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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp9 Viseu dez. 2021  Epub 07-Dez-2021

https://doi.org/10.29352/mill029e.23818 

Educação e desenvolvimento social

Exploração da perspetiva de professor/a investigador/a em propostas contemporâneas de educação de infância

An exploration of the teacher-as-researcher concept in contemporary early childhood education pedagogies

Una exploración de la perspectiva de maestro-investigador en propostas contemporáneas de educación infantil

Maria Pacheco Figueiredo1 
http://orcid.org/0000-0002-3604-529X

1 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação, Viseu, Portugal


Resumo

Introdução:

Na atualidade, existem propostas curriculares e praxeológicas de Educação de Infância de grande qualidade. O papel da investigação desenvolvida por práticos na construção dessas propostas é relevante para apoiar processos de discussão acerca da qualidade das práticas e para sustentar a formação dos profissionais.

Objetivos:

Analisar três propostas contemporâneas de Educação de Infância de cariz socioconstrutivista e de reconhecida qualidade, procurando identificar indicadores de relevância e potencial da perspetiva de educador/a investigador/a.

Métodos:

A seleção das três propostas, Educação Experiencial, Abordagem Reggio Emilia e Centro Pen Green, resultou do cruzamento entre as cinco perspetivas de Educação de Infância destacadas pela OCDE e os modelos curriculares classificados concretizando uma pedagogia da participação, tendo ainda em conta o acesso a documentação relevante para o tópico em análise. A partir de características de investigação efetuada por práticos, analisaram-se documentos de apresentação e investigação realizada sobre cada uma das perspetivas, identificando zonas de aproximação ou concretização das características de investigação desenvolvida por práticos.

Resultados:

Os resultados revelam apropriações e focos distintos em cada perspetiva, conjugando-se numa arena favorável para que a Educação de Infância seja (re)construída pelos seus profissionais.

Conclusão:

A qualidade em Educação de Infância inclui a participação dos profissionais na construção das práticas, identificando-se formas distintas de concretizar esses contributos. A inclusão destas perspectivas e da sua apropriação da ideia de um professor investigador são relevantes na formação de educadores de infância, especialmente na sua diversidade.

Palavras-chave: educação de infância; professor-investigador; modelos curriculares; conhecimento profissional docente

Abstract

Introduction:

Currently, there are high quality curricular and praxeological proposals for Early Childhood Education. The role of practitioner research in the construction of these proposals is relevant to support the discussion about the quality of practices and to support teacher education.

Objetives:

To analyze three contemporary socio-constructivist proposals for Early Childhood Education, acknowledged by their quality, and identify indicators of relevance and potential of the existing perspective of an teacher-researcher.

Methods:

The selection of the three proposals, Experiential Education, Reggio Emilia Approach and Pen Green Center, resulted from the crossing of different criteria: inclusion as one of the five perspectives of Early Childhood Education highlighted by the OECD, acknowledgment as a curricular model implementing a pedagogy of participation, and available access to documentation relevant to the topic under review. The analysis focused studies and documents for each of the perspectives to identify ways in which practitioner research was present in the activities and values of each of the three perspectives.

Results:

The results reveal different appropriations and focuses in each perspective, coming together in a favorable arena for Early Childhood Education to be (re)constructed by its professionals.

Conclusion:

Quality in Early Childhood Education includes the participation of its professionals in the construction of practices. There are different ways in which this has happened. The inclusion of the perspectives and their appropriation of the idea of a teacher-researcher are relevant for Early Childhood Teacher Education, particularly in their diversity.

Keywords: early childhood education; teacher-researcher; curriculum models; teachers’ professional knowledge

Resumen

Introducción:

Actualmente, existen propuestas curriculares y praxeológicas de alta calidad para la Educación Infantil. El papel de la investigación realizada por los profesionales en la construcción de estas propuestas es relevante para apoyar los procesos de discusión sobre la calidad de las prácticas y apoyar la formación de los profesionales.

Objetivos:

analizar tres propuestas contemporáneas de educación infantil de carácter socio-constructivista y de reconocida calidad, buscando identificar indicadores de relevancia y potencialidad en su la perspectiva de un educador / investigador.

Métodos:

La selección de las tres propuestas, Educación Experiencial, Reggio Emilia y Pen Green Center, resultó del cruce entre las cinco perspectivas de Educación Infantil destacadas por la OCDE con los modelos curriculares que implementan una pedagogía de participación, tomando también en cuenta el acceso a la documentación relevante para el tema objeto de revisión. A partir de las características de la investigación realizada por los profesionales, se analizaron los documentos de presentación y las investigaciones realizadas sobre cada una de las perspectivas, identificando áreas de aproximación o implementación de las características de la investigación realizada por los profesionales.

Resultados:

Los resultados revelan diferentes apropiaciones y enfoques en cada perspectiva, convergiendo en un escenario propicio para que la Educación Infantil sea (re) construida por sus profesionales.

Conclusión:

La Calidad en la Educación Infantil incluye la participación de profesionales en la construcción de prácticas, identificando diferentes formas de lograr estos aportes. La inclusión de estas perspectivas y su apropiación de la idea del maestro investigador son relevantes en la formación de los docentes de Educación Infantil, especialmente en su diversidad.

