Introdução
As organizações contemporâneas cada vez mais se preocupam e valorizam os seus recursos humanos, que são percebidos como cruciais para a vida das mesmas. Neste sentido, possuir trabalhadores comprometidos passou a ser um fator relevante para as organizações conseguirem alcançar maiores níveis de desempenho contínuo da organização, pois os trabalhadores comprometidos são aqueles que compartilham os seus objetivos e valores (Bastos, Rodrigues, Moscon, Silva, & Pinho, 2013), cooperando de forma a aumentar a qualidade e produtividade da produção (Hausknecht, Hiller, & Vance, 2008), diminuindo custos, taxas de rotatividade e absentismo (Bastos et al., 2013; Cooper-Hakim & Vieswesvaran, 2005; Mowday, Porter, & Steers, 1982). O comprometimento organizacional é um campo de estudo que estuda o impacto que as pessoas, os grupos e a estrutura exercem sobre o comportamento dentro das instituições, no sentido de usar esses conhecimentos de modo a melhorar a eficácia (Bastos, Brandão, & Pinho, 2008).
A satisfação profissional constitui outro conceito de interesse crescente para as instituições. Existem dois motivos que explicam a relevância do estudo da satisfação no trabalho. Um dos motivos encontra-se interligado com a perspetiva humanista da questão, uma vez que os colaboradores devem sentir-se satisfeitos e motivados para dar continuidade ao seu labor (Spector, 1997). O outro motivo encontra-se relacionado com a perspetiva da utilidade, uma vez que a satisfação sentida pelos trabalhadores se manifesta em comportamentos que podem influenciar o funcionamento da instituição: um trabalhador satisfeito com o seu trabalho é fonte de benefícios para a organização à qual pertence (Spector, 1997).
Desta forma, a satisfação e o comprometimento dos trabalhadores constituem fatores de sucesso de uma organização (Hartnell, Ou, & Kinicki, 2011; Strese, Adams, Flatten & Brettel, 2016).
A investigação que se apresenta tem como finalidade analisar duas variáveis fulcrais na relação indivíduo-organização, o comprometimento organizacional e a satisfação laboral, tendo por objetivo apurar as eventuais relações existentes entre elas, assim como a sua relação com outras variáveis, nomeadamente variáveis pessoais e variáveis de contexto profissional.
1. Enquadramento teórico
1.1 Comprometimento Organizacional
Trata-se de um construto que é percebido como “um vínculo de natureza afetiva que se caracteriza pelo orgulho de pertencimento, uma identificação com normas e procedimentos, afetividade pela organização” (Milhome & Rowe, 2018, p. 70). É com os estudos efetuados por Mowday, Porter e Steers (1979) que o tema do comprometimento organizacional passou a ganhar notoriedade a nível mundial. Mowday, Porter e Steers (1982) são da opinião de que o comprometimento organizacional corresponde à ligação existente entre o trabalhador e a organização, que se caracteriza pela vontade em permanecer na organização, pelo investimento de esforço em prol da mesma e, ainda, pela aceitação dos seus valores e objetivos. A intensidade com que o funcionário se sente envolvido e identificado com a organização depende da função que desenvolve, das suas experiências, das suas características pessoais e da estrutura organizacional. Tais fatores influenciam certos comportamentos, como a assiduidade, o esforço envolvido na concretização das tarefas, a retenção e a intenção de permanecer na organização.
A teoria que prevalece sobre o comprometimento organizacional é a de Meyer e Allen (1991, 1997), que o consideram “um construto multidimensional cujos antecedentes, correlatos e consequentes se alteram por meio das bases afetiva, normativa e continuação, a última também chamada de instrumental” (Oliveira & Honório, 2020, p. 3). Neste sentido, Meyer e Allen (1997) assumem que para medir o nível de comprometimento organizacional é necessário determinar os componentes afetivo, normativo e calculativo/instrumental.
A dimensão afetiva, associada à lealdade, resulta da ligação emocional do indivíduo para com a organização, levando-o a identificar-se com os seus objetivos e valores, e a desenvolver o sentimento de filiação, de querer pertencer e de contribuir. Esta dimensão torna-se cada vez mais forte à medida que o indivíduo se sente comprometido com a mesma (Teixeira & Prebianchi, 2019).
O comprometimento normativo surge quando o colaborador, através da socialização, interioriza as normas da organização ou quando recebe benefícios e experiências que o impulsionam a operar mutuamente (Rego & Souto, 2004).
Por sua vez, a dimensão calculativa ou instrumental, associada à recompensa, explica que a permanência na organização dependa, por exemplo, de o trabalhador considerar que a sua partida acarretaria prejuízos significativos quer a nível económico, quer aos níveis psicológico e social (Teixeira & Prebianchi, 2019).
