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Sociologia, Problemas e Práticas

Print version ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.37 Oeiras Nov. 2001

 

AS TECNOLOGIAS DE GOVERNO DO EU E A ESCOLA (1974-1991)

Rui Machado Gomes*

 

Resumo Como denominador comum dos processos de legitimação do sistema educativo, quer do lado da burocracia estatal quer do lado das correntes críticas, subjaz o mito humanista do desenvolvimento pleno e integral da personalidade individual. Porém, não é nessa capacidade que se fundam as potencialidades individuais e tão-pouco se pode considerar a matriz de todos os mundos da vida individual. A capacidade de problematizar o “ser próprio” é o produto de técnicas e práticas do mesmo nível de outras técnicas corporais ou da consciência, com uma inserção histórica específica. Daí que procedamos neste artigo à genealogia crítica das práticas escolares — designadamente das que se estribam nos campos disciplinares do desenvolvimento cognitivo e do desenvolvimento sociomoral — que localizam os seres humanos em formação em regimes do self específicos, fazendo um contraponto às análises que vêem as mudanças de subjectividade como o resultado de transformações culturais e sociais mais gerais. O campo de estudo é a escola secundária portuguesa depois da queda do estado novo até ao início da década de 90.

Palavras-chave Tecnologias, self, subjectividade, cidadania.

 

Abstract The common denominator in processes that entail the legitimisation of an education system (as seen both from the point of view of the state bureaucracy and from some more critical standpoints) is the humanist myth of the complete and full development of individual personality. However, individual potential is not limited to this capacity, nor can one consider it to be the be-all and end-all of a person’s life. The ability to problematize “oneself” is derived from techniques and practises that are situated on the same level as other corporal or awareness techniques and possesses its own place in the story thereof. This article provides a critical “genealogy” of scholastic practises — particularly those which draw their inspiration from the fields of cognitive development and socio-moral development — which place human beings who are undergoing training in specific self regimes. It offers a different view to those taken by analyses that see changes in subjectivity as the result of more general cultural and social transformations. The underlying study is based on Portuguese secondary schools from the fall of the “New State” (1974) until the beginning of the 1990’s.

Keywords Technologies, self, subjectivity, citizenship.

 

Résumé Les processus de légitimation du système éducatif, tant du côté de la bureaucratie de l’État et que des courants critiques, ont pour dénominateur commun le mythe humaniste du développement plein et intégral de la personnalité individuelle. Cependant, ce n’est pas sur cette capacité que se fondent les potentialités individuelles et l’on ne saurait la considérer comme la matrice de tous les mondes de la vie individuelle. La capacité de problématiser le “soi-même” est le produit de techniques et de pratiques du même niveau que d’autres techniques corporelles ou de la conscience, avec une insertion historique spécifique. C’est pour cela que nous procédons dans cet article à la généalogie critique des pratiques scolaires - en particulier de celles qui s’appuient sur les champs disciplinaires du développement cognitif et du développement socio-moral - qui situent les êtres humains en formation dans des régimes du self spécifiques, en faisant un contrepoint aux analyses qui voient les changements de subjectivité comme le résultat de transformations culturelles et sociales plus générales. Le terrain de cette étude est l’école secondaire portugaise, depuis la chute du Estado Novo (dictature salazariste) jusqu’au début des années 90.

Mots-clés Technologies, self, subjectivité, citoyenneté.

 

Resúmene Como denominador común de los procesos de legitimación del sistema educativo, ya sea del lado de la burocracia estatal ó del lado de las corrientes críticas, subyace el mito humanista del desarrollo pleno e integral de la personalidad individual. Además no es en esa capacidad en la que se fundan las potencialidades individuales y tampoco se puede considerar la matriz de todos los mundos de la vida individual. La capacidad de problematizar el “ser propio” es el producto de técnicas y practicas del mismo nivel de otras técnicas corporales o de la conciencia, con una inserción histórica específica. De ahí que procedamos en este articulo a la genealogía crítica de las prácticas escolares - designadamente de las que se apoyan en los campos disciplinares del desenvolvimiento cognoscitivo y del desenvolvimiento socio-moral - que localizan los seres humanos en formación en regímenes del “self ” específicos, haciendo un contraste entre los análisis que ven los cambios de subjetividad como el resultado de las transformaciones culturales y sociales más generales. El campo de estudio es la escuela secundaria portuguesa después de la caída del Estado Novo, hasta el principio de la década de los 90.

Palabras-clave Tecnologías, self, subjetividad, ciudadanía.

 

Neste artigo analisam-se algumas tecnologias políticas e pedagógicas que permitem à educação funcionar como uma disciplina ética, por intermédio da qual cada indivíduo da geração mais nova se converte ele próprio em sujeito reflexivo de acção moral. Não se trata de fazer uma sociologia das prescrições morais mas de captar as práticas de relação com o self. O que nos interessa na construção das subjectividades são as técnicas utilizadas pelos indivíduos na sua reflexão sobre si e sobre a sua acção, como se conhecem a si próprios e se auto-examinam, enfim, como se perfilam a si mesmos como objectos de melhoria e decifração. As técnicas de si são práticas de reflexão voluntárias, através das quais os alunos, mas também os professores, se procuram transformar a si próprios, fixar-se regras de conduta e modificar-se na sua singular forma de ser. Trata-se do principal dispositivo de autogoverno dos indivíduos, que se exerce continuamente sem necessidade que haja quem governe directamente a conduta de cada um. À governamentalidade é-lhe suficiente que haja quem se sinta governado e, portanto, aja como se se governasse a si próprio. O que não se coaduna com o apoucamento das subjectividades, mas, contrariamente, exige uma particular forma na sua construção.

Foucault estudou estas tecnologias de subjectivação nos três volumes da História da Sexualidade, referindo-se a quatro dimensões das “artes de viver”, como eram designadas no século XVIII. Este esquema pode ser adaptado com vantagem à apreciação sumária das práticas de criação de novas subjectividades surgidas no sistema educativo português e bem representadas pela imagem do aluno autónomo, responsável, participativo e automotivado.

A primeira dimensão destas práticas consiste na especificação da parcela de si que é relevante para o julgamento ético pessoal. Qual é a matéria principal da conduta que deve ser sujeita ao julgamento ético? Naturalmente que a resposta a esta pergunta tem sofrido variações históricas importantes. O escrutínio que cada um realiza em relação a si próprio pode ter a sexualidade, a alimentação, as intenções ou o carácter como critérios de relevância principais. No caso em apreço, a “substância ética” é formada pela auto-realização do aluno. Estabelecer uma relação apropriada entre aspirações e expectativas, e a auto-realização de ambas, parece ser a matéria por excelência das práticas éticas.

A segunda dimensão diz respeito às práticas do self propriamente ditas. A “ascesis” define as formas de elaboração do trabalho ético que cada um efectua na busca do seu eu verdadeiro. Assim, se considerarmos o exercício escolar como o espaço-tempo por excelência do trabalho de ascese escolar, verificamos que este pode ser praticado segundo regimes bastante diferentes, que podem assumir a forma de conhecimento de si, de cuidado de si ou de domínio de si:

- o conhecimento de si diz respeito às actividades de autoclarificação, que assentam no imperativo de reconhecimento próprio: reflexão sobre a acção e na acção, interpretação cuidadosa do significado pessoal dado aos conteúdos escolares, apreciação da evolução escolar na forma de auto-avaliação;
- o domínio de si pode ser praticado por intermédio de um controlo regular da conduta do aluno, pelos seus próprios meios ou com a ajuda de terceiros, à qual se aplica um conjunto de operações que visam um certo estado de aperfeiçoamento, de realização ou de sabedoria na utilização das tecnologias intelectuais como a escrita, a leitura, a memorização, o cálculo, a interpretação e por diante;
- o cuidado de si refere-se, entre outras coisas, ao que Marcel Mauss (1979) designava por “técnicas do corpo” e Elias (1939, 1989) por “condutas corporais”. Embora, no primeiro caso, o termo contemple, sobretudo, a clássica descrição dos usos diferenciais do corpo, enquanto instrumento técnico, em função das culturas, não prescinde também, necessariamente, dos códigos explícitos que, mais tarde, Elias descreveria com tanta mestria a partir da análise da etiqueta e dos manuais de civilidade.

Em qualquer dos casos, tanto as técnicas do corpo quanto as condutas corporais dependem de um específico regime corporal baseado nas formas como os indivíduos monitorizam as funções e acções corporais. Sobre este tema são especialmente estimulantes as investigações antropológicas e históricas de P. Brown (1989) e M. Mauss (1979). Nelas se demonstra como nem todas as capacidades humanas são sujeitas, em todas as épocas e culturas, à problematização moral introspectiva, ou, demonstrando a tese a contrario, que o alvo de tais problematizações está sujeito a mutações históricas de grande alcance.

