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Revista Portuguesa de Pneumologia

Print version ISSN 0873-2159

Rev Port Pneumol vol.16 no.4 Lisboa Aug. 2010

 

Influência da percepção da doença pulmonar obstrutiva crónica na promoção do autocontrolo da doença

 

José Miguel dos Santos C Padilha 1

1 Professor Adjunto da Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal. Doutorando em Enfermagem na Universidade Católica Portuguesa. Mestre em Ciências de Enfermagem pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal

Correspondência

 

Resumo

Objectivo: Identificar o estado da arte acerca da influência da percepção da doença na promoção do auto controlo em doentes com DPOC. Métodos: Realizamos uma revisão sistemática da literatura, recorrendo ao método PICOS; a revisão sistemática da literatura engloba os anos 2004 a 2009 e foi realizada entre Agosto e Setembro de 2009. Resultados: Quatro artigos preencheram os critérios de inclusão, dos quais um de revisão da literatura e três estudos qualitativos. Doentes com maior percepção de controlo da doença e com maior auto-eficácia, com situações emocionais estáveis, apresentam melhores resultados no autocontrolo da doença. A avaliação, discussão e clarificação das crenças, atitudes e do impacto destas sobre a autoconfiança e auto controlo, devem ser integradas na prática clínica. Conclusão: A percepção da falta de controlo sobre a evolução da doença contribui para a menor qualidade de vida, gera ansiedade, leva ao isolamento social, pode conduzir à depressão e reduz a motivação para a aquisição de conhecimentos e capacidades para o autocontrolo da doença. A desmotivação, a incapacidade em reconhecer, as capacidades cognitivas, instrumentais ou de suporte social e suporte dos profissionais de saúde, potencia o fraco autocontrolo da doença e a não adesão ao regime terapêutico.

Palavras-chave: Percepção da doença, auto controlo, DPOC.

 

Influence of perception of chronic obstructive pulmonary disease in promotion of self -management of disease

Abstract

Objective: Identify the state of the art about the influence of illness perceptions in the promotion of self-management in patients with COPD. Method: We conducted a systematic review of the literature, using the method of PICOS, the systematic literature review includes the years 2004 to 2009 and was conducted between August and September 2009. Results: Four articles met the inclusion criteria, including a review of the literature and three qualitative studies. Clients with higher perception of disease control and greater self-efficacy, with stable emotional situations, have better results in self-control of the disease. The evaluation, discussion and clarification of beliefs, attitudes and their impact on self-confidence and self -control should be integrated into clinical practice. Conclusion: The perceived lack of control over the course of the disease contributes to reduced quality of life, creates anxiety, leads to social isolation, can lead to depression, and reduces the motivation to acquire knowledge and skills for self -control disease. The lack of motivation, the inability to recognize the cognitive, instrumental capabilities, social support and support of health professionals, power the low self -control of the disease and non -adherence to therapy.

Key-words: Perception of illness, self-management, COPD.

 

Enquadramento do problema

Esta revisão sistemática da literatura tem por objectivo avaliar a influência da percepção da doença que os doentes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) têm sobre a sua capacidade para adoptarem comportamentos adaptativos que promovam o autocontrolo da doença e a efectiva adesão ao regime terapêutico acordado.

A elaboração desta revisão sistemática da literatura surge no âmbito da necessidade de contribuir para a resposta ao PNS 2004-20101 que preconiza, a melhoria no acesso dos doentes crónicos, quer à informação que habilite a um melhor autocontrolo, quer a materiais que viabilizem a autovigilância da doença, capacitando os doentes para as decisões e, simultaneamente, aumentando o seu grau de responsabilidade, individual e social, sobre a evolução da doença e ao Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica2 na melhoria do controlo dos doentes com DPOC.

A DPOC é uma doença crónica e progressiva, cujos doentes estão submetidos a regimes terapêuticos complexos.

A DPOC caracteriza-se por ser uma limitação do fluxo aéreo não totalmente reversível. Esta limitação do fluxo aéreo é geralmente progressiva e está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas ou a gases nocivos3. Pode assumir diferentes estádios de gravidade4.