1.2 Satisfação no trabalho
A satisfação no trabalho constitui-se como sendo o principal fator que provoca impacto nas organizações e que é um indicador essencial do clima organizacional, bem como um elemento importante para a satisfação dos clientes e a avaliação da qualidade das organizações. De facto, a satisfação determina o bem-estar dos colaboradores e encontra-se relacionada com a perceção da qualidade de serviço, influenciando a imagem da organização que o colaborador transmite para o exterior (Cunha, Cunha, Rego, Neves, & Cabral- Cardoso, 2016).
Uma das definições com maior destaque na literatura sobre o tema é a de Locke (1976), que a descreve como uma resposta afetiva em relação ao trabalho, correspondendo a um estado emocional positivo ou de prazer, decorrente da avaliação do trabalho ou das experiências que o mesmo gera.
1.3 Relação entre Comprometimento Organizacional e Satisfação Laboral
A literatura tem vindo a demonstrar a existência de uma inequívoca relação entre o comprometimento organizacional e a satisfação no trabalho, tratando-se de constructos correlatos (Bastos A. V., 1993). A teoria de que o comprometimento organizacional influencia a satisfação laboral é defendida por alguns autores, como: Boswell e Boudreau, 2000; Cunha, Cunha Rego, Neves e Cabral-Cardoso, 2004 e Meyer, Stanley, Herscovitch, e Topolnytsky, 2002. Por outro lado, a satisfação também pode influenciar o comprometimento organizacional, aumentando os níveis deste, uma vez que estes dois construtos dão relevância aos laços afetivos do trabalhador para com a organização. Desta forma, pressupõe-se que o aumento dos níveis de satisfação provoque o aumento do nível de comprometimento dos trabalhadores (Farrel & Rusbult, 1981; Leite, Rodrigues & Albuquerque, 2014; Maciel & Camargo, 2011; Tett & Meyer, 1993).
2. Métodos
Face às características da investigação projetada foi desenvolvido um estudo de natureza quantitativa. A investigação pode ser classificada quanto ao seu método como um estudo de caso, do subtipo institucional. O estudo de caso em questão assumirá uma vertente explicativa que explora a associação e predição dos determinantes pessoais e profissionais no fenómeno do comprometimento organizacional e da satisfação laboral.
2.1 Amostra
Participaram na investigação 42 colaboradores de uma Associação de Solidariedade Social da zona norte de Portugal. A amostra foi pensada e por conveniência dado que é o próprio investigador que seleciona deliberadamente os elementos que pretende para a compor (Ampudia de Haro, et al., 2016).
2.2 Instrumentos de recolha de dados
A recolha dos dados foi efetuada através da técnica de inquérito, com aplicação de questionários e registro das respostas em formato papel. O questionário foi composto por um total de 29 afirmações, estando subdividido em 3 grupos. O primeiro grupo integra a Escala de Comprometimento Organizacional, de Meyer e Allen (1997), versão portuguesa de Nascimento (2012), o segundo grupo contempla a Escala de Satisfação Laboral de Hackman e Oldham (1975), versão portuguesa de Nascimento (2006) e, por fim, no último grupo do questionário foram incluídas as questões de natureza sociodemográfica e de caracterização profissional.
2.3 Análise estatística
O tratamento estatístico foi feito com recurso ao programa IBM SPSS Statistics, versão 24.0, para Windows, de forma a sintetizar a informação obtida através de procedimentos apropriados, identificando tendências, correlações e padrões.
A análise numérica integra a estatística descritiva e analítica ou inferencial. A análise descritiva dos dados, para além da análise de distribuição envolveu o cálculo de várias medidas, tais como: medidas de variabilidade ou dispersão; medidas de frequência; de tendência central ou de localização, tendo em conta as características das variáveis em estudo. As medidas de simetria Skewness (SK) foram alcançadas através do quociente SK/erro padrão (EP)1 para um nível de significância (p= 0,05) e de igual modo para as medidas de achatamento Kurtose (K) 2.
De modo a investigar da relação entre variáveis procedeu-se à construção de tabelas de contingência e a testes de associação, particularmente ao cálculo do Coeficiente Alpha de Cronbach.
Relativamente à estatística inferencial utilizou-se a estatística paramétrica e não paramétrica. Quando as condições de aplicação dos testes paramétricos não se verificaram, utilizou-se como alternativa a estatística não paramétrica. Deste modo, quanto à estatística paramétrica e não paramétrica destacam-se: Testes U-Mann Whitney (UMW); Teste de Kruskal-Wallis; Correlações de Spearman; e Teste de Shapiro-wilk. Na análise estatística do presente estudo utilizaram-se os seguintes níveis de significância: p > 0.05 - não significativo; p < 0.05 - significativo; p < 0.01 - bastante significativo; p < 0.001 - altamente significativo.
3. Resultados
Os inquiridos com idades entre os 51 e os 60 anos foram os que registaram um maior índice de comprometimento organizacional em todas as dimensões, ao invés de os inquiridos mais novos, com idades entre os 18 e os 30 anos, que registaram o menor índice de comprometimento nas três dimensões. Daqui se infere que a idade se relaciona de forma positiva com o comprometimento organizacional, isto é, quanto maior é a idade dos inquiridos, maior é o seu nível de comprometimento para com a organização onde trabalham. Os valores significativos foram alcançados somente na componente normativa do comprometimento organizacional (cf. Tabela 1).