É particularmente esclarecedora a hipótese enunciada por Brown (1989: 178-186), segundo a qual o facto de o ocidente moderno ter eleito a introspecção da conduta sexual como alvo de controlo dos desejos humanos e de elevação espiritual, em vez do vegetarianismo ou das dietas, se ter devido mais a uma contingência histórica do que à descoberta de uma qualquer parcela, consciente ou inconsciente, do self, que apenas por intermédio da conduta sexual moderada se revelaria. O estudo detalhado que o autor faz da espiritualidade do cristianismo primitivo revela que a eleição da conduta sexual como objecto primeiro da vigilância moral, emerge num contexto de práticas ascéticas muito específicas — de virgindade e abstinência — que não são gerais, e muito menos esgotam as diferentes tecnologias de procura da santidade. Que se trata de um particularismo histórico, que acabou por se transformar num substracto do self moderno, por força dos desenvolvimentos posteriores e especialmente dos decorrentes de Freud, é sublinhado pela comparação que Brown faz com outras práticas virtuosas, como as propostas por Plotino, para quem a atracção corporal generalizada por carne vermelha constituía a sua principal preocupação ética.

A terceira dimensão é caracterizada por aquilo a que Foucault chama o “modo de subjectivação”, isto é, os caminhos que levam a reconhecer uma obrigação moral. Esta assumiu diferentes formas nas sociedades pré-modernas e modernas: leis divinas e códigos morais, num caso, e melhoria da qualidade de vida ou libertação das potencialidades individuais, noutro caso. De qualquer modo, a equação que orienta os modos de sujeição coloca o pensamento moderno em dualidade: de um lado, o pensamento sobre as normas sociais, do outro, o pensamento sobre a autenticidade das opções individuais. A diferença fundamental entre normas sociais e opções individuais é de escala. Como sucede com a nova cartografia do sistema educativo, as normas tentam cobrir grandes territórios e populações, sem atender aos detalhes, enquanto as opções atendem à variabilidade dos pequenos territórios e à indeterminação da curta duração. É neste hiato que se formam novos cenários para a prática ética do aluno autónomo e motivado. Os cenários de formação do aluno autónomo têm características pastorais e destinam-se à melhoria das capacidades individuais. Sem pretensão de exaustividade, podemos distinguir dois cenários principais onde têm lugar tais operações: na subjectivação do trabalho escolar e na terapeutização da comunicação.

A quarta dimensão incide no que Foucault designa por “teleologia” do sujeito moral. Para que uma acção seja ética ela não se resume a práticas pontuais e parcelares, integrando-se num modo de ser a que o sujeito aspira por via da acção moral. É nesta dimensão que aparece mais nitidamente a distinção entre uma história da moralidade e a análise da ascese. Enquanto a primeira estuda em que medida as acções de certos grupos e indivíduos estão em conformidade com os preceitos e com os códigos de conduta, a segunda preocupa-se antes do mais com aquilo que permite a cada um e a todos manter o domínio de si e das suas condutas. Não que os códigos não tenham um papel na determinação do modelo de sujeito escolhido. O ascetismo do homem puritano do século XVII pouco tem a ver com a ascese do homem contemporâneo, e isto por força, também, do código de moral vigente em cada período. Mas deve manter-se no método de análise a distinção entre os elementos que correspondem à regra e os elementos que correspondem ao esforço realizado para procurar transmitir e aperfeiçoar as práticas de si que podem, ou não, conduzir ao estado moral socialmente pretendido. Dito de outro modo, a condição de cidadão cumpridor das leis e participativo tem no estado e nos seus códigos o quadro de referência, mas é nas tecnologias do desenvolvimento pessoal e social, na busca incessante do seu próprio caminho e opções que se constrói a subjectividade do aluno, futuro cidadão.

Neste artigo abordaremos apenas as duas últimas dimensões: modo de subjectivação e teleologia do sujeito moral.1

 

Modo de subjectivação

A subjectivação do trabalho escolar envolve a saturação do corpo do futuro diplomado do ensino secundário com signos contraditórios: por um lado, sensações, emoções, desejos e aspirações; por outro, cálculo, optimização de objectivos e racionalidade de meios. A transformação do trabalho escolar em uma matéria de realização pessoal e identidade psíquica surge associada ao cálculo dos benefícios económicos ou de influência social futuros. A emergência de um discurso sobre o papel da “confiança nas possibilidades e capacidades próprias” no desenvolvimento sociomoral tivera já um ponto de inserção importante nos relatórios de avaliação do ensino secundário unificado (ESU), mas é no Perfil Cultural Desejável do Diplomado do Ensino Secundário (ME, 1988) que atinge cumes de teorização e articulação entre diferentes saberes, com a consolidação definitiva do conceito de autonomia. Enquanto nos relatórios do Projecto de Avaliação do Ensino Secundário Unificado (PAESU) (GEP, 1979, 1980a-1980f, 1981a-1981g) esta constituía uma probabilidade, no perfil desejável apresenta-se como um atributo inato. A autonomia é definida a partir de dois critérios:

-critério moral, sustentado na teoria do desenvolvimento sociomoral de R. Kegan (1982);
-critério de motivação, necessidade de sucesso e espírito empreendedor, ancorado nas teorias de McClelland (1961).

No primeiro caso, a autonomia é designada na negativa, por aquilo que não deve ser: “Esta autonomia que se opõe tanto à dependência como à desconfiança de si e timidez” (ME, 1988: 49). O estado de autonomia requer, portanto, competências de interacção e relacionamento social que devem ser promovidas nas práticas pedagógicas. No segundo caso, a autonomia é estabelecida positivamente e tem evidentes pressupostos e repercussões na racionalidade económica: “estar disposto para lançar as bases do seu próprio posto de trabalho se essa for a melhor via de realizar os seus valores e interesses” (idem, ibidem); “planear as suas actividades a longo e médio prazo de modo a que possa estabelecer prioridade de objectivos e racionalidade de meios” (idem: 57).

No seu conjunto, esta dupla definição de autonomia coincide com o perfil do individualismo possessivo que alguns autores anglo-saxónicos tomam como tipo-ideal das sociedades liberais de matriz protestante: uma visão ontológica dos indivíduos enquanto origem e guardiões das suas próprias capacidades. O quadro 1 resume algumas das capacidades e traços inerentes ao futuro diplomado do ensino secundário, bem como as práticas pedagógicas destinadas a promovê-los.

 

 

Um rápido exame do quadro 1 torna evidente que os comportamentos e atitudes que a escola se propõe desenvolver mantêm uma relação funcional entre os indivíduos e a estrutura social. A participação e a educação para a cidadania sobressaem, mas a relação com a estrutura económica está também presente noutras passagens:

exigindo a sobrevivência (do país) uma resposta de desenvolvimento, de modernização e um espírito de inovação e criatividade, há que compreender que estamos num momento de viragem. Isso deve ser tido em conta ao traçarmos o perfil do jovem saído do 12.º ano da escolaridade. Jovem que não continuará a ser protegido por uma instância pública, distante e omnipresente (guarda-chuva para as incapacidades), uma vez que irá deparar com a concorrência dos compatriotas e dos outros cidadãos europeus (idem: 42).

O traço comum dos discursos psicologizantes sobre as capacidades intrínsecas ao desenvolvimento individual sublinha a ideia de que a sociedade é melhorada pelo esforço de cada um dos seus membros, em ordem à melhoria das suas posições e destinos, através da participação política, do trabalho árduo e produtivo e do espírito empreendedor. Esta gramática das formas de vida autónoma é inteiramente consistente com a visão liberal democrática da sociedade e do indivíduo, segundo a qual a capacidade de adaptação e de ser um agente de mudança, num mundo em constante mutação, faz parte da própria realização individual. O aluno autónomo é, antes do mais, aquele que se sente realizado na profissão futura, suficientemente flexível para se adaptar às mudanças tecnológicas e motivado para continuar a sua formação ao longo da vida (idem: 65).

A equação tailorista da produção de massa, assente na correspondência entre posto de trabalho e destrezas necessárias para o seu desempenho, é substituída pelas referências pós-fordistas da especialização flexível, da democratização do trabalho e da previsível nova divisão internacional do trabalho. As homologias entre os novos regimes de acumulação pós-fordistas e as propostas de perfil são evidentes e muito directas. Utilizando como referência o quadro síntese dos regimes de acumulação alternativos ao fordismo, proposto por Boyer (1992: 28), podemos ter uma primeira aproximação a tais homologias. Lado a lado apresentamos (no quadro 2) as consequências previsíveis de cada regime de acumulação nas respectivas habilitações, no âmbito de uma nova organização industrial, e os traços homólogos previstos no relatório sobre o Perfil Desejável do Futuro Diplomado do Ensino Secundário.2

 

 

O que sobressai no quadro 2 é a imagem do futuro produtor cindida dentro de si mesma: por um lado, os que seguirão uma formação profissional, orientada para o trabalho manual pouco qualificado; por outro lado, os que seguirão uma formação geral, longa, orientada para o trabalho mais qualificado. Tal dicotomia está, no entanto, destinada à intercomunicação e reprodução permanente por via de uma correcção das tendências que a radicalizam. No passado a dicotomia correspondia a fileiras separadas de ensino — o liceu e a escola técnica, industrial e comercial. Agora, a decisão é remetida para as capacidades individuais, para a motivação e para a realização pessoal, isto é, para o mérito de cada um. É o nível de autonomia, de auto-estima e de auto-realização que decidirá o destino de cada um. As propostas de correcção de tendências negativas na sociedade portuguesa apenas confirmam a continuidade futura da dicotomia, porque esta está inscrita no mais fundo das capacidades próprias de cada um:

quanto a este aspecto convém corrigir duas tendências na sociedade portuguesa: a tendência para a especialização precoce, quer dos que trabalham manualmente, quer dos que prosseguem os estudos, deixando os primeiros sem capacidades de reciclagem e modernização, e deixando os segundos sem capacidade de emprego imediato ou facilidade na aplicação concreta de conhecimentos abstractos adquiridos; a tendência para a especialização precoce e rígida nalgumas áreas do saber, atrofiando assim importantes dimensões humanas (ME, 1988: 63).

