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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp5 Viseu jun. 2020  Epub 30-Jun-2020

https://doi.org/10.29352/mill0205e.06.00317 

Educação e desenvolvimento social

A tabloidização nos jornais diários generalistas portugueses

Tabloidization in the portuguese generalist daily newspapers

La tabloidización em diarios portugueses generalistas

Joana Martins1 

1 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação, Viseu, Portugal


Resumo

Introdução:

O fenómeno da tabloidização dos media, assente no predomínio de conteúdos leves, domínio do visual e hiperconcorrência tem uma expressão mais acentuada face às pressões comerciais que cercam o setor dos meios de comunicação social.

Objetivos:

Avaliar as capas dos quatro jornais diários generalistas portugueses durante um ano, de modo a compreender se as caraterísticas formais da tabloidização têm expressão nestes periódicos.

Métodos:

Através de uma análise direta de 54 capas de cada diário, e com base no esquema proposto por Colin Sparks (2000), quantificámos o número de destaques e de imagens nas primeiras páginas e categorizámos esses destaques face ao enfoque (público ou privado) e face à temática (leves ou sérias).

Resultados:

Concluímos que o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias são os títulos de imprensa onde as caraterísticas do fenómeno da tabloidização são mais visíveis. Em sentido contrário, o Jornal i e o Público são os diários que apresentam menos indícios de tabloidização.

Conclusões:

A tabloidização está presente de forma mais visível nos dois jornais diários generalistas que são líderes de mercado, o que vai ao encontro da corrente que defende que o tratamento jornalístico de temáticas mais leves pode ser uma forma de contornar a crise dos media.

Palavras-chave: tabloidização; notícias sérias; notícias leves; jornais; informação

Abstract

Introduction:

The phenomenon of media tabloidization, based on the predominance of light news, increase of the visual and hyper-concurrence, is more pronounced in face of the economic pressures surrounding the media sector.

Objetives:

To evaluate the front pages of the four Portuguese generalist daily newspapers during a year, in order to understand whether the formal characteristics of tabloidization have any expression in these periodicals.

Methods:

Through a direct analysis of 54 covers of each diary, and based on the scheme proposed by Colin Sparks (2000), we quantified the number of news and imagens on the front pages and categorized them in terms of the focus (public or private) and the theme (light or hard).

Results:

We concluded that Correio da Manhã and Jornal de Notícias are the press titles in which the singularities of the tabloidization phenomenon are most visible. On the contrary, Jornal i and Público are the newspapers with the least signs of tabloidization.

Conclusions:

Tabloidization is more visible in the two generalist daily newspapers that are market leaders, which confirms the idea that argues that the journalistic treatment of lighter themes may be a way to overcome the economic media crisis.

Keywords: tabloidization; light news; hard news; newspapers; information

Resumen

Introducción:

El fenómeno de la tabloidización de los medios, basado en el predominio del contenido ligero, el dominio de lo visual y la hipercompetencia, es más pronunciado frente a las presiones comerciales que rodean al sector de los medios.

Objetivos:

Evaluar las primeiras paginas de los cuatro diarios generalistas portugueses durante un año, a fin de comprender si las características formales de la tabloidización tienen alguna expresión en estas publicaciones periódicas.

Métodos:

A través de un análisis directo de 54 ediciones de cada diario, y en base al esquema propuesto por Colin Sparks (2000), cuantificamos el número de noticias e imágenes en las primeras paginas y los clasificamos en términos del enfoque (público o privado) y del tema (leve o serio).

Resultados:

Concluimos que el Correio da Manhã y el Jornal de Notícias son los títulos de prensa donde las singularidades del fenómeno de tabloidización son más visibles. Por el contrario, el Jornal i y Público son los periódicos con menos signos de tabloidización.

Conclusiones:

La tabloidización es más visible en los dos diarios generalistas que son líderes del mercado, cumplindo con la idea de que el tratamiento periodístico de temas más ligeros puede ser una forma de sortear la crisis de los medios de comunicación.

Palabras Clave: tabloidización; noticias ligeras; noticias serias; diários; información

Introdução

A linguagem dos media tem vindo a sofrer alterações, desde o início da história da imprensa até à era digital. Com o assoberbar das questões empresariais e de rentabilidade económica, a imprensa escrita viu refletidas essas lógicas no interior das redações, o que, por vezes, se traduz em estratégias sensacionalistas próprias de um período caraterizado por uma hiperconcorrência entre os media (Charron e Bonville, 2004).

