Introdução
A doença de Coronavírus de 2019 conhecida por COVID 19 teve início em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China, propagando-se rapidamente por todo o mundo, levando sistemas de saúde à beira da rutura (Huang et al., 2020; Lu, Stratton, & Tang, 2020; World Health Organization, 2020a) e impondo restrições severas à população em geral (Li et al., 2020). A 11 de março de 2020, os índices de propagação exponencial e o elevado grau de infeção da COVID-19, determinaram a classificação do surto como uma pandemia (World Health Organization, 2020b).
Apesar de ser prevista como menos virulenta e com uma menor taxa de mortalidade, a COVID-19 devido aos seus períodos de incubação mais longos resulta num número significativo de portadores assintomáticos (Chen, 2020; Mahase, 2020; Zou et al., 2020). O número de casos confirmados cresce continuamente a nível mundial, e oito meses após o início do surto foram notificados mais de 24 milhões de casos e mais de 827,000 mortes (World Health Organization, 2020c).
Este rápido crescimento exponencial juntamente com as grandes mudanças que vieram a ocorrer na vida diária da população gerou sentimentos de medo e alarmismo (Alkhamees, Alrashed, Alzunaydi, Almohimeed, & Aljohani, 2020). Esta pandemia não afetou apenas diretamente aqueles que foram infetados pela COVID-19, colocando em risco a sua saúde física, mas também indiretamente colocou em risco a saúde mental da população (Zhao, An, Tan, & Li, 2020).
Historicamente vários estudos foram produzidos sobre a saúde mental da população durante situações de confinamento, isolamento social e quarentena que resultam da intenção de conter a propagação de doenças (Alkhamees et al., 2020). A COVID-19 proporcionou um momento particular para o desenvolvimento de vários estudos recentes que apontam efeitos severos sobre a saúde mental da população (Alkhamees et al., 2020; Banna et al., 2020; Gualano, Lo Moro, Voglino, Bert, & Siliquini, 2020; Paulino et al., 2020; Verma & Mishra, 2020; Zhao et al., 2020). Efetivamente, a COVID-19 já é reconhecida como uma causa direta e indireta de consequências sociais e psicológicas que se podem repercutir na saúde mental da população e que se podem traduzir em transtornos de stress graves, ansiedade, irritabilidade, baixa concentração e indecisão, deterioração do desempenho no trabalho, transtornos de stress pós-traumático, alto sofrimento psicológico, sintomas depressivos e ainda insónia (Gualano et al., 2020).
Desta forma, torna-se clara a necessidade de se estudar o impacto psicológico da pandemia da COVID-19 na população geral. Apesar da pluralidade e diversidade de estudos já desenvolvidos, descrever este impacto e os seus vários fatores associados, torna-se urgente para permitir a implementação de estratégias que atenuem as suas consequências nefastas em termos de saúde mental (Banna et al., 2020).
Uma pesquisa preliminar na JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, Cochrane Database of Systematic Reviews, PROSPERO, PubMed e CINAHL revelou que atualmente não há outra revisão (publicada ou em curso) sobre este tema.
Como a evidência nesta área se encontra dispersa propomos uma revisão que procura sintetizar a prevalência de resultados (outcomes) psicológicos e de saúde mental da população em geral adquiridas em tempo de pandemia COVID-19. Para isso definimos como questão de investigação: Qual é a prevalência de resultados (outcomes) psicológicos e de saúde mental da população em geral adquiridas em tempo de pandemia COVID-19?
1. Métodos
Este protocolo foi redigido tendo por base o Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses for systematic review Protocols (PRISMA-P) (Moher et al., 2015) e estrutura a realização de uma revisão sistemática de prevalência e incidência com meta-análise de acordo com o método proposto pela Joanna Briggs Institute (Munn, Moola, Lisy, Riitano, & Tufanaru, 2020).
