aos seus filhos adultos, constata-se a existência de uma grande influência de algumas variáveis na propensão dos pais idosos darem este tipo de apoio aos seus filhos. Fingerman et al. (2009), verificou que um filho adulto carenciado ao nível de saúde ou financeiro, recebe mais apoio dos pais do que um irmão que não se encontre na mesma situação (Drake et al., 2017). Por outro lado, para além de se percecionar a influência da variável idade nesta questão, - quanto mais novo o filho for, maior probabilidade tem de receber apoio - também a estrutura familiar parece influenciar o sentido de obrigação que os pais atribuem ao apoio financeiro concedido aos filhos. Neste caso, percebe-se que tanto pais solteiros como pais com um número maior de filhos têm atitudes menos positivas a disponibilizar ajuda financeira aos filhos (Aquilino, 2005; Fingerman et al., 2009 em Drake et al., 2017). O género também é outro fator importante, pois observa-se que as mães são mais a favor de dar apoio financeiro aos seus filhos do que os pais. Já o contrário sucede na Noruega, Alemanha e França, onde as mães estão menos dispostas a apoiar financeiramente os filhos, em comparação com os pais. O género dos filhos parece, ainda, ter impacto nesta questão, pois algumas pesquisas demonstram que as filhas recebem mais ajuda financeira dos pais, podendo-se justificar pela maior probabilidade de estas virem a ser mães solteiras e terem uma maior predisposição, tal como também é esperado, para ajudar os seus pais. Por último, são famílias com um status socioeconómico familiar mais elevado (económico e educacional) que sentem um maior nível de obrigação de apoiar financeiramente os filhos (Drake et al., 2017).

A perceção

Através do desenvolvimento de pesquisas interculturais, foi possível observar que as populações de diferentes nações têm perceções distintas no que respeita a crenças sobre apoio intergeracional. No contexto europeu, no ano de 2011, Daatland et al. (Drake et al., 2017) perceberam que as normas de apoio à família eram mais fortes e rígidas na parte do sudeste da Europa, do que no nordeste. As nações do sudeste, como a Geórgia, são mais propensas a crer que os membros da família não só se devem ajustar como ajudar mutuamente e incondicionalmente. Já em sentido oposto, muitas nações ocidentais (individualistas) com fortes sistemas de apoio ao bem-estar social, como a Noruega, têm normas de obrigação mais abertas e incluem outros fatores, como o nível de afeto na relação entre pais e filhos (Drake et al., 2017). Neste sentido, também é importante referir aqui a associação entre o apoio financeiro e o sentimento de afeto, uma vez que os familiares vão dar mais apoio financeiro a quem têm mais afeto (Fingerman et al., 2010 em Drake et al., 2017).

A geração canguru

Durante a década de 80, vários estudos demonstraram que existia uma contínua coresidência ou o retorno dos filhos adultos às casas dos seus pais, sendo que o principal motivo era o estado financeiro ou emocional do filho adulto e não as necessidades dos pais idosos. Na verdade, o termo “Geração Canguru” pode ser utilizado para descrever estas famílias, na medida em que os filhos depois de atingirem a idade adulta, continuam a viver com os seus pais (Ferreira, 1999 em Kublikowski & Rodrigues, 2016), tanto em busca de apoio financeiro como emocional. Este termo e a sua definição, tem uma dimensão socioeconómica que o define e pode ser explicada através de práticas que existem sobretudo no Brasil, onde é comum encontrar filhos com problemas económicos, já casados e com filhos, a viver com os pais tanto na mesma casa como nos ‘puxadinhos’, sendo estas habitações construídas na propriedade dos pais, o que acaba por beneficiar financeiramente as duas gerações. Há também registo de “Cangurus Fora da Bolsa”, que são filhos que vivem fora de casa, mas são dependentes tanto financeira (e até mesmo no que toca a habitação) como emocionalmente dos pais (Kublikowski & Rodrigues, 2016).