Brin, Charron e Bonville (2004) identificaram quatro períodos na história do jornalismo norte-americano, que traduzem as transformações verificadas no setor, desde a invenção da imprensa. Para os autores vigora, atualmente, o paradigma do jornalismo de comunicação, face ao surgimento de novos mercados, inovações técnicas, liberalização dos mercados e multiplicação das plataformas mediáticas. Esta tendência, verificada a partir da década de 70 e 80 do século XX, e consonante com a escalada da competitividade entre os media, leva a preocupações em torno da diferenciação das mensagens, bem como à proliferação da subjetividade do discurso jornalístico, a par com a incorporação na notícia de cada vez mais comentários e juízos de valor. Segundo os autores, ficção e realidade misturam-se, a anedota pode adquirir o status de um evento e a informação torna-se em entretenimento, adotando um tom de humor ou da proximidade de uma conversa familiar. Também a emoção e o discurso promocional são marcas deste jornalismo de comunicação.

A crise económica nos media acentuou as estratégias de mercado e, mesmo do ponto de vista informativo, assistimos a fenómenos expressivos como a espetacularização ou a tabloidização, estudados por autores como David Rowe (2010), Thomas Patterson (2003) e Colin Sparks (2000). A designação, tabloide, originalmente, não significa mais do que o tamanho das páginas do jornal, mas ao longo dos anos o conceito expandiu-se e hoje em dia tem pouco a ver com o tamanho e está relacionado com a apresentação e estilo das notícias (Bird, 2009). O jornalismo que figura nos periódicos com formato tablóide traduz-se numa primazia dos acontecimentos menores, que antes pertenciam às colunas de mexericos (Rowe, 2010). O fenómeno de tabloidização dos media assenta, pois, no aumento do grau de sensacionalismo dos meios de comunicação social, na abreviação das notícias, na proliferação dos mexericos sobre celebridades e num predomínio do visual.

David Rowe nota que atualmente o mercado dos media está assente em estratégias comerciais, o que gera a ansiedade de ver os valores do mercado superar o interesse público, bem como o trivial suplantar a seriedade das notícias. Outros autores, como Thomas Patterson (2003), consideram que o predomínio de notícias leves se justifica pela necessidade de corresponder ao interesse das audiências.

A tablodização dos meios de comunicação social tem sido estudada em países como os Estados Unidos da América (Sparks, 2000) ou Reino Unido (Conboy, 2011). Quisemos, pois, tentar compreender quais as marcas de tabloidização que existem nos jornais diários portugueses, procurando avaliar se as caraterísticas do fenómeno estão presentes ou ausentes das suas primeiras páginas. Para a prossecução deste objetivo, começaremos por abordar a questão da tabloidização e da trivialização da informação e, posteriormente, faremos uma análise direta às capas dos quatro jornais no período de um ano.

1. Enquadramento teórico

Tabloidização é hoje sinónimo do declínio dos meios informativos contemporâneos e do sacrifício da informação face à primazia do entretenimento (Rowe, 2010), mas não existe um consenso quanto à sua definição, sobretudo porque não existe concordância na visão do conceito como positivo ou como negativo (Bird, 2009). Vários autores concordam que se trata de uma categoria que assenta na trivialização do conteúdo dos meios de comunicação social em geral (Bird, 2009; Sparks, 2000; Rowe, 2010), mas enquanto termo que descreve os formatos de media e seu conteúdo, Turner (2004), por exemplo, considera-o impreciso e lato para ser utilizado como conceito analítico. O autor reconhece, no entanto, que é um termo convencionado para traduzir algumas das mudanças no conteúdo, consumo e produção dos media, nomeadamente face à comercialização patente na vida moderna e ao declínio dos valores tradicionais. Bird (2009) considera que é preciso tratar a tabloidização à luz das especificidades culturais, pois o mesmo fenómeno pode ter diferentes implicações. O facto de a tabloidização ter leituras diferentes e expressões diferentes, por exemplo, nos Estados Unidos da América e no Reino Unido (os primeiros evitam referências sexuais e os segundos são mais explícitos e verbais quando falam de sexo) é parte da explicação para a dificuldade em gerar uma definição única e clara do conceito.