Deste modo se confirma duplamente a dicotomia educação-trabalho. Em primeiro lugar, porque a tentativa de articular no mesmo plano de estudos conhecimentos canónicos e conhecimentos práticos apoia-se no pressuposto de que pode existir uma relação sequencial entre educação e trabalho. Tal relação acredita na possibilidade de fazer corresponder estavelmente os fluxos de titulação com a oferta de empregos. Ora, se alguma coisa ficou demonstrado nos anos que o “perfil desejável analisa, foi a desconexão estrutural entre a produção de qualificações pelo sistema de educação e as qualificações requeridas pelo sistema produtivo (Santos, 1994; Correia, 1997). Em segundo lugar, e contribuindo também para esta desconexão, a acelerada transformação dos processos produtivos e de serviços faz com que a educação seja um processo tendencialmente simultâneo aos processos produtivos. Ora, a descoincidência entre os tempos da formação e os tempos da sua aplicação é cada vez maior, por força do prolongamento da escolaridade e do “efeito de parqueamento” originado pelo aumento do desemprego juvenil. Daí que as propostas de reforma surgidas nos anos oitenta, não podendo descuidar a resposta à procura social de educação, por evidentes motivos de legitimação, e não conseguindo produzir perfis profissionais adequados, por notória improbabilidade de o sistema produtivo estabilizar as suas necessidades, optem por desvalorizar os conteúdos e sobrevalorizar a autonomia do aluno. Esta passa a constituir o substituto funcional de uma relação educação-trabalho desejada mas improvável.

Porém, a autonomia, como entidade ontológica global, não circula apenas no espaço público da escola, contendo outras esferas, públicas umas, privadas outras: relações com os pais, sexualidade, regime alimentar, estilos de vida e de apresentação, emoções, medos, relações amorosas, desejos e por diante. Constitui-se assim uma linha bissectriz entre o público, o doméstico e o privado, onde é possível pôr em contacto aspirações sociopolíticas tradicionais do sistema estatal de ensino com desejos e frustrações, até então do domínio privado, no processo de afirmação e realização pessoal. Nestas esferas de governo da autonomia actuam, entretanto, outros especialistas: psiquiatras, terapeutas da família, médicos e psicólogos. No mesmo lance de dados, a autonomia do aluno garante a criação de um nódulo onde se encontram discursos até então desconectados.

O segundo elemento da homologia entre o pós-fordismo e o perfil do futuro diplomado diz respeito à simultaneidade dos operadores linguísticos utilizados num e noutro caso: flexibilidade, adaptabilidade e realização são traços que definem as capacidades e disposições a desenvolver pela escola e que coincidem com os novos contextos de trabalho. A competência em destrezas específicas de trabalho dá lugar a uma fórmula bem mais exigente, que podemos expressar, adaptando uma outra inscrita num relatório da OIT (1986), do seguinte modo:

Adapto-me + percebo + sou capaz + realizo-me = capacidade para o trabalho3

O terceiro aspecto da homologia está directamente relacionado com a lógica da autonomia. A autonomia não é uma finalidade a obter no final de um determinado percurso; também não é um instrumento destinado a garantir certos efeitos e aquisições; é uma capacidade prévia que todos têm e que pode ser potenciada por uma adequada prática pedagógica, ou retraída por uma pedagogia desadequada. Não por acaso, o perfil do aluno autónomo é desenhado a partir dos métodos, mais do que dos conteúdos; da forma, mais do que da substância:

ensinar a procurar e analisar a informação deve ser a preocupação dominante de todos os professores. Tal competência é com efeito mais importante que a absorção de qualquer conhecimento que depressa pode ser desactualizado (ME, 1988: 69).

O aluno passa a ser o conteúdo-forma, coincidindo, aliás, com o lugar-comum pedocêntrico, segundo o qual o aluno deve estar no centro dos processos de aprendizagem e da escola. É neste contexto que as noções e as tecnologias do aprender a aprender e do aprender a estudar cumprem o seu papel disciplinador.

O ressurgimento da subjectividade no contexto escolar não pode ser encarado como um fenómeno separado de outros contextos, em especial dos novos contextos de trabalho, reais ou imaginários. Os novos procedimentos de uma pedagogia do concreto, centrada na resolução de problemas ou na pedagogia do projecto, dão uma nítida prioridade aos mecanismos operatórios sobre os saberes. Estes são considerados na sua precariedade de saberes provisórios e efémeros. As situações de trabalho escolar propostas visam a formação geral da pessoa e não a formação para um posto de trabalho: formação na tomada de decisões, formação no trabalho de equipa e na colaboração, desenvolvimento das capacidades de adaptação, desenvolvimento das relações humanas e de camaradagem. Deste ponto de vista, as tecnologias pedagógicas propostas apresentam uma adequação funcional bastante evidente com as novas representações de um mercado de trabalho em que os perfis profissionais estão em constante mutação. Uma socialização escolar não-profissionalizante, centrada na inovação, na ambição pessoal e numa atitude positiva perante o trabalho intenso e em equipa seria uma matriz essencial às exigências actuais dos processos produtivos (Santos, 1994: 172).

A pedagogia do concreto e a atenção dada aos saberes quentes das práticas de si e de si com os outros não são uma invenção contemporânea ou uma novidade completa. Os antigos princípios comunitários parecem presidir ao perfil proposto. Confiança, proximidade entre os seres, calor afectivo, globalidade do ser põem em primeiro plano a inserção futura no meio ou na comunidade. Seria no entanto inexacto ver nestas reflexões, sobre o valor da subjectividade individual, apenas a manutenção de uma velha tradição pedocêntrica rousseauiana (Mónica, 1997). E, certamente, mais anacrónico seria presumir que estas problematizações teriam alguma continuidade com as chamadas pedagogias não-directivas que, em Portugal, nunca tiveram mais que ténues manifestações. Pelo contrário, é num ambiente de neodirectivismo e de racionalização do acto pedagógico, por força da presença hegemónica da pedagogia por objectivos, que a subjectivação deve ser analisada. É certo que não se deve desconhecer o que pode haver de continuidade e de reactivação discursiva. O discurso pedagógico sempre primou por esse movimento de vai-vém entre fórmulas cuidadosamente mantidas e a sua reactivação, anos passados, em contexto político-institucional muito diverso e com objectivos completamente díspares. Tudo se passa como se a pedagogia tivesse escassos recursos intelectuais à sua disposição, que não lhe permitissem fazer mais do que misturar, em proporções diversas, discursos e instituições anteriormente formalizadas. No entanto, há muitos modos de à geração actual fazer regressar textos passados: o divulgador que cita, o historiador que interpreta e reconstrói, o crítico que desconstrói, o senso comum que se apropria e renova, os especialistas que problematizam. O que significa que o texto original nunca é reproduzido nas condições iniciais da sua produção. Neste caso, uma parcela do discurso rousseauiano e dos seus divulgadores funciona como um depósito de formas e conteúdos dispersos, tornando-o ambíguo pela sua simplicidade e opaco pelo excesso de visibilidade. A sua actualização é, simultaneamente, uma nova estratificação que o integra em outros conjuntos discursivos. A esta operação damos o nome de “deslocamento”, e consiste esta em reactivar enunciados antigos, reconhecíveis pelo communis sensus do auditório electivo, em contextos institucionais contemporâneos. Neste deslocamento constituem-se novas regularidades e dispersões, isto é, novos relacionamentos de força que determinam regras singulares e, portanto, modificações no diagrama final das forças. As modificações não dependem de um novo significado que é aposto pelo presente ao significado original, verdadeiro, do enunciado. Os discursos não são meros sistemas de significados, porque fazem, eles próprios, parte de dispositivos técnicos e práticas que dão um lugar e um estatuto aos que o fazem, de tal modo que aquele apenas se torna inteligível em relação ao conjunto de conexões técnicas e discursivas que o compõem. Daí que o deslocamento não seja discernível por uma exegese hermenêutica que tende a conferir à origem um valor absoluto. Teremos então que captar o ponto de encontro das séries discursivas e verificar como se actualizam, se remodelam e se redistribuem.

