SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 númeroESP5A tabloidização nos jornais diários generalistas portuguesesExperiências de educação para a saúde com consumidores de substâncias psicoativas índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp5 Viseu jun. 2020  Epub 30-Jun-2020

https://doi.org/10.29352/mill0205e.07.00271 

Educação e desenvolvimento social

Desafios da desinformação e das fake news: estudo de caso com estudantes do ensino superior

Challenges of misinformation and fake news: a case study with higher education students

Desafíos de la desinformación y das noticias falsas: estudio de caso con estudiantes de educación superior

Nídia Salomé Morais1 

Filomena Sobral1 

1 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação, Viseu, Portugal


Resumo

Introdução:

Na era da digitalização a sociedade, a comunidade científica e os futuros profissionais de comunicação social enfrentam desafios perante o fenómeno globalizado das fake news. Como lidar com a desinformação e combater o fenómeno?

Objetivos:

O principal objetivo da pesquisa descrita neste artigo foi entender a perceção que um grupo de alunos do ensino superior tem acerca das fake news e da desinformação online.

Métodos:

Trata-se de um estudo de caso que recorreu à aplicação de um questionário online e a um focus group para a recolha de informação. A amostra foi composta por 49 estudantes, do 2º ano, de um curso na área da Comunicação, no ano letivo de 2018/2019 e, para o focus group, foram selecionados 8 alunos.

Resultados:

Os resultados enfatizam que os alunos estão familiarizados com a noção de fake news e com o que parece motivar as pessoas a criá-las e divulgá-las. Eles também conhecem algumas características específicas desse tipo de notícia e podem identificar sites que geralmente publicam histórias falsas. Os participantes revelam que a maioria das notícias manipuladas encontradas são divulgadas nas redes sociais e sugerem que as notícias e informações em que mais confiam são aquelas que podem ser obtidas na imprensa, rádio e televisão.

Conclusões:

O estudo permitiu concluir que os alunos estão cientes do impacto negativo do fenómeno e que a educação é a melhor maneira de mitigar o impacto das fake news.

Palavras-chave: fake news; desinformação; estudantes; ensino superior; Portugal

Abstract

Introduction:

In the digital age, society, the scientific community and future media professionals meet challenges in the face of the globalized phenomenon of fake news. How to recognize them, deal with misinformation and combat the phenomenon?

Objectives:

The main objective of the research described in this paper was to understand the perception that a group of higher education students have about fake news and online misinformation.

Methods:

This is a case study that used an online questionnaire and a focus group to collect information. The sample consisted of 49 students of the 2nd year of Media and Communication in the 2018/2019 school year and for the focus group 8 students were selected.

Results:

The results emphasize that students are familiar with the notion of fake news and what seems to motivate people to create and disseminate it. They also know some specific features of this kind of news and can identify websites that usually publish fake stories. Participants reveal that most of the manipulated news they find is disseminated on social media and suggests that the news and information they trust the most can be found in the press, radio and television.

Conclusions:

The study concluded that students are aware of the negative impact of the phenomenon and that education is the best way to mitigate the impact of fake news.

Keywords: fake news; misinformation; students; higher education; Portugal

Resumen

Introducción:

En la era de la digitalización, la sociedad y los futuros profesionales de los medios enfrentan desafíos ante el fenómeno globalizado de las noticias falsas. ¿Cómo lidiar con la información errónea y combatir el fenómeno?

Objetivos:

El objetivo principal de la investigación descrita en este artículo es comprender la percepción que tiene un grupo de estudiantes de educación superior sobre noticias falsas y desinformación en línea.

Métodos:

Este es un estudio de caso que utilizó un cuestionario en línea y un grupo focal para recopilar información. La muestra consistió en 49 estudiantes, del segundo año, del curso de Comunicación Social, en el año escolar 2018/2019 y para el grupo focal se seleccionaron 8 estudiantes.

Resultados:

Los resultados enfatizan que los estudiantes están familiarizados con la noción de noticias falsas y lo que parece motivar a las personas a crearlas y difundirlas. También conocen algunas características específicas de este tipo de noticias y pueden identificar sitios web que generalmente publican historias falsas. Los participantes revelan que la mayoría de las noticias manipuladas que encuentran se difunden en las redes sociales y sugieren que las noticias y la información en las que más confían se pueden encontrar en la prensa, la radio y la televisión.

