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Revista Portuguesa de Pneumologia

versión impresa ISSN 0873-2159

Rev Port Pneumol v.16 n.5 Lisboa sep. 2010

 

Sarcoidose nasal e laríngea – Caso clínico

 

Joaquim Pedro Vieira1, Gustavo Lopes2, Marta Neves1, Miguel Viana1, Olímpia Teixeira Pinto3, Mrinalini Honavar4, Manuel Rodrigues e Rodrigues5

1 Interno Complementar do Serviço de ORL

2 Assistente Hospitalar do Serviço de ORL

3 Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Med. Interna

4 Directora do Serviço de Anatomia Patológica

5 Director do Serviço de ORL

Hospital Pedro Hispano

Serviço de ORL. Director: Dr. Manuel Rodrigues e Rodrigues

Serviço de Anatomia Patológica. Director: Dra. Mrinalini Honavar

Correspondência

 

Resumo

Os autores apresentam um caso clínico de uma doente de 41 anos a quem foi efectuado o diagnóstico de sarcoidose com base em manifestações clínicas nasais e laríngeas. Os autores fazem uma breve revisão bibliográfica sobre as manifestações clínicas da sarcoidose em ORL, nomeadamente no que concerne ao diagnóstico, terapêutica e prognóstico desta entidade clínica.

Palavras-chave: Sarcoidose, nasal, laringe, otorrinolaringologia

 

Nasal and laryngeal sarcoidosis – Case presentation

Abstract

The authors present the case of a 41-year-old woman with nasal and laryngeal involvement by sarcoidosis, review the literature and discuss the otolaryngologic manifestations, the diagnostic evaluation, treatment and prognostic of this entity.

Key Words: Sarcoidosis, nasal, laryngeal, otolaryngologic manifestations.

 

Introdução

A sarcoidose é uma doença crónica, multissistémica, de etiologia ainda desconhecida, resultando provavelmente da combinação entre uma predisposição genética e um estímulo ambiental1.

A incidência na população geral é de 6 a 10 por 100 000 habitantes, existindo, no entanto, uma importante variação racial e geográfica2. Apresenta um ligeiro predomínio no sexo feminino, com um pico de incidência entre os 20 e os 40 anos de idade3.

Histopatologicamente é caracterizada pela acumulação de linfócitos T, macrófagos e monócitos com formação de granulomas epitelióides não caseosos e desarranjo da arquitectura tecidular, responsável pela alteração funcional e pelo aparecimento de sintomas1.

A sarcoidose pode manifestar-se com sintomas constitucionais (astenia, perda de peso, febre e hipersudorese nocturna) ou específicos dos órgãos ou sistemas afectados. Aproximadamente 30 a 50% dos casos são assintomáticos à data do diagnóstico, sendo identificados de forma acidental aquando da realização de uma radiografia torácica1.

O envolvimento otorrinolaringológico ocorre em 10 a 15% dos casos de sarcoidose1, constituindo um desafio diagnóstico para o médico otorrinolaringologista devido ao facto dos sintomas e sinais à apresentação da doença serem, por norma, inespecíficos4. A sarcoidose pode envolver os gânglios linfáticos cervicais, glândulas salivares, pele, nariz e seios perinasais, faringe, laringe, nervos cranianos, SNC e ouvidos. A percentagem relativa de envolvimento de cada um dos órgãos ou sistemas afectados varia de série para série.

Os autores apresentam um caso clínico de uma doente do sexo feminino de 41 anos a quem foi efectuado o diagnóstico de sarcoidose com base em manifestações nasais e laríngeas.

 

Descrição do caso clínico

Doente do sexo feminino, 41 anos, caucasiana, recorreu à consulta de ORL do Hospital Pedro Hispano por apresentar obstrução nasal crónica, mais intensa na fossa nasal direita, e episódios esporádicos de disfonia. Negava outros sintomas do foro ORL (nomeadamente rinorreia anterior ou posterior frequentes, crises esternutatórias, prurido nasal, alterações do olfacto, disfagia ou odinofagia), sintomas do foro respiratório ou constitucionais.

Apresentava como antecedentes pessoais relevantes a exérese cirúrgica de um carcinoma basocelular da pirâmide nasal (em 1999) e epífora à direita. Sem outros antecedentes pessoais ou familiares relevantes.

O exame objectivo de ORL demonstrou na rinoscopia anterior a presença de crostas bilaterais (mais exuberantes na fossa nasal esquerda) (Fig. 1) e na laringoscopia indirecta rubor e edema da região supraglótica, com mobilidade preservada (Fig. 2). Sem outras alterações relevantes ao exame objectivo de ORL.