Palabras clave: educación infantil; maestro-investigador; modelos curriculares; conocimiento profesionale docente

Introdução

A especificidade da Educação de Infância resulta de características dos seus profissionais, dos contextos em que se desenvolve e da forma como se relaciona com os seus destinatários (Figueiredo, 2013; Vasconcelos, 2009), numa conjugação de respostas que marca a qualidade das práticas e dos impactos nos sistemas educativos e nas sociedades. Embora, em alguns países, o seu enquadramento aprofunde esta especificidade, no contexto Europeu, a Educação de Infância tende a apresentar-se como parte do sistema educativo, com ligações próximas dos seus profissionais e das práticas a outros docentes (Sousa, 2018).

A importância da perspetiva de professor/a-investigador/a para a qualidade das práticas e para o desenvolvimento profissional dos vários docentes tem sido afirmada pela investigação há várias décadas (Cochran-Smith & Lytle, 2009; Stenhouse, 1987), sendo igualmente reconhecida na Educação de Infância (Figueiredo, 2020; Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2012; Leggett & Newman, 2019). Procurar perceber o papel da investigação desenvolvida por práticos na construção das propostas de qualidade existente em Educação de Infância é relevante para apoiar processos de discussão de qualidade e para sustentar práticas de formação. Neste artigo, procuramos contribuir para esses dois propósitos, analisando três propostas contemporâneas de Educação de Infância de cariz socioconstrutivista e de reconhecida qualidade, procurando identificar indicadores de relevância e potencial da perspetiva de educador/a investigador/a. A seleção das três propostas, Educação Experiencial, Abordagem Reggio Emilia e Centro Pen Green, resultou do cruzamento entre as cinco perspetivas de Educação de Infância destacadas pela OCDE (2004) e os modelos curriculares classificados por Oliveira-Formosinho e colaboradores como concretizando uma pedagogia da participação (2006), tendo ainda em conta o acesso a documentação relevante para o tópico em análise. Optou-se, igualmente, por privilegiar propostas europeias, cuja origem e processo de desenvolvimento fossem centradas e situadas na Educação de Infância. Para a análise, consideraram-se as características elencadas por Cochran-Smith e Lytle (2009) e por Pascal e Bertram (2012) para se analisaram documentos de apresentação e investigação realizada sobre cada uma das perspetivas, identificando zonas de aproximação ou concretização das características de investigação desenvolvida por práticos.

O reconhecimento de que outras propostas e iniciativas poderiam igualmente fornecer elementos significativos fortalece o argumento que se pretende apresentar: existem várias perspetivas de Educação de Infância que a concebem enquanto arena de construção de conhecimento profissional baseado em investigação e que mobilizam conceitos e processos de uma perspetiva de professor como investigador nas práticas de qualidade que as constituem.

1. Educação experiencial

Na década de 1970, Ferre Laevers efetuou observações em contextos de Educação de Infância, no âmbito dos seus trabalhos de doutoramento que abordavam a importância dos anos iniciais de educação. Iniciou-se, assim, um processo de construção de conhecimento profissional específico, sustentado no trabalho de dois consultores educacionais com 12 educadores de infância durante 18 meses. A equipa constituída empreendeu esforços de reflexão crítica sobre as práticas profissionais, orientados pelo princípio de procurar uma “descrever detalhadamente e passo a passo o que significava para a criança vivenciar e fazer parte de um grupo no contexto educacional” (Laevers, 2014, p. 154), de onde deriva a designação experiencial. Com base nesta experiência, foi construída uma proposta de educação experiencial caracterizada pelo incremento da iniciativa da criança, pela reformulação do ambiente, tornando-o mais desafiante, e pelo foco nas interações entre educador/a e criança e no estilo do adulto (Portugal & Laevers, 2018).

A Educação Experiencial é uma das propostas de referência, atualmente, no âmbito da Educação de Infância, não limitando a sua influência a esse nível de ensino. Do projeto Educação Experiencial (EXE), emergiu, ainda, um enquadramento para avaliação e desenvolvimento de qualidade. Este modelo e os seus conceitos estruturantes expandem-se, a partir da década de 1990, a outros países e níveis de escolaridade, tendo sido mobilizado para a construção do referencial de avaliação e desenvolvimento da qualidade Effective Early Learning, no Reino Unido (Pascal & Bertram, 2018), que por sua vez sustenta o Programa Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias (DQP), em Portugal (Bertram & Pascal, 2009; Oliveira-Formosinho, 2009).

Os pontos de referência para a apreciação de qualidade explicitam as categorias contexto, processo e resultados, valorizando a avaliação processual que se sustenta na consideração de dois indicadores de qualidade: a implicação e o bem-estar emocional, permitindo “tornar possível o desenvolvimento de práticas orientadas não apenas pelos futuros benefícios ou efeitos (aprendizagens e desenvolvimento de competências das crianças), mas também pela atual qualidade de vida das crianças” (Portugal & Laevers, 2018, p. 10). O estilo do educador/adulto e os dez pontos de ação, sistematizados a partir do 'saber-fazer' acumulado com centenas de intervenções e capitalizando uma miríade de experiências dos educadores, são apresentados como formas de maximizar os níveis de bem-estar e de implicação.