Feito este ponto de ordem, continuemos a discussão. As diferenças sociais são remetidas à sua ínfima expressão individual, reduzidos que são os mecanismos de poder derivados da exploração a intrigantes, porque desconhecidos (“por qualquer motivo”), meios de atingir “níveis saudáveis de autonomia”. O redactor do relatório sobre o “perfil desejável” descreve do seguinte modo as contradições básicas da sociedade:

o desenvolvimento do indivíduo projecta-se sempre na sociedade que ele forma. Em sociedades em que grande parte das pessoas atingiu níveis saudáveis de autonomia e integração, as relações humanas, legais e económicas são caracterizadas por um sentido profundo de democracia, liberdade, justiça e colaboração. Em contraposição, sociedades em que, por qualquer motivo, grande parte dos indivíduos não atingiu níveis saudáveis de autonomia, são sociedades em que tanto na vida civil como religiosa e económica, dominam as relações de dependência, exploração e opressão. Os poucos que exploram os muitos não atingiram a verdadeira autonomia, fazendo lembrar crianças que ainda julgam que o mundo anda à volta delas. Os muitos que se deixam explorar ou que se habituaram à dependência, perderam o estatuto de adulto, e portanto a capacidade criadora e a motivação de progredir (ME, 1988: 40-41).

Nesta apresentação simplificada e vulgar das teorias do desenvolvimento sociomoral, a democracia, a justiça e a liberdade são concebidas de forma normativa. Os antagonismos sociais são explicados a partir de um sujeito unitário, abstracto, que foge ao estado de autonomia. A multiplicidade de posições do sujeito é vertida num conceito racionalista de um indivíduo homogéneo, anulando assim, num lance único, a variabilidade das suas identidades e a diversidade das relações de subordinação que o podem afectar. Os sistemas educativos estatais não se limitam a formar o cidadão autónomo e responsável, entidade universal e abstracta que legitima a lealdade de cada um para com o estado. Pelo contrário, formam subjectividades diferenciadas segundo o género, a classe e a etnia (Green, 1994): o trabalhador diligente e dócil, o profissional conhecedor e independente, o contribuinte complacente, o soldado honrado, o pai prudente e moderado, a boa mãe consciente dos deveres domésticos, o empresário racional e eficaz, o imigrante integrado e aceite. Quais os códigos de conduta e de conhecimento que sustentam estes perfis normativos? A que tipo de valorização ética estão associados? Os princípios de justiça em que se fundam são universais? Como podemos apreender esta multiplicidade de relações de subordinação que podem afectar os indivíduos se os encararmos como entidades homogéneas? Contrariamente a esta sugestão, fundada nos pressupostos do liberalismo político e económico e em alguns modelos normativos de desenvolvimento sociomoral, parece-nos decisivo sublinhar a heterogeneidade e especificidade de modelos que assistem a práticas sociais diversas e a contextos estruturais não homólogos. A unificação das práticas de subjectividade deve antes ser entendida como um esforço de certos programas políticos e científicos; não como o esultado inevitável da natureza ou da cultura humanas.

 

Teleologia

A teleologia define o tipo de sujeito que cada um pretende ser por intermédio da acção moral. Quais os estilos de vida, os modelos e as finalidades que suportam os ideais sociais? Que regimes de verdade e que códigos de conhecimento lhes subjazem? Que tipo de valorizações éticas lhes estão associadas? Estas são algumas das questões que presidem à construção da subjectividade heterogénea da modernidade tardia. A subjectividade é heterogénea num duplo sentido: é-o em função dos modelos desencadeados em diferentes práticas sociais; mas é-o também em função da circulação de cada indivíduo por contextos que se articulam com formas particulares de lidar com problemas e soluções para a conduta humana. Os tipos descritos por Rose (1996: 27-28), embora sugestivos, são apenas ilustrativos e não esgotam a multiplicidade de práticas éticas que a fragmentação crescente da subjectividade pode conter:

o profissional que exerce uma vocação com sabedoria e imparcialidade; o combatente corajoso que persegue a honra através do risco calculado do corpo; o pai responsável que vive uma vida de prudência e moderação; o trabalhador que aceita docilmente a sua sorte, ancorado na crença na inviolabilidade da autoridade ou na recompensa numa vida futura; a boa esposa que realiza os seus deveres domésticos com eficiência e discrição; o indivíduo empreendedor que se esforça por conseguir desenvolvimentos seculares na ‘qualidade de vida’; o amante apaixonado competente nas artes do prazer.

A existência destes e de outros ideais-tipo da modernidade tardia confirma a imagem convencional de uma subjectividade coerente, duradoura e individualizada. Que assume forma no conceito de identidade pessoal e social das ciências sociais. Mas, simultaneamente, questiona-a, porque apresenta formas múltiplas, transitórias e sobrepostas de cada um se apresentar ao mundo, de tal sorte que o self dificilmente se mostra compreensível nos termos de um espaço fechado em cada individualidade.

É esta descoincidência entre fragmentação social do self e procura da individualidade que abre o caminho às práticas e às conceptualizações que visam a montagem do sujeito uno. À imagem do problema colocado pela estratificação orgânica do corpo, que se traduziu na questão — “como fazer um organismo deste corpo?” —, a segmentação do self traduz-se na questão: “como fazer uma subjectividade no interior deste corpo?” O individualismo possessivo corresponde à noção que melhor agrupa todas as teorias e práticas que visam desenvolver a subjectividade como um dado primordial. A sua pregnância epistémica é tão extensa que lhe permite pontos de inserção em outras regiões do discurso. A vulgarização de algumas teorias do desenvolvimento sociomoral, como as de Keagan (1982) e as de Kohlberg (1981, 1983, 1987), veio permitir o tratamento da autonomia como um problema técnico que resulta da aprendizagem diferencial dos sujeitos. Os modelos cognitivistas do desenvolvimento moral, bem como os modelos da clarificação de valores (Raths, Harmin e Simon, 1966), introduziram a crítica aos modelos de educação centrados nas virtudes, salientando o papel central da decisão moral como contexto privilegiado do exercício da liberdade individual e da autonomia. Durante os anos 60, o psicólogo Lawrence Kohlberg desenvolve a bem conhecida teoria dos seis estádios de desenvolvimento cognitivo-moral, com base em estudos empíricos realizados em contextos culturais diferentes. Aprofundando a lógica dos estádios, o autor rapidamente conclui que o contexto escolar pode fomentar uma progressão mais rápida das crianças para estádios mais avançados de raciocínio moral. Acrescenta assim ao formalismo dos estádios a contingência dos contextos. O trabalho pedagógico sugerido inicialmente por Kohlberg reflecte a sua perspectiva cognitivista, contrária à endoutrinação. Daí que o conflito cognitivo se encontre no núcleo central da sua proposta de acção pedagógica, reflectindo a crença na hipótese de a passagem para estádios mais avançados de desenvolvimento se fazer com base na argumentação em torno de conflitos de valores e dilemas morais. O papel do professor consistiria mesmo em apresentar dilemas éticos difíceis, ou em introduzir uma perspectiva de solução alternativa derivada de um juízo moral mais elevado, pondo os alunos em situação de desequilíbrio que os obrigasse a superar o nível presente de raciocínio. Seria este tipo de metodologia que impediria a endoutrinação, porque não se dirigiria à transmissão específica de um conteúdo de valor mas, antes de tudo, ao estímulo de novas formas de pensar e de julgar.4

Para que uma acção moral se possa inscrever num percurso destinado ao completo desenvolvimento humano, a psicologia do desenvolvimento cognitivo-moral procedeu à separação do momento e dos dispositivos da cognição moral — julgamento e raciocínio morais — do momento e dos dispositivos da acção moral. Com esta distinção obtém-se uma formulação conceptual mais adaptada aos contextos pedagógicos e ainda a possibilidade de cindir em dois a subjectividade do sujeito moral, assim tornado capaz, não apenas de agir segundo princípios de justiça, como também de julgar a sua própria acção.5 É nesta articulação entre o eu que age e o eu que julga o que age que se encontra o núcleo central das tecnologias do self. E isto porque se apresentam diversas combinações possíveis entre interior e exterior, entre sujeito e contexto, entre inteligência e conduta: pode dar-se o caso de o nível de juízo moral elevado de certos sujeitos não os conduzir a um comportamento moral correspondente; pode dar-se o caso de as condições de funcionamento da escola não favorecerem a expressão da justiça aprendida nos dilemas apresentados; pode também dar-se o caso de os juízos morais exibidos num certo conteúdo não serem transferíveis para um conteúdo diferente; pode, ainda, acontecer que a conduta moral exercida num dado contexto político — institucional ou organizacional — não se exerça, ou não tenha condições para se exercer, em contexto diverso. Em qualquer dos casos, é a autonomia do juízo moral dos indivíduos que é apresentada como reserva última para a resolução destas incongruências. E quanto mais incongruência existe mais os processos psicológicos internos são eleitos para as tarefas de descontextualização, devido ao seu grau de generalidade e desterritorialização.6 Como sublinha Campos (1989: 19):

se os comportamentos e atitudes políticos são prioritariamente atinentes à educação para a democracia, já os valores e os processos psicológicos são também relevantes para as outras vertentes da formação pessoal e social.