A pesquisa será realizada nas bases de dados PubMed, Scopus, CINAHL Complete e Web of Science. Para o efeito, serão incluídos estudos em língua inglesa, portuguesa e espanhola, com data de publicação de 1 de dezembro de 2019 até à data atual do desenvolvimento da pesquisa. A escolha que motivou o intervalo de tempo da pesquisa foi a data de início da pandemia COVID-19, sendo que só posteriormente começaram a emergir estudos sobre o tema em apreço. A escolha dos idiomas deveu-se à competência linguística e know-how do corpo de revisores.
As estratégias de pesquisa que serão utilizadas para a Pubmed e para a Scopus encontram-se apresentadas na Tabela 1.
Base de dados | Fórmula de pesquisa | Resultados |
---|---|---|
PubMed | ((((((COVID-19[Title/Abstract]) OR ("severe acute respiratory syndrome coronavirus 2"[Title/Abstract])) OR (2019-nCoV)) OR (SARS-CoV-2)) OR (coronavirus[MeSH Terms])) OR (coronavirus[Title/Abstract])) AND ("mental health"[MeSH Terms]) | 421 |
Scopus | TITLE-ABS(COVID-19) OR TITLE-ABS("severe acute respiratory syndrome coronavirus 2") OR ALL(2019-nCoV) OR ALL(SARS-CoV-2) OR TITLE-ABS(coronavirus) AND TITLE-ABS("mental health") AND TITLE-ABS(population) | 293 |
Após a pesquisa, todas as citações identificadas serão transferidas para o Endnote V7.7.1 (Clarivate Analytics, PA, EUA) e os duplicados removidos. A fim de avaliar a sua elegibilidade, os títulos e resumos serão analisados por dois revisores independentes (CF e MC). Na ausência de consenso será incluído um terceiro revisor (ES) como critério de desempate. Os artigos completos serão analisados com base nos seguintes critérios de inclusão:
PARTICIPANTES: Serão considerados todos os estudos que se refiram à população em geral;
CONDIÇÃO: A condição em estudo refere-se a todas as perturbações psicológicas e/ ou de saúde mental adquiridas em tempo de pandemia COVID-19;
CONTEXTO: Comunitário, pelo que se excluem os estudos realizados em ambiente hospitalar.
TIPO DE ESTUDOS: Todos os tipos de estudos de natureza quantitativa, nomeadamente revisões sistemáticas, estudos quantitativos primários, e estudos mistos, em que exista a possibilidade de extrair os dados quantitativos de forma isolada.
A avaliação da qualidade dos estudos será realizada por dois revisores independentes (CF e MC) através do instrumento “Checklist for Prevalence studies” (Munn, Moola, Lisy, Riitano, & Tufanaru, 2015). Na ausência de consenso será incluído um terceiro revisor (ES) como critério de desempate. De salientar que após a avaliação crítica, os estudos não serão excluídos com base na sua qualidade metodológica. Ao invés, os resultados da avaliação crítica serão considerados na síntese e relatados sob forma narrativa e numa tabela.
Os dados serão extraídos por dois revisores independentes (CF e MC). A presença de desacordo entre os revisores será resolvida com a inclusão de um terceiro revisor (ES). Os resultados serão agrupados numa tabela e acompanhados por uma síntese narrativa.
Por fim, serão realizadas meta-análises binárias de efeito fixo de prevalência através do STATA®15.0 através do método do inverso da variância com transformação Freeman-Tukey double arcsine. A heterogeneidade será avaliada estatisticamente utilizando os testes padrão do qui-quadrado e I 2. As análises estatísticas serão realizadas utilizando modelos de efeitos aleatórios apenas na presença de heterogeneidade moderada a elevada (I 2>50%) e, na sua ausência, serão utilizados modelos de efeitos fixos (Tufanaru, Munn, Stephenson, & Aromataris, 2015). Adicionalmente serão realizadas análises de sensibilidade e de subgrupos (em especial para os diferentes “tipos” de população, por exemplo grupos etários, género, entre outros). Será produzido um funnel plot para avaliar o viés de publicação se houver 10 ou mais estudos incluídos na meta-análise. Serão efetuados testes estatísticos para a assimetria, quando apropriado (Simmonds, 2015).
Por fim, será utilizada a abordagem da Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE) para classificar a certeza da evidência e será criado um Sumário de Evidências (“Summary of Findings” - SoF) usando o software GRADEPro (Guyatt et al., 2008).