A DPOC é ainda caracterizada pela sua cronicidade e deterioração progressiva da função respiratória e consequentes limitações no desempenho da actividade laboral e actividades de vida diária, com repercussões na qualidade de vida.

Pelo seu carácter crónico e progressivo, a DPOC exige a adopção pelo doente de comportamentos e regimes terapêuticos que visem o controlo da sintomatologia e a interrupção da progressão da doença. Os regimes terapêuticos adoptados englobam o recurso a medidas farmacológicas e não farmacológicas que variam em função da severidade da doença, podendo incluir a utilização isolada ou em simultâneo das diferentes estratégias.

A gestão eficaz do regime terapêutico na DPOC implica a aquisição de competências cognitivas e instrumentais que permitam a sua integração com fluência e mestria no quotidiano do doente, promovendo a adaptação à nova condição de saúde e contribuindo para a qualidade de vida. A ausência destas competências influencia negativamente a capacidade dos doentes para se adaptarem à condição de saúde e para implementarem comportamentos tendentes a diminuir a sintomatologia ou a alterar/manter o estado de saúde. Esta problemática torna -se mais evidente quando estamos perante doentes com regimes terapêuticos complexos.

Nos últimos anos temos dado especial ênfase ao desenvolvimento de novas técnicas diagnósticas, farmacológicas e de monitorização, relegando o desenvolvimento de novas metodologias de abordagem e acompanhamento do doente que promovam a sua adesão ao regime terapêutico.

Num contexto de multiprofissionalidade e multidisciplinaridade é fundamental conhecer a percepção que os doentes têm da doença, das suas implicações no seu quotidiano social, profissional, familiar, económico, e que culminam frequentemente no seu isolamento. Existe evidência que realça que as alterações no sono, a coexistência de depressão, o pânico, a baixa autoestima, a frustração, a negação e o medo alteram a capacidade de o doente se adaptar à condição de saúde e diminui a sua adesão ao regime terapêutico, com inevitáveis perdas do seu nível de saúde. A multidimensionalidade da DPOC exige que os profissionais de saúde procurem constantemente novas metodologias para a prevenção, controlo e tratamento da doença; contudo, não podemos deixar de colocar no centro da nossa intervenção o doente e as suas especificidades. Confrontamo-nos diariamente com o problema da baixa taxa de adesão ao regime terapêutico destes doentes, e com graves lacunas nos conhecimentos e capacidades que conduzem à ausência de autocontrolo da doença. A nossa experiência e a evidência disponível, em número e em qualidade, evidencia esta lacuna. Elaboramos esta revisão com a intenção de alertar os profissionais de saúde para esta particularidade da problemática.

A adesão ao regime terapêutico nos doentes com DPOC não está apenas relacionada com o protocolo terapêutico instituído, ou com as competências dos profissionais de saúde; depende destas, mas é influenciada determinantemente por factores intrínsecos do doente, pelo que o nosso conhecimento acerca da percepção do doente sobre a doença, a evolução, o tratamento e a influência destes no seu quotidiano são factores determinantes na optimização da abordagem terapêutica e no nosso contributo para uma adesão efectiva ao regime terapêutico e para o seu autocontrolo da doença.

 

Problema de investigação

A partir do exposto, evoluímos para o seguinte problema de investigação: Qual a influência da percepção da doença na promoção do auto controlo em doentes com DPOC.

 

Considerações metodológicas

Para a selecção dos artigos desta revisão da literatura, utilizámos o método designado PICOS5 (participantes, intervenção, comparadores, resultados (outcomes) e desenho (ou tipo de estudo). Definimos também os critérios de inclusão e exclusão para a selecção dos estudos (Quadro I).

 

Quadro I – Critérios de inclusão e exclusão na revisão da literatura

 

Estratégia de pesquisa

Tendo como linha orientadora o problema definido, realizámos a revisão da literatura entre Agosto e Setembro de 2009. Utilizamos o inglês/espanhol/português como idiomas preferenciais.