Conclusiones:

El estudio concluyó que los estudiantes son conscientes del impacto negativo del fenómeno y que la educación es la mejor manera de mitigar el impacto de las noticias falsas.

Palabras clave: noticias falsas; desinformación; estudiantes; educación superior; Portugal

Introdução

No mundo de hoje, em que o estar online se assume como uma característica elementar da vida da maioria dos jovens estudantes portugueses, produzir e receber informações tornou-se um hábito comum e são múltiplas e variadas as formas como estas gerações digitais comunicam. Contudo, num contexto em que a desinformação online se afirma e sobretudo quando ganha relevo a disseminação de informações falsas, são cada vez maiores os riscos destes jovens serem manipulados por notícias que não são verdadeiras, rumores ou mentiras com objetivos económicos, políticos ou outros.

Se por um lado, a sociedade em rede impulsionada pela revolução tecnológica permitiu criar perfis digitais identitários, encurtar distâncias, flexibilizar a comunicação e proporcionar simultaneidade numa cultura altamente participativa (Cardoso, 2013); por outro lado revelou utilizações e comportamentos online que levantam questões para as quais ainda há poucas respostas. Com efeito, esta diversidade de meios e de ambientes digitais tem propiciado o incremento de notícias falas, a divulgação de informações descontextualizadas e, de um modo geral, a disseminação de desinformação

A lógica vigente à criação de notícias falsas deriva da tentativa de manipular a opinião pública para variados fins e é principalmente através das redes sociais que as histórias falseadas se propagam, atingido milhões de utilizadores em pouco segundos (Esteves & Sampaio, 2019). Nem sempre é fácil identificar noticias falsas e a generalidade dos cibernautas está vulnerável a elas. Neste âmbito destaca-se o imperativo de alertar para o fenómeno. Ocorrem debates para promover a discussão sobre o tema e começam a despontar algumas iniciativas para tentar minimizar o impacto da desinformação. O Parlamento Europeu, por exemplo, aprovou uma resolução na qual defende medidas para reforçar a proteção de dados pessoais nas redes sociais e existem também vários sites para verificação de informação, como o FactCheck.org ou Agência Lupa. Em território português destaca-se o site o Polígrafo, anunciado durante a cimeira de tecnologia Web Summit 2019. E os mais jovens? Como se preparam para esta nova realidade? Que perceção têm das notícias falsas?

Verifica-se uma crescente preocupação da sociedade e da academia para compreender e estudar o fenómeno e é nesta dimensão investigativa que o presente estudo se posiciona. Assim, esta pesquisa, realizada junto de estudantes do ensino superior, teve como objetivo identificar as suas perceções sobre o fenómeno das fake news, bem como perceber o seu nível de confiança nas fontes de informação. Paralelamente, o estudo pretendeu entender que consciencialização possuem os estudantes acerca das notícias falsas e com que responsabilidade se posicionam perante o problema.

Neste âmbito, o presente texto começa por focar a conjuntura atual de divulgação de informação manipulada para, de seguida, enfatizar a apresentação de resultados obtidos num estudo de caso desenvolvido numa instituição portuguesa de ensino superior. Espera-se que a exposição e subsequente análise dos dados contribua para um melhor entendimento do fenómeno das fake news.

1. Enquadramento teórico

Embora não seja um conceito novo se tivermos em conta que sempre houve uma tendência para se apresentar informação falsa ou enganosa para tentar manipular a opinião pública, a verdade é que o termo fake news ganhou especial destaque aquando das últimas campanhas eleitorais que envolveram Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Tentando situar e definir o conceito, Allcott & Gentzkow (2017) entendem que as fake news se referem a informação com total desrespeito pelos factos e têm a intenção de enganar os destinatários. Uma notícia deste tipo incorpora intencionalmente elementos falsos integrados no seu conteúdo, tendo os seus criadores como propósito principal enganar a opinião pública (Bakir & McStay, 2018). Na opinião de Gurba, Kaczmarczyk & Pajchert (2019) não se trata apenas de inventar uma informação e partilhá-la, pois uma fake new “(…) is not only information invented in its entirety, but also those that are based on misrepresentation or mix facts with fiction. (…) In the case of many fake news, some fragments of information are deliberately concealed or exaggerated, photographs or video recordings are manipulated or presented without considering their real context” (p. 6938).