2. Resultados
Com a realização desta revisão sistemática prevemos inclusão de diversos estudos que demonstrem inequivocamente a existência de uma prevalência significativa de problemas psicológicos e de saúde mental, atestando-se a pertinência do estudo da relação entre a atual pandemia de COVID-19 e a saúde mental da população.
Uma pesquisa preliminar já permitiu identificar a existência de uma prevalência significativa de impacto psicológico/ problemas de saúde mental, como sintomas de ansiedade, stress, depressão, insónia, entre outros (Alkhamees et al., 2020; Banna et al., 2020; Gualano et al., 2020; Paulino et al., 2020; Verma & Mishra, 2020; Zhao et al., 2020).
Uma análise preliminar destes achados permite já inferir que este impacto é moderado a grave e mais significativo em grupos específicos e/ou vulneráveis, como as mulheres, os jovens, os profissionais de saúde e as pessoas com doenças mentais prévias. Alguns estudos ainda referem também como grupos mais afetados os estudantes universitários e os trabalhadores com baixos rendimentos. Por outro lado, verifica-se uma grande variação heterogénea dos grupos entre contextos (nacionais e internacionais), bem como a heterogeneidade de tipologias de sintomas (Alkhamees et al., 2020; Banna et al., 2020; Gualano et al., 2020; Paulino et al., 2020; Verma & Mishra, 2020; Zhao et al., 2020).
3. Discussão
Apesar de atualmente já ser reconhecido o impacto psicológico e de saúde mental da população em geral, os estudos apresentam de forma dispersa a prevalência e sintomatologia persistente. Isto motivou a realização do protocolo desta revisão sistemática que, pela primeira vez, procurará sintetizar a prevalência dos principais resultados (outcomes), aportando um conjunto de recomendações relevantes para a prática clínica.
Atendendo à prevalência dos problemas psicológicos já referidos, e a que atualmente a pandemia de COVID-19 se mantem sem tratamento e sem vacina que demonstre segurança e eficácia clínica duradoura (Bar-Zeev & Inglesby, 2020), ainda que muitos esforços científicos estejam a ser realizados nesse sentido, é expectável que os problemas psicológicos da população se mantenham ou venham mesmo a agravar dada a exposição prolongada no tempo.
Os resultados da análise preliminar da seleção de estudos deste protocolo atestam esta tendência revelando uma prevalência moderada a elevada de sintomas como depressão, ansiedade, stress ou insónia (Verma & Mishra, 2020). Esta sintomatologia é ainda mais prevalente em grupos específicos da população (mulheres, jovens, profissionais de saúde, pessoas com doenças mentais prévias, estudantes universitários e trabalhadores com baixos rendimentos), o que nos informa da obrigatoriedade de realizar meta-análises por subgrupos, quando a revisão for conduzida.
São, por isso, absolutamente necessárias estratégias e intervenções precoces que visem a prevenção, e em alguns casos tratamento, dos problemas psicológicos considerando o seu impacto nos diferentes grupos detetados (Li et al., 2020). Estas intervenções podem incluir, por exemplo, assistência psicológica, linhas de apoio telefónico, entre outras opções que promovam a saúde mental e resiliência, devendo ser amplamente disponibilizadas e promovidas proactivamente (Li et al., 2020).
Conclusão
Este protocolo de revisão sistemática prevê sintetizar os resultados dos estudos realizados sobre o impacto psicológico da pandemia da COVID-19 na população em geral, demonstrando um forte impacto em termos de saúde mental. A prevalência de problemas psicológicos esperados, já detetada pelos resultados da análise preliminar, em especial em grupos específicos, reforça a importância de se estudar a saúde mental a par da saúde física.
A pandemia da COVID-19 constituiu um desafio para a comunidade científica em várias áreas, com crescente relevância naquelas que mais trabalham a questão da saúde mental. É expetável que no futuro sejam desenvolvidas e aplicadas intervenções adequadas que visem promover resiliência psicológica e minimizar o impacto negativo desta e de futuras pandemias.