Segundo Rowe (2010) as teorias sobre a tabloidização assentam em duas visões: a primeira defende que os meios de comunicação social se dividem hoje em tabloides e media de qualidade; e a segunda postula que o fenómeno da prevalência da trivialização da informação se manifesta em toda a sociedade, nomeadamente nos meios de comunicação social.

Entre as conceções mais negativas face à tabloidização, tal como explica Colin Sparks (2000), estão os autores para quem os media mais sérios estão a assumir os valores noticiosos dos tabloides, mudança que estes críticos atribuem à concorrência exacerbada pelo aparecimento das novas tecnologias e à prioridade dada aos lucros pelas empresas de media, que terá resultado num jornalismo orientado para o mercado. Apesar de se referir aos media norte-americanos, Sparks (2000) considera que muitas destas questões podem ser encontradas no panorama mediático europeu e que esta mudança significa, em termos práticos, que a denominada imprensa de qualidade aproximou-se da agenda dos tabloides, aumentando os conteúdos visuais, diminuindo o tamanho dos seus artigos e passando a cobrir um maior número de “notícias leves”.

Sparks lembra ainda que existe uma corrente de opinião que defende que o declínio do mercado dos meios de comunicação social levou à necessidade de encontrar soluções para o reverter. Em países como a Inglaterra, o tabloide é visto como a única forma de salvar as notícias da irrelevância a que estariam votadas, por parte da audiência. De acordo com esta perspetiva, não é certo que a imprensa tabloide esteja menos preocupada com o rigor daquilo que reporta do que os jornais sérios (Sparks, 2000). Já Bird lembra que o facto de as notícias se tornarem mais diretas e acessíveis para os leitores não tem de corresponder, necessariamente, a um declínio da prática jornalística (Bird, 2009). Para a autora, a cobertura de temas triviais sempre fez parte do jornalismo e tem um papel cultural importante, até porque alguns destes temas garantem o futuro do jornalismo (Bird, 2009).

David Rowe elencou dez caraterísticas gerais, a maioria das quais negativas, que, segundo grande parte dos autores que trataram o tema, define o que é um tabloide. Entre estas marcas gerais de tabloidização está o sensacionalismo e espetacularização das notícias, acompanhando pelo aumento da efemeridade, quer das celebridades mediáticas, quer das histórias informativas, a par com o declínio das fronteiras entre informação e entretenimento e a crescente obsessão e “fetichização” da celebridade e do estrelato (Rowe, 2000, p.82).

O autor elenca ainda algumas caraterísticas da tabloidização do ponto de vista formal: 1) decréscimo de texto nas páginas principais (sinal de substituição de temas mais complexos por histórias mais simples); 2) aumento do tamanho das imagens (substituição da profundidade do texto pelo apelo da imagem); 3) um cabeçalho maior e mais espaços em branco (dão um aspeto mais limpo e reduzem a quantidade de texto); 4) manchetes maiores (sinais de sensacionalismo); 5) aumento do espaço dedicado aos anúncios (triunfo dos valores comerciais sobre os valores jornalísticos) (Rowe, 2010, p.353).

Por sua vez, Colin Sparks (2000) afirma que estes jornais prestam menos atenção à política, economia e sociedade e centram-se mais no desporto, escândalo e entretenimento. Além disso, o autor considera que o tabloide dá mais atenção às vidas pessoais e privadas das pessoas, quer celebridades quer anónimos, e menos atenção aos processos políticos, desenvolvimentos económicos e mudanças sociais.

As diferentes correntes de opinião em torno da tabloidização comungam de uma mesma ideia: o predomínio das notícias leves, ou seja, as notícias “que não são sérias”, que são sensacionalistas ou mais centradas numa personalidade. Thomas Patterson considera que este tipo de cobertura dos acontecimentos traz prejuízos, nomeadamente porque as “notícias que salientam incidentes e assuntos que têm pouco a ver com questões públicas e que são selecionadas pela sua capacidade de chocar, ou de entreter, podem distorcer a percepção que as pessoas têm da realidade” e porque este tipo de notícias diminui “a qualidade da informação e do discurso público” (Patterson, 2003, p.22). MacDonald (2003) também sublinha esta mudança, assente do abandono do traço do serviço público informativo, em prol do entretenimento e considera que ela é visível no distanciamento face às preocupações de cariz público e na aproximação ao lado privado e pessoal dos temas.