Neste sentido, as informações falsas ou manipuladas geram comunicações equivocadas que se espalham rapidamente e que podem comprometer o funcionamento saudável da economia e da democracia. Segundo Ferrari (2018) esta proliferação de fake news resulta de um contexto de polarização política, que não favorece o debate racional nem o consenso; da descentralização da informação motivada pelo uso constante da Internet e do ceticismo geral em relação às instituições políticas e partidárias. Por outro lado, não podemos esquecer, como salienta Branco (2017), que “a arquitetura da rede propicia o compartilhamento irrefletido por causa do reforço dos estímulos” e, portanto, “Esta é a forma mais segura de garantir que um usuário ficará o maior tempo possível conectado, interagindo dentro dos limites da rede (da bolha, na verdade) onde ele se encontra” (p. 57). De facto, “The wide availability of user-provided content in online social media facilitates the aggregation of people around common interests, worldviews, and narratives” (Vicario et al., 2016, p. 554). Para além disso, de acordo com Branco (2017), num contexto de fluxo informacional vertiginoso, muitas das pessoas que compartilham informação online fazem-no sem verdadeiramente terem lido o conteúdo, procurado fontes alternativas ou verificado os factos.

A proliferação deste tipo de notícias pode ter impactos negativos ao nível social na medida em que tal poderá potenciar cidadãos erroneamente informados (Bakir & McStay, 2018), que muitas vezes partilham informação nas redes sociais, aproveitando a facilidade e a rapidez proporcionada por estas tecnologias, sem terem lido verdadeiramente o seu conteúdo ou confirmado os factos apresentados. Tal como alerta Amaral (2016), tem vindo a verificar-se um aumento exponencial do consumo de informação descontextualizada e desagregada através das plataformas de media sociais, pois, “we have access to information so quickly nowadays that, before fact-checking happens, the news has been shared, liked, retweeted and believed by millions of people” (s.p.).

Com efeito, o tema da desinformação online tem motivado preocupação por parte de diferentes entidades após se ter tornado matéria de discussão em 2016 depois das presidenciais norte-americanas, no âmbito das quais surgiram fortes indícios de que, alegadamente, entidades russas tinham tentado manipular opiniões de cidadãos americanos através das redes sociais (Esteves & Sampaio, 2019). Fenómenos como este são suscetíveis de semear a desconfiança das pessoas em relação aos meios de comunicação, pelo que as recomendações da União Europeia apontam no sentido de se apostar em quatro princípios fundamentais: (1) transparência, dando aos cidadãos informação fidedigna sobre as fontes noticiosas; (2) diversidade de fontes de informação; (3) credibilidade dos órgãos de informação e (4) inclusão, que prevê a necessidade de envolver todas as partes ativas no processo de combate às notícias falsas (European Comission, 2018).

Por sua vez, um estudo da Obercom (Cardoso et al., 2018) sugere três abordagens gerais perante o problema das fake news: (1) “Atuar através de políticas legislativas, de modo a resolver um problema considerado de cariz pública e de presença generalizada”, (2) “Permitir que as instituições privadas (e.g., Facebook) resolvam, através de regulação privada, os problemas de desinformação nos seus próprios espaços” e (3) olhar “para o problema da desinformação e manipulação das informações do ponto de vista psicossocial” (p. 21).

Sobressai, no entender de Branco (2017), que “o mais importante é investir em educação para aprender a distinguir com mais clareza informações falsas que circulam na internet” (p. 61), apoiando uma maior literacia digital e cidadania participativa. De facto, “Numa fase histórica em que a falta de literacia não se prende tanto com o analfabetismo, mas essencialmente com a capacidade em distinguir e avaliar as informações que nos rodeiam, este seria um aspeto importante a ter em conta pelas entidades políticas de forma a promover nos seus cidadãos um pensamento crítico e lúcido sobre o contexto info-comunicacional” (Cardoso et al., 2018, pp. 24-25).

Numa altura em que várias vozes defendem que “Escolas e Universidades precisam tomar para si a responsabilidade de discutir o tema com seus alunos” (Branco, 2017, p. 61) é justamente neste sentido que se posiciona o presente estudo, procurando perceber a perceção de jovens estudantes universitários sobre uma questão pertinente e atual.

2. Métodos

Considerando que existem fortes indícios de que o fenómeno das fake news é atualmente um problema inquestionável no nosso quotidiano, entende-se pertinente o desenvolvimento de um estudo com o objetivo de se tentar identificar as perceções de um grupo de estudantes do ensino superior na área da comunicação sobre o tema.