A operacionalização destes conceitos resultou no desenvolvimento de instrumentos para os avaliar, tais como a escala da implicação da criança e o esquema de observação do estilo do adulto (Portugal & Laevers, 2018), e a articulação de vários instrumentos e conceitos em sistemas de monitorização como o “Process-oriented child monitoring system for young children (POMS)” (Laevers et al., 1997). Com base no POMS, foi desenvolvido, em Portugal, o Sistema de Acompanhamento das Crianças (SAC) que defende uma “avaliação dinâmica, contextualizada ao serviço do desenvolvimento e da educabilidade das pessoas” (Portugal & Laevers, 2018, p. 10). Igualmente no panorama português, encontramos outra versão destes instrumentos organizados e ao serviço do Programa DQP (Bertram & Pascal, 2009), com a designação Escala de Envolvimento da Criança e Escala de Empenhamento do Adulto.

Analisando as relações entre a Educação Experiencial e a perspetiva de educador/a de infância investigador/a, destacaremos dois pontos: a participação de profissionais na análise e conceptualização sobre as práticas e o potencial do referencial para sustentar processos de investigação centrados nas práticas.

Tanto na génese da abordagem experiencial como na sua reconstrução no contexto nacional, caso do SAC e do Programa DQP, é destacada a imprescindibilidade dos contributos dos profissionais que participaram nos processos (Oliveira-Formosinho, 2009; Portugal & Laevers, 2018).

De forma mais generalizada, a relação entre a Educação Experiencial e a perspetiva de educador/a de infância investigador/a é detetável, olhando para os referenciais de avaliação baseados nos seus conceitos e instrumentos. Um dos eixos assumidos para o DQP é a operacionalização dos processos de avaliação e desenvolvimento da qualidade enquanto ciclos de investigação-ação colaborativa, que procuram promover uma visão partilhada e participada dos processos a empreender (Oliveira-Formosinho, 2009). Assume-se, pois, uma visão de “profissional competente e capacitado para formular questões relevantes no âmbito da sua prática, para identificar objetivos a prosseguir e escolher as estratégias e metodologias apropriadas, para monitorizar tanto os processos como os resultados” (Oliveira-Formosinho, 2009, p. 12). Tal como descrito sobre o processo subjacente à construção da proposta de Educação Experiencial (Laevers, 2014), os profissionais de educação não são perspetivados como alvo ou objeto de investigação pelos académicos, mas enquanto atores com participação em processos de questionamento e análise das práticas.

No que se refere ao SAC, destacamos alguns aspetos que o tornam um instrumento relevante para uma perspetiva investigativa sobre a profissão:

  1. a atitude experiencial de atender ao vivido da criança, aliada à necessária sensibilidade a si próprio, implicam questionamento e abertura, dimensões de uma atitude investigativa;

  2. o conceito de ímpeto exploratório, assim como a atitude básica de ligação ao mundo, são conceitos familiares às correntes de investigação-ação, surgindo como finalidades dos processos educativos que são, em última análise, tão relevantes para as crianças como para os adultos que com elas desenvolvem quotidianos educativos;

  3. as fases do SAC (avaliação, análise e reflexão, e definição de objetivos e iniciativas), perspetivadas em ciclo contínuo, implicam uma abordagem à gestão curricular que se constitui através da análise de indicadores, para os quais são fornecidos instrumentos, que fundamenta hipóteses de ação posteriormente apreciadas, e potencialmente reformuladas, num processo continuadamente alimentado pela recolha de dados e sua análise, em função de grelhas teóricas que sustentam e norteiam todo o processo.

Se os conceitos estruturantes da Educação Experiencial a tornam uma arena interessante e interessada na perspetiva e ação de um/a educador/a de infância investigador/a, a organização e fases sugeridas pelo SAC gizam processos de gestão curricular próximos dos sugeridos por Stenhouse (1987), constituindo um ponto de partida para questionamentos diversos e divergentes sobre as crianças, sobre si próprios e sobre a sua ação, conduzindo à construção de conhecimento profissional específico partilhável.

2. Abordagem Reggio Emilia

Reggio Emilia, cidade no nordeste de Itália, é palco (e participante) há mais de 60 anos do desenvolvimento de uma abordagem à educação de crianças pequenas que se define por estar em constante evolução. A história das escolas de Reggio Emilia é importante para compreender a sua visão e as suas práticas, uma vez que na narrativa do seu desenvolvimento se percebe a intrincada rede de relações entre os seus principais conceitos e estratégias de organização e ação com as formas de pensar e de fazer que ao longo dos anos emergiram do trabalho realizado.

