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versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.21 Viseu ago. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.29352/mill0221.29567 

Editorial

Qualificação de produtos agro-alimentares e seu controlo específico

Ana Soeiro1 

1 Qualifica oriGIn Portugal, Portalegre, Portugal.


Factores históricos e razões de fundo

Desde tempos longínquos que certos produtos começaram a ser tratados pelos nomes das terras onde eram produzidos ou transformados.

Esta situação já era habitual entre os povos mediterrânicos antigos, que tratavam e pediam vinhos, azeites, queijos, pão, azeitonas, pastas de peixe e outros pelos nomes das terras de onde eram provenientes.

Fácil se torna perceber esta lógica quando se conhecem os produtos e as suas origens: produtos da terra, feitos de forma tradicional, com uma qualidade marcada pelos solos, pelos climas e pelo saber fazer dos seus agricultores ou produtores!

Ter-se-á, assim, iniciado o uso das “denominações de origem” e das “indicações geográficas”, ou seja, as primeiras manifestações de qualificação e reconhecimento pelos consumidores da qualidade diferenciada de certos produtos, associada ao seu território de origem e à sua forma particular de obtenção.

Foram estes, porventura, os primórdios das razões e lógicas de reconhecimento e diferenciação comercial de certos produtos, com a correspondente valorização económica, face à reputação que tinham conseguido granjear.

Saltando na História, Portugal foi o primeiro país da Europa a instituir legalmente o sistema de proteção de uma denominação de origem, associada naturalmente a uma região delimitada de produção e a uma caracterização do produto e das suas regras de produção. Falamos, claro, do Vinho do Porto, do ano de 1756 e do Marquês de Pombal.

Que fizeram os poderes públicos e os interessados, nessa altura? Face aos abusos e usurpação do nome “Porto” no mercado inglês, o Marquês de Pombal determina 4 orientações fundamentais:

  • estude-se e descreva-se o produto e o modo de produção;

  • delimite-se a região de produção;

  • constitua-se um Agrupamento de Produtores para gerir o nome e a produção e comércio do produto;

  • faça-se uma lei que reserve o nome “Porto” para o produto genuíno e impeça o uso abusivo do mesmo nome em produtos sem as características definidas e ou não produzidos na região delimitada.

Nada de novo se inventou desde os tempos do Marquês até hoje, em matéria de Denominações de Origem (DO) e de Indicações Geográficas (IG), exceto:

  1. o facto de se considerarem hoje as DO e as IG como figuras da Propriedade Intelectual;

  2. a necessidade de estender a proteção jurídica a áreas geográficas bem mais vastas do que aos países de origem;

  3. necessidade de instituir um sistema de controlo sobre a produção e sobre o mercado que permita verificar a qualidade e a origem dos produtos mas, também, impedir que no mercado global se abuse dos nomes protegidos, lesando os produtores, defraudando os consumidores, impedindo a livre concorrência e o funcionamento equilibrado do mercado.

Os problemas ligados à utilização abusiva estão longe de estar resolvidos, sobretudo porque o valor comercial dos produtos beneficiados por DOs ou por IGs aumenta, curiosamente, ao mesmo ritmo do aumento da globalização.

Apesar do elevado número de Convenções e Acordos Internacionais sobre as IG, a situação está longe de estar resolvida quer porque há países (mesmo membros da OMC) que não respeitam os acordos internacionais sobre a matéria, quer porque há outros países que, talvez por ausência de tradição e cultura nesta matéria, talvez por interesses comerciais inconfessáveis, não respeitam esta forma de Propriedade Intelectual.

Ainda assim, na Europa existe legislação que permite proteger as DOs e as IGs não só de vinhos e de outros produtos do sector do vinho, como também de bebidas espirituosas e de produtos agrícolas e agroalimentares diversos. E a curto prazo também a UE se dotará de legislação para os produtos não-alimentares, artesanais e industriais.

Na UE estão hoje protegidos 3711 nomes de produtos agrícolas e agroalimentares, vinhos e bebidas espirituosas com origem na UE e 1720 nomes com origem não EU, na medida em abrimos as portas e oferecemos formas de qualificar, registar, reconhecer e proteger as denominações de países terceiros mesmo não membros da OMC e mesmo que não concedam proteção equivalente aos nomes da UE.

A Europa abriu-se às denominações estrangeiras, tentando evitar a perda do património cultural da Humanidade e a banalização, ou a usurpação de nomes geográficos valiosos, porque caracterizadores de produtos de qualidade, genuínos e típicos de regiões mais ou menos longínquas, mas sem dúvida tão legítimas e verdadeiras com as “nossas”.

Razões da protecção em sede de desenvolvimento rural e de protecção dos direitos dos consumidores

A necessidade de proteger nomes geográficos que servem para designar produtos que, sendo produzidos numa determinada região, comprovam qualidade, características ou reputação intrinsecamente ligada à mesma região de origem, por vezes mesmo de forma total e exclusiva, incluindo os fatores humanos e os saberes e as formas de produção locais, leais e constantes decorre de ser ter entendido que esta é uma forma de alavancar, de forma sustentável, o desenvolvimento rural, os patrimónios culturais locais, o emprego e a fixação das populações.