 

Fig. 1 – Rinoscopia anterior (fossa nasal esquerda)

 

Fig. 2 – Laringoscopia directa

 

Efectuou tratamento médico com lavagens nasais, antibioterapia (associação de amoxicilina e ácido clavulânico, 875mg/125mg, 12/12h, durante 8 dias) e corticoterapia tópica (furoato de mometasona, 200μg, toma única diária durante 3 meses) com ligeira melhoria da obstrução nasal. Para esclarecimento do quadro clínico, realizou Tomografia Computorizada (TC) do nariz e seios perinasais que revelou espessamento da mucosa que reveste os seios maxilares e etmoidais, com diminuição da permeabilidade dos óstios de drenagem, não se identificando uma parte do corneto inferior esquerdo (Fig. 3).

 

Fig. 3 – TC nasossinusal

 

Devido à persistência da sintomatologia e das alterações ao exame objectivo, foi submetida posteriormente a microcirurgia laríngea com biópsia da mucosa laríngea e, no mesmo acto cirúrgico, realizou-se biopsia da mucosa nasal. O resultado anatomopato lógico evidenciou a presença de granulomas de células epitelióides sem necrose central e com infiltrado linfocitário e plasmocitário ao seu redor (Figs. 4 e 5).

 

Fig. 4 – Aspecto microscópico da biópsia da mucosa nasal

 

Fig. 5 – Aspecto microscópico da biópsia da mucosa laríngea

 

A pesquisa de fungos e Mycobacterium tuberculosis foi negativa.

Perante os resultados apresentados foi considerado o diagnóstico de sarcoidose, tendo-se efectuado, em colaboração com médico especialista de Medicina Interna, uma avaliação sistémica da doente. Os exames auxiliares de diagnóstico realizados foram:

 

– estudo analítico que revelou uma linfopenia, normocalcemia, hipercalciúria e um aumento do valor da enzima conversora da angiotensina (92UI/L);

– estudo imunológico que revelou um aumento do factor de complemento C3 (179,0 mg/dL) e um valor de C4 dentro da normalidade, imunoglobulinas normais, pesquisa do anticorpo anti-ds ADN positivo (24,6 UI/mL) e pesquisa dos anticorpos anti-ANA, anti PR-3, anti-MPO e factor reumatóide negativa;

– serologias para sífilis, hepatite B, hepatite C, VIH 1 e 2, reacção de Widal, reacção de Weil-Felix e reacção de Wright que foram negativas;

– radiografia torácica que demonstrou moderado reforço do retículo pulmonar predominando nas regiões peri-hilares e moderada hipertrofia hilar bilateral (Fig. 6);

 

Fig. 6 – Radiografia torácica

 

– estudo funcional respiratório que revelou um aumento da resistência das vias aéreas, sem reversibilidade com o broncodilatador inalado, e ligeira diminuição da capacidade de transferência alveolocapilar de dióxido de carbono; todos os restantes parâmetros encontravam-se normais;

– TC torácica de alta resolução que evidenciou a presença de múltiplas adenopatias paratraqueais e hilares, algumas delas apresentando calcificações (Fig. 7);

 

Fig. 7 – TC torácico

 

– broncofibroscopia com lavado broncoalveolar que revelou linfocitose, aumento da relação CD4/CD8 (3,4) e exame bacteriológico e micobacteriológico negativos;

– e biópsia pulmonar transbrônquica que demonstrou um esboço de granuloma epitelióide não necrosante (pesquisa de Mycobacterium tuberculosis negativa) (Fig. 8).

 

Fig. 8 – Aspecto microscópico da biópsia da mucosa pulmonar

 

Perante estes resultados, foi efectuado o diagnóstico de sarcoidose com atingimento pulmonar e ORL, tendo sido iniciado tratamento médico com corticoterapia tópica nasal a longo prazo com melhoria franca da sintomatologia do foro ORL. Por ausência de critérios optou-se por não iniciar corticoterapia sistémica. Neste momento, após cerca de 2 anos de seguimento, a doente permanece assintomática.

 

Discussão

O diagnóstico de sarcoidose é de exclusão e assenta essencialmente na conjugação de 3 critérios: (1) achados clínicos e radiológicos compatíveis; (2) achado histológico de granulomas não caseosos; e (3) exclusão de outras doenças com achados semelhantes ou reacção granulomatosa local1,3.

O estudo inicia-se pela história clínica e exame objectivo, sendo necessária uma avaliação completa para excluir a presença de doença sistémica e permitir a monitorização da actividade da doença3. Esta avaliação deve ser efectuada mesmo em doentes assintomáticos e inclui estudo analítico (hemograma com plaquetas, velocidade de sedimentação, doseamento do cálcio sérico e urinário, função renal, função hepática, electroforese das proteínas séricas e doseamento da enzima conversora da angiotensina), estudo imagiológico (radiografia torácica, TC torácica), provas de função respiratória, electrocardiograma, avaliação oftalmológica e broncofibroscopia (com lavado broncoalveolar e biópsia transbrônquica)1,3,4. Em alguns casos podem ser efectuadas cintigrafia com gálio e mediastinoscopia com biópsia (sensibilidade 98-100%)4. Os exames que permitem exclusão de outras doenças granulomatosas são mandatórios e incluem pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes, prova de Mantoux, pesquisa de anticorpos ANCA, pesquisa de fungos (exame directo e cultural) e diversas serologias (incluindo a da sífilis e o VIH)1.