New (2007) destaca cinco características da proposta de Reggio Emilia que considera, por um lado, situadas no contexto específico de desenvolvimento da abordagem e, por outro, em profunda afinidade com os aspetos centrais da teoria sociocultural: o conceito de professor como aprendente (teacher as learner, no original), o processo de progettazione (trabalho de projeto a longo prazo), enquanto pesquisa colaborativa desenvolvida por educadores e crianças, as múltiplas linguagens simbólicas das crianças como formas de discurso culturalmente construídas, o ambiente físico perspetivado como 'incubadora' (niche, no original) de desenvolvimento, e uma conceção de envolvimento parental como participação cívica. Em conjunto, e em parceria com a comunidade e as famílias, constrói-se um currículo emergente (Rinaldi, 2016), adaptável às ideias e explorações das crianças que encontram caminho e suporte na realização de projetos, “uma espécie de aventura e pesquisa” (Rinaldi, 2016, p. 119), que envolve a equipa educativa em termos de planeamento, mas também de documentação (Edwards et al., 2016).

A documentação é fundamental no trabalho de Reggio Emilia enquanto ferramenta importante que permite:

oferecer às crianças uma memória concreta e visível do que disseram e fizeram, a fim de servir como ponto de partida para os próximos passos na aprendizagem; oferecer aos educadores uma ferramenta para pesquisas e uma chave para melhoria e renovação contínuas; e oferecer aos pais e ao público informações detalhadas sobre o que ocorre nas escolas, como meio de obter reações e apoio (Edwards et al., 2016, p. 25).

As visões sobre o conhecimento, a criança e o professor, e a relação entre eles, é determinante na construção do projeto Reggio Emilia. As referências às cem linguagens das crianças não esgotam a riqueza da conceção de criança desta abordagem: competente, sujeito de direitos, construtora ativa de conhecimento, ser social com potencialidades, curiosidade, desejo de descobrir e de crescer, capaz de colocar hipóteses, descobrir respostas e questionar-se a si mesma (Schaberle et al., 2018).

A ação do professor, num cenário em que se assume que o conhecimento disponível não é nem estático nem completo, traduz-se numa constante interrogação e problematização, potenciadas pela crença na incapacidade de apreender, na sua totalidade, os próprios problemas que se colocam à prática. Esta incompletude refere-se ao conhecimento da criança concreta e mais genericamente ao conhecimento sobre as crianças e sobre a educação. Encontramos, assim, uma visão de professor como investigador, explicitamente assumida, com diferentes níveis de complexidade.

O professor é um investigador na sua gestão curricular e ação de ensinar na medida em que, mobilizando a pedagogia da escuta e a documentação, co constrói com as crianças as situações de aprendizagem e o conhecimento, de acordo com os seus interesses, formas de abordar o mundo, questões e curiosidade. A construção das propostas e do significado, embebida nos próprios processos desenvolvidos, recorre à documentação, à reflexão e discussão ampliadas e participadas pelos vários protagonistas, tendo em vista a interpretação, no que é descrito como um processo de investigação (Malaguzzi, 2016; Rinaldi, 2003, 2016), que permite aos educadores continuar a melhorar e expandir os projetos e melhor compreender as crianças. As crianças constroem conhecimento sobre o mundo com o desenvolvimento dos projetos; os educadores constroem conhecimento sobre as crianças, os processos educativos, a humanidade e o mundo no mesmo processo, da mesma forma contínua e aberta.

Esta simbiose entre a visão de criança e de professor, entre as propostas de trabalho consideradas válidas para as crianças e a ação do profissional de ensino por elas responsável, é transposta para a reinterpretação constante sobre o papel do professor, aliada ao questionamento sobre o papel do aprendente. O professor investigador de Reggio Emilia interroga-se, reconstrói-se e desenvolve-se profissionalmente no decorrer da sua prática dadas as suas características reflexivas, colaborativas e investigativas.

A importância do conceito de professor investigador surge ainda ao nível da própria abordagem Reggio Emilia: todo o projeto é problematizado e concebido como estando em constante construção e reconstrução. Não se trata apenas de interpelar criticamente os meios, as formas de fazer, mas a própria definição dos problemas e os propósitos. A sugestão, ou o ponto de partida, é que o professor investigador, e toda a instituição escolar, adotem o “concept of “the normality of research,” which defines research as an attitude and an approach in everyday living, in schools and in life... as a way of thinking for ourselves and thinking with others, a way of relating with others, with the world around us and with life” (Rinaldi, 2003, p. 2).

A investigação realizada ao nível do quotidiano pedagógico, que permite produzir estratégias e construir conhecimento para decisões e ações, relaciona-se com esta visão mais ampla e complexa da investigação como forma de compreender e imaginar a realidade social e educacional que sustenta uma visão da ação nestes domínios como “intelligent action (only) when its intrinsic relation with human purposes and consequences - that is, when the political nature of inquiry in the social domain - is fully taken into account” (Biesta, 2007, p. 17), daí que as escolas de Reggio Emilia se assumam como “a place of research and cultural elaboration, a place of participation, in a process of shared construction of values and meanings. The school of research is a school of participation” (Rinaldi, 2003, p. 3).