Iniciamos a revisão pelas bases de dados Data_bases of abstracts of reviews of effects (DARE); Cochrane of systematic reviews (CDSR); National Institute of Health and clinical Excellence (NICE). Posteriormente, recorremos à pesquisa em bases de dados electrónicas: CINAHL Plus with Full Text; MEDLINE with Full Text; MedicLatina; SportDiscus with full text; Psychology and behavioral Sciences collection; ISI Web of Knowledge, restringindo a revisão aos anos 2004-2009. Apenas incluímos artigos apresentados em texto integral (full text). De acordo com a temática, foram seleccionadas palavras-chave para esta revisão (Quadro II).

 

Quadro II – Palavras-chave utilizadas na revisão da literatura

 

Resultados

Utilizando a estratégia de pesquisa descrita, foram identificados 142 artigos nas diferentes bases de dados, dos quais não se encontraram textos repetidos, 130 textos foram rejeitados pelo título, 8 dos artigos rejeitados pela leitura do resumo e nenhum foi rejeitado após a leitura integral. Em síntese, 4 artigos foram incluídos nesta revisão da literatura (Quadro III), dos quais 3 primários e 1 de revisão da literatura.

 

Quadro III – Artigos obtidos para a revisão da literatura

 

No Quadro IV, apresentamos os artigos seleccionados para esta revisão da literatura, especificando a informação relativa aos seus autores, o ano de publicação, a fonte, o país, os participantes no estudo, a intervenção/objectivo do estudo e a abordagem(s) metodológica(s) utilizada pelos autores.

 

Quadro IV – Artigos seleccionados para a revisão da literatura

 

Discussão dos resultados

Os artigos que reuniram os critérios de inclusão nesta revisão da literatura permitem-nos clarificar alguns aspectos relacionados com a percepção da doença pelo doente com DPOC e a sua influência sobre o autocontrolo da doença.

Kaptein et al 6 identificam dois modelos psicológicos que orientam os estudos da sua amostra, o Modelo do Senso Comum e a Teoria Cognitivo-Comportamental. Estes modelos orientam as técnicas de educação para o autocontrolo da doença, centrando-se na percepção da doença, nomeadamente nos aspectos cognitivos associados a sintomas e doença. Howard et al 9 identificam no seu estudo algumas vantagens da utilização da Teoria da Auto-Regulação de Leventhal, Meyer & Nerenz (1980) para a explicação das estratégias de adaptação utilizadas pelos doentes com DPOC.

Segundo Kaptein et al 6, a percepção de pouco controlo sobre a doença, da sua evolução, associadas à ansiedade e à depressão, concorrem para a obtenção de fracos resultados no autocontrolo da doença, Dowson et al 8 realçam os factos, associando-lhes o consumo abusivo de álcool com o menor nível de conhecimentos para o autocontrolo da doença. Estes autores realçam os efeitos destas variáveis sobre a motivação e, consequentemente, sobre a adesão ao regime terapêutico.

A percepção da doença é associada por Sharloo et al 7 à qualidade de vida. Segundo estes autores, uma maior associação da doença à sua cronicidade e à falta de controlo sobre a sua evolução afectam negativamente a qualidade de vida; o mesmo se verifica quando se associa a doença a causas psicológicas.

A percepção de controlo sobre a doença e a maior auto eficácia com situações emocionais estáveis, estão associadas a melhores resultados segundo Kaptein et al 6. Howard et al 9 evidenciam que doentes que referem maior impacto da doença no seu quotidiano apresentam menor controlo sobre a doença e, consequentemente, sobre o autocontrolo. Dowson et al 8 realçam a importância da avaliação das crenças, das atitudes e do seu impacto sobre a autoconfiança e, consequentemente, sobre o auto controlo.

Segundo Dowson et al 8, quando os doentes acreditam que o seu comportamento de saúde pode ter pouca influência sobre a sua condição de saúde, a motivação para a adesão ao regime terapêutico recomendado vai ser baixa, realçando a necessidade de avaliar e discutir preocupações, crenças, experiências e efeitos dos medicamentos para encontrar estratégias que permitam potenciar a adesão ao regime terapêutico.