Vargas Llosa (2013), que pensou o jornalismo a partir da sua relação com a sociedade do espetáculo, afirma que a informação como instrumento de diversão abriu caminho à primazia do escândalo, da inconfidência, do mexerico, da violação da privacidade e até do libelo, da calúnia e das informações falsas, sobretudo em tratando-se de matérias que digam respeito a figuras públicas.

Colin Sparks esquematizou os dois eixos em torno dos quais os media se organizam (Figura 1), distinguindo a concentração na vida privada e, do lado oposto, a concentração na vida pública. No outro eixo encontramos a concentração na política, economia e sociedade versus a concentração no escândalo, desporto e entretenimento (Sparks, 2000). O jornalismo mais sério situar-se-ia no entre o eixo da via pública e da política, economia e sociedade, enquanto o jornalismo tablóide ocuparia um espaço entre os eixos da vida privada e do escândalo, desporto e entretenimento. Claro que, como lembra o autor, este esquema não tem em conta o predomínio do visual, nem o aumento do espaço gráfico das manchetes ou as mudanças no layout dos jornais. Apesar desta dificuldade, Sparks defende que as dimensões do “sério/leve” e do “público/privado” são independentes dos meios técnicos utilizados.

Figura 1 Os dois ramos do jornalismo segundo Colin Sparks. Fonte: Sparks, C. (2000) “Introduction: the panic over tabloid news”. In Sparks, C. e Tulloch, J. (eds) Tabloid tales: global debates over media standards. Oxford, Rowman & Littlefield Publishers, pp. 1-40. 

Partindo deste esquema, Colin Sparks (2000, pp.13-15) distingue então cinco tipos de jornais, cada um dos quais posicionado num determinado espaço face aos dois eixos do jornalismo. Aquilo que o autor denomina como “imprensa séria” posicionar-se-ia no canto superior esquerdo do esquema e concentrar-se-ia quase exclusivamente em assuntos políticos e económicos, bem como nas mudanças estruturais do mundo. Em segundo lugar encontramos a “imprensa semi-séria”, composta por jornais com alta concentração nos conteúdos privilegiados pela imprensa séria, mas com um número cada vez maior de notícias leves e dando cada vez mais ênfase à apresentação visual. Segue-se a denominada “imprensa séria-popular”, onde se posicionariam os jornais populares, que dão importância ao visual e contêm uma larga dose de escândalos, desporto e entretenimento, ainda que partilhando o mesmo inventário de valores-notícia dos jornais mais sérios. A “imprensa tablóide da banca de jornais”, assim chamada por estar lado a lado com os jornais mais sérios na banca onde ambos se vendem, trabalha de acordo com uma agenda que privilegia o escândalo, o desporto e o entretenimento, sendo menor o número de valores partilhado entre estes jornais e os jornais mais sérios. A diferença entre a “imprensa séria-popular” e a “imprensa tablóide de banca” é que esta última muitas vezes dá espaço a questões políticas sérias, mas aborda-as de uma perspetiva mais popular. Por último encontramos a “imprensa tablóide de supermercado”, numa alusão ao seu espaço de venda, e totalmente dominada pelo escândalo, desporto e entretenimento, partilhando muito esporadicamente a mesma agenda mediática da imprensa séria.

2. Métodos

Partindo do gráfico de Colin Sparks e da ideia dos dois eixos do jornalismo, foi nossa intenção avaliar o impacto deste fenómeno nos jornais diários portugueses. Assim, decidimos analisar as primeiras páginas dos jornais Correio da Manhã, i, Jornal de Notícias e Público, durante um ano, contabilizando os temas em destaque nas capas e enquadrando-os nas categorias definidas por Sparks, avaliando cada destaque de capa em função de uma maior concentração na vida pública ou na vida privada, bem como de uma maior concentração na política, economia ou sociedade ou uma maior concentração no escândalo, desporto ou entretenimento. Uma vez que a os teóricos da tablodização consideram ainda uma maior tendência para a imagem e algumas mudanças gráficas no layout dos jornais, integrámos ainda nesta análise o número de imagens das capas e o total de destaques em cada edição.

2.1 Amostra

Para a definição da amostra aleatória considerámos apenas as edições de segunda a sexta-feira, uma vez que o Jornal i não se publica ao domingo e aos sábados tem uma edição especial de fim de semana. No ano de 2019 selecionámos uma edição por cada dia de semana, começando numa segunda-feira. O primeiro dia de análise foi 7 de janeiro de 2019 e o último dia foi 26 de dezembro de 2019.