3. Centro Pen Green para crianças e suas famílias

O Pen Green Center for Childen and their Families iniciou os seus serviços em 1983, situando-se em Corby, Inglaterra. Foi criado como centro multifuncional com uma equipa multidisciplinar, num contexto social e economicamente difícil dado o progressivo desmantelamento da indústria anteriormente responsável pelo emprego e dinâmica económica e comercial da cidade. Face aos problemas e contradições que caracterizavam os serviços de atendimento à infância no Reino Unido, na década de 1980 (Whalley, 2017), nomeadamente a separação entre serviços sociais e de educação, um modelo de 'défice' na forma de perspetivar as famílias em risco e as condições desadequadas de formação, Pen Green assumiu, na sua constituição como serviço, uma visão dos serviços de Educação de Infância como necessidade e direito de todas as comunidades e famílias e uma expressão de solidariedade social para com as crianças e as suas famílias (Moss, 1992, p. 43, cit. por Whalley, 2017, p. 3).

Nas palavras de Whalley (2017), fundadora do centro, há um investimento continuado ao longo dos anos que proporcionou a construção de um ambiente em que: a) as crianças, os pais e a equipa educativa são encorajados a ser bons decisores, capazes de questionar, desafiar e fazer escolhas; b) existem oportunidades para desenvolvimento profissional dos profissionais reflexivos, com bons níveis de apoio e supervisão, num contexto em que se sentem valorizados pessoal e profissionalmente e se estabelecem relações satisfatórias; c) a equipa educativa consulta e sente-se responsável perante todos os stakeholders - crianças, pais, pessoal, comunidade local, administração local e escolar; e d) os pais se tornam defensores dos direitos das suas crianças e partilham a sua compreensão sobre a aprendizagem das crianças em casa.

A ideia de parceria é crucial em Pen Green, sendo mais visível e destacada quando se refere à parceria com os pais, e com a comunidade, mas referindo-se igualmente ao funcionamento colaborativo da equipa e à relação com as crianças. Procura-se, assim, criar um contexto educacional para responder às necessidades das crianças e das famílias envolvendo-as ativamente na aprendizagem dos seus filhos de forma a garantir o direito a um atendimento educacional de qualidade.

Esta perspetiva leva ao desenvolvimento de programas que envolvem as educadoras e os pais como parceiros num trabalho cooperativo ao nível da implementação da planificação educacional, da observação e documentação das experiências das crianças e realização das atividades educacionais, quer as realizadas em contexto de práticas no centro quer as que ocorrem em casa. O direito da participação dos pais ao nível das decisões curriculares, desde a década de 1980, é um dos principais objetivos de Pen Green. Esta tradição requer a formação dos educadores, e outros profissionais envolvidos no atendimento às crianças, para desenvolver um trabalho cooperativo com os pais e requer, ainda, programas de formação para os pais (Arnold, 2017; Whalley, 2017).

Na década de 1990, o conjunto de preocupações e princípios defendidos, o desejo de construir práticas de qualidade e o empenho em ligar essas dimensões do quotidiano e pensamento pedagógico à investigação e ao enquadramento teórico mobilizados, conduziram à criação do Pen Green Research, Development and Training Base and Leadership Centre, em parceria com pais, profissionais de Educação de Infância e investigadores do ensino superior. Na base da criação deste centro, dedicado à produção de conhecimento e formação, encontrava-se a perceção de que “curriculum issues, which had previoulsy been the fairly uncontested domain of professional staff, needed to be opened up for a wider discussion with parents (...). What we needed was a rich and relevant dialogue between parents and nursery staff which could be sustained over time” (Whalley, 2017, p. 9).

Antes da formalização das parcerias com o ensino superior através da constituição do centro de investigação e formação, pequenos projetos de investigação sobre questões da prática surgiram e foram desenvolvidos pela equipa, focando aspetos como o desenvolvimento das crianças, a importância da observação, estratégias de envolvimento parental, incluindo as diferenças entre mães e pais. O valor reconhecido às aprendizagens assim conquistadas foi a base para a decisão de “take ourselves more seriously as practitioner researchers” (Whalley, 2017, p. 11). O início dos processos mais sistematizados de investigação surgiu na década de 1990, quando os profissionais de Pen Green concentravam esforços na construção de uma linguagem partilhada com os pais sobre conceitos de desenvolvimento da criança que permitisse um diálogo real (Arnold, 2017).

Das reuniões e propostas iniciais, foi construído um projeto de investigação designado Parents' Involvement in their Children's Learning (PICL). O seu desenvolvimento implicou a constituição de grupos de estudo em que conceitos de desenvolvimento infantil podiam ser partilhados com os pais e mobilizados para a observação das suas crianças, enfatizando a necessidade de partilha contínua de informação entre pais e equipa educativa através de conversas e de registos de comportamentos de jogo das crianças, quer nos diários dos pais quer nos registos vídeos para os quais os pais receberam formação e o empréstimo de câmaras de filmar. Através deste empenho conjunto, e com o trabalho de vários anos e várias famílias, foi desenvolvido o Ciclo Pen Green (Pen Green Loop, no original), que passou a incluir, para além da observação das crianças, processos de gestão curricular igualmente partilhados com os pais (Arnold, 2017). Em termos de abordagem metodológica, marca-se assim, desde o início, a diferença relativamente a experiências anteriores vividas como objetos de estudo, afirmando-se que não se trata de agir sobre os participantes, neste caso os pais, mas de metodologias de investigação participadas e emancipatórias, que assumiam propósitos de apoiar os pais que viviam na pobreza.