A questão que esta tecnologia coloca é a de saber como controlar o excesso de desterritorialização, que é também um excesso de impotência social. Confirmando, talvez, a eficácia relativa desta forma de socialização para a autonomia, todos os estudos realizados na década de 80 sobre os valores dos jovens portugueses confirmam uma maior orientação para os valores pessoais do que para os sociais. Esta conclusão conduziu mesmo o autor de um dos estudos a interrogar-se sobre a relação entre autonomia pessoal e autonomia cidadã, nos seguintes termos:

será que a par do que parece ser a emergência de uma elevada procura de autonomia pessoal, se regista igualmente o crescer de um sentimento de impotência, de ausência de controlo sobre os fenómenos sociais e políticos? Se assim for, compreende-se que percam saliência os valores de igualdade, solidariedade e intervenção social e que se tornem objecto de valor as estratégias individuais de resolução dos problemas vividos (Vala, 1986: 26).

Não obstante, a corrente de pensamento do desenvolvimento cognitivo-moral viria a ter uma grande divulgação no período que precedeu a chamada reforma curricular e em especial durante as discussões a propósito das disciplinas de educação cívica e de desenvolvimento pessoal e social dos novos planos curriculares dos ensinos básico e secundário, aprovados pelo decreto-lei n.º 286/89 de 29 de Agosto. Estas realizaram-se a partir de duas componentes: uma, política, centrada no conceito de educação cívica; outra, psicológica, centrada na vertente sociomoral.7 No primeiro caso, as referências do debate retomam, numa forma moderada pela mediação do direito, a querela entre educação confessional e educação laica, nos termos da qual “os planos curriculares dos ensinos básico e secundário integram ainda o ensino da moral e da religião católica, a título facultativo, no respeito dos princípios constitucionais da separação das igrejas e do estado e da não confessionalidade do ensino público”.8

Sem embargo, outro será o nosso ponto de observação, se quisermos perceber de que modo o estado se propõe refazer e redistribuir as técnicas cristãs de orientação pastoral para fins laicos e seculares (Hunter, 1996: 149). Dir-se-á que no interior deste debate um outro veio de problematizações, mais determinante, fizera o seu caminho entre o período das primeiras iniciativas de educação cívica, associado à criação do ESU, e a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE). Referimo-nos à passagem de uma orientação colectiva e normativa de educação cívica dos jovens, para uma orientação individual e contingencial, logo, vinculada ao valor da responsabilidade. Atentemos no percurso desta transição.

Nos primórdios da educação cívica, em tempo de democracia, a sua justificação discursiva insistia na função social e patriótica da escola. Tanto os que defendiam as disciplinas de educação cívica politécnica e os programas de introdução à política como os que os atacavam, se reuniam afinal numa plataforma discursiva comum: a da necessária educação num projecto nacional, referenciado aos direitos e aos deveres relativamente ao estado e aos restantes cidadãos, incorporando fortemente os futuros cidadãos na política nacional e nos projectos estatais.9 Mais tarde, vai transitar-se para uma perspectiva centrada na educação ética dos indivíduos, de modo a favorecer o exercício por cada um do autodomínio, disciplina, previsão e autocontrolo. Doravante, não se trata de cumprir um programa codificado de cidadania, segundo a moldura constitucional de direitos e deveres, mas de responsabilizar o indivíduo pelas consequências das suas escolhas. Contrariamente ao que foi referido por alguns autores, esta mudança não facilitou a distinção entre inculcação de valores confessionais, proposta pela igreja, e o “desenvolvimento da competência do sistema pessoal para a resolução criativa das tarefas da existência”, proposta pelos autores que, no campo científico, promoveram, no suceder dos anos 80, a problematização da transmissão neutral de valores.10 Em boa verdade, os anos 80 foram os anos do regresso dos valores no formato de uma renovada articulação entre o juízo moral das virtudes cristãs “universalmente aceites”, assentes agora no consenso da “matriz cultural portuguesa”, e o encorajamento de uma ética prática da vida quotidiana. Postas as coisas de uma maneira um pouco diferente, enquanto, no contexto político da cidadania e no contexto neutral dos especialistas das ciências psicológicas e pedagógicas, se fazia um percurso favorável a uma educação para os valores, no âmbito do desenvolvimento cognitivo-moral de cada indivíduo, no contexto religioso, procurava-se a actualização dos valores consensualmente aceites, seja na forma universal, nacional ou comunitária.

Paradoxalmente, é a igreja que ocupa o espaço público da criação de uma identidade colectiva, de um nós, enquanto o discurso político-científico se refugia no indivíduo e na sua ética individual. Produz-se assim, mesmo que temporariamente, um défice de discurso político no domínio público e um excesso de discurso moral no domínio pessoal. Com efeito, o discurso inscrito no desenvolvimento cognitivo-moral, para se resguardar da politização excessiva, recua para uma posição não política de cidadania, filiada numa das características da concepção política de justiça de Rawls. Se bem que Rawls apenas seja referido indirectamente,11 dificilmente se pode fugir à influência da sua concepção política de justiça, porque segundo o enunciado da sua terceira característica, esta “não é formulada em termos de uma doutrina religiosa, filosófica ou moral, geral ou abrangente, mas antes em termos de certas ideias intuitivas fundamentais latentes na cultura política pública de uma sociedade democrática”.12 Kohlberg traduz esta concepção para o contexto escolar e pedagógico nos termos da sua teoria das comunidades justas:

a teoria da comunidade justa postula que todas as crianças mais velhas e os adolescentes têm duas preocupações ou paixões morais. A primeira é uma paixão pela justiça, qualquer que seja o estádio de justiça do estudante. A pior coisa que um estudante pode dizer sobre um professor é que ele é injusto. A segunda é a paixão da comunidade, do sentido de pertença a um grupo que tem solidariedade colectiva, solicitude e lealdade. A teoria não postula de forma romântica que todos os estudantes são sempre ou naturalmente bons e sérios. Postula sim que os estudantes correspondem usualmente à argumentação justa dos professores, ainda que estas se situem num nível um pouco acima do seu próprio estádio, num contexto de reciprocidade e igualdade (Kohlberg, 1987: 336-337).

Desta teoria resulta uma ideia intuitiva fundamental, que estaria inscrita implicitamente na cultura pública da escola e dos professores: uma visão da escola e da sociedade como um sistema justo de cooperação entre pessoas livres e iguais. Uma das questões cruciais que está em jogo neste ponto de vista é a criação de uma identidade colectiva, de um nós. Kohlberg e os que o seguem consideram que esta não deve ser pensada na base da endoutrinação de valores substantivos, mas antes enquanto dispositivo de discussão e deliberação democráticas ou enquanto desenvolvimento dos processos psicológicos. A neutralidade da escola e dos professores quanto aos valores estaria garantida por este abandono da substância em favor do procedimento ou dos processos psicológicos internos de cada um. No primeiro caso, o estabelecimento da democracia directa ou participativa fornece a prevalência do direito sobre o bem. Porém, esta prevalência deriva da existência de uma ideia de bem comum constituída pelos princípios políticos hegemónicos.13 Nem Kohlberg nem os seus émulos têm dúvidas de que a ênfase nos procedimentos não anula a necessidade de excluir algumas concepções de justiça do consenso possível. Porém, uma vez que, segundo Kohlberg, o movimento para estádios mais avançados de julgamento moral é natural, quando um ponto de vista é excluído, é-o por necessidade imperativa do exercício da razão, omitindo as relações de poder do processo de decisão. Dessa forma, as relações de poder tipicamente escolares são encobertas por um véu de racionalidade que desqualifica como irrazoáveis e irracionais todas as posições que se afastam da universalidade normativa, apresentando-as como o resultado de uma racionalidade puramente deliberativa. O argumento de Mouffe a propósito da concepção de política de Rawls parece adequar-se perfeitamente ao funcionamento das comunidades justas de Kohlberg:

parece acreditar que as discordâncias apenas respeitam às questões religiosas e filosóficas e que, evitando essas questões controversas, é possível alcançar um consenso quanto às formas como as instituições básicas da sociedade podem ser organizadas. Está tão confiante em que só existe uma solução para este problema e em que indivíduos racionais, deliberando dentro dos limites do razoável e guiados apenas pelo seu proveito racional, escolherão os seus princípios de justiça que considera que seria suficiente que um único homem calculasse o interesse próprio racional de todos (Mouffe, 1996: 72).