Verdade ou consequência

A partir de um estudo conduzido com pais e filhos, Henriques et al. (2011) indicam a existência de um jogo silencioso em que os pontos de discórdia e o consenso acabam por redefinir as regras da coexistência, o que tem efeitos positivos nas experiências individuais dos membros da casa (Kublikowski & Rodrigues, 2016). Assim, viver na casa dos pais pode ser visto como uma relação de solidariedade entre gerações. Por outro lado, esta coresidência foi apontada por alguns investigadores como tendo efeitos prejudiciais na dinâmica conjugal e no bem-estar dos pais (Clemens & Axelson, 1985 em Suitor et al., 2011), principalmente quando há altos níveis de conflito entre pais e filhos coresidentes (Suitor & Pillemer, 1988 em Suitor et al., 2011) e quando a coresidência dos filhos ocorreu devido a problemas nas suas vidas (Aquilino & Supple, 1991; Pudrovska, 2009 em Suitor et al., 2011). É também de notar que a coresidência intergeracional tem vindo a aumentar graças à crise económica, alto nível de desemprego e posterior perda de habitação. Tudo isto gera stress interpessoal e psicológico que resulta das condições stressantes que levaram a esse acordo (Suitor et al., 2011).

Por fim, os apoios que pais idosos disponibilizam recaem sobretudo em filhos solteiros, divorciados, que têm problemas de saúde física e/ou mental, desempregados ou, ainda, que desenvolveram comportamentos desviantes em adultos. É também importante referir que o apoio que os pais dão, de uma certa forma, acaba por ter mais peso para estes, porque as necessidades dos filhos impedem que os mesmos retribuam tanto a curto como a longo prazo. Esta é uma situação problemática na medida em que os pais envelhecem, as suas necessidades aumentam e a sua capacidade para disponibilizar apoio diminui (Suitor et al., 2011).

Métodos

A investigação em ciências sociais fundamenta-se em três atos: rutura, ou seja, a separação do investigador das ideias preconcebidas sobre o tema; construção, promovendo a rutura com a elaboração de um quadro teórico; verificação, inerente ao estudo científico e que possibilita a comprovação dos factos (Quivy & Campenhoudt, 2003, p. 28).

Foi, então, definido o objeto de estudo, caracterizado pela perceção do apoio concedido pelos indivíduos idosos aos seus filhos adultos. Após esta definição, deu-se o planeamento da investigação, com o objetivo de alcançar as melhores decisões metodológicas, que orientariam para um resultado otimizado.

O formular da pergunta de partida, “através da qual o investigador tenta exprimir o mais exatamente possível o que procura saber, elucidar, compreender melhor” (Quivy & Campenhoudt, 2003, p. 32), inicia a rutura com os preconceitos. Esta pergunta orientadora da investigação, deverá ser clara na sua intenção, exequível na sua resposta, e pertinente na sua formulação. Assim, a questão formulada é: “Que papel desempenham os idosos no fluxo de apoios intergeracionais entre pais e filhos, na tentativa de alcançar o bem-estar familiar?”. Como fio condutor desta questão, foi traçado o objetivo geral de compreender a forma como os idosos se enquadram e percecionam os apoios disponibilizados para o quadro familiar. Neste seguimento foram clarificados os seguintes objetivos específicos: compreender os principais tipos de apoios que os pais idosos disponibilizam aos filhos adultos; identificar os fatores que conduzem à necessidade deste apoio; reconhecer a perceção dos pais relativamente aos apoios que prestam aos filhos; analisar o impacto que a disponibilização de ajuda aos filhos tem no quotidiano dos pais idosos.

Para se proceder à continuação da quebra dos preconceitos, foi aprofundada a recolha, já iniciada, de material teórico, através da análise da pesquisa bibliográfica, segundo a qual foram construídas conceções teóricas indispensáveis à investigação. Após esse avanço, optou-se por se enveredar por uma análise qualitativa, de modo a que o fenómeno fosse analisado de um ponto de vista integrado e através de categorias analíticas (Godoy, 1995). O estudo aqui selecionado foi o estudo de caso exploratório, pois, o fenómeno dos pais se percecionarem como cuidadores vitalícios dos filhos observa-se frequentemente no quotidiano, e destaca-se pela precariedade da sua análise, já que a sua existência é percecionada, mas pouco investimento há na sua compreensão. Assim, nesta investigação procura-se perceber, descrever e explicar este fenómeno, propiciando a construção de conhecimento (Carmo & Ferreira, 1998 em Yin, 1988).

