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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.25 Viseu dez. 2024  Epub 31-Out-2024

https://doi.org/10.29352/mill0225.36459 

Editorial

A importância da ética nos sistemas agroalimentares

1 Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal

2 Laboratório Associado para a Sustentabilidade e Tecnologia em Regiões de Montanha (SusTEC), Bragança, Portugal

3 Instituto Politécnico de Viseu, Viseu, Portugal

4 CERNAS - Centro de Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade Portugal

5 Savonia University of Applied Sciences, Kuopio, Finlândia


A importância da ética nos sistemas agroalimentares

Atualmente os sistemas agroalimentares têm sido analisados em diversas perspetivas, tanto em termos da eficiência da utilização dos recursos naturais, como pela aplicação de boas práticas na produção de alimentos, a influência das mesmas ao nível da qualidade e segurança alimentar, como também ao nível da sustentabilidade. Contudo, há um elemento fundamental que muitas vezes é negligenciado nesse contexto, designadamente a Ética.

O conceito de produção alimentar ética assenta em três pilares, designadamente:

  • as pessoas (desde os operadores alimentares aos consumidores);

  • o planeta (centrado na sustentabilidade ambiental);

  • os animais (preocupação em relação aos direitos e bem-estar animal).

Assim, a ética nos sistemas agroalimentares abrange uma ampla gama de questões, designadamente a prática de atividades produtivas e agropecuárias que procuram a redução da pegada de carbono, minimizem as mudanças climáticas, a degradação da terra e a desflorestação e permitam a gestão da água para evitar a sua escassez e poluição. A implementação de novos modelos de negócios verdes relacionados com o sequestro de carbono é essencial, pois ajudará a garantir o objetivo de neutralidade climática. Também devem ser seguidos métodos “amigos” do ambiente, permitindo a produção de culturas e de animais sem prejudicar os seres humanos ou os ecossistemas naturais. É fundamental que as necessidades físicas e emocionais dos animais sejam respeitadas, o que se traduz em proporcionar espaços adequados, acesso a alimentos e água limpa, além de evitar práticas cruéis. É de vital importância preservar o solo, a água, a biodiversidade e os recursos naturais, sendo fundamental a adoção de práticas agrícolas que minimizem a poluição do ar e da água. Não menos importante, é necessário garantir boas condições de trabalho e de vida para quem trabalha e mora nas explorações agrícolas ou em áreas vizinhas. Muitas vezes, os trabalhadores enfrentam condições de trabalho desumanas, salários injustos e até mesmo abusos físicos e psicológicos. Uma abordagem ética exige o respeito pelos direitos humanos básicos, garantindo condições de trabalho dignas e salários justos para todos os envolvidos na cadeia de produção alimentar.

Ao nível da produção e logística de alimentos, além de se ter de garantir a qualidade e segurança alimentar através de sistemas de autocontrolo, a questão da rastreabilidade, rotulagem alimentar, gestão dos resíduos alimentares e embalagem é de fundamental importância. O Marketing com as questões do preço e acessibilidade, além da propriedade industrial, a qual inclui as patentes e marcas, são pontos fundamentais que necessitam de ser garantidos.

O setor agroalimentar é um dos principais da União Europeia (UE), sendo dominado por pequenas e médias empresas (PMEs). No entanto, as PMEs enfrentam algumas dificuldades quando pretendem promover uma mudança inovadora no seu negócio relacionado com a produção e comercialização de alimentos éticos e sustentáveis. Nesse sentido elaborou-se e desenvolveu-se o Projeto Erasmus intitulado “Ethical Food Entrepreneurship” (Empreendedorismo Alimentar Ético) (EFE) (Home - Ethical Food Entrepreneurship (ethical-food.eu)) no qual se pretendeu criar algumas ferramentas dirigidas a potenciais empreendedores na área alimentar que os ajudasse a iniciar essa trajetória de mudança através da elaboração de diversos manuais e recursos educativos de acesso aberto, sempre com a Ética como ponto chave a seguir. Destacam-se assim os documentos abaixo indicados, disponibilizados online, totalmente gratuitos e traduzidos para o Português, Finlandês, Turco e Dinamarquês, além da versão em Inglês:

- Guia do Educador para Promotores & Facilitadores de Alimentos Éticos (Ramalhosa et al., 2023a): Neste manual explica-se o que é a Ética segundo algumas das Teorias Éticas existentes, designadamente as Teorias Consequencialistas, que se focam no resultado da ação; Não-Consequencialistas que se centram no “fazer a coisa certa”; e Teorias baseadas em agentes (Ética da virtude). Também é explicada a Matriz Ética que inclui três vertentes: o bem-estar, autonomia e justiça. De seguida, os recursos alimentares naturais são abordados, com ênfase sobre a agricultura que se não for praticada de forma sustentável poderá provocar danos nos ecossistemas. A União Europeia, responsável pela estratégia do ‘Prado ao Prato’ (Comissão Europeia, 2020), estabeleceu as seguintes metas quantificáveis para 2030:

  1. Redução de 50% no uso e risco de pesticidas químicos e no uso de pesticidas mais perigosos;

  2. Pelo menos 20% de redução no uso de fertilizantes;

  3. Corte de 50% nas vendas da EU de antimicrobianos para animais de produção e aquicultura;

  4. Pelo menos 25% da área deve ser cultivada em modo biológico e observar-se um aumento significativo na aquicultura biológica.

Assim, o estabelecimento de práticas agrícolas que procuram a redução da pegada de carbono, que usem métodos “amigos” do ambiente e que garantam condições de trabalho e de vida adequadas aos trabalhadores é essencial. O uso de certificações como a certificação biológica, Rainforest Alliance, Fair Trade e GLOBALG.AP (rótulo GGN) dão ao consumidor confiança que práticas agrícolas corretas são seguidas, devendo as normas ser escrupulosamente cumpridas. Também para que o sistema alimentar seja ético é muito importante que o maneio e a produção extensiva de animais para produção de carne ou que sejam usados em ensaios laboratoriais sejam realizados de modo a garantir os direitos e o bem-estar animal. O uso de produtos químicos, como pesticidas, pode também causar danos significativos no meio ambiente, através da contaminação de solos e água, como aos seres humanos. Deste modo, para evitar a aplicação de pesticidas, deve-se implementar um sistema de Proteção Integrada para controlo de pragas, que consiste nas seguintes atividades, indicadas por ordem decrescente de prioridade de ação: Prevenção (ex. Rotação de culturas, Consorciação de culturas); Soluções Mecânicas (ex. Captura); Soluções Biológicas (ex. Inimigos naturais); Biopesticidas (ex. Pesticidas à base de produtos naturais); e Pesticidas sintéticos. Ao nível do processamento alimentar, as boas práticas de higiene pessoal e de fabrico devem ser escrupulosamente seguidas, com a implementação de planos de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP). Adicionalmente as informações sobre os alimentos devem ser precisas, claras e fáceis de entender para o consumidor, devendo a rotulagem seguir o Regulamento (UE) N( 1169/2011. Uma produção ética de alimentos tem de ter em consideração a gestão adequada dos alergéneos, devendo estes ser sempre indicados no rótulo. Relativamente ao desperdício alimentar, 60% pode ser evitável. Desse modo deve-se promover uma produção e consumo alimentares mais sustentáveis, seguindo os 3Rs (Reduzir - Reutilizar - Reciclar), produção de biocombustíveis (como por exemplo, biodiesel, biogás), compostagem de sobras de alimentos, extração de compostos a partir de resíduos alimentares para uso industrial, etc. A embalagem é outro fator essencial, pois a UE pretende reduzir o uso de plástico, destacando-se a "Estratégia Europeia para Plásticos na Economia Circular" (Parlamento Europeu, 2018). Esta estratégia estabelece uma meta ambiciosa para o ano de 2030, a qual pretende que todas as embalagens devem ser reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis. O estabelecimento de Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar é essencial, incluindo valores e implicações sociais, de saúde e ambientais.