2.2 Instrumentos

Como instrumento de análise criámos uma tabela (Tabela 1), que visa categorizar os temas dos destaques de primeira página.

Tabela 1 Categorias dos destaques de primeira página 

Categoria Definição
Vida Pública Informação respeitante à vida pública como a informação que decorre da ação do indivíduo nos espaços de sociabilidade e da vida em comunidade.
Vida Privada Informação respeitante à esfera íntima do indivíduo, nomeadamente à sua vida privada, afetiva e familiar.
Economia Informação respeitante a questões de ordem económica ou financeira, empresas, emprego e desemprego, associações empresariais e todas as personalidades ligadas a estes temas enquanto fontes devidamente identificadas nesse sentido.
Política Informação respeitante a pessoas ou instituições governativas nacionais, assim como Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, ou quaisquer órgãos autárquicos, bem como aos seus líderes e atores políticos, desde que devidamente identificados como fontes enquanto desempenhado esses mesmos cargos políticos.
Sociedade Informação respeitante à vida em sociedade da cidade e dos cidadãos, entendendo-se aqui as histórias respeitantes aos cidadãos comuns, protestos, sindicatos, organizações e atividades profissionais desde que não pertençam a qualquer das outras categorias.
Desporto Informação respeitante a todas as modalidades desportivas, seus dirigentes, atletas e associações.
Entretenimento Informação respeitante a celebridades, enquanto personalidade que recebe atenção dos media, em graus variáveis consoante o estatuto alcançado e que atinge uma notoriedade pública que pode ser mais ou menos fugaz (Hartley, 2004). A categoria da celebridade está diretamente dependente da exposição mediática nos meios de comunicação social de massas (Boorstin, 2006; Cashmore, 2006; Marshall, 2006) e de uma narrativa ou história de vida que mereça o interesse destes meios (Gabler, 2001).
Escândalo Informação respeitante a todas as ações ou acontecimentos que se situam na esfera da transgressão de valores e normas e que provocam uma resposta pública de desaprovação e revolta (Thompson, 2008). Considerámos aqui todos os crimes e casos de corrupção.

3. Resultados

Analisámos um total de 54 edições de cada periódico, ou seja, 216 edições de jornais. Faremos, primeiramente, a análise jornal a jornal e, de seguida, procederemos à comparação entre os quatro títulos.

As 54 edições do jornal Correio da Manhã contêm uma média de 11,2 destaques de capa e uma média de 6,5 imagens por edição. Concluímos que 92% destes destaques dizem respeito a temas da vida pública e os restantes 8% prendem-se com a divulgação de informações da vida privada. Quanto à distinção por temas, concluímos que a maioria dos destaques se encaixa na categoria de desporto, escândalo e entretenimento. De facto, 56% das temáticas estão relacionadas com um destes temas, sendo que o desporto é a temática com maior número de chamadas, seguida do escândalo e, por último, o entretenimento. Os temas mais sérios ocupam, assim, 23% das primeiras páginas, maioritariamente com temas ligados à economia e sociedade. Os restantes 20% encaixam-se em outros temas.

No caso do Jornal de Notícias a média de destaques de capa nas 54 edições é de 10,8, enquanto a média de imagens se situa nas 4 fotografias por edição. Do ponto de vista da distinção entre público e privado, concluímos que 98% dos temas são de âmbito público, sendo residuais as temáticas que se referem à vida privada dos indivíduos. Já no prisma dos principais temas em destaque, 39% dos temas integram as categorias de escândalo, desporto e entretenimento, sendo a temática de desporto aquela que merece mais atenção por parte do Jornal de Notícias. 33% dos assuntos dizem respeito a economia, política e sociedade, temas com um tratamento equilibrado entre si. Os restantes 28% se integram em outras temáticas.

Das 54 edições do Jornal i que foram analisadas, concluímos que houve uma média de 7,2 destaques de primeira página em cada edição e as capas do periódico apresentam uma média de 1,8 imagens. Quanto ao binómio público/privado, a nossa análise mostra que 98% dos destaques dizem respeito a assuntos que se enquadram dentro da esfera pública. Já no que toca ao enfoque nos temas mais sérios, o Jornal i dedica 56% dos seus destaques às temáticas de política, economia e sociedade, sendo a política aquela que reúne maior atenção do diário. Os temas de escândalo, desporto e entretenimento representam apenas 14% das chamadas de capa do Jornal i, sendo de destacar a escassa presença de notícias sobre celebridades e sobre o mundo do desporto. Os restantes 30% pertencem à categoria outros.