Decorrente disso, o processo de recolha de dados pelo qual se optou, foi a entrevista exploratória semiestruturada, sendo redigido um guião orientador que não limitasse o decorrer da aplicação deste método, nem as respostas dos entrevistados. Esse guião era composto por perguntas que integravam as seguintes categorias: caracterização sociodemográfica; caracterização da unidade familiar; perceção relativamente aos diferentes tipos de apoio disponibilizado; causas que levaram à prestação do apoio; impacto do apoio prestado; questão final.

Os indivíduos a quem foi aplicada esta entrevista, foram selecionados através de amostragem não probabilística de casos muito semelhantes ou muito diferentes, já que havia interesse no estudo da população com características específicas associadas ao fenómeno retratado, sendo a amostra reduzida e limitada. Assim, as entrevistas foram aplicadas a quatro mulheres, residentes no Alentejo Central, dentro da faixa etária dos 65 ou mais anos, tendo uma duração média de 20 minutos. Como apoio na recolha de dados, o áudio destas entrevistas foi gravado, com a autorização prévia das entrevistadas, e foram extraídas notas originadas pela observação direta no decorrer das entrevistas. Seguidamente, procedeu-se ao tratamento dos dados, auxiliado pelo software informático Express Scribe Transcription (Trial Version) na transcrição das entrevistas, para realização da análise de conteúdos. De referir que, em todo o processo da investigação foi assegurado o anonimato das entrevistadas, através da utilização de pseudónimos gerados pelo site: https://github.com/centraldedados/nomes_proprios. Passada esta fase, todos os dados recolhidos foram reunidos na observação de resultados, para a extração de conclusões.

Algumas limitações que sucederam foi a escassez de tempo para a realização de toda a investigação, o alcance dos indivíduos a serem entrevistados e o escasso material teórico acerca desta temática. Mais propriamente, é de referir estes principais obstáculos: (i) devido à idade das entrevistadas e falta de competências ao nível de ferramentas digitais, foi necessário realizar as entrevistas de modo presencial, sendo que se vivia uma altura de pandemia; (ii) a incompreensão por parte das entrevistadas da linguagem utilizada na formulação de algumas perguntas; (iii) o carácter íntimo que as entrevistadas atribuem ao tema em estudo, o que ao início causou algum constrangimento na forma como se exprimiam (de referir que este constrangimento foi ultrapassado no decorrer das entrevistas); e (iv) manter a imparcialidade e um olhar puramente sociológico livre de preconceitos.

Resultados

Iniciando-se a caracterização das entrevistadas, temos a primeira, a quem demos o nome de Fátima, tem 69 anos, é viúva, vive sozinha em Evoramonte e possui a 4.ª classe. Era trabalhadora agrícola, está reformada e diz inserir-se na classe social média. A segunda entrevistada, Joana, tem 78 anos, é casada, vive com o marido em Évora e tem a 3.ª classe. A sua última profissão foi como empregada doméstica, mas atualmente encontra-se reformada. Indica a sua classe social como média baixa. Roberta, a terceira entrevistada, fez 73 anos, é casada, e vive só com o marido em Évora. Também era empregada doméstica, é reformada, tem a 4.ª classe e diz pertencer à classe social média. A última entrevistada, Adelaide, tem 70 anos, é divorciada e vive com a filha em Évora. Possui uma licenciatura e era inspetora no Ministério da Educação e Ciência, estando de momento aposentada. Diz fazer parte da classe social média alta.

Caracterizando-se a unidade familiar, a entrevistada Fátima, diz ter uma filha de 46 anos, divorciada, que vive em Evoramonte. Esta tem o 6.º ano, e de momento, trabalha como empregada doméstica. Fátima tem duas netas, com 24 e 14 anos. Joana tem dois filhos, um rapaz com 50 anos, casado, e uma rapariga com 43 anos, solteira, ambos residentes em Évora. O filho completou o 7.º ano e está de baixa médica. A filha tem o 12.º ano e trabalha como empregada de escritório. Joana tem ainda uma neta com 17 anos. Roberta, tem um filho com 42 anos, casado, residente em Évora, tem a 6.ª classe, e está empregado como camionista. Tem um neto com 22 anos, casado. Já Adelaide, tem dois filhos, um rapaz com 43 anos e uma rapariga com 26. O rapaz tem licenciatura e pós-graduação, e está empregado como sócio numa empresa de auditoria. Vive em Lisboa, em união de facto, sendo pai de uma bebé de 10 meses (neta de Adelaide). A rapariga é solteira, vive em Évora com Adelaide e é estudante num mestrado, estando desempregada.