O diagnóstico diferencial de sarcoidose inclui diversas entidades nosológicas, entre as quais se destacam infecções (tuberculose, lepra, sífilis, histoplasmose, blastomicose, coccidiomicose, actinomicose), pneumoconioses (beriliose, silicose e asbestose), doenças granulomatosas não infecciosas (granulomatose de Wegener, síndroma de Churg-Strauss e granulomatose broncocêntrica), neoplasias e amiloidose2,5,6.

O envolvimento do nariz e seios perinasais tem uma incidência estimada entre 0,7 e 6%7. No entanto, a incidência real pode ser superior, uma vez que a inspecção nasal não é efectuada de forma sistemática em doentes com suspeita de sarcoidose8. À apresentação, os sintomas mais comuns são a obstrução nasal (90%), a rinorreia anterior e/ou posterior (70%), alterações olfactivas e episódios recorrentes de sinusite7. A epistáxis está presente em 30% dos casos7. Ao exame objectivo, a mucosa nasal apresenta-se hipertrofiada, eritematosa, edemaciada e friável com envolvimento predominante do septo nasal e dos cornetos inferiores1. A sarcoidose pode igualmente manifestar-se pela formação de crostas ou pela presença de pequenos nódulos subcutâneos de coloração amarela. Mais raramente, pode existir formação de pólipos, epífora, perfuração septal, deformidade nasal ou fistulização oronasa11.

Estima-se que o envolvimento da laringe ocorra entre 0,5 e 8,3% dos casos de sarcoidose, de forma isolada ou em associação a doença sistémica1. Mais uma vez, esta incidência pode ser inferior à real devido à ausência de inspecção sistemática da laringe3.

O envolvimento laríngeo, embora inicialmente assintomático, pode evoluir para a combinação de disfonia, disfagia, dispneia e estridor1,3,9. Outros sintomas que podem estar presentes são a sensação de globo faríngeo, odinofagia e tosse1,3,9. Pode haver em alguns casos evolução para obstrução da via aérea, com necessidade de traqueotomia3. Ao exame objectivo, a sarcoidose apresenta uma predilecção pela supraglote (epiglote, pregas aritenoepiglóticas, cartilagens aritenóides e bandas ventriculares), com envolvimento raro das cordas vocais e subglote1,23,10. A apresentação mais característica é edema e rubor da estrutura supraglótica1. A mobilidade laríngea raramente é comprometida3.

O tratamento de escolha na maioria dos casos de sarcoidose é a corticoterapia sistémica, embora as suas indicações permaneçam controversas devido à grande variabilidade na progressão da doença e à elevada frequência de remissão espontânea1,3.

Nos casos em que ocorre envolvimento nasossinusal, o tratamento assenta na irrigação nasal com soro fisiológico e corticoterapia tópica ou sistémica1,2,3,8. Os antibióticos (em casos de infecção secundária e de acordo com o antibiograma), os agentes citotóxicos, como o metotrexato e a azatioprina (em casos refractários), e o tratamento cirúrgico (considerado actualmente um método seguro e eficaz na obtenção de alívio sintomático da obstrução nasal ou da sinusite crónica/recorrente, em doentes seleccionados, com obstrução anatómica nasal/seios perinasais) constituem alternativas terapêuticas válidas1,2,3,8.

Nas situações em que haja envolvimento laríngeo, o tratamento passa pela injecção intralesional de corticóide (método eficaz em doentes seleccionados com doença localizada) ou pelo uso de corticóide sistémico1,3,8.

Os antibióticos (em casos de infecção secundária), o Laser de CO2 e a radioterapia em baixas doses (em casos refractários) constituem alternativas terapêuticas importantes1,3,11,12. Em doentes com compromisso da via aérea pode ser necessário recorrer à traqueotomia3.

 

Conclusão

O envolvimento do foro ORL da sarcoidose é raro e representa um desafio diagnóstico para o médico otorrinolaringologista, já que normalmente os sinais e sintomas à apresentação da doença são inespecíficos, requerendo, deste modo, um elevado índice de suspeição para se proceder a um diagnóstico atempado e eficaz.

O envolvimento ORL isolado não é frequente, motivo pelo qual se deve efectuar sempre uma avaliação sistémica exaustiva. A abordagem multidisciplinar da sarcoidose é fundamental, sendo que o otorrinolaringologista representa um papel primordial quer no diagnóstico (quando os sintomas à apresentação são do foro ORL, como no caso clínico apresentado, mas também quando é necessária uma biópsia da mucosa nasal que possa demonstrar a presença de granulomas), como no seguimento a longo prazo destes doentes.

 

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Correspondência:

Dr. Joaquim Pedro Vieira

Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Pedro Hispano

Rua Dr. Eduardo Torres, 4454-509 Matosinhos

e-mail:jpvieira5@gmail.com

 

Recebido para publicação: 28.12.09

Aceite para publicação: 26.05.10