Por último, pudemos aferir que no jornal Público existe uma média de 7,2 destaques de capa por cada edição. Já no que toca às imagens, a média é de 3,4. Do prisma da distinção entre público e privado, apenas um dos 394 destaques de primeira página do periódico diz respeito à vida privada. Quanto às temáticas, o Público destaca 58% dos seus temas de primeira página nas categorias de política, economia e sociedade, sendo que a distribuição entre as três categorias é equitativa, ainda que predominem as chamadas de política. Apenas 9% dos destaques se inserem no escopo de escândalo, desporto e entretenimento, sendo de realçar que é residual a presença de destaques na área de entretenimento. Os restantes 33% dizem respeito a outras temáticas.

4. Discussão

A imagem gráfica dos quatro jornais (Figura 2), mostra a análise comparativa mostra que o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias apresentam a média mais elevada, quer de destaques de capa, quer de imagens. Ainda assim, o Correio da Manhã destaca-se dos restantes três no que diz respeito ao uso da imagem. Já o Público e o Jornal i estão próximos, mas este último é o periódico que recorre menos às imagens.

Cruzando os resultados da nossa análise com as caraterísticas formais da tabloidização, é importante considerar que o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias são os periódicos onde existe um maior predomínio da imagem, expressão da substituição da profundidade do texto pelo apelo da imagem (Rowe, 2010).

Figura 2 Média de destaques de capa e média de imagens de capa nos quatro jornais 

Considerando a distinção entre as esferas pública e privada (Figura 3), o Correio da Manhã é o jornal onde é mais visível o enfoque na publicação de notícias do foro privado, algo que nos restantes três jornais aparece de forma residual. Uma das justificações para esta diferenciação, prende-se com o facto de o Correio da Manhã destacar quase todos os dias, na sua capa, uma ou mais notícias da secção Vidas, a editoria onde o jornal trata sobre temas ligados ao mundo das celebridades. Acontece que, muitos desses destaques, dizem respeito à vida privada dessas mesmas celebridades. Do lado oposto, o Público conta com um único destaque da esfera privada, mais concretamente uma chamada sobre o enfarte de miocárdio que sofreu o guarda-redes Iker Casillas.

Figura 3 Total de temas da vida pública e de temas da vida privada nas capas nos quatro jornais 

Na comparação entre notícias sérias e notícias leves (Figura 4), o posicionamento dos jornais é distinto. O Público e o Jornal i são os que dedicam menos atenção às categorias de escândalo, desporto e entretenimento. Por sua vez, o Jornal de Notícias dá uma atenção similar às denominadas “hard news” e às “soft news”, ainda que as primeiras, relacionadas com política, economia e sociedade estejam em minoria. No Correio da Manhã as notícias leves são mais do que a soma dos temas sérios e da categoria “outros”, onde se inserem, por exemplo, notícias de cultura, ambiente, justiça ou tecnologia.

Figura 4 Total de temas sérios e de temas leves nas capas nos quatro jornais 

O predomínio das caraterísticas de tabloidização no Correio da Manhã e no Jornal de Notícias confirma o que diz Sparks (2000), para quem os jornais tabloides são aqueles que têm maior circulação. Segundo os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação, o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias registavam, no último bimestre de 2019, uma circulação impressa de 68.092 exemplares e de 37.849 exemplares, respetivamente. Já os números o jornal Público ficam nos 16.761. O Jornal i não se submete ao controlo da APCT, mas o seu site indica uma circulação média mensal na ordem dos 16 mil exemplares.

Cruzando os resultados desta investigação com os cinco tipos de jornais entre os dois eixos do jornalismo, podemos considerar que o Jornal Público e o Jornal i se encaixariam mais perto do canto superior esquerdo, entre a “imprensa séria” e a “imprensa semi-séria”. Ambos se concentram, de forma maioritária, em assuntos políticos, económicos e sociais e excluem o enfoque privado dos temas que destacam nas suas capas. Quanto ao Jornal de Notícias e Correio da Manhã, podemos posicioná-los mais perto do canto inferior direito, entre a “imprensa séria-popular” e a “imprensa tablóide de banca de jornais”. A imagem assume muita relevância em ambos os casos e a agenda de acontecimentos que faz capa privilegia os escândalos, desporto e entretenimento em relação às temáticas mais sérias.