VARIÁVEIS | Comprometimento Organizacional | TESTE | ||
---|---|---|---|---|
AFETIVO | CALCULATIVO | NORMATIVO | ||
Ordenação média | Ordenação média | Ordenação média | ||
Idade 18-30 anos 31-40 anos 41-50 anos 51-60 anos > 60 anos | 8,75 20,93 21,90 26,09 12,75 | 7,25 20,64 22,10 24,06 19,00 | 2,75 24,36 23,30 25,97 8,75 | Kruskal-Wallis |
(p) | 0,096 | 0,439 | 0,007** |
Constatou-se também que a dimensão afetiva do comprometimento organizacional influencia a satisfação com o trabalho, isto é, quanto mais o trabalhador está ligado emocionalmente ao trabalho, mais satisfeito ele irá sentir-se com relação à organização (cf. Tabela 2).
4. Discussão
Os resultados relativos à idade são corroborados com os estudos de Mathieu e Zajac (1990) e Aadea, Praveen Parboteeah e Velinor (2008), que mostram a existência de uma relação positiva entre a idade e o comprometimento, isto é, quanto mais velhos os trabalhadores são, maior o seu comprometimento. Daqui se denota que são mais comprometidos com a instituição.
Tal se deve, principalmente, ao facto de um trabalhador mais velho ser detentor de uma maior experiência profissional e de estar mais integrado na organização onde exerce essa profissão (Sikorska-Simmons, 2005).
Resultados de diversos estudos sobre a relação entre o Compromisso Organizacional e a Satisfação Global no trabalho são congruentes com os resultados da presente investigação. Mathieu e Zajac (1990), Wei, Zhejiang e Xin (2007), e Youssef e Luthans (2007), à semelhança do presente estudo, apuraram a existência de uma relação positiva entre o comprometimento e a satisfação. A satisfação é consequente do comprometimento organizacional, portanto, quanto maior for o grau de comprometimento, maior será a satisfação laboral.
No estudo das três dimensões do comprometimento organizacional, a dimensão afetiva é a que se encontra mais relacionada com a satisfação global no trabalho, sendo a única dimensão cuja relação com a Satisfação assume um significado estatístico. Tal facto é apoiado pela teoria de Mathieu e Zajac (1990): estes autores defendem que a satisfação laboral está mais correlacionada com a dimensão afetiva do comprometimento, do que com as restantes dimensões. A satisfação está mais relacionada com o comprometimento afetivo dado que os sentimentos afetivos dos funcionários em relação aos fatores situacionais podem gerar um vínculo afetivo mais prolongado e global entre os mesmos e a organização (Meyer et al., 2002).
Conclusão
A idade dos trabalhadores constitui um fator que se relaciona fortemente com o comprometimento organizacional, sendo os colaboradores mais jovens os que apresentam menor comprometimento. As diferenças estatísticas bastante significativas acontecem apenas na dimensão “normativo”, o que indica que os trabalhadores mais velhos são os que se encontram mais gratos em relação à organização, permanecendo na mesma por considerarem que lhe “devem” algo.
O comprometimento organizacional e a satisfação global com o trabalho encontram-se associados, o que reforça a existência de uma tendência de trabalhadores comprometidos serem os mais satisfeitos e de trabalhadores satisfeitos serem os mais comprometidos. Na verdade, constatou-se a existência de correlação estatisticamente significativa entre a dimensão afetiva do comprometimento e a satisfação laboral global, o que indica que quanto mais envolvido emocionalmente o colaborador estiver para com a organização, os seus objetivos e valores, mais satisfeito e empenhado ele vai estar em desenvolver um bom trabalho e, desta forma, coadjuvar para o sucesso da mesma.
De facto, todo o profissional comprometido e satisfeito com o exercício laboral produz um maior rendimento, melhorando de forma significativa o trabalho realizado na organização.
As limitações do estudo devem-se ao facto de a dimensão da amostra ser pequena (n=42), o que determinou optar por testes estatísticos não paramétricos menos robustos e ao facto de a amostra ser de conveniência, não podendo, desta forma, ser generalizada a outros contextos. Apesar de existirem similaridades entre a amostra da presente investigação e as amostras de outros estudos, os resultados e as conclusões devem cingir-se à amostra em questão, não sendo plausível realizar extrapolações para contextos mais gerais.
Como sugestões para estudos futuros, sugere-se replicar o desenvolvimento da presente investigação em organizações públicas e privadas de grande e de pequena dimensão. Outra recomendação seria a de incorporar outras variáveis relevantes, como o absentismo, o turnover e o desempenho profissional, e investigar a relação destes fatores com os conceitos em estudo, de modo a permitir que as organizações possam ter um maior controlo sobre estes determinantes, tornando-se assim mais eficiente a sua gestão.