  • Empreendedorismo Alimentar Ético - Compêndio de Boas Práticas (Ramalhosa et al., 2023b): Neste documento são dados exemplos de empresas de vários países que se preocupam com a produção de alimentos sustentáveis e redução de resíduos, redução do desperdício alimentar, seguem modelos de negócio sustentáveis e éticos, incluindo cadeias de abastecimento.

  • Manual de Empreendedorismo para Negócios de Alimentos Éticos (Butterfield, 2023): Este documento pretende capacitar aspirantes a empreendedores e profissionais do setor de alimentos éticos e sustentáveis ao nível da inovação. Neste manual são dadas diversas ferramentas relacionadas com os estudos de mercado, modelos de negócio éticos e planos de negócios, registo de uma empresa e proteção da propriedade intelectual, planeamento financeiro e angariação de fundos, planeamento de recursos humanos e promoção da marca.

  • Recursos Educacionais Abertos (Casey & Whyte, 2022-2024): Desenvolveu-se um curso que consiste em seis módulos, designadamente: Módulo 1 - A Necessidade & o Impacto de um Negócio de Alimentos Éticos; Módulo 2 - Empreendedorismo e Etapas Críticas na criação de uma Empresa; Módulo 3 - Explorando o Mundo da Inovação; Módulo 4 - Operações Alimentares Éticas; Módulo 5 - Trabalhar com Pessoas - Comunicação nas Empresas; e Módulo 6 - Sustentabilidade para o Futuro.

Todos estes recursos ajudarão a criar atividades/negócios na área alimentar mais éticos e sustentáveis para o futuro.

Em conclusão, a ética nos sistemas agroalimentares não é apenas uma questão de escolha moral, mas sim uma necessidade imperativa para garantir um futuro sustentável para o nosso planeta e para as gerações futuras. À medida que se debate e desenvolvem políticas e práticas relacionadas com a produção e distribuição alimentar, é crucial colocar a ética no centro da discussão e plano de ação. Somente assim se poderão construir sistemas agroalimentares verdadeiramente justos, sustentáveis e éticos.

Referências bibliográficas

Butterfield D. (2023). Manual de Empreendedorismo para Negócios de Alimentos Éticos. https://ethical-food.eu/innovating-ethical-food-entrepreneurship-manual-pt/Links ]

Casey & Whyte (2022-2024). Guia do Educador do Curso de Empreendedorismo de Alimentos Éticos. Ermelinda Pereira, Maria João Afonso, Fátima Tomé e Elsa Ramalhosa. Editores do Curso & Guia. ISBN: 978-989-35547-1-5. https://ethical-food.eu/ethical-food-entrepreneurs-oers-pt/Links ]

Comissão Europeia (2020). Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões - Estratégia do Prado ao Prato para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente. [ Links ]

Home - Ethical Food Entrepreneurship (2024). Ethical Food Entrepreneurship. https://ethical-food.eu/Links ]

Parlamento Europeu (2018). Estratégia Europeia para os Plásticos na Economia Circular - Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de setembro de 2018, sobre uma estratégia europeia para os plásticos na economia circular, 2018/2035(INI). https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-8-2018-0352_PT.htmlLinks ]

Ramalhosa E., Baser G., Pereira E., Mutlu E. & Saarela A.-M. (2023a). Guia do Educador para Promotores & Facilitadores de Alimentos Éticos. Paula Whyte (Ed.). ISBN: 978-989-33-5696-8. [ Links ]

Ramalhosa E., Baser G., Pereira E., Mutlu E., Saarela A.-M., Butterfield D. & Whyte P. (2023b). Empreendedorismo Alimentar Ético - Compêndio de Boas Práticas. Paula Whyte (Ed.). ISBN: 978-989-35547-0-8. [ Links ]

Autor Correspondente Elsa Ramalhosa Campus de Santa Apolónia 5300-253 - Bragança - Portugal elsa@ipb.pt

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