No segundo caso, a passagem por uma hierarquia necessária de estádios do desenvolvimento cognitivo-moral fornece a prevalência dos processos psicológicos internos de cada um sobre a impessoalidade e imparcialidade dos princípios de justiça universais. É neste pressuposto que Kohlberg tenta trazer para o campo pedagógico o confronto tradicional entre moral e política, que tem motivado as reflexões de outros liberais.14 Nos seus termos, Kohlberg propõe que comecemos por resolver esta contradição no conflito que cada indivíduo em formação encontra em si mesmo, estabelecendo depois relações entre os valores morais da comunidade e os valores de cada indivíduo. Para os que advogam a neutralização da política por intermédio das comunidades, é o seu estatuto primordial ou pré-político que lhe fornece a capacidade de obter mais facilmente a convergência relativamente aos ideais morais:

o modelo das comunidades justas utiliza os apelos à justiça e à solidariedade como forma de suporte a uma comum moralidade. Apela à justiça para desenvolver um sentido de comunidade e um sentido de solidariedade colectiva, para desenvolver a justiça de comunidade. Honestidade e respeito entre os estudantes e entre estes e os professores constrói um sentido de comunidade, o sentido de pertencer a um grupo digno e bom. Um sentido de solidariedade e de valorização partilhada do grupo e dos seus objectivos faz sentir aos estudantes a importância de actuarem justamente. Se os estudantes votarem e fizerem eles próprios as regras e os regulamentos, sentirão as regras como suas e identificar-se-ão com elas (Kohlberg, 1987: 337).

Apresentam-se assim os elementos de uma eticopolítica que conjectura a responsabilização de cada um para consigo próprio e para com os outros. De qualquer modo, a moral daqui resultante é descontextualizada porque a incorporação dos valores resultante é um bem pessoal e não social.15 Mas estes têm de ser trazidos à vida em contextos de vida muito diferentes. Trata-se então de saber quais os contextos de práticas sociais que formarão as futuras comunidades em que os alunos actualizarão este bem pessoal.

A concretização desta teorização no campo de aplicação pedagógica e curricular, em Portugal, fornece-nos algumas pistas importantes para responder a esta pergunta. Desde logo, a Lei de Bases do Sistema Educativo, por influência directa de alguns especialistas das ciências da educação,16 introduz no n.º 2 do artigo 47.º, os contextos em que a formação pessoal e social se situará: a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, prevenção de acidentes, a educação para a saúde e a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito. Mais tarde, estes contextos serão encaminhados para diferentes desenhos curriculares: a Comissão de Reforma do Sistema Educativo propõe que é “necessário reservar uma hora semanal para o desenvolvimento autónomo deste domínio ou área de formação” (CRSE, 1988: 100), embora entenda que deve ser tratado como um espaço curricular não disciplinar; a igreja católica propõe que esta área seja obrigatória, disciplinar e alternativa no âmbito da educação ética; o Conselho Nacional de Educação recomenda também a criação de espaços curriculares não disciplinares de frequência obrigatória; finalmente, o decreto da reforma curricular decide-se por uma opção mista de natureza transdisciplinar — quando prevê que todas as componentes curriculares devem contribuir para a formação pessoal e social — e multidisciplinar — quando determina que a área-escola deve incluir obrigatoriamente um programa de educação cívica.17 Nesta operacionalização da decisão, o que sobressai é a ambição de tornar transversais a todo o currículo escolar as preocupações de educação ética e cívica, evitando, contudo, a simples dispersão por conteúdos disciplinares vários. Mas por um motivo bem diverso das preocupações de controlo do estado-educador. Enquanto estas se debatiam com a necessidade de incorporar o futuro cidadão num espaço único de lealdade para com o estado, o que se prevê agora é a circulação dos indivíduos por uma miríade de espaços sujeitos a diferentes lealdades.

Talvez se perceba melhor assim por que razão as propostas provenientes dos especialistas da educação obtiveram tanto apoio tácito. Contrariamente à estranheza inicial manifestada por um desses especialistas (Bártolo Paiva Campos), a introdução de uma perspectiva fragmentada da cidadania não encontra qualquer oposição porque já estava suficientemente estribada nas problematizações que vinham sendo feitas, quer no interior quer no exterior do sistema educativo. Estas, como vimos, permitiram que a episteme da escola ligada à vida fizesse o seu longo percurso que a levou de uma concepção inicial,18 vinculada ainda ao discurso marxista e a um ponto de vista estatista, baseado na ligação à produção e na superação da distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual, até à fragmentação da esfera pública da cidadania dos anos 80, assente na destotalização da sociedade. Esta destotalização é, antes do mais, o mapeamento da sociedade segundo um espaço não homogéneo, cindido em diferentes domínios: do ambiente à sexualidade, da saúde à vida familiar, do consumo à prevenção do risco. Mapeamento conseguido à custa de um escrutínio público cada vez mais desagregado — nas décadas de 70/80 regista-se a proliferação de inquéritos sobre atitudes, valores e sexualidade; estudos de opinião, de produtos e de mercado; estudos dirigidos a grupos ou a públicos-alvo como os jovens, as mulheres, os pobres e as minorias étnicas. O resultado é a produção destas comunidades como realidade social empírica. Num segundo plano, cada um destes domínios passou a conter ou a assegurar institucionalmente o aumento das escolhas possíveis. O consumidor tem direito a aconselhar-se sobre a relação custo-qualidade, os géneros têm direito a uma opção de orientação sexual, o cliente tem direito à escolha dos serviços, o votante tem direito a ser sondado sobre a sua opinião entre eleições, o cidadão prudente tem direito a escolher entre riscos de magnitude diversa, enfim, o cidadão tem direito a pensar segundo uma microética individualista que o confina ao âmbito restrito da sua acção. Porém, como sublinha Apel (1984), raramente esta capacidade microética de pensar tem competência para pensar ou pedir responsabilidades numa escala global, isto é, a partir de uma macroética. É neste espaço social do aumento das escolhas sem a correspondente extensão das capacidades de escolha que se insere o projecto da disciplina de desenvolvimento pessoal e social. Os especialistas tomam consciência de que existe um défice de valores e de moral porque, como sublinha Rose (1999: 190-191):

nesta cultura do self, as técnicas da formação de cidadãos — nas escolas ou nas micropedagogias dos talk shows confessionais e soap operas — não são mais centradas na inculcação de obrigações e morais exteriormente validadas. Elas orientam-se para as práticas, técnicas e estilos de auto-reflexão e autogestão necessárias à construção activa de uma vida ética.

É neste contexto que se desenvolve a actualização da velha ambição de os sistemas educativos resgatarem num indivíduo abstracto a plena apropriação das suas capacidades próprias.

Na nossa interpretação, a forma utilizada pela LBSE para caracterizar a área da formação pessoal e social constitui a primeira tentativa para alargar as tradicionais tecnologias de integração dos jovens nos mitos da cidadania estatal, com expressão corrente na educação cívica, aos temas da formação para a construção da sociedade civil, inicialmente representados por um agregado de instituições cujos membros estão envolvidos em actividades não estatais. Daí a referência privilegiada a domínios privados, corporativos e quase-públicos, que vão da família (educação familiar e educação sexual) ao consumo (educação do consumidor), da preservação do ambiente à prevenção rodoviária, da intervenção em instituições públicas à intervenção no associativismo não-estatal. A cidadania deixa de se realizar apenas numa relação directa com o estado ou numa única esfera pública, estendendo-se agora à produção económica e cultural, à vida familiar e privada, ao associativismo voluntário e às áreas de risco social, tais sejam as da saúde, da sexualidade, do trânsito e do ambiente. O futuro cidadão é cindido em tantos cidadãos-locais quantos os domínios da subjectividade privilegiados:

- o cidadão-consumidor deve tornar-se num agente activo de regulação e de estímulo da qualidade;
- o cidadão-produtor deve formar-se enquanto agente activo de inovação e regeneração industrial;
- o cidadão-prudencial deve consciencializar e prevenir os riscos;
- o cidadão-chefe-de-família deve preparar-se para a vida familiar;
- o cidadão-político deve cumprir as suas obrigações de participação nas organizações da sociedade civil.

Em síntese, a cidadania deve ser activa e individualista e não passiva e dependente.

É esta cisão do sujeito em diversas subjectividades que torna imprescindível a articulação de um espaço vertical disciplinar com um espaço transversal de natureza transdisciplinar. Tanto um como o outro devem, segundo a CRSE, procurar o enraizamento e ligação à comunidade. Trata-se de assim criar as condições para uma nova ficção que recrie e congregue a zona das liberdades naturais. Esta nova ficção é a comunidade. Em outros países este caminho fez-se com a teorização de um terceiro espaço entre os aparelhos burocráticos dos serviços estatais e o mercado livre. O terceiro sector passou a ser apresentado pelos comunitaristas como a possibilidade de regressar a uma política baseada numa ordem moral comum. Embora as referências à comunidade tenham ressonâncias muito diferentes, as práticas que lhes correspondem vão fazendo o seu caminho unificador: trabalho social voluntário e caritativo; mediadores escolares para as minorias étnicas; redes de apoio local aos desempregados; participação dos pais na gestão escolar. A comunidade, nos seus contornos iniciais pouco definidos, não é um espaço geográfico delimitado nem tão-pouco um espaço determinado por serviços ou uma certa constituição sociológica. Apresenta-se antes como um espaço de relações, um campo moral que envolve as pessoas em interacções duráveis. Etzioni (1997: 127), um comunitarista liberal, define do seguinte modo este novo campo da governamentalidade:

a comunidade é definida por duas características: primeiro, por uma rede de relações entre indivíduos, relações que muitas vezes se atravessam e se reforçam mutuamente… e, segundo, pelo grau de comprometimento com um conjunto de valores, normas e significados partilhados e pela história e identidade partilhadas numa cultura particular.