Em termos metodológicos, o estudo enquadra-se num paradigma qualitativo de investigação, tendo-se optado pela implementação de um inquérito por questionário e pela realização de um focus group para a recolha de dados.

2.1 Participantes

Responderam ao questionário 49 estudantes do primeiro ciclo de estudos na área de comunicação, a maioria do género feminino e com idades compreendidas entre os 21 e os 23 anos. Destes elementos, oito participaram no focus group, dos quais cinco eram raparigas e três rapazes. Todos os participantes estavam matriculados no 2º ano do curso e tinham estatuto de estudante ordinário. Tratou-se de um grupo escolhido em função da área de estudos que frequentam e do ano de escolaridade no âmbito do curso - já não totalmente iniciantes no estudo dos meios de informação, mas ainda não completamente condicionados por constrangimentos de entrada no mercado de trabalho.

2.2 Instrumentos de recolha de dados

O questionário foi desenvolvido tendo como referência o disponibilizado pela Comissão Europeia no seu relatório ‘Fake news and disinformation online’ (Comissão Europeia, 2018) e era composto por 12 perguntas. Este instrumento de recolha de dados foi devidamente validado por especialistas na área no que diz respeito ao conteúdo, redação das questões e escalas utilizadas. Após pequenos ajustes, foi implementado com recurso à ferramenta gratuita Drive da Google, tendo estado disponível para resposta no período de 20 a 27 de maio de 2019.

Posteriormente, realizou-se o focus group com a finalidade de complementar os dados obtidos através do questionário e de promover a reflexão entre os participantes acerca do tema em análise, tentando, assim, confirmar os resultados do questionário. Neste sentido, o focus group foi orientado por um guião de 20 perguntas que visaram: i) perceber o que sabem os jovens sobre fake news e importância do tema, ii) identificar quais os media onde mais receiam ter acesso a fake news e iii) entender que soluções apontam para lidar com o problema.

3. Resultados

Os resultados do questionário (Tabela 1) apontam no sentido de que grande parte dos estudantes se depara com fake news todos os dias (42,9%) ou pelo menos uma vez por semana (30,6%).

Tabela 1 Frequência com que os estudantes visualizam fake news 

n %
Todos os dias 21 42,9
Pelo menos uma vez por semana 15 30,6
Várias vezes por mês 13 26,5
Raramente ou quase nunca 0 0

Desafiados a definirem o conceito de notícias falsas, foi possível verificar que a maioria dos estudantes que participaram no focus group associa fake news a desinformação. De acordo com os registos, para os alunos presentes, fake news são notícias construídas de forma a misturarem factos reais com informação falsa para parecerem mais credíveis junto da opinião pública. Os estudantes consideram que o conceito está associado a manipulação e interesses de determinados órgãos de comunicação social e, para eles, significa desinformação, descontextualização e persuasão.

No que diz respeito à identificação de fake news, todos os participantes no focus group conseguiram nomear sites de fake news como “Bombeiros portugueses”, “Já foste”, “O Dioguinho”, “Tá feio” e inclusive uma das participantes afirmou que “No site Comunidade, Cultura e Arte eles têm uma tabela com todos os sites de fakes news de Portugal”. Na generalidade, os estudantes concordam que a forma mais fiável de identificar fake news é pesquisar sobre o assunto em vários órgãos de informação e entendem que, para além de ver o título, é importante ler o conteúdo da notícia, não ficando só pela superficialidade. Defendem também que as fake news podem-se identificar pelo tipo de redação textual, uma vez que a linguagem utilizada e adjetivação procura sustentar um determinado ponto de vista em benefício ou prejuízo de algo ou alguém.

Na generalidade, as opiniões manifestadas durante o focus group seguem a mesma tendência dos resultados obtidos no questionário, tendo todos os estudantes revelado já ter tido contacto com uma notícia que julgaram ser verdadeira e depois verificaram ser falsa, e maioritariamente nas redes sociais.

Os estudantes que responderam ao questionário (Tabela 2) colocam as redes sociais como um dos principais meios para a partilha de fake news: a maioria (81,6%) revela que vê muitas vezes partilhado esse tipo de notícias nas redes sociais. Já a televisão, os jornais e os vídeos de Youtubers parecem ser os meios que menos partilham notícias falsas, tendo a maioria dos participantes indicado que são poucas as vezes (69,4%, 63,3% e 59,2% respetivamente) que costumam visualizar fake news através desses meios.