Esta abordagem própria de Pen Green à investigação desenvolvida por práticos é descrita em várias das apresentações realizadas em congressos científicos e apresentada aos alunos dos mestrados oferecidos pelo centro de investigação, em parceria com universidades. Whalley (2014) destaca algumas das suas características: todos os educadores são encorajados a ver-se a si próprios como investigadores da sua própria prática, as questões críticas são geradas pelos utilizadores (pais e crianças), assim como pelos fornecedores de serviços (educadores e restante equipa educativa), a investigação é perspetivada como informando e conduzindo a melhoria na prática. Em articulação com esta forma de abordar a investigação, foi estabelecido um código de ética partilhado que sustenta a investigação desenvolvida e que assume que esta deve ser positiva para todos os envolvidos, partindo de questões colocadas pelos participantes, disponibilizando-lhes acesso e interpretação dos dados e produzindo resultados que sejam sobre melhorar a prática ou pelo menos sustentá-la.

Numa síntese realizada, em 2008, sobre a forma de abordar a investigação no centro, referem-se seis dimensões: descrições, derivações, distintividade, debates, dilemas e determinações (Fletcher, 2008).

As descrições delimitam preocupações e dados 'sobre o que estamos a ver, o que estamos a ouvir e sobre o que estamos a procurar criar sentidos partilhados', incluindo observação, investigação e interpretação, em iteração. Qualquer método é mobilizado tendo em vista aprofundar, explorar e ver a partir da perspetiva de participantes informados, sendo otimizado através de uma atitude de perplexidade e questionamento, e de implicação intensa. As qualidades procuradas são próximas das descrições densas de Geertz (1973), no sentido de permitirem que outros as compreendam, mas a interpretação é alargada a vários participantes: equipa educativa com famílias, educadores com educadores, membros da comunidade com membros da comunidade, no que na grounded theory se designa por validação intersubjetiva.

As derivações referem-se à estimulação e sustentação da construção de conhecimento que articula descrições com teorias de outros autores e com o próprio corpo de trabalho desenvolvido em Pen Green. A clarificação dos referenciais, seja investigação sejam escritos reflexivos, e a apropriação dos contributos vários dos visitantes e investigadores residentes que colaboram com o centro, são descritos como inspirações ou modelos, heróis e heroínas, desbravadores de caminhos nos seus campos especializados, cujo trabalho foi estudado, promoveu aprendizagens e é mobilizado. Derivação tem esse duplo sentido: de interpelação das descrições co construídas mobilizando referenciais diversificados e de construção sustentada nesses referenciais, que se espera consistente com as abordagens e intenções originais.

Na sua intervenção, Pen Green assume procurar o distinto, o que faz a diferença. Este ponto de partida para a sua ação não os isenta de detetar padrões semelhantes aos que outros estudos identificam, nomeadamente no que respeita à pobreza. Mas o tipo de abordagem de investigação da prática assumido permite desafiar e quebrar os ciclos já compreendidos, inserindo alavancas de mudança na engrenagem que implicam o repensar e reenquadrar dos problemas de partida. Considera-se, assim, que os esquemas de intervenção construídos e os resultados obtidos constituem contributos distintos por revelarem forças que podem ser capitalizadas para marcar a diferença nos processos desenvolvimentais de crianças e famílias.

O passo seguinte na síntese sobre a abordagem investigativa de Pen Green conduz-nos à compreensão da sua disponibilidade e vontade de participar em debates mais amplos do que os que emergem das práticas desenvolvidas no próprio centro. Um dos pressupostos relaciona essas questões com problemas de política educativa e que se coloquem à prática educativa noutros contextos. Esta atitude implica enfrentar discussões sobre o papel do jogo na educação, os processos de avaliação das crianças, a preparação para a escolaridade, bem como outros debates que se colocam internacionalmente. Nas várias contendas, questiona-se continuamente a ideia de que se pode abordar um problema referente ao desenvolvimento da criança, dos pais ou da comunidade de forma independente dos restantes âmbitos. O corpo de investigação e de prática desenvolvido nas últimas décadas é utilizado como apoio a políticas e práticas que combinem e potenciem a sinergia de abordagens articuladas, que analisam e promovem relações entre as várias dimensões de um momento pedagógico, de uma decisão educativa. A distinção entre situações em que o foco é na melhoria do desempenho dos papéis (investigação-ação) e situações em que o foco é na ampliação da consciência profissional (investigação desenvolvida por práticos) é considerada essencial neste contexto, por permitir destrinçar as formas de melhor expressar o contributo que se procura construir com o esforço investigativo e que se refere a diferentes âmbitos.