Dos tipos de apoios que prestam aos filhos adultos, os mais referidos foram os financeiros (para filhos e netos), o cuidado dos netos (creche e transporte), os cuidados domésticos (limpeza e tratamento da roupa), a confeção de refeições e a compra dos próprios alimentos. Quanto ao apoio emocional, para além de nenhuma das entrevistadas o demonstrar relevante, constataram que também o forneciam. Fátima, acabou por enumerar um tipo de apoio exclusivo, “(…) no próprio trabalho doméstico.” (Fátima), referindo-se à prestação de auxílio à filha na sua profissão. À sua semelhança, também Adelaide afirmou ajudar a sua filha nos estudos. Para além desta entrevistada ter dois filhos refere apenas prestar apoio à filha, que é também a mais nova.

Fátima transmitiu que, considerando todo o apoio prestado à sua filha, este lhe ocupava o seu dia quase todo, considerando a ajuda financeira como média. Já Roberta, limita no tempo a ajuda prestada, referindo que utiliza em média duas horas diárias no auxílio em cuidados domésticos e alimentares. Indica não prestar ajuda financeira, mas revela: “(…) quando (…) tenho um mês com mais despesas eu digo-lhe a ele ‘Olha vejam lá que eu vou estar com pouco dinheiro, comprem lá alguma coisa e tragam.’” (Roberta), referindo-se à compra de bens alimentares para confeção das refeições, o que pressupõe apoio financeiro. Sobre Joana, esta informa dar ao seu filho em média 200€ por mês e despender de 30 minutos para auxiliar a filha na confeção de refeições. À semelhança de Roberta, Joana refere não prestar apoio financeiro à filha, mas indica fazer a comida da filha em conjunto com a sua, sendo, mais uma vez, subentendido o apoio financeiro, pela compra dos bens alimentares confecionados. Quando questionada sobre o tempo e dinheiro que gasta no apoio que dá à filha, Adelaide não sabe contabilizar o tempo despendido, mas refere suportar a sua filha financeiramente, em média, com 200€ ou mais por semana.

Considerando a permuta de apoio entre mães e filhos, todas se referem a este câmbio como recíproco, mas numa intensidade diferente. No caso de Fátima, esta refere que a filha “Nunca dá tanta (ajuda) porque ela anda a trabalhar, mas pronto, ajuda-me a mim também quando eu preciso.” (Fátima). Este apoio é verificado principalmente, num momento em que os pais necessitaram de apoio, e a filha parou de trabalhar para poder prestar auxílio. A sua rede de apoio expande-se ainda para a neta mais nova, que “dorme em casa (consigo) (…) todos os dias (…) para aí de há cinco meses.” (Fátima), devido ao falecimento do marido. Joana refere “Ajudo-os mais a eles do que eles me ajudam a mim (…) porque eles precisam sempre: (…) e eu (…), não (…)” (Joana), sublinhando o auxílio prestado pela filha, que face às impossibilidades da mãe, a auxilia no que ela precisa. Para além de Adelaide não saber quantificar o apoio que lhe dão, demonstrou que essa reciprocidade de apoio existe, já que o filho “(…) expressou que fosse o que fosse que (ela) precisasse (…), (ele) estaria sempre para (a) ajudar (…)” (Adelaide), e sobre a filha refere que “(…) se (ela se) aperceber de que eu preciso, ela também me dará o apoio (…)”. (Adelaide). Sublinha, aqui o facto de o seu suporte ser a sua cadela.

Algumas das entrevistadas admitem confrontar-se com desafios e dificuldades influenciadas por estas prestações de apoio. Roberta e Joana, referem que a gestão financeira é muito cuidada e restrita, para que seja possível estenderem o auxílio à sua descendência. Roberta exemplifica esses desafios através de “(…) escolher aqui as promoções quando vamos às compras (…)” (Roberta), enquanto que Joana já refere que “(tem) que dividir o dinheiro muito bem para conseguir que ele chegue. (…) (e que tem) dificuldade em fazer a (sua) comida (…)” (Joana), indicando também que, nos tempos em que cuidava da neta, era um desafio conciliar essa tarefa, com as tarefas domésticas da sua casa. Adelaide refere a privação de fazer algumas coisas.