Tabela 2 Meios de partilha de fake news 

Muitas vezes Frequentemente Poucas vezes Nunca
n % n % n % n %
Redes sociais 40 81,6 8 16,3 1 2,0 0 0
Através de vídeos de Youtubers 4 8,2 13 26,5 29 59,2 3 6,1
Nos jornais que costumo ler 2 4,1 4 8,2 31 63,3 12 24,5
Em canais de televisão 2 4,1 9 18,4 34 69,4 4 8,2

No focus group, quando questionados acerca dos modos de propagação de fake news, embora a maioria dos participantes seja unânime em concordar que é através das redes sociais que mais se verifica a divulgação de factos falsos, indicou também, como fonte de disseminação de fake news, grupos mais restritos do círculo de amigos ou familiares, como nos grupos de whatsapp. Como afirma uma das participantes: “eu acho que é através de redes sociais, mas quero também realçar o facto de serem muito propagadas através de grupos de pessoas que nos são próximas e, por isso, tendemos a acreditar mais facilmente”.

As respostas dos estudantes ao questionário (Tabela 3) revelam que a grande maioria sente confiança nas informações que recebe através da rádio (83,7%), da televisão (75,5%), dos jornais e/ou revistas impressas (75,5%) e dos podcasts (63,3%). Curiosamente, na sessão de focus group, a imprensa foi apontada, de forma unânime entre os participantes, como sendo o meio mais credível quando questionados acerca dos meios de informação em que mais confiam para se informarem.

Tabela 3 Grau de confiança nos meios de comunicação 

Confio totalmente Confio Desconfio Desconfio totalmente
n % n % n % n %
Jornais/revistas impressos 6 12,2 37 75,5 5 10,2 1 2,0
Jornais/revistas online 3 6,1 20 40,8 25 51,0 1 2,0
Redes sociais 1 2,0 3 6,1 36 73,5 9 18,4
Apps de messaging (whatsapp, etc.) 1 2,0 13 26,5 23 46,9 12 24,5
Televisão 5 10,2 37 75,5 7 14,3 0 0
Rádio 6 12,2 41 83,7 2 4,1 0 0
Websites 0 0 18 36,7 31 63,3 0 0
Podcasts 0 0 31 63,3 18 36,7 0 0

Durante o focus group, os estudantes deram enfoque especial a duas publicações portuguesas - o jornal Expresso e o jornal Público - como os jornais em que mais confiam porque são os mais seletivos, têm mais tempo para confirmar a informação e são rigorosos. Manifestaram, ainda, convicção de que quando a imprensa erra, pública imediatamente uma informação acerca disso, retificando os factos e informando os leitores, o que lhe confere não só sentido de responsabilidade e, ao mesmo tempo, maior credibilidade. Por outro lado, entre as notícias que geram maior desconfiança, as respostas ao questionário colocam em primeiro lugar as notícias partilhadas nas redes sociais (73,5%), seguindo-se as dos websites (63,3%), as dos jornais e das revistas online (51%). Também as apps de messaging, como o whatsapp, são vistas pelos estudantes como sendo pouco confiáveis (46,9% desconfia e 24,5% desconfia totalmente).

Como futuros profissionais de comunicação social estes jovens estão atentos ao fenómeno e apostam na ética e deontologia para evitar divulgar informação falsa. Os níveis baixos de literacia digital dos utilizadores são, na opinião da grande maioria dos participantes (71,4%), um dos principais motivos para propagação de notícias falsas (Tabela 4). Na perspetiva de 69,4%, as redes sociais também contribuem para essa divulgação pelo facto de permitirem a agregação de notícias provenientes de fontes não confirmadas e 53,1% consideram que a vontade dos utilizadores vincarem as suas opiniões e descredibilizarem outras impulsiona a disseminação de fake news.

Tabela 4 Fatores que contribuem para a propagação de fake news 

n %
Níveis baixos de literacia digital dos utilizadores 35 71,4
A vontade dos utilizadores vincarem as suas opiniões e descredibilizarem outras 26 53,1
As redes sociais pelo facto de permitirem a agregação de notícias provenientes de fontes não confirmadas 34 69,4
O contexto atual de instantaneidade que leva os utilizadores a partilhar informação constantemente 24 49,0
A vontade dos utilizadores partilharem as suas motivações ideológicas 18 36,7

Há ainda a destacar o facto de 49% dos estudantes considerarem que o contexto atual de instantaneidade leva os utilizadores a partilharem informação constantemente e 36,7% julgarem que a propagação de notícias falsas está relacionada com a vontade dos utilizadores partilharem as suas motivações ideológicas.