Sparks (2000) faz uma distinção importante entre a “imprensa séria-popular” e a “imprensa tablóide de banca de jornais”, esclarecendo é que esta última muitas vezes dá espaço a questões políticas sérias, mas aborda-as de uma perspetiva mais popular. No caso do Correio da Manhã, registámos o tratamento de vários temas políticas e económicos, mas que por vezes assumem um registo mais sensacionalista, na medida em que são menos informativos. É o caso das chamadas de capa sobre impostos, das quais é exemplo a edição de 17 de outubro de 2019, em que a manchete, “Centeno aperta aumentos na função pública”, é acompanhada por uma caixa de fundo de cor preta, com uma imagem de Mário Centeno e a palavra “aumentos” escrita a vermelho. O caso da Operação STOP da GNR para cobrar dívidas fiscais fez capa nos quatro jornais a 29 de maio de 2019. No Correio da Manhã, onde as marcas de tabloidização são mais evidentes, a manchete diz “Fisco usa GNR para cobrar dívidas”, por cima de uma caixa de cor preta e vermelha. Comparando esta opção editorial com a capa do Público do mesmo dia, constatamos que, no diário com menos marcas de tabloidização, está uma chamada simples com o título “Fisco e GNR criticados por raide para cobrar dívidas”.

Sparks (2000) considera que hoje não há nenhuns, ou muito poucos jornais, que possam ser definidos como imprensa séria, visto que mesmo os periódicos mais sérios também dão espaço ao desporto e entretenimento. A nossa análise mostrou isso mesmo, visto que mesmo o Público e o Jornal i acabaram por dar atenção, ainda que reduzida, ao desporto, escândalo e entretenimento. Por outro lado, poucos são os jornais que se situam do lado oposto, ou seja, a denominada “imprensa tablóide de supermercado”, visto que todos acabam por cobrir temas mais sérios, da vida pública, ainda que numa perspetiva mais sensacionalista.

Conclusões

Vários autores defendem a ligação entre a tabloidização e o predomínio de estratégias comerciais como forma de responder à crise dos media (Rowe, 2010; Sparks, 2000). Um estudo recente de Quintanilha (2019), em torno dos resultados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação, entre os anos de 2008 e 2017, confirma a agudização da crise da imprensa escrita, na medida em que regista uma diminuição de vendas em banca, que acompanha o decréscimo do volume de tiragens e de exemplares em circulação. Os dados mostram uma média de 787.482 exemplares vendidos, em média, mensalmente, no ano de 2008, assinalando que este número passou para 418.864 em 2017, o que se traduz numa perda de 47%.

A presente investigação mostra-nos que são precisamente os dois jornais diários com maior quota de mercado, o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias, que integram de forma mais visível as caraterísticas da tabloidização. Este resultado pode ser lido como um sinal de que estes diários são aqueles que correspondem melhor aos interesses das audiências e que o trivial suplanta a seriedade das notícias fruto de uma estratégia comercial e de uma necessidade de oferecer aos leitores aquilo que eles querem ler (Rowe, 2010; Patterson, 2003).

A tabloidização da informação pode ser encarada como uma tentativa para reverter a quebra de vendas dos jornais, em linha com a ideia de que o enfoque em temas mais populares, diretos e acessíveis responde diretamente a um interesse da audiência e salva as notícias da irrelevância a que estariam votadas (Sparks, 2000). De facto, a cobertura dos denominados temas sérios, que percebemos, com esta investigação, ser a estratégia dos jornais i e Público, não se reflete em número de leitores, na medida em que estes dois jornais juntos vendem metade dos exemplares do Correio da Manhã. Tal como refere Vargas Llosa (2013), o predomínio do sensacionalismo, do escândalo e até da catástrofe encontra paralelo com o interesse dos leitores e, ainda que alguns órgãos de comunicação social procurem fugir dessa “receita”, certo é que “o jornal ou programa que não comungue do altar do espetáculo corre hoje o risco de o perder [ao público] e dirigir-se apenas a fantasmas” (Vargas Llosa, 2013, p. 54).

Referências bibliográficas

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Recebido: 10 de Março de 2020; Aceito: 18 de Maio de 2020

Autor correspondente Joana Martins Escola Superior de Educação de Viseu Rua Maximiano Aragão 3504 - 501 Viseu Portugal jmartins@esev.ipv.pt

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