Surgem vários dilemas nestes processos, ou em processos desenvolvidos com esta orientação. As questões éticas de investigação com crianças pelas questões de poder que envolvem, e que se estendem aos pais enquanto utilizadores dos serviços, implicam um acompanhamento constante da ação sob o prisma dos Direitos das Crianças e dos Direitos Humanos, mas também uma ética dialogante e questionadora que aborda direta e distintivamente os potenciais dilemas em cada projeto. A ética enquanto esqueleto da investigação é uma ética de capacitação, não de exploração - os envolvidos devem ser capazes de beneficiar imediatamente e subsequentemente dos processos. Esta posição nem sempre é facilmente articulável com opções metodológicas, por se concretizar em aspetos como o consentimento da criança e a proteção posterior de exposição indesejada, as dinâmicas de parentalidade e dos educadores, as suas relações e conflitos, assim como ligações à política local e a políticas das instituições educativas. Os dilemas são debatidos e as ações ancoradas em opções como a proximidade e relevância dos dados para a equipa educativa e para os pais, por oposição a possibilidades de generalização.

Esta integridade é retomada no passo das determinações, em que se discute o que fazer com a investigação e formação. As ligações à formação inicial, formação contínua, prioridades e políticas, tornam-se mais visíveis quando se analisa o tipo de mobilização que o centro considera válido. A determinação é de afirmação, de ação política no sentido de partilha do benefício e de clarificação das escolhas e suas consequências. O coração desta determinação é que à questão 'quem beneficia?', a resposta seja sempre a criança. Nesse objetivo, política social e prática de Educação de Infância interligam-se; investigação, formação e ação conjugam-se. Essa complexidade é atributo crítico da abordagem de Pen Green.

4. Configurações e comunalidades

As três perspetivas que analisámos apresentam pontos em comum na forma como conceptualizam a relação entre a ação profissional do/a educador/a de infância e a investigação, simultaneamente revelando diversidade nessas perspetivas. Nos três casos, consideramos estar reconhecida a possibilidade e relevância da produção de conhecimento com suporte em processos investigativos por parte de profissionais no âmbito da Educação de Infância. Esta abertura relaciona-se com a visão de criança, de educador/a, de educação e de conhecimento que estas perspetivas defendem e que exigem que o/a educador/a de infância seja capaz de decidir e agir na incerteza e em função das crianças e dos contextos em que se encontra a intervir, por oposição a visões mais tecnicistas que privilegiam intervenções concebidas exteriormente a esses contextos.

Na Educação Experiencial, o desenvolvimento e a decisão curricular confundem-se com um processo de investigação-ação porque as decisões se sustentam em dados recolhidos com base nos instrumentos sugeridos, delimitados e interpretados com apoio nos conceitos teóricos avançados, surgindo hipóteses de ação continuamente avaliadas. Se a produção de conhecimento profissional é inequívoca, a designação e a própria apropriação deste processo como investigativo implicam uma consciência e motivação acrescida por parte do profissional. A valorização dos contributos dos educadores envolvidos no início do projeto, assim como a preocupação em clarificar a utilização das escalas em processos de investigação por parte dos seus autores, permite afirmar que o potencial para um/a educador/a investigador/a é antecipado e considerado.

Em Reggio Emilia, os pressupostos epistemológicos implicam uma atitude investigativa constante, no sentido do questionamento e da construção provisória e colaborativa de soluções e de ações. Mobiliza-se a designação explícita de professor investigador para descrever essa forma de estar e de agir profissionalmente que transforma o desenvolvimento curricular num projeto de investigação participado, documentado e partilhado amplamente, aliado a processos de desenvolvimento profissional. Encontramos também referência a projetos de investigação mais continuados e aprofundados e um importante destaque concedido ao conceito de divulgação e discussão alargada, de comunicação interativa do conhecimento produzido, em permanente abertura ao questionamento e interpelação.

Finalmente, em Pen Green, a criação do centro de investigação representa uma maior formalização desta atitude de pesquisa ligada à prática, com ligações ao ensino superior e participação na oferta de formação pós-graduada e em fóruns de discussão política. A produção de conhecimento, através de processos investigativos, é uma abordagem ao quotidiano pedagógico, um construir de caminho curricular e didático, mas também um mecanismo de desenvolvimento profissional e de intervenção social e política, que assume responsabilidades sérias com o desenvolvimento das crianças, dos pais e da comunidade.

Um forte referencial teórico, explicitamente assumido e negociado, é outra dimensão relevante em comum às três perspetivas. Permite abordar os contextos e as situações com ferramentas de análise e de interpelação, sustentando, ainda, uma construção de conhecimento em relação com esses contextos e com corpos de conhecimento mais vastos. A visão de uma práxis enquanto prática fundamentada e argumentada, situada e contextualizada, infundida e inspirada em crenças e valores, mas também em teorias educacionais (Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2012), aproxima-se do conceito, avançado por Cochran-Smith e Lytle (1999), de conhecimento da prática na medida em que conjuga e questiona classificações de tipos de conhecimento, revelando a importância de superar a praticidade do quotidiano através de processos de investigação e de teorização.