De facto, já no preâmbulo do Regulamento 2081/92, relativo à proteção das IG e das DO dos produtos agrícolas e agroalimentares, se pode ler, num resumo pessoal do texto referido:

No âmbito da REORIENTAÇÃO DA POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM, importa optar por uma política de DIVERSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO, proporcionando a PROMOÇÃO DE CERTOS PRODUTOS, os quais pela sua forma de produção e natureza podem constituir um TRUNFO IMPORTANTE para o MUNDO RURAL, e designadamente das suas ZONAS DESFAVORECIDAS, proporcionando uma MELHORIA DOS RENDIMENTOS aos seus produtores e permitindo uma FIXAÇÃO DAS POPULAÇÕES, ao mesmo tempo que respeitam a POLÍTICA DOS CONSUMIDORES, que começam a privilegiar a QUALIDADE em detrimento da QUANTIDADE.

De facto, a proteção das DOs e das IGs permite reforçar e compreender a sustentabilidade de muitas produções, baseadas:

  • Numa “qualidade” específica, diferenciada e ligada à origem geográfica; ~

  • Num saber-fazer tradicional, gerador de “sabores e texturas” específicos e diferenciados face aos produtos correntes no mercado globalizado;

  • Em matérias-primas obtidas a partir de raças e variedades autóctones ou, pelo menos, muito bem adaptadas à região de produção, o que assegura não só o respeito pela biodiversidade mas, também, pelas boas práticas agrícolas, sustento e proteção de um ambiente saudável;

  • Em ingredientes naturais e com técnicas de produção ancestrais, desde a alimentação e maneio dos animais, até às operações tecnológicas de corte, salga, fermentação, cura, fumagem, secagem ao ar ou ao sol, conhecidas e usadas desde tempos imemoriais, atestando a sua sustentabilidade;

  • Com segurança e soberania alimentar, na medida em que desde há séculos uns, há dezenas de anos outros, se mantêm no mercado, agradando aos seus consumidores e contribuindo para uma alimentação local, sã e equilibrada.

O sistema de controlo específico

Mas não pode haver garantias, sem controlo….

Quando se qualifica, regista e protege um nome geográfico como DO ou como IG concede-se aos produtores e a outros operadores o direito exclusivo ao uso de certos nomes geográficos para certos produtos, impedindo que esses nomes se tornem genéricos ou que sejam abusados, evocados, imitados, falseados, etc.

E, normalmente estes produtos, pela sua notoriedade, atingem no mercado preços superiores aos congéneres comuns.

Logo, para evitar:

  • que os genuínos produtores e demais operadores sejam prejudicados;

  • que haja concorrência desleal no mercado entre operadores que cumprem as regras constantes do caderno de especificações de cada produto e os que não as cumprem;

  • que o consumidor seja induzido em erro,

todo o circuito produtivo e comercial (incluindo o eletrónico) tem de estar sob controlo oficial, planeado de forma a ter em conta o risco apresentado por cada operador.

Os controlos oficiais sobre as DOP e sobre as IGP incluem:

  1. A verificação da conformidade dos produtos com o caderno de especificações correspondente; e

  2. O acompanhamento da utilização das denominações registadas para descrever os produtos colocados no mercado

Como consequência lógica do que é referido em a), todos os demais controlos oficiais relativos à higiene e segurança alimentar, às obrigações legais correntes, à rotulagem geral, ao bem-estar animal, etc. estão fora do âmbito destes controlos específicos dos produtos com DOP ou com IGP.

Os controlos oficiais têm de ser feitos por autoridades competentes as quais, nos termos da lei, devem “oferecer garantias adequadas de objetividade e de imparcialidade e ter ao seu dispor o pessoal qualificado e os recursos necessários para o desempenho das suas funções”.

No entanto, a verificação da conformidade com o caderno de especificações do produto, antes da colocação do produto no mercado, pode ser efetuada organismos delegados, que estejam acreditados de acordo com a norma europeia EN ISO/IEC 17 065 para organismos de certificação de produtos.

Para além de as autoridades poderem delegar tarefas de controlo em organismos delegados, os Agrupamentos de produtores também podem assumir responsabilidades nesta matéria, já que a legislação o prevê: “os Agrupamentos têm direito a desenvolver atividades conexas para garantir a conformidade do produto com o seu caderno de especificações”.

As atividades de controlo exercidas pelos Agrupamentos devem ser incluídas no Plano de Controlo e, naturalmente, ser sujeitas a verificação pela Autoridade competente ou pelo Organismo Delegado.

Logo, é do mais elementar bom senso incorporar os controlos feitos pelos produtores e pelos seus Agrupamentos no âmbito do plano específico de controlo de cada produto que beneficia de uma DOP ou de uma IGP.

Só assim se poderão reduzir os custos de controlo suportados pelos operadores e não aumentar os preços dos produtos que beneficiam de uma DOP ou de uma IGP.

Recebido: 04 de Fevereiro de 2023; Aceito: 04 de Fevereiro de 2023; Publicado: 28 de Março de 2023

Autor Correspondente Ana Soeiro Mercado Municipal de Portalegre - Loja 114 Rua Conde Jorge de Avilez 7300-186 Portalegre - Portugal ana.soeiro@qualificaportugal.pt

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