É nesta linha que a reflexão moral se desenvolve em Portugal no final dos anos 80. Tanto o ministro Roberto Carneiro como os seus dois secretários de estado da Reforma Educativa, levam a cabo uma verdadeira batalha de restauração e de regresso aos valores. Mas como fazê-lo sem encorajar uma visão moral única e assim rejeitar o pluralismo liberal? Como pode educar-se para os valores numa sociedade multicultural e multiconfessional, sem ferir os pressupostos da liberdade individual e da autonomia pessoal? A opção não consiste em fazer um recuo para uma ordem baseada em deveres impostos, mas antes na evocação de alguns valores nucleares, supostamente partilhados pelos membros de todas as comunidades.19 Para o cumprimento desta tarefa, o discurso político vai procurar uma dupla aliança com a igreja e com os especialistas. Porque esta moralidade é considerada um limiar mínimo do discurso público, deixando intocadas as concepções controversas de felicidade em que cada um se pode empenhar, não se estranha que o campo político entregue aos especialistas, com cada vez maior frequência, a tarefa de encontrar uma justificação neutra para a neutralidade moral do estado. Em Portugal, a introdução de uma ética-política no sistema educativo está inextricavelmente associada aos especialistas. Contrariamente ao que tem sido dito, os especialistas têm introduzido frequentemente temas na agenda política, embora esta colaboração poucas vezes tenha assumido um formato orgânico sistemático. Na verdade, quer a fragilidade discursiva quer a fragilidade associativa das ciências da educação não têm permitido a sua participação regular enquanto comunidade, não obstante o papel determinante desempenhado por alguns especialistas em momentos fulcrais da reforma educativa.

É a linguagem do indivíduo empreendedor, com iniciativa e eficácia própria, que vai cerzir dois universos aparentemente contraditórios. Como faz notar Pedro d’Orey da Cunha, depois da queda do Muro é possível também chegar a uma plataforma de estabilidade entre ciência e religião e entre orientações ideológicas até então irreconciliáveis:

ora, creio que temos hoje em dia na Europa a possibilidade de, embora partindo de pontos de vista opostos, chegarmos a uma plataforma de estabilidade em que os que realçavam sobretudo a autonomia, se empenham agora também na solidariedade; e os que enfatizavam a solidariedade querem recuperar, de braços abertos, a autonomia (…) Na linha da abertura à autonomia, significa em primeiro lugar um muito maior empenho na educação para essa mesma autonomia. Os métodos de aprendizagem têm de ser dirigidos ao reforço da auto-estima do aluno, à promoção da sua criatividade, espírito de empreendimento, de iniciativa, de eficácia própria (Cunha, 1991a: 8-9).

Nas mãos dos especialistas é colocada a tarefa de reconciliar os princípios de racionalidade do liberalismo: requerendo que os indivíduos se conduzam, simultaneamente, enquanto sujeitos de liberdade e sujeitos sociais. Estes, ao tornarem visíveis domínios anteriormente discutidos no terreno da filosofia, tornam possível imaginar a regulação da existência individual e colectiva através de um conhecimento que funde valores e virtudes.20 A auto-estima, a criatividade, o espírito empreendedor e a auto-eficácia passam a estar associados a tecnologias de diagnóstico psicológico e a racionalidades pedagógicas que operam as conexões necessárias entre ética e política. Os alunos ligam-se a um campo social por intermédio de actos de escolha regulados e não por força do constrangimento ou da obrigação. São as novas categorias psicológicas que escrutinam o self e a renovada pedagogia da autonomia que assegura a transferência dos problemas do governo do estado para os indivíduos. Como faz notar o ministro da educação Roberto Carneiro, na abertura do seminário sobre Formação Pessoal e Social, organizado em Janeiro de 1991 pelo IIE:21

este trabalho é de grande dificuldade técnica e científica, pois não se trata de elaborar programas em moldes tradicionais, como matérias de leccionação, mas sim percursos de desenvolvimento e de integração. Tais percursos, balizados por orientações universais e comuns, devem ser delineados e desenvolvidos pelos próprios alunos, pois pretendem, essencialmente, constituir o campo em que eles, como pessoas em sociedade, se constroem no seu próprio itinerário de maturação. Trata-se de libertar e não de constranger; visa-se acolher, com naturalidade, a diferença e a escolha, ao invés de impor, arrogantemente, o molde e a marca. Com justeza, encara-se esta vertente essencial da reforma educativa com critérios de exigência e de qualidade.

Neste parágrafo estão condensadas as três principais formas de conexão entre os especialistas, psicólogos e educadores, e as novas formas de governo liberal: racionalidade, autonomia e um novo privatismo. Racionalidade em primeiro lugar: o exercício da dominação legítima sobre a cidadania exige uma base técnica e científica. Embora o discurso educativo deste período sublinhe sempre o primado dos referenciais axiológicos, é na ciência que se procuram os cálculos e as justificações respectivas. É esta dependência do poder político face a um conhecimento verdadeiro e a técnicas eficazes que abre um vasto e prometedor território aos especialistas, quer por intermédio da intervenção individual, quer das suas organizações corporativas ou, ainda, da tecno-estrutura do próprio ministério.

No período analisado a autonomia é o tema hegemónico do discurso político, ético e científico sem distinção ideológica. Esquerda e direita confundem-se nos seus arroubos autonómicos. O homem liberal a que aspira a formação pessoal e social deve construir todos os aspectos da sua vida como o resultado de escolhas entre várias opções. Cada atributo da pessoa deve realizar-se por intermédio de decisões pessoais e é justificado nos termos das necessidades, motivações e aspirações do self. As tecnologias propostas pela psicologia ganham um peso tanto maior quanto mais evidente é o seu envolvimento no projecto de resgate da personalidade integral do indivíduo.22 Os enunciados são conhecidos e são um lugar-comum: a tarefa da pedagogia é transformar as crianças e os jovens em cidadãos modernos e autónomos, motivados e responsáveis, capazes de resolver problemas em contextos turbulentos e incertos. Faltando modelos com respostas universais apresenta-se uma nova tecnologia de controlo social. Em vez da pilotagem directa, a acção à distância; ao contrário da imposição normativa, a determinação de resultados e de perfis a obter; em vez da definição de procedimentos estritos de trabalho, a sugestão de modos de auto-regulação; substituindo o conceito de conhecimento curricular fixo e estável, o conhecimento plural e contingente; somando-se às tradicionais competências cognitivas de saber e saber fazer surgem as competências do saber ser.

O local de exercício do poder desloca-se para a actividade produtiva de cada sujeito, para as suas capacidades e, em última instância, para a construção da subjectividade de cada um. Não age tanto pela coacção, constrangimento ou extracção mas antes pela incitação, indução e produção. Tudo se encaminha para a formação de sistemas de acção à distância cada vez mais alargados. Quando se elabora um consenso local, fora das estruturas formais de poder, em que cada um interpreta os valores de outros na sua própria linguagem, definindo assim um padrão subjectivo regulador da sua própria conduta, forma-se um sistema de acção à distância. Estes sistemas de acção constituem novas relações de poder, não percebidas enquanto tal, porque formalmente distintas e autónomas das tradicionais fontes de poder.

A problemática da governamentalidade liberal depende da criação de novos espaços privados, exteriores à moldura formal dos poderes públicos. Os espaços privilegiados são a família e as organizações. Os objectivos estabelecidos para o ESU e para o ensino secundário no seu conjunto recuperam grande parte do discurso psicológico e pedagógico sobre a autonomia, a individualização e a auto-responsabilidade do aluno. Não se trata de uma novidade mas de uma remanência das antigas técnicas pastorais de si. O próprio termo individualização não surgiu evidentemente neste período e assinala mais do que uma alteração de vocabulário. O uso do termo foi reactivado em relação com outros fenómenos: o desenvolvimento de domínios de conhecimento diversos, que vão dos mecanismos psicológicos do eu até às variantes sociais do comportamento; a elaboração de um conjunto de regras e de normas, parte delas tradicionais, que se apoiam na escola e na família; mudanças também no modo como os alunos foram levados a conferir sentido e valor à sua conduta, aos seus deveres escolares, aos prazeres, aos sentimentos e às sensações. Por isso devemos evitar o viés de apreciação muito comum quando se opõe autonomia e poder, subjectividade e cidadania estatal. Consiste este no juízo de valor que associa à subjectividade e à auto-regulação um valor positivo, como se estas fossem em si um valor ético e não uma tecnologia de governo como de facto são.

 

 

Notas

1 Para uma análise mais aprofundada e detalhada, ver Rui Gomes (2000), em especial o capítulo V, intitulado “As tecnologias do espaço social e da subjectividade”, pp. 330-477.