Dentro da ideia de um enquadramento conceptual que é mobilizado para entender, questionar e dar sentido aos processos de produção de conhecimento desenvolvidos, a visão de criança sustentada pelas diferentes abordagens, e pelos participantes nos processos de questionamento e investigação, é essencial. Importa reconhecer, na constelação de influências conceptuais sobre a área da Educação de Infância, os pontos de vista pós-modernos sobre a infância e as crianças, o corpus da Sociologia da Infância e a sua relação próxima com o movimento dos Direitos da Criança (Barbosa et al., 2015; Tomás, 2017), que por sua vez se entrelaça com a rica herança da Pedagogia de Infância (Oliveira-Formosinho et al., 2006) e com a crescentemente investida investigação com crianças aliada à promoção da sua participação em decisões que as envolvem. Esta congregação afirma a infância como uma construção social e as crianças como atores sociais de pleno direito, membros da sociedade com conhecimentos, competências, força e poder, peritas qualificadas sobre as suas próprias vidas e detentoras de perspetivas e interesses que são melhor expressos por si próprias. Daqui decorre a conjugação de interesses entre a perspetiva de criança e de investigação por práticos que as três abordagens analisadas revelam com enfoques distintos, ainda que sempre reconhecendo a singularidade dos contextos e das crianças.

Associada à especificidade da investigação que envolve crianças e ao tipo de conhecimento que se procura produzir, encontramos, nos três casos analisados, formas de produção de dados que investem na complexidade e na riqueza da informação recolhida, procurando a perspetiva de vários interlocutores. Na Educação Experiencial, as escalas focadas nas crianças e nos adultos destacam-se pela preocupação em obter a experiência da criança. A documentação para Reggio Emilia representa a agregação de diferentes perspetivas e o reconhecimento das diferentes linguagens da criança. O recurso ao vídeo, em Pen Green, relaciona-se com a importância de partilhar momentos e discussões, quer entre profissionais, quer com os pais e comunidade alargada, ou seja, de construir significado em torno de situações concretas, reconhecendo-se vários atores como podendo selecionar e registar essas mesmas situações. Conjuntamente com os quadros teóricos assumidos e construídos, trata-se de elementos de processos de investigação que permitem resolver problemas e construir conhecimento relevante para a prática e para a profissão. Quer as características de cada forma de produzir dados quer a sua inclusão em procedimentos mais vastos encontra-se em concordância com a forma como Formosinho e Oliveira-Formosinho (2012) descrevem a abordagem metodológica da investigação praxeológica: convocando diferentes métodos e técnicas em função dos problemas da prática que se pretendem abordar.

Conclusão

A diversidade de configurações e os eixos comuns identificados sustentam a conclusão de afirmar a Educação de Infância como arena de produção de conhecimento profissional pelos práticos. Permitem, ainda, perceber como, em diferentes contextos, diferentes soluções são construídas, em torno de um referencial filosófico, sociológico e teórico que a área partilha e reconstrói nas práticas.

A rede de conceitos e de experiências identificadas podem integrar ou sustentar a investigação na formação inicial de professores por representarem concretizações específicas de formas de conceptualizar a relação em estudo: investigação e o/a educador/a de infância. A utilização destes casos na formação de educadores de infância pode apoiar os estudantes, quer na constituição de dispositivos de pesquisa adequados à Educação de Infância e a investigação realizada por práticos, quer na construção do sentido e significado de estudar as próprias práticas em colaboração com os envolvidos nessas práticas de forma a beneficiar as crianças e as suas famílias.

Esta incursão por propostas estabelecidas e de qualidade pode, ainda, evitar o esvaziamento quer do conceito quer das práticas de investigação desenvolvida pelos práticos, evitando-se o risco de se indiferenciar práticas demasiado heterogéneas e que contribuem para visões distintas do profissional e do seu conhecimento. A proximidade do conceito de profissional relfexivo da ideia de investigação sobre as próprias práticas, por exemplo, retira especificidade, e poder, ao conceito de professor investigador. Procurando evitar essa situação, que não retira mérito aos conceitos e práticas em causa mas os deixa mais invisíveis, e dada a proximidade e associação comum entre reflexão e investigação na formação de professores, sugere-se que as instituições de formação invistam no exame de conceções e significados e que os substanciem em práticas formativas coerentes. Esse empreendimento beneficia da consideração da perspetiva de alunos envolvidos em processos semelhantes, e da experiência de outros países que têm construído práticas assentes na ideia de uma profissão baseada na investigação, nomeadamente Finlândia, Noruega e Suécia. Beneficia, igualmente, da análise a propostas ou modelos que baseiam a sua prática e corpo de conhecimento profissional nessa mesma ideia poderosa. Assumi-la como orientadora da formação e das práticas, como vimos neste artigo, permite práticas diferenciadas e com matizes distintas, mas igualmente promotoras de qualidade de vida para crianças, famílias e profissionais.

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Recebido: 01 de Março de 2021; Aceito: 26 de Outubro de 2021

Autor Correspondente Maria Pacheco Figueiredo Escola Superior de Educação de Viseu Rua Maximiano Aragão 3504 - 501 Viseu - Portugal mfigueiredo@esev.ipv.pt

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