Para os participantes do focus group, o principal impacto das fake news é a sua rápida proliferação a par da manipulação de opiniões. Todos eles assumem que as fake news têm um impacto sério na vida social, mas argumentam que o impacto é particularmente acentuado na esfera política e económica. Adicionalmente o grupo de jovens entende que a família tem um papel muito importante para minimizar o impacto das fake news porque é aí que se estabelece uma interação primária essencial e que o espírito critico se desenvolve em torno de conversas acerca da realidade. Esta influência recíproca estabelece-se dos pais para os filhos e dos filhos para os pais.

Por último, procurou-se conhecer a opinião dos estudantes sobre diversos aspetos relacionados com o fenómeno das notícias falsas ou manipuladas (Tabela 5). Uma das tendências que emerge dos resultados obtidos é a preocupação da maioria (65,3% concordam totalmente) com a necessidade de se avançar com maior regulação para se combater o fenómeno das fake news. Grande percentagem dos estudantes exprime concordância (59,2% concordam totalmente e 38,8% concordam) em relação ao facto de a divulgação de notícias falsas ser uma forma de manipular atitudes e opiniões, assim como admitem já terem clicado no título de uma notícia e só depois perceberem que era uma fake news (57,1% concordam totalmente e 40,8% concordam).

Tabela 5 Opiniões dos estudantes em relação às fake news 

Concordo totalmente Concordo Discordo Discordo totalmente
n % n % n % n %
O excesso de informação no dia-a-dia dificulta a distinção de notícias credíveis de notícias falsas 17 34,7 26 53,1 5 10,2 1 2,0
É muito fácil criar uma notícia falsa que pareça credível aos olhos dos utilizadores 26 53,1 19 38,8 4 8,2 0 0
Já me aconteceu clicar no título de uma notícia e depois percebi que era uma fake news 28 57,1 20 40,8 1 2,0 0 0
A divulgação de notícias falsas é uma forma de manipular atitudes e opiniões 29 59,2 19 38,8 1 2,0 0 0
Considero que há necessidade de maior regulação para se combater o fenómeno 32 65,3 14 28,6 2 4,1 1 2,0

Como se pode observar na Tabela 5, verifica-se também uma forte tendência de concordância no que se refere à facilidade com que se consegue criar uma notícia falsa que pareça credível aos olhos dos utilizadores, bem como parece indiscutível o facto de o excesso de informação no dia-a-dia dificultar a distinção entre notícias credíveis e notícias falsas.

Questionados durante o focus group acerca de medidas tomadas para combater as fake news, os jovens têm conhecimento de que algo já está a ser feito e que Governos, instituições e empresas procuram precaver-se, no entanto a globalidade dos participantes tem noção de que este é um fenómeno difícil de controlar, não só porque é muito recente, mas igualmente porque envolve lucros substanciais e resultados políticos e financeiros compensadores.

4. Discussão

Tendo em conta os objetivos específicos estabelecidos para melhor entender o fenómeno das fake news, o estudo realizado permitiu perceber que a grande maioria dos participantes tem consciência do que são notícias falsas - divulgação de factos falsos como se fossem verídicos, sublinhando o problema da manipulação de opiniões a nível político, económico e social. Os resultados obtidos estão alinhados com as conclusões do estudo Flash Eurobarometer 464 da Comissão Europeia que indica que em Portugal mais de metade dos inquiridos (56%) “are at least somewhat confident that they can identify fake news online” (União Europeia, 2018, p. 15).

Os participantes no estudo revelam que se deparam com este tipo de notícia com muita frequência e acreditam que são as redes sociais e plataformas de mensagens instantâneas que mais divulgam e propagam fake news. Embora os dados recolhidos não sejam relevantes para reconhecer as redes sociais como principais impulsionadoras de circulação de notícias falsas, apontam uma tendência já indicada no estudo da Obercom (2018) que refere as redes sociais como a segunda principal fonte de notícias em contexto português, a seguir aos canais de notícias 24 horas, o que se revela como “indicador da importância destas redes na disseminação noticiosa - mesmo como fonte de notícias primária” (Cardoso et al., 2018, p. 45).