2 Utilizamos propositadamente a tipologia de Boyer, porque esta problematiza modelos teóricos alternativos e não analisa realidades empíricas. O perfil desejável constitui também um modelo de problematização, embora bastante normativo e prescritivo que, em grande medida, imagina um regime de acumulação pós-fordista completamente incipiente ou inexistente em Portugal.

3 Este relatório da OIT expressa as novas capacidades requeridas pelo trabalho do seguinte modo: I understand it + I can do it + I care about it = capacity.

4 Não obstante a insistência dos argumentos de Kohlberg contra a endoutrinação, o sistema dos três níveis de desenvolvimento não é, evidentemente, neutro quanto aos valores.

5 Kohlberg só consolidou esta distinção no seu aparato teórico a partir do momento em que se envolveu directamente nas reformas educativas, nos anos 70 e 80.

6 Utilizamos aqui a noção de desterritorialização das subjectividades à maneira de Deleuze e Guattari (1980, 1997: 166): “o que distingue mais essencialmente o regime significante e o regime subjectivo, assim como as suas respectivas redundâncias, é o movimento de desterritorialização que eles efectuam (…) Vimos que o regime subjectivo procedia de outro modo: justamente porque o signo rompe a sua relação de signo, e segue uma linha de fuga positiva, alcança uma desterritorialização absoluta, que se exprime no buraco negro da consciência e da paixão. Desterritorialização absoluta do cogito. Eis porque a redundância subjectiva parece implantar-se sobre o significante”. Neste sentido, o absoluto de consciência obtido pela subjectividade é também um absoluto da impotência social. A subjectivação é essencialmente constituída por processos lineares finitos porque a consciência é o seu próprio duplo.

7 Ver, a propósito, os textos de dois colóquios realizados em Portugal sobre este tema: um subordinado ao tema Socialização e Educação para os Valores Democráticos e os Direitos do Homem; do segundo, intitulado Educação e Desenvolvimento Pessoal e Social, resultou a publicação de um livro com a quase totalidade das conferências e comunicações apresentadas: Júlia Formosinho e outros (1992). Sobre este tema, ver ainda, no contexto da reforma curricular: CNE (1990), João Fraústo e outros (1987); Pinto Machado e outros (1990). No contexto académico e de divulgação científica: Júlia Formosinho (1988); Ramiro Marques (1990); Ramiro Marques (1991).

8 Cf. nº 2 do artigo 47º da Lei de Bases do Sistema Educativo (1986). Em torno deste artigo geraram-se as mais díspares interpretações, debates e formulações jurídicas, originando, para além de negociações entre o governo, o presidente da república (Mário Soares) e a igreja, pareceres do Conselho Nacional de Educação, da Comissão de Reforma, da igreja católica e de uma comissão (coordenada por Pinto Machado) constituída por personalidades de diferentes meios políticos e culturais. Também o Tribunal Constitucional viria a exercer o seu poder regulador através do acórdão nº 423/87 de 27/10.

9 É certo que os discursos políticos não eram textualmente sobreponíveis, mas não teremos dúvidas em afirmar que tinham a mesma natureza, não obstante pugnarem uns pela incorporação em projectos mobilizadores de defesa da revolução, de cariz mais social, e outros em projectos de dominação burocrática, de cariz mais político.

10 Esta formulação pertence a Bártolo Paiva Campos que, num dos artigos publicados sobre a temática da formação pessoal e social, põe a hipótese de esta designação se prestar a “acentuar duas perspectivas que, embora com zonas sobreponíveis, fazem evoluir a implementação da área em direcções completamente divergentes e a que, para simplificar, chamarei a ‘educação para os valores’ e ‘o desenvolvimento da competência do sistema pessoal para a resolução criativa das tarefas da existência’. As forças sociopolíticas que impulsionam a primeira, até agora as mais fortes, focalizam-se na designação e em todos os objectivos da Lei que apoiam esta interpretação. As que impulsionam a segunda, até agora as mais frágeis, estão sempre a chamar a atenção para as componentes e para as dimensões com elas relacionadas que estão aquém do processo de interiorização dos valores; sem grande eficácia até agora.” (Campos, 1992: 15-16). Em boa verdade, o facto de a designação formação pessoal e social conter perspectivas que servem de suporte a forças sociais e políticas diversas, corresponde a uma relação não necessária entre discursos heterogéneos. É o caso da relação entre o discurso social-cristão dos valores, o discurso do desenvolvimento cognitivo-moral da psicologia e o discurso cívico da tradição republicana. A totalidade que as correlaciona num determinado momento define a montagem de discursos de proveniência diversa e até contraditória, mas que se articulam para produzirem uma narrativa única representativa do todo.

11 Com efeito, Kohlberg faz referência em alguns textos à tradição liberal e racional de Kant, Mill, Dewey e Rawls. É o caso de um artigo de 1975, publicado na revista Educational Leadership, 33, pp. 46-54, no qual filia a distinção entre princípios universais de justiça e regras nessa tradição liberal.

12 Utilizamos aqui a tradução de Rawls citada por Chantal Mouffe no seu livro O Regresso do Político, Lisboa, Gradiva, 1996, p. 70. A citação original encontra-se no artigo “The idea of an overlapping consensus”, Oxford Journal of Legal Studies, 7 (1), 1987, p. 6. E fazêmo-lo porque a análise crítica da concepção não política de cidadania da teoria de Rawls a que a autora procede se insere no nosso próprio percurso crítico das teses de Kholberg e dos seus divulgadores em Portugal.

13 Num artigo já citado, datado de 1978 (“Moral education reappraised”, The Humanist, 38, p. 14), Kohlberg estabelece uma forma mais activa de obter consensos generalizados nas comunidades escolares: “Acredito agora que a educação moral pode assumir a forma de ‘endoutrinação’ ou inculcação sem violar os direitos da criança se houver o reconhecimento explícito de direitos partilhados por professores e estudantes e enquanto a defesa de certas posições pelo professor for democrática, ou sujeita aos constrangimentos criados pelo reconhecimento da participação dos estudantes no processo de produção de regras e de apresentação de valores”. O que Kohlberg tem em mente é a criação de condições ideais de discussão racional, baseadas em normas amplamente aceites nas sociedades modernas. Diálogo racional e respeito equitativo seriam as duas normas capazes de especificar um ponto de vista a partir do qual todos os membros da escola poderiam examinar a justiça das instituições e das condutas.

14 Ver, por todos, Thomas Nagel (1991), Equality and Partiality, Oxford, Oxford University Press.

15 Utilizamos aqui este conceito com o sentido que lhe é dado por Giddens, embora procedendo a uma expansão evidente da sua aplicação.

16 Bártolo Paiva Campos, deputado do PRD e membro da subcomissão que negociou e elaborou a redacção final da Lei de Bases, relata o modo como esta influência se concretizou (Campos, 1992: 14).

17 Decreto-lei nº 286/89 de 29 de Agosto. Este decreto determina também, seguindo a posição da igreja católica, que, em alternativa à disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, os alunos poderão optar pela disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (nº 4 do artº 7º), condicionando à obrigatoriedade da frequência de uma das duas disciplinas (nº 5 do artº 7º), em clara violação da Constituição.

18 Referimo-nos à disciplina de “educação cívica politécnica”, do ensino secundário unificado.

19 O secretário de estado da Reforma Educativa, Pedro d’Orey da Cunha, foi particularmente prolixo na divulgação desta posição, que anuncia o regresso do raciocínio moral aplicado ao tratamento das instituições políticas. Para recuperar o aspecto normativo são introduzidas na discussão política preocupações morais sobre a autonomia, a solidariedade e a imparcialidade, numa matriz europeia minimal que, sublinha-se, é a matriz católica (Cunha, 1991a:6-7).

20 O tema das virtudes é reintroduzido no debate sobre a formação pessoal e social por intermédio das propostas de Kevin Ryan (1986). Mais uma vez, é Pedro da Cunha um dos mais constantes divulgadores das suas posições, introduzindo a diferença entre desenvolvimento cognitivo e formação do carácter. (Ver e. g. intervenção do secretário de estado da Reforma Educativa na sessão de encerramento do seminário Formação Pessoal e Social: Oportunidade do Momento Presente, Lisboa, 23 de Janeiro de 1991, documento policopiado, pp. 7-8).

21 Discurso do ministro da educação, Roberto Carneiro, na abertura do seminário Formação Pessoal e Social em Debate, Lisboa, 22 de Janeiro de 1991, documento policopiado, p. 11.

22 É a proposta global de reforma que mais explicitamente sintetiza a perspectiva da autonomia, vista do ponto de vista dos psicólogos, e o seu empenhamento no desenvolvimento integral do self (ME, 1988: 124).

 

 

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Legislação consultada

Decreto-lei n.º 46/86 de 14/10, Lei de Bases do Sistema Educativo.

Decreto-lei n.º 286/89 de 29/8, Novos Planos Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário.

 

*Rui Machado Gomes. Professor auxiliar na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra. Av. Columbano Bordalo Pinheiro, 73, 3.º esq. 1070-061 Lisboa. Tel. (351) 217274304, e-mail: ramgomes@netc.pt

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