No estudo de Dowson et al 8 é evidenciado que os doentes têm dificuldade em avaliar o seu real nível de saúde e de conhecimentos, referindo que mais de 50% referem ter conhe cimento suficiente. Esta percepção pode ser um obstáculo à motivação para a aquisição de novos conhecimentos e capacidades para autocontrolo da doença.

Dowson et al 8 referem que doentes que vivenciaram situações de pânico induzidas pela doença apresentam maior nível de conhecimentos e capacidades para o autocontrolo da doença em situações de estáveis ou de exacerbação ligeira, mas que apresentam fracas capacidades de intervenção em situações de maior gravidade. Estes autores realçam a vantagem da utilização de cenários como estratégia de ensino–aprendizagem nestes contextos.

 

Conclusões

A percepção da falta de controlo sobre a evolução da doença contribui para a menor qualidade de vida, gera ansiedade, leva ao isolamento social, conduz à depressão, reduz a motivação para a aquisição de conhecimentos e capacidades para o autocontrolo da doença. A desmotivação, a incapacidade em reconhecer as capacidades cognitivas, instrumentais ou de suporte social e dos profissionais de saúde potencia o fraco autocontrolo da doença e a não adesão ao regime terapêutico. Face a estes factos, os profissionais de saúde devem estar atentos e implementarem intervenções para controlarem estas variáveis.

Em resposta ao exposto, devemos avaliar e discutir com os doentes as suas expectativas, preocupações, crenças, experiências e efeitos dos medicamentos, para potenciar e optimizar autocontrolo e a adesão ao regime terapêutico.

Desta revisão da literatura emerge também a necessidade de incorporar um modelo teórico para a estruturação e a aplicação das estratégias de ensino-aprendizagem, para que sejam um efectivo contributo para o auto controlo da doença e a para a adesão ao regime terapêutico.

Os profissionais de saúde que intervêm no acompanhamento e tratamento destes doentes devem estar familiarizados com as estratégias de adaptação a que estes recorrem, para as poderem optimizar.

Desta revisão emerge também a provável utilidade da utilização de cenários clínicos como recurso para a aquisição de competências cognitivo-instrumentais destes doentes.

 

Bibliografia

1. Portugal. Ministério da Saúde. Direcção-Geral de Saúde (2004) – Plano Nacional de Saúde 2004/2010. Lisboa. Vol.1: 57.

2. Portugal. Ministério da Saúde. Direcção-Geral de Saúde (2005) – Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica. N.º 4/DGCG.

3. Global Iniciative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) (2008) – Pocket guide to COPD diagnosis, management and prevention. Medical Communications Resources, Inc. Em linha http://www.goldcopd.com/Guidelineitem.asp?l1=2&l2=1&intId=2002.

4. Global Iniciative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) (2008) – Pocket guide to COPD diagnosis, management and prevention. Medical Communications Resources, Inc. p. 10. Em linha: http://www.goldcopd.com/Guidelineitem.asp?l1=2&l2=1&intId=2002.

5. Systematic Reviews (2009) – CRD’s guidance for undertaking reviews in health care. Centre for Reviews and Dissemination, University of York.

6. Kaptein A. et al. Illness perceptions and COPD patient management. Journal of Asthma 2008; 45:625 -629.        [ Links ]

7. Scharloo M. et al. Illness perceptions and quality of live in patients with chronic obstructive pulmonary disease. J Asthma 2007; 44:575 -581.        [ Links ]

8. Dowson CA, et al. Psychopathology and illness beliefs influence COPD self-management. Journal of Psychosomatic Research 2004; 56:333 -340.        [ Links ]

9. Howard C. et al. The relationship between illness perceptions and panic in chronic obstructive pulmonary disease. Behavior Research and Therapy 2009; 47:71 -76.        [ Links ]

 

Correspondência

Rua Beatriz Costa, 51

4435 -120, Rio Tinto, Portugal.

Telefone: 965789507

e-mail: miguelpadilha@esenf.pt

 

Recebido para publicação/received for publication: 09.10.06

Aceite para publicação/accepted for publication: 09.11.30