Relativamente ao reconhecimento de meios de informação de confiança, a discussão no contexto do grupo de foco possibilitou aferir que é na imprensa que os estudantes mais confiam para se informarem, sendo que as respostas ao questionário também colocaram em evidência a rádio, a televisão, os jornais e/ou revistas impressas e os podcasts. Estes resultados estão em linha de concordância com os apresentados no relatório “Fake News and Disinformation Online” da Comissão Europeia (2018) e que sugerem que nos diferentes estados membros da união europeia, os cidadãos “(…) are less likely to trust news and information from online sources than from more traditional sources” (p. 4).

Através das reações, opiniões e respostas ao questionário, entendemos que a maioria dos formandos tem um nível de desconfiança elevado na informação partilhada através das redes sociais. Estes dados vão de encontro ao apontado pela investigação da Obercom onde, perante o questionamento acerca do grau de confiança em marcas de comunicação noticiosas, o Expresso e o Público são as marcas que, a seguir à estação de televisão pública RTP, apresentam níveis de confiança mais elevados (Cardoso et al., 2018, p. 57).

De um modo geral, para os participantes no estudo o maior impacto da desinformação é a sua célere difusão sem a certeza de todos terem acesso ao posterior desmentido ou reposição da verdade e a manipulação da opinião pública. Denota-se a perceção por parte dos estudantes de que estão a ser tomadas medidas para combater as fake news, sendo que a sua maior convicção é a de que é através da educação e debate sobre o fenómeno entre profissionais dos média, políticos e académicos que se poderão encontrar formas de abrandar o crescimento incontrolável desta realidade. De facto, os resultados do questionário realizado no nosso estudo sugerem que os baixos níveis de literacia digital são um dos principais motivos para propagação de notícias falsas, pelo que é importante relembrar as conclusões do estudo de Branco (2017, p. 61) que sugerem que “o mais importante é investir em educação para aprender a distinguir com mais clareza informações falsas que circulam na internet. Escolas e Universidades precisam tomar para si a responsabilidade de discutir o tema com seus alunos”.

Uma das tendências que emerge tanto dos dados obtidos no focus group como no questionário é a de os estudantes estão preocupados com a existência de desinformação e factos falsos, particularmente pelo enfoque de trabalho futuro em que estão inseridos. Estes resultados apoiam o descrito no estudo Flash Eurobarometer 464 da Comissão Europeia que expõe que a “large majority of respondents think that the existence of fake news is a problem in their country and for democracy in general” e que “these views are consistent across Member States, with at least 70% in every country seeing fake news as a problem in their country, and at least 74% saying this in relation to democracy in general” (União Europeia, 2018, p. 4). A focalização unicamente em Portugal revela, segundo o estudo da Obercom, “um valor de preocupação bastante elevado, com 71,3% dos inquiridos a referirem que se preocupam com o que é real ou falso na Internet” (Cardoso et al., 2018, p. 61).

Conclusões

O estudo apresentado ao longo deste artigo teve como principal objetivo conhecer a perceção de um grupo de estudantes do ensino superior sobre o fenómeno das fake news. Os resultados obtidos através do questionário e do focus group, embora não possam ser generalizados, fornecem informações relevantes sobre o objeto em estudo e permitem as conclusões que seguidamente se apresentam.

A investigação permitiu-nos contextualizar o estado atual de preocupação com fake news e a sua importância e impacto na contemporaneidade. Percebendo as fake news como um fenómeno cada vez mais presente em diversos setores da vida das populações, nota-se uma crescente necessidade de procurar soluções.

Neste sentido, para além de definirem e identificarem fake news, os jovens apresentam um nível de preocupação elevado com o fenómeno devido à sua rápida propagação e manipulação. Entendem que as fake news têm sérias consequências em Portugal e no mundo, sendo a nível político que mais se evidenciam. Neste contexto de desinformação, sobretudo online, os estudantes procuram na imprensa formas de obterem informação fiável e entendem que o combate às fake news faz-se essencialmente através da educação.

Sobre os meios em que mais confiam para consultarem informação, o estudo permitiu concluir que os estudantes revelam grande confiança nos meios de comunicação tradicionais como a rádio, a televisão, os jornais e revistas impressas. Em contrapartida, as redes sociais e os websites surgem como sendo dos meios menos fiáveis para acesso a informação fidedigna.