Quando o assunto é o reconhecimento destes auxílios pelos filhos, observam-se várias perceções. Fátima diz saber da existência deste reconhecimento, mas sem manifestações específicas. Também Roberta indica existir este reconhecimento por parte do filho, manifestado principalmente pelo agradecimento que este lhe dirige. É também a nora que reconhece a ajuda: “(…) eles gostam mais de dizer só obrigado (…) mas a minha nora até diz muita vez ‘quando é que eu lhe pago aquilo que tem feito?!’” (Roberta). Já Joana, embora ajude os dois filhos, apenas sente reconhecimento por parte da filha, através de afeto e da sua presença na vida dos pais. “O Pedro é raro vir aqui, e quando vem é para vir buscar dinheiro, e a Sara não. A Sara, coitadinha, é fazer coisas, trazer coisas, ir com a gente aqui, ir com a gente além…” (Joana). Por outro lado, Adelaide diz não saber se é reconhecida, mas que se sente realizada.

De entre as razões que justificam a necessidade de apoio dos filhos, as entrevistadas apenas indicam que os descendentes precisam de ajuda e os pais ajudam no que podem. Fátima acaba por indicar que duas razões que potenciaram a necessidade de apoio, foi o nascimento da primeira neta e o divórcio da filha. Para Roberta, a razão para o auxílio foi, mais uma vez, o nascimento do neto, derivado da idade do seu filho.

(…) Porque o rapaz com 19 anos ser pai, não tem nada, não é? (…) E então ela (nora) ainda estava a estudar (…) a tirar o 9.º ano e então isso aí teve (tive) mesmo que começar a ajudar porque se não, o ordenado dele não chegava nessa altura (…). (Roberta)

Atualmente, justifica a necessidade do filho, com aos baixos rendimentos que tanto este como a nora auferem. Para Joana, as razões para a necessidade dos filhos é a contração de dívidas da filha pela falência da empresa onde trabalhava e o baixo salário do filho. Recuperando o auxílio que Adelaide presta apenas à filha, ela justifica este apoio através da ligação parental e da idade jovem da mesma.

Quanto à possibilidade de retorno dos filhos a casa dos pais por necessidade, todas as entrevistadas negaram já ter havido essa intenção, salvo Joana, que referiu não saber se poderá acontecer no futuro, pois “(…) ela (nora da entrevistada) não o quer lá.” (Joana).

Referindo os impactos desta disponibilização de apoio na vida dos pais, quanto a alterações no seu quotidiano, Fátima referiu não percecionar quaisquer mudanças. Roberta ressaltou, mais uma vez, a necessidade de uma gestão financeira muito cuidada, que lhe permita prestar ajuda. Para Joana, estas alterações fazem-se sentir de uma forma mais abrupta.

Deixo de comprar certas coisas porque não há dinheiro para os ajudar a eles. (…) Ainda agora se me deu cabo da máquina, de (…) lavar a loiça, (…) ele (filho) comprou, e eu não compro (…) Lavo a loiça à mão. (Joana)

Adelaide caracteriza como meros ajustamentos as alterações sentidas, não relevando muito este impacto.

Numa visão geral, para Roberta e Fátima, o apoio prestado aos filhos não alterou ou influenciou a relação com os mesmos, mantendo-se igual. Já Joana considera ter havido um melhoramento no tipo de relação mantida com os filhos derivado dos apoios disponibilizados. Para Adelaide, embora esta não refira a influência causada por estes apoios, confirma a sua existência.

Numa análise do quotidiano dos pais idosos, Fátima confessa gerir o seu dia em função dos cuidados da neta mais nova e domésticos, reservando o final da tarde para as suas atividades, estando atenta para o caso de ser precisa. Já Roberta, organiza a sua manhã em função das necessidades do neto, segue o dia com a sua rotina, e à noite, quando o filho chega, gere a sua noite em função dele, servindo-lhe o jantar e continuando com a sua rotina quando ele vai para casa. O quotidiano de Joana e Adelaide são os mais similares, pois gerem o dia em função das suas necessidades, exceto momentos pontuais do dia que reservam para a prestação de apoio aos filhos.

Discussão

As manifestações de ajuda dos pais idosos para os filhos adultos verificam-se, principalmente, através dos apoios financeiros, cuidados de creche, e cuidados domésticos (limpeza, cuidados da roupa e cozinhar). Quanto ao apoio emocional, este não se destaca como um apoio principal, conduzindo à questão sobre a relevância do mesmo para os indivíduos.

Tendo em conta todo este auxílio, é percecionada a desvalorização do apoio financeiro, apenas sendo este associado ao ato de dar dinheiro aos filhos. Tanto em cuidados domésticos, como na compra e confeção de alimentos, os pais, não só auxiliam os filhos na redução das tarefas, como financeiramente na redução de gastos. No entanto, nem os próprios pais se apercebem desse apoio financeiro subentendido.

Sendo analisada a troca de apoios entre pais idosos e filhos adultos, verifica-se que, embora se insista numa troca recíproca, não é provável que se assemelhe, já que por conta da falta de recursos materiais e ‘temporais’, os pais acabam por prestar muito mais auxílio. O que aqui parece ser analisado pelos pais, é a intenção que os filhos têm de lhes prestar apoio. Muitas vezes, os pais idosos têm também na sua rede de apoio os netos e até animais de estimação, imprescindíveis no seu apoio emocional. É ainda relevante apontar para a fato de que a maioria dos apoios aos pais são concedidos por filhas.

Sobre o reconhecimento dos filhos ao apoio dos pais, à semelhança do apoio emocional, não é aqui notada reflexão prévia, dado que os pais idosos tendem a interpretar o apoio disponibilizado aos filhos como uma ‘obrigação’ parental. Ainda assim, a existência deste reconhecimento é percecionada pelos pais idosos, que o afirmam, maioritariamente, pela manifestação do agradecimento verbal, intenção de retribuição de algum auxílio, afeto, preocupação e presença dos filhos na sua vida.

Avaliando a alteração da vida dos pais idosos, que os próprios gerem em função dos filhos adultos como forma de melhor oferecer apoio, embora este fenómeno seja comum, a coabitação dos filhos adultos com os pais, contraria esta tendência, conduzindo a que os pais dirijam o seu quotidiano em função da sua rotina própria.

Quanto ao porquê da necessidade destes apoios, não é frequente existir uma razão específica, podendo-se apenas presumir que advém das condições precárias do emprego em que se inserem. No entanto, surgem algumas razões incapazes de generalização, que são o divórcio e a gravidez jovem (ainda que em idade adulta).

Notando os impactos destes apoios na vida dos idosos, verifica-se que estes condicionam a sua gestão financeira em função da necessidade dos filhos, privando-se, por vezes, de adquirir bens que lhes são necessários face às suas limitações. Referindo também as suas dificuldades físicas, observa-se que os idosos perpetuam o apoio aos filhos, independentemente da manifestação das mesmas.

Quanto à influência que este apoio tem na relação pais idosos-filhos adultos, esta tende a não ser percecionada, já que os pais, geralmente, permanecem no auxílio aos filhos, independentemente da fase da vida em que se encontram, o que pode conduzir à ilação de que o relacionamento se mantém constante.

Verificou-se ainda que, este fenómeno dos idosos apoiarem os filhos adultos, não é um tema muito refletido, nem mesmo pelas pessoas que dão este auxílio. Para os pais, não existe uma razão específica que motive a oferta desta ajuda. Apenas o laço parental que dividem com os filhos é justificação suficiente para a entrega da mesma, como se esta fosse uma tarefa inerente ao ‘ser pai’, um ‘osso do ofício’ vitalício.

Como se averigua, existe muito a estudar sobre as perceções dos apoios que os pais idosos fornecem aos filhos adultos, pelo que se sublinha a importância e interesse científico desta matéria. Uma linha de raciocínio possível de seguir, seria a influência que a pandemia poderá ter tido nestas prestações de apoio dos pais idosos aos filhos adultos.

A pandemia acabou por intervir fortemente na economia, afetando sobretudo as pessoas que já se encontravam em situações precárias. Com a perda de empregos, entradas em férias forçadas e lay-off, muitas delas recorreram aos pais idosos em busca de auxílio. Estes pais idosos que sobrevivem apenas com a sua reforma, acabam por dividir o seu rendimento único com a sua descendência como forma de apoio (Diogo, 2020). Noutros casos, podem ainda auxiliar oferecendo habitação aos seus filhos adultos e família (nora e netos, principalmente). Um exemplo deste auxílio foi o cenário observado através da análise dos dados mensais dos Census Bureau do Pew Research Center, onde se notou que, desde a Grande Depressão, não havia sucedido nada que forçasse, tão significativamente, a volta dos jovens adultos americanos (dos 18 aos 29 anos) à casa dos pais, como o fez a pandemia (Cohn et al., 2020). No entanto, embora apresentada como uma forma de auxílio, a coresidência de pais idosos e filhos adultos representa um risco para a saúde física e mental de todos os envolvidos (Breen, 2020). Face à necessidade dos filhos adultos, noras e netos, saírem de casa para realizarem as suas tarefas inerentes (ir trabalhar, ir à escola, etc.), correm-se outros riscos significativos, já que dada a época de desconfinamento que se vive, estes têm probabilidade de ficarem infetados com COVID-19, dirigindo-se para casa, onde, através do contacto com os pais idosos, podem infetar e colocar, assim, em risco a saúde dos mesmos.

Para além desta necessidade acrescida dos filhos adultos pelos pais idosos, muitos dos auxílios físicos podem não ter sido concretizados, dado o isolamento e restrições geradas pela pandemia, enumerando-se os cuidados dos netos, as atividades domésticas, de cozinha, entre outras. Estes pais, não podendo prestar quaisquer auxílios físicos, depararam-se mais drasticamente com a realidade de estarem longe dos filhos e netos, afetando em muito a sua saúde mental por se sentirem sós (Gouveia et al., 2020). Principalmente os idosos não familiarizados com os meios tecnológicos, já que o contacto visual cuja utilização passou a ter mais destaque, sem riscos envolvidos, foram as videochamadas. Em confronto com esta perspetiva, surgem os idosos que podem não ter respeitado as restrições pandémicas, o que se provou ter acontecido mais do que deveria.

Observando-se ainda, da perspetiva de necessidade de apoio, os cuidados prestados pelos pais idosos foram também mais necessários do que numa situação não pandémica. Isto porque, com o fecho de vários estabelecimentos, onde se incluem as creches e as escolas, os netos destes idosos ficaram sem quem cuidasse deles, sendo este auxílio indispensável no caso dos pais adultos que continuaram a trabalhar em regime presencial.

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Nota

1As autoras escrevem segundo o Novo Acordo Ortográfico.

Recebido: 15 de Janeiro de 2022; Aceito: 19 de Maio de 2022

A redação deste artigo foi feita em coautoria, sendo o tema deste debatido e decidido por ambas as autoras. A autora Ana Filipa Pacheco foi responsável por grande parte da “Introdução” e a totalidade da conceptualização teórica, realizando nestas partes, a autora Marisa Reis, um exercício de revisão e restruturação. Já a autora Marisa Reis, redigiu a seção dos “Métodos” e a parte da “Discussão”, pelo que neste caso coube à autora Ana Filipa Pacheco a função de rever e reestruturar a informação. A seção dos “Resultados” foi elaborada por ambas, tendo sido responsável pela caracterização sociodemográfica das entrevistadas a autora Ana Filipa Pacheco, e pela restante parte a autora Marisa Reis. As duas autoras pensaram e redigiriam em conjunto: os objetivos; a pergunta de partida; a metodologia; construíram a ferramenta de recolha de dados; executaram a recolha dos dados (foram realizadas ao todo quatro entrevistas, tendo aplicado cada autora duas entrevistas); efetuaram a análise e o tratamento dos dados (cada autora elaborou duas transcrições e duas análises de conteúdo); e as “Referências bibliográficas”. É ainda de notar, que os exercícios finais de revisão da totalidade do artigo, correção de gralhas e introdução da formatação correta, ficaram à responsabilidade de ambas, pelo que se procedeu a uma discussão conjunta. Consideramos que, de um modo geral, as duas autoras se encontraram igualmente envolvidas na redação deste artigo.

Ana Filipa Gonçalves Gago Pacheco. Email: anafilipachara@hotmail.com

Marisa Isabel Martins Reis. Email: marisamr@live.com.pt

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