Conclui-se, ainda, que o sensacionalismo e as motivações ideológicas e políticas propiciam a criação deste tipo de notícia, bem como a vontade dos utilizadores partilharem as suas motivações ideológicas e de vincarem as suas opiniões. Esta conclusão vem, assim, corroborar a obtida por Cardoso et al. (2018, p. 67) que aponta no sentido de “(…) que as fake news são essencialmente utilizadas como um reforço das próprias ideologias e ideias pré-concebidas”.

Emerge como conclusão importante desta investigação a necessidade de se avançar com uma maior regulação para se combater o fenómeno das fake news, preocupação também ela já patente nos relatórios da OberCom (Cardoso et al., 2018) e da Comissão Europeia (2018).

Aglomerando todos os dados recolhidos e analisados é fundamentado aferir que este fenómeno não é de resolução fácil e imediata e que, paralelamente à necessidade de compreendê-lo e estudá-lo, revela-se importante reforçar a confiança dos cidadãos nos meios de informação, sem comprometer os princípios de liberdade e de democracia.

Despontam desta investigação diversas questões que nos parecem merecedoras de pesquisas mais aprofundadas e estudos complementares, que permitam um conhecimento mais detalhado da temática aqui abordada. Assim, sugere-se o desenvolvimento de um estudo mais abrangente, envolvendo mais alunos do ensino superior de diferentes instituições e de diferentes áreas e não apenas os ligados ao campo da comunicação social. Parece-nos também interessante levar a cabo pesquisas que envolvam diferentes públicos e de diferentes idades com vista à construção de conhecimento mais aprofundado sobre o fenómeno das fake news.

Agradecimentos

This paper was financed by national funds through FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P., under the project UID/Multi/04016/2016. Furthermore, we would like to thank the Polytechnic Institute of Viseu and Center for Studies in Education, Technologies and Health for their support.

Referências bibliográficas

Allcott, H., & Gentzkow, M. (2017). Social Media and Fake News in the 2016 Election. Journal of Economic Perspectives, 31(2), 4. [ Links ]

Amaral, I. (2016). Redes Sociais na Internet: Sociabilidades Emergentes. Covilhã: LABCOM.IFP. Acedido em https://www.saferinternetday.org/home?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=1421694&_101_type=content&_101_groupId=167024&_101_urlTitle=fake-news. [ Links ]

Bakir, V., & McStay, A. (2018). Fake News and The Economy of Emotions: Problems, causes, solutions. Digital Journalism, 6(2), 154-175. Acedido em https://doi.org/10.1080/21670811.2017.1345645. [ Links ]

Branco, S. (2017). Fake news e os caminhos para fora da bolha. Interesse Nacional, 10(38), 51-61. [ Links ]

Cardoso, G. (Coord.) (2013). A Sociedade dos ecrãs. Lisboa: Tinta-da-China. [ Links ]

Cardoso, G., Baldi, V., Pais, P. C., Piasana, M., Quintanilha, T., & Couraceiro, P. (2018). As Fake News numa sociedade pós-verdade - Contextualização, potenciais soluções e análise. Lisboa: Obercom. [ Links ]

Esteves, F. & Sampaio, G. (2019). Viral - A Epidemia de Fake News e a Guerra da Desinformação. Lisboa: Edições Desassossego. [ Links ]

European Commission (2018). Fake news and disinformation online. Flash Eurobarometer 464. [ Links ]

Ferrari, P. (2018). Como sair das bolhas. São Paulo: EDUC. [ Links ]

Gurba, K., Kaczmarczyk, D., & Pajchert, B. (2019). Fake news as a threat for news values in communication and education. Proceedings of INTED2019 Conference, 11th-13th March, Valencia, Spain. ISBN: 978-84-09-08619-1. [ Links ]

Vicario, M., Bessi, A., Zollo, F., Petroni, F., Scala, A., Caldarellia, G., Stanley, H., & Quattrociocchi, W. (2016). The spreading of misinformation online. PNAS, 113 (3), 554-559. [ Links ]

Recebido: 27 de Novembro de 2019; Aceito: 09 de Janeiro de 2020

Autor Correspondente Nídia Salomé Morais Escola Superior de Educação de Viseu Rua Maximiano Aragão 3504 - 501 Viseu Portugal salome@esev.ipv.pt

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons