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Sociologia, Problemas e Práticas

Print version ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.37 Oeiras Nov. 2001

 

AUTOMEDICAÇÃO: ALGUMAS REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS

Noémia Mendes Lopes*

 

Resumo Com base num projecto de investigação em curso, apresentam-se neste artigo algumas reflexões sociológicas sobre a automedicação, que representam um primeiro patamar de aproximação analítica a este fenómeno e à sua constituição em objecto sociológico. Numa primeira linha de reflexão, equacionam-se as estratégias profissionais de poder que se desenvolvem em torno da automedicação, procurando dar visibilidade às transmutações sociais de que a mesma vem sendo objecto. Numa segunda linha de reflexão, e a partir de alguns dados empíricos já analisados, o fenómeno é enunciado como uma expressão da apropriação leiga dos saberes profissionais, em que se revelam diferentes modalidades de apropriação e de percepção social do risco, com desiguais configurações em diferentes grupos sociais. Numa última linha de reflexão, equaciona-se um conjunto de contributos teóricos para a interpretação das pistas analíticas encontradas.

Palavras-chave Modos de automedicação, percepções leigas do risco, saberes leigos, estratégias profissionais.

 

Abstract This article, which is based on an ongoing research project, offers some sociological thoughts about self-medication. They represent a first step towards taking an analytical look at this phenomenon and to constituting it as an object for sociological study. A first line of thought weighs up the professional power strategies that are developing around self-medication and seeks to show the social transmutations which it is currently experiencing. Then some of the empirical data that the article has analysed are used to see the phenomenon as an expression of the ways in which laypeople are appropriating professional know-how - a process that reveals some different appropriation formats and social perceptions of risk, which vary from one social group to another. Lastly the author weighs up a set of theoretical contributions that she uses to interpret the analytical clues that she has found in her work.

Keywords Forms of self-medication, laymen’s perceptions of risk, laymen’s know-how, professional strategies.

 

Résumé A partir d’un projet de recherche en cours, cet article présente quelques réflexions sociologiques sur l’auto-médication, qui représentent une première étape d’approche analytique de ce phénomène et de sa constitution comme objet sociologique. Dans une première ligne de réflexion, il évalue les stratégies professionnelles de pouvoir qui se développent autour de l’auto-médication, en essayant de rendre visibles les transmutations sociales dont elle fait l’objet. Dans une seconde ligne de réflexion, et à partir de certaines données empiriques déjà analysées, le phénomène est énoncé comme une expression de l’appropriation commune des savoirs professionnels, où sont révélées différentes modalités d’appropriation et de perception sociale du risque, avec des configurations inégales dans différents groupes sociaux. Une dernière ligne de réflexion présente un ensemble de contributions théoriques à l’interprétation des pistes analytiques rencontrées.

Mots-clés Modes d’auto-médication, perceptions empiriques du risque, savoirs empiriques, stratégies professionnelles.

 

Resúmene Sobre la base de un proyecto de investigación en curso, se presentan en este artículo algunas reflexiones sociológicas sobre la automedicación, que presentan en un primer escalón de aproximación analítica a este fenómeno y su constitución en objeto sociológico. En una primera línea de reflexión se ecuacionan las estrategias profesionales de poder que se desenvuelven en torno a la automedicación, procurando dar visibilidad a las transmutaciones sociales de que viene siendo objeto. En una segunda línea de reflexión, y a partir de algunos datos empíricos ya analizados, el fenómeno es anunciado como una expresión de la apropiación lega de los saberes profesionales, en los que se revelan diferentes modalidades de apropiación y de percepción social del riesgo, con desiguales configuraciones en diferentes grupos sociales. En una última línea de reflexión se ecuaciona un conjunto de contributos teóricos para la interpretación de las pistas analíticas encontradas.

Palabras-clave Modos de automedicación, percepciones legas del riesgo, saberes legos, estrategias profesionales.

 

A automedicação é um fenómeno em crescimento nas sociedades europeias (Who, 1988), cuja expressão actual está estimada em 30,0% da totalidade dos medicamentos consumidos (Richard e Senon, 1996).

Em Portugal, os dados do Inquérito Nacional de Saúde registam também essa tendência de crescimento. Do total de procedimentos adoptados perante problemas de saúde, o recurso à automedicação representava, em 1984, 21,3%, e em 1995, 33,5% (DEPS, Ministério da Saúde, 1984, 1995).1

Embora este tipo de prática não seja um fenómeno específico da modernidade, pois constituiu, desde sempre, um dos recursos leigos na gestão dos problemas de saúde, as suas actuais proporções conferem-lhe novos contornos.

Visando conter o seu tendencial crescimento e circunscrever a sua incidência aos problemas de saúde considerados de menor gravidade, múltiplas campanhas institucionais têm vindo a alertar para os riscos da automedicação. As principais apostas de eficácia destas medidas têm elegido a “educação para a saúde” e a “promoção de estilos de vida saudáveis” como os meios privilegiados para a readequação dos comportamentos da população neste domínio.

As dimensões a que tem sido circunscrita a visibilidade pública do fenómeno, isto é, o seu crescimento, o risco que lhe está associado e os mecanismos desenvolvidos para a sua contenção e regulação, têm feito subsumir as complexidades sociológicas que se inscrevem nas práticas de automedicação, com consequências sobre o alcance de qualquer intervenção neste campo e sobre a compreensão do próprio fenómeno.

Neste artigo, e com base num projecto de investigação em curso,2 apresentam-se algumas reflexões sociológicas sobre a automedicação, que representam um primeiro patamar de aproximação analítica a este fenómeno e à sua constituição em objecto sociológico. Numa primeira linha de reflexão, equacionam-se as estratégias profissionais de poder que se desenvolvem em torno da automedicação, procurando dar visibilidade às transmutações sociais de que vem sendo objecto. Numa segunda linha de reflexão, e a partir de alguns dados empíricos já analisados, o fenómeno é enunciado como uma expressão da apropriação leiga dos saberes profissionais, em que se revelam diferentes modalidades de apropriação e de percepção social do risco, com desiguais configurações em diferentes grupos sociais. Numa última linha de reflexão, equacionam-se um conjunto de contributos teóricos para a interpretação das pistas analíticas encontradas.

 

Automedicação: plataforma de estratégias profissionais de poder

Pela sua própria definição, a noção de automedicação, entendida como “o uso de medicamentos sem prévia indicação médica” (Who, 1988), delimita e estabelece o quadro de normatividade institucional quanto à legitimidade e autoridade na decisão de tomar medicamentos, circunscrevendo-a à profissão médica. Logo, nos termos desta enunciação, não só fica excluída qualquer legitimidade leiga no domínio das opções medicamentosas, como fica também excluída qualquer legitimidade profissional exterior à medicina, no sentido em que, mesmo quando o medicamento é usado por recomendação de qualquer outro profissional de saúde, designadamente pelo farmacêutico, continua a ser uma prática de automedicação.

A questão do poder constitui, assim, uma das dimensões sociológicas em que o fenómeno se inscreve, e que remonta à consolidação do processo de profissionalização da medicina no séc. XIX e ao consequente monopólio da legitimidade no plano do diagnóstico e decisão terapêutica consubstanciado na noção de acto médico (Freidson, 1970; Chauvenet, 1972).

Significa, então, que sob a aparente neutralidade da definição de automedicação, oculta-se uma semântica social que reafirma e reactualiza o monopólio do saber e poder médico quanto à legitimidade da decisão do uso de medicamentos.3 É nesta semântica social que a automedicação adquiriu o estatuto de prática desviante, tornando-a objecto de diversas modalidades de rejeição formal.

Contudo, o estatuto desviante que lhe é conferido e, através deste, a dicotomia que é estabelecida entre ilegitimidade leiga e legitimidade médica, oculta a natureza objectiva desse desvio. De facto, as práticas de automedicação não constituem propriamente uma forma de desvio à lógica de intervenção médica, mas antes uma forma de desvio ao poder e autoridade médica.

Desde logo, porque as práticas de automedicação constituem uma expressão da crescente medicalização e farmacologização das sociedades modernas. Quer no sentido em que cada vez um maior número de situações e problemas do quotidiano dos indivíduos entram no domínio médico, quer no sentido em que as formas privilegiadas de intervenção médica se caracterizam pelo recurso aos fármacos (Crawford, 1980; Helman, 1997; Lowenberg e outros, 1994).

Consequentemente, as últimas gerações têm incorporado na sua socialização uma crescente familiaridade com os fármacos, os quais, nas gerações anteriores, representavam um recurso raro e de utilização excepcional. Simultaneamente, a rotinização e padronização da sua prescrição foram possibilitando uma gradual apropriação leiga dos critérios de decisão médica, que é accionada e reproduzida nas resoluções leigas sobre os problemas mais comuns de saúde.

Integram também as condições para essa apropriação a própria emergência e declínio do estado providência. O desenvolvimento de sistemas universais de saúde, a partir dos anos 60, em diversos países europeus, e no caso português a criação do Serviço Nacional de Saúde, em 1974, aumentou enormemente a frequência dos contactos da população com a profissão médica (Campos, 1991), o que induziu as condições propícias a uma progressiva apropriação leiga dos procedimentos mais rotinizados da medicina e, sobretudo, das suas opções farmacológicas. Com o declínio do estado providência, a partir dos anos 80, traduzido ao nível da saúde, entre outros factores, pela descomparticipação de um quantitativo crescente de medicamentos, ficaram criadas condições propícias à iniciativa leiga de reprodução das opções famacológicas mais rotinizadas pela intervenção médica.

É na confluência deste conjunto de factores que a natureza desviante das práticas de automedicação se inscreve no plano do poder e das formas de controlo social em que este se concretiza, e não no plano da lógica de intervenção. Isto é, trata-se de um desvio ao controlo médico e não de um desvio à lógica de intervenção médica, o que significa que se trata de um fenómeno produzido no interior do mesmo sistema social e técnico que lhe confere o estatuto desviante.

O carácter endógeno ao próprio sistema que a automedicação adquiriu e a ineficácia das medidas para a sua contenção, têm vindo a dar lugar a novos reposicionamentos profissionais neste domínio e a novas estratégias de recolocação de poder, tanto por parte do sector médico como do sector farmacêutico. A principal expressão desses reposicionamentos profissionais é constatável na redefinição de que tem sido objecto o tradicional estatuto desviante atribuído a estas práticas, com a criação de novas dicotomias que introduzem a distinção entre a designada “automedicação responsável” e “automedicação não responsável”.4

Não obstante os diferentes entendimentos que confrontam ambos os sectores profissionais quanto ao conteúdo substantivo de cada uma destas categorias, o seu surgimento é revelador de que a automedicação está a constituir uma plataforma de estratégias profissionais de poder, que se consubstancia na disputa de novos espaços de controlo profissional, fazendo deslocar para as suas respectivas tutelas um campo de práticas que tradicionalmente se desenvolveu à margem do seu controlo.

No que respeita ao sector médico, esse reposicionamento passa por dois tipos de estratégias, aparentemente contraditórias. Formalmente, e como princípio, a profissão médica rejeita qualquer forma de automedicação, evocando que o recurso a qualquer solução terapêutica pressupõe sempre um diagnóstico, e que estes são domínios exclusivos da competência médica, cuja usurpação pode colocar em risco a saúde dos indivíduos (Christopoulos, 1996). Porém, esta posição de princípio não exclui uma crescente tolerância e aceitação do recurso à automedicação para os considerados “sintomas menores”, isto é, sem suposta gravidade.

Que para estes casos o acto médico de diagnóstico seja delegado pelos próprios médicos aos leigos e à sua competência para avaliarem o carácter mais ou menos sério dos sintomas, não deixa de, objectivamente, traduzir estratégias profissionais de recentramento da intervenção médica nas situações clinicamente mais valorizadas e de resistência à desqualificação que a rotinização dos procedimentos para os problemas de saúde mais vulgares representa.5

No entanto, esta tolerância à automedicação é legitimada nos argumentos médicos com a evocação de um novo requisito, que é a prévia educação do doente. Esta educação é entendida como a transmissão de um conjunto de recomendações quanto às circunstâncias em que o recurso aos medicamentos pode ser feito, acentuando a sua restrição aos sintomas mais comuns e alertando para o contacto imediato com o médico face a qualquer alteração no quadro estabelecido. Trata-se, portanto, de uma tolerância que não pressupõe o reconhecimento de competências leigas em matéria de decisão terapêutica, mas sim que cria um novo espaço de penetração do controlo médico num campo de práticas tradicionalmente marginal a esse controlo, que é assegurada pela centralidade atribuída à educação do doente. É nesta configuração que emerge a reconversão médica do estatuto desviante da automedicação, confinando-a às práticas leigas sob o seu controlo e remetendo ao estigma da irresponsabilidade as práticas que subsistem à margem desse controlo.

Contrariamente ao sector médico, desde há muito que o sector farmacêutico tem assumido uma posição de grande flexibilidade relativamente à automedicação, advogando mesmo as suas vantagens nos designados “sintomas menores”, por permitir economia de tempo, de custos e uma mais rápida recuperação do bem-estar (Soares, 1995; Ahlgrimm, 1996).

Para além dos interesses de natureza estritamente económica que a automedicação possa ter para os farmacêuticos, esta representa também uma nova oportunidade para o alargamento do seu campo de intervenção e revalorização profissional. A evocação da centralidade do seu papel no aconselhamento ao cliente constitui o eixo fulcral das suas estratégias neste domínio.

Essa centralidade é reiteradamente abordada nas publicações do sector, com construções ideológicas que articulam solidamente a orientação para o cliente e o alcance estratégico dessa orientação, como o ilustra particularmente o seguinte excerto:

Os farmacêuticos devem entender que a sua grande oportunidade de se mostrarem conhecedores, a par com o seu dever profissional, é a orientação dos doentes para a automedicação, a par com toda a informação que lhes deve ser dada e todo o processo educativo que deve ser feito aos utentes das farmácias, para que tenhamos clientes mais educados e conhecedores do ambiente do medicamento, aceitando melhor todas as instruções que lhes dermos relativas às necessidades terapêuticas (…) (Soares, 1995: 32).

Novamente, o requisito da educação do doente volta a figurar, tal como no sector médico, enquanto mecanismo de recolocação do controlo profissional e de reafirmação das fronteiras entre a incompetência dos leigos e a competência dos profissionais. Uma vez mais, são essas fronteiras que convertem o tradicional estatuto desviante da automedicação em prática responsável.

As condições propícias à emergência destas estratégias de reposicionamento profissional do sector médico e farmacêutico passam também pelas mudanças nas políticas de saúde ao nível do medicamento.

A introdução no mercado dos chamados medicamentos de venda livre, i. e., medicamentos cuja aquisição não está sujeita à obrigatoriedade de prescrição médica, constituiu a principal expressão do interesse político em flexibilizar o recurso à automedicação. Em Portugal o processo teve início em 1983 (Who, 1988), com posteriores e sucessivos alargamentos do volume de medicamentos classificados de venda livre.

A legitimidade evocada para esta medida política tem tido como principal argumento o reduzido, ou mesmo nulo, risco dos medicamentos incluídos nessa categoria. É um argumento que não reúne total consensualidade, e que no sector médico tem dado lugar a alguns contra-argumentos:

(…) existe a possibilidade de o recurso à automedicação poder mascarar doenças graves, com o consequente atraso no diagnóstico ou prejuízo no seguimento médico de situações potencialmente graves. Existe ainda a possibilidade de utilização inadequada dos medicamentos por parte de alguns doentes, nomeadamente, doentes idosos ou com défices cognitivos significativos. Também a interacção entre medicamentos prescritos e não prescritos é uma possibilidade que não pode ser esquecida (Maria, 2000: 11).

Apesar das posições controversas em torno do risco associado aos medicamentos de venda livre, a defesa do seu reduzido risco continua a manter-se como argumento legitimador de duas outras ordens de razão: a contenção da despesa pública com os medicamentos e uma maior racionalização do recurso às consultas médicas por problemas de saúde de menor gravidade.

É na confluência destas diversas estratégias políticas e profissionais que o estatuto da automedicação tem sido reconfigurado, dando lugar a um novo enquadramento destas práticas leigas.

As fronteiras que progressivamente têm sido estabelecidas entre a considerada “automedicação responsável” e a “automedicação não responsável”, introduzem um novo recorte neste campo entre práticas leigas sob controlo profissional e práticas leigas marginais a esse controlo. É nesta fronteira que as estratégias de reposicionamento profissional se alicerçam e que a evocação do risco se dilui ou reforça consoante a categoria em questão.

Contudo, a emergência destas duas categorias, embora sirva as estratégias de reposicionamento profissional, aumenta a opacidade das dinâmicas sociais que presidem às lógicas leigas de automedicação. Por um lado, porque a lógica que preside à substantivação dessas categorias não garante a sua total coincidência com as concepções leigas quanto às fronteiras entre o responsável e o não responsável; por outro lado, porque fazem ocultar as formas de automedicação que não se circunscrevem à aquisição de medicamentos sem orientação profissional, como são, por exemplo, a alteração das posologias prescritas ou o uso de medicamentos prescritos em situações posteriores à sua prescrição.

Circunscrever a discussão e o debate sobre a automedicação em torno da “automedicação responsável” e da “automedicação não responsável”, como tem sido a tónica dominante nos discursos dos sectores profissionais, é circunscrevê-la ao campo das estratégias de poder e descurar as lógicas que presidem às práticas e às representações leigas neste domínio.

É sobre essas lógicas que se desenvolvem seguidamente as reflexões deste artigo.

 

Automedicação: as representações e práticas leigas

Uma primeira aproximação às representações e práticas leigas de automedicação foi realizada com a aplicação de um questionário a uma amostra de 309 indivíduos de diferentes estratos sociais, com os limites etários entre 18 anos e 64 anos. A amostra foi internamente constituída por três subgrupos, de cerca de 100 indivíduos cada, diferenciados pelo estatuto de saúde, correspondendo um subgrupo a indivíduos sem doenças crónicas, e correspondendo os dois outros subgrupos a indivíduos com uma doença crónica, respectivamente diabetes e hipertensão.6

Com estes critérios de constituição da amostra pretendeu-se, por um lado, que a sua heterogeneidade social permitisse captar os diferentes contornos sociais das relações leigas com a automedicação. Por outro lado, com a inclusão dos três subgrupos de estatuto de saúde pretendeu-se captar os diferentes contornos dessas relações na comparação entre indivíduos saudáveis e, portanto, com uma relação menos continuada com os fármacos e com os serviços médicos, e os indivíduos com uma doença crónica que, embora compatível com uma vida activa, requer uma gestão continuada dos seus efeitos e um controlo médico frequente.

Os dados obtidos nesta primeira fase de investigação permitiram identificar três grandes eixos analíticos, indiciadores das complexidades sociológicas que estruturam este campo. Constatou-se que há uma forte assimilação nos discursos leigos da ideia de risco associada à automedicação, mas que esta se reduz substantivamente à medida da maior familiaridade com os medicamentos; constatou-se também que existem nítidas descontinuidades entre essa assimilação e as práticas concretas, com diferentes contornos nos diferentes grupos sociais e nos grupos com diferentes estatutos de saúde; constatou-se ainda que a expressão mais substantiva das práticas de automedicação não se circunscreve à sua dimensão institucionalmente visível, isto é, aos medicamentos adquiridos sem prescrição médica.

A demonstração dos dados que configuram cada um destes três eixos analíticos permitirá identificar novas pistas de reflexão e de problematização deste campo.

Sobre as representações leigas

Como primeira abordagem às representações sociais sobre o risco da automedicação e sobre as relações de dependência e de autonomia que os leigos estabelecem com os sistemas periciais, neste caso o sistema profissional médico e farmacêutico, incluiu-se no questionário um conjunto de proposições relativamente às quais era pedido para se situarem numa escala de cinco níveis em termos de concordância ou discordância. O tratamento dos dados através de análise factorial revelou uma estrutura de representações sociais com desiguais proximidades ao discurso institucional, como se pode constatar a partir dos resultados que se apresentam no quadro 1.

 

 

O maior domínio de consensualidade nestas diversas categorias de representações respeita à ideia de que o recurso à automedicação representa um risco para a saúde (factor 2), expresso na elevada média do factor e no correspondente nível aproximado de adesão (90,0%). Revela-se nesta elevada consensualidade a forte impregnação do discurso institucional nas referências leigas mais imediatas sobre a automedicação.

Porém, a adesão à ideia de risco relativiza-se substancialmente quando os inquiridos são situados na automedicação circunscrita a medicamentos conhecidos (factor 3). O facto de cerca de 42,0% dos inquiridos considerar reduzido o risco quando se trata de medicamentos conhecidos, e apesar de cerca de 58,0% continuarem a considerar que é um risco, expressa a redução da consensualidade leiga quando se trata de domínios sobre os quais consideram ter algum controlo cognitivo e prático. Poder-se-á admitir, provisoriamente, que o efeito de familiaridade social com o objecto, neste caso com o medicamento, redefine a percepção do risco e, consequentemente, a adesão e assimilação do discurso institucional.

Os contributos teóricos de Douglas (1985) sobre a construção social da percepção do risco e sobre a construção da imunidade subjectiva que os indivíduos desenvolvem relativamente aos riscos que supostamente estão sob o seu controlo, serão referentes analíticos indispensáveis para o ulterior aprofundamento destas aparentes descontinuidades nas percepções leigas sobre o risco da automedicação.

Quanto à relação com os sistemas periciais, captada através dos níveis de adesão ao controlo profissional médico e farmacêutico (factores 1 e 5), os resultados obtidos revelam a existência de uma acentuada dualidade neste domínio. Se, por um lado, cerca de 55,5% dos inquiridos reconhece no farmacêutico competências bastantes para propor soluções em matérias que formalmente têm sido monopólio da medicina (factor 1), por outro lado, uma percentagem equivalente dos inquiridos (52,0%) assume o discurso da necessidade de um total controlo médico em tudo o que está relacionado com a saúde, incluindo a sujeição de todos os medicamentos a prescrição médica (factor 5).

Se bem que quaisquer conclusões sobre esta dualidade em torno dos sistemas periciais careçam de futuros aprofundamentos, torna-se evidente, para já, a existência de um fraccionamento da dominância médica nas representações leigas sobre as legitimidades profissionais no domínio da saúde. Sobretudo, torna-se evidente que a confiança em torno dos sistemas periciais segue uma lógica não totalmente coincidente com as fronteiras de competências institucionalmente estabelecidas.

A elucidação destas descoincidências irá convocar, como referências analíticas, os contributos teóricos de Giddens (1992), sobre a ambivalência das relações de confiança e de cepticismo dos leigos relativamente aos sistemas periciais e sobre o nexo entre essa ambivalência e a existência de diferentes autoridades periciais num mesmo problema.

Uma última dimensão desta estrutura de representações respeita à resistência a tomar medicamentos (factor 4). É particularmente significativo que em sociedades crescentemente medicalizadas e farmacologizadas, como no caso da sociedade portuguesa, a maioria dos inquiridos (63,5%) assuma, pelo menos no plano das representações sociais, a desejabilidade de evitar tomar medicamentos. Ainda assim, atendendo a que a expressão percentual dos que discordam desta resistência não é de todo menosprezável (36,5%), é de admitir estar-se perante a emergência de um novo quadro de valoração do medicamento no quotidiano dos indivíduos nas sociedades modernas.

Efectivamente, a questão da recomposição da relação dos indivíduos com o(s) medicamento(s) constitui um dos planos analíticos fulcrais para o aprofundamento sociológico da problemática da automedicação, na medida em que, paralelamente à legitimidade do controlo da prescrição, a subversão dessa legitimidade inscreve-se também na construção colectiva da percepção da eficácia do medicamento e da sua inserção e banalização na vida quotidiana.

Um outro nível de leitura sobre este conjunto de dimensões são as diferentes correlações que apresentam quando analisadas em função das variáveis independentes, constituídas pelo estatuto de saúde, pelas habilitações escolares e pelas categorias etárias, cujos resultados se apresentam no quadro 2.

 

 

Torna-se evidente que, tanto a ideia de risco associada à automedicação, como a relação com as formas de controlo profissional, são dimensões que assumem incidências diferenciadas nas diferentes categorias sociais.

Os indivíduos com doença crónica são a categoria em que há maior vinculação à ideia de risco associada à automedicação, mas são também aqueles em que se indicia um maior esbatimento dessa ideia de risco quando a automedicação é circunscrita a medicamentos conhecidos. Correspondem também à categoria em que há maior adesão à ideia da indispensabilidade do controlo médico em todos os problemas de saúde e em que é menor a adesão à legitimidade da confiança na orientação do farmacêutico.

Constata-se ainda que o sentido da incidência destas tendências globais se regista, não só entre os indivíduos com doença crónica, mas ainda entre os indivíduos das categorias etárias mais altas, assim como entre os indivíduos com menos habilitações escolares.

As razões que fazem convergir o sentido destas três categorias sociais, e estando excluída a probabilidade de enviesamento estatístico, na medida em que a análise desagregada dos dados por estatuto de saúde mantém a mesma convergência, requerem futura elucidação. Será necessária a sua reconfirmação em ulteriores aprofundamentos qualitativos da informação empírica, bem como o recurso a novos enfoques analíticos que permitam diferenciar a natureza dos processos sociais que lhes estão subjacentes.

Sobre os indivíduos que constituem a categoria “saudáveis” verifica-se uma inversão das tendências anteriores. Há uma menor adesão, quer à ideia de risco associada à automedicação, quer à desejabilidade da omnipresença do controlo médico e acentua-se a adesão à legitimidade da confiança na orientação do farmacêutico. Estas mesmas tendências apresentam também uma maior incidência entre os indivíduos das categorias etárias mais jovens e entre os indivíduos com mais habilitações escolares, o que, tal como nas categorias anteriores, constitui uma convergência cuja elucidação requer futuros aprofundamentos empíricos e analíticos.

Em todo o caso, os resultados obtidos nestas correlações revelam uma estrutura de representações sociais sobre a percepção do risco e sobre a relação com os sistemas periciais, que delimitam duas configurações diferenciadas relativamente à automedicação. Uma, com maior expressão, entre as três categorias sociais representadas pelos indivíduos com doença crónica, pelos indivíduos com habilitações escolares mais baixas e pelas categorias etárias mais altas, cuja estrutura interna levou a designá-la como uma configuração de resistência controversa à automedicação. A outra, com maior expressão, quer entre os indivíduos saudáveis, quer entre os indivíduos com habilitações escolares mais altas e entre os indivíduos mais jovens, apresenta uma estrutura interna que remete para uma configuração de permeabilidade à automedicação.

As diferentes categorias sociais de ancoragem destas duas configurações são, por si sós, um indicador dos complexos processos sociais que estruturam e diferenciam as assimilações leigas dos discursos institucionais sobre a automedicação e que evidenciam a existência de diferentes lógicas e racionalidades neste domínio.

Quanto à dimensão resistência aos medicamentos, a única associação com significância estatística é com a categoria saudáveis, embora também indicie, ainda que sem significância estatística, uma maior incidência entre os indivíduos com habilitações escolares mais altas e entre os indivíduos das categorias etárias mais jovens.

Se, por um lado, esta maior incidência na categoria “saudáveis” deverá ser futuramente explorada tendo em conta a maior dependência vital dos indivíduos com doença crónica face aos medicamentos e, portanto, um maior reconhecimento dos seus benefícios para a sua qualidade de vida, já no que respeita à associação com as outras categorias parece indiciar-se que a resistência farmacológica, que tradicionalmente esteve associada às gerações mais velhas e menos escolarizadas, é hoje composta de outras racionalidades. O culto do natural pode ser aqui uma pista a explorar, enquanto expressão de uma pós-modernidade que não exclui a sua coexistência com a crescente massificação da adesão ao farmacológico.

Ainda no domínio das representações sociais, um último dado a considerar respeita à auto-avaliação dos inquiridos sobre a frequência com que recorrem à automedicação, cujos resultados se apresentam no quadro 3.7

 

 

Constata-se que a maioria dos inquiridos considera que raramente ou nunca recorre à automedicação (62,2%), sendo significativamente mais reduzida a percentagem dos que consideram fazê-lo com alguma frequência e praticamente inexpressiva a percentagem dos que consideram fazê-lo com muita frequência.

Assinala-se, nesta auto-avaliação, que a tendência dominante é no sentido de não admitir práticas frequentes de automedicação, o que se revela em consonância com o sentido das representações sociais anteriores. E essa consonância mantém-se quando se analisa a incidência das respostas nas diferentes categorias sociais.

De facto, são os indivíduos da categoria saudáveis quem mais admite recorrer à automedicação com “alguma ou muita frequência” (49,5%), e são os indivíduos da categoria doentes crónicos quem menos admite fazê-lo (28,3%) (p<0,01). Por outro lado, e independentemente do estatuto de saúde, verifica-se sempre uma forte associação entre o maior recurso à automedicação e os indivíduos com mais habilitações (p<0,05), assim como com os indivíduos mais jovens (p<0,057).

O recurso à automedicação é, portanto, no plano das representações sociais, uma prática que se segmenta entre a resistência e a relativa adesão, e que estabelece um recorte entre as diferentes categorias sociais em análise.

Contudo, quando se passa do domínio das representações sociais para o domínio das práticas efectivas, a segmentação identificada adquire novas configurações e, por vezes, revela claras descontinuidades entre as representações sociais e as práticas.

Sobre as práticas leigas

A identificação das práticas de automedicação efectuou-se a partir das respostas a dois tipos de questões. A primeira referia-se à “solução adoptada para o último problema de saúde” e a segunda referia-se ao “último medicamento usado sem prescrição médica”.

Relativamente à primeira questão, as respostas obtidas revelam que, apesar do recurso ao médico ou hospital ter sido a solução mais adoptada, a maioria dos indivíduos (53,5%) recorreu a outras soluções, conforme se apresenta no quadro 4.

 

 

Se atendermos a que o recurso a medicamentos usados em situação semelhante e o recurso ao conselho farmacêutico entram no domínio da automedicação, constata-se que 29,1% dos inquiridos optou pela automedicação no seu último problema de saúde.

Os problemas de saúde em que houve esta opção são de natureza diversa, embora a sua maior incidência seja nas situações de sintomas mais comuns, como é o caso das gripes/constipações e tosse (conf. quadro 5).

 

 

Ao analisar-se a incidência do recurso à automedicação nas diferentes categorias sociais verificou-se que os indivíduos com doença crónica, e particularmente os hipertensos, recorreram mais à automedicação que os indivíduos saudáveis (saudáveis 26,5%, diabéticos 29,1%, hipertensos 31,4%; p<0,01. Os indivíduos saudáveis foram os que mais recorreram ao médico ou hospital.

Desde já, estes primeiros indicadores de práticas de automedicação tendem a contrariar, pelo menos parcialmente, as tendências expressas nas representações sociais, nas quais os indivíduos com doença crónica tendem a valorizar, mais do que os saudáveis, o estrito controlo médico para todos os problemas de saúde, sendo também os que na auto-avaliação sobre o recurso à automedicação predominam na categoria nunca ou raramente.

Estas descontinuidades entre representações e práticas estão igualmente presentes quando se consideram as habilitações escolares. Embora os dados não tenham apresentado significância estatística, a sua distribuição indica um maior recurso à automedicação nos indivíduos com habilitações mais baixas ([<9.º ano]: 30,0%; [10.º-12.º ano]: 28,6%; [cursos superiores]: 27,1%), enquanto os indivíduos com habilitações mais altas tendem a recorrer mais ao médico ou urgência hospitalar.

Já no que respeita às categorias etárias, mantém-se, nas práticas, o recorte geracional verificado ao nível das representações sociais. Efectivamente, são os mais jovens que predominam nas práticas de automedicação, independentemente do estatuto de saúde e das habilitações escolares ([18-29]: 35,1%; [30-40]: 28,6%; [41-50]: 28,8%; [51-65]: 24,4%).

Para o aprofundamento das tendências reveladas nesta primeira aproximação às práticas introduz-se, seguidamente, a análise dos resultados relativos à questão sobre o “último medicamento utilizado sem prévia indicação médica”.

Sobre esta última questão é de salientar que apenas 7,0% dos inquiridos indicaram não poder responder por nunca terem usado medicamentos sem prévia indicação médica. É também significativo que, dos restantes inquiridos, apenas 19,4% não tenha conseguido recordar-se do nome do medicamento. O facto de a larga maioria se ter recordado não deixa de ser revelador, quer de uma certa fidelização ao medicamento usado, quer de um certo controlo cognitivo sobre a opção medicamentosa.

Tanto a fidelização como o controlo cognitivo afiguram-se, desde já, como dois vectores endógenos das práticas de automedicação e, simultaneamente, das modalidades sociais que configuram a percepção do risco, e que poderão explicar as aparentes descontinuidades entre as representações sociais sobre o risco da automedicação e as práticas sociais neste domínio.

Quanto ao tipo de medicamentos referidos nas respostas, predominaram largamente os “analgésicos e antipiréticos” (56,2%), seguidos de “anti-inflamatórios” (23,3%) e, com expressão mais reduzida, os “antibacterianos e antissépticos” (4,8%), os “psicofármacos” (4,0%) e os “medicamentos para o sistema respiratório superior” (4,0%). Os restantes medicamentos (7,7%) distribuíam-se por mais sete categorias de reduzida expressão percentual. Refira-se que a predominância dos analgésicos no tipo de medicamentos mais frequentes em automedicação é uma tendência que tem sido constatada em diversos estudos realizados pelo sector farmacêutico (Quaeyhaegens, 1996; Apifarma, 2000).

Quanto aos problemas de saúde que originaram o último recurso à automedicação (quadro 6) verificam-se algumas diferenças significativas quando comparados com os problemas referidos na pergunta anterior.

 

 

De entre essas diferenças sobressai o facto de os problemas relacionados com dores representarem 50,8% (“dores diversas” e “dores de cabeça”), enquanto na pergunta anterior, relativa ao último problema de saúde, apenas representavam 18,2%. Note-se também a elevada percentagem que representam as dores de cabeça, e que nas respostas anteriores nem sequer foram referidas, o mesmo sucedendo com os problemas relacionados com insónia/ansiedade/cansaço, quetambém não figuraram nas respostas anteriores.

Não assumir como “último problema de saúde” grande parte dos diferentes tipos de dores e de fadiga psíquica que levaram à automedicação, poderá ser revelador de que muitas formas de mal-estar não entram nas categorizações leigas como verdadeiros problemas de saúde, designadamente por não terem sido valorizadas como tal em anteriores queixas nas consultas médicas, o que legitima a sua gestão através da automedicação. Afigura-se, neste âmbito, que as questões de saúde que não alcançam o estatuto de verdadeiro problema de saúde e que, por isso, entram no domínio da automedicação, não só produzem a legitimidade leiga deste tipo de recurso, como ao entrarem nesse domínio perdem a possibilidade de os leigos os virem a requalificar como verdadeiros problemas de saúde justificativos do recurso a cuidados médicos. Denota-se aqui a existência de um duplo efeito que, tal como outros factores já anteriormente identificados, vão configurando as complexidades sociológicas que organizam as racionalidades leigas no domínio da automedicação, e cuja elucidação torna indispensáveis futuros aprofundamentos com metodologias qualitativas.

Um outro domínio de informação relevante para a compreensão das racionalidades subjacentes a estas práticas respeita à questão sobre “quem recomendou” o último medicamento utilizado sem prescrição médica (quadro 7).

 

 

Um primeiro nível de leitura, que de imediato é suscitado por este quadro, prende-se com o facto de, na larga maioria das situações de automedicação, os indivíduos recorrerem a medicamentos que já têm em casa (70,3%). Indicia-se nesta tendência, quase generalizada, de aprovisionamento de medicamentos em casa, por um lado, a deslocação do tradicional estatuto do medicamento de recurso raro e de utilização excepcional para o estatuto de bem de consumo, de banalização equivalente a outros recursos de consumo doméstico; por outro lado, também se revela nesta prática uma das formas de autonomia leiga relativamente aos sistemas periciais na gestão quotidiana dos problemas de saúde, na qual se reproduz e reactualiza a lógica de intervenção desses mesmos sistemas. Mas atente-se igualmente que, de entre os diferentes meios de automedicação, o que assume maior expressão é o recurso a medicamentos já receitados pelo médico noutra ocasião (47,7%), o que representa uma das dimensões ocultas da automedicação e estabelece a sua irredutibilidade à tradicional dicotomia entre medicamentos prescritos pelo médico e medicamentos não prescritos, à qual tem sido circunscrita a abordagem deste fenómeno.

Para além destas evidências mais imediatas, o quadro 7 permite também identificar um recorte distintivo entre dois modos de automedicação. O seu vector diferenciador é a existência, ou não, de alguma forma de controlo profissional, o que aplicado às modalidades indicadas dá lugar a duas configurações distintas que se designaram de “automedicação com remoto controlo profissional” e de “automedicação sem controlo profissional”, cuja composição interna e expressão percentual é apresentada no quadro 8.

 

 

Não obstante a “automedicação com remoto controlo profissional” ser o recurso dominante, não deixa de ser significativa a expressão percentual do recurso à “automedicação sem controlo profissional”. Coexistem, portanto, dois modos de automedicação, com desigual incidência, nos quais se revelam processos distintos de apropriação leiga dos saberes periciais e da lógica de intervenção pericial.

Na correlação destes dois modos de automedicação com o “estatuto de saúde”, embora os resultados não apresentem significância estatística, verificou-se uma maior tendência para o recurso à automedicação“sem controlo profissional” nos indivíduos com doença crónica, e particularmente nos hipertensos (saudáveis: 34,7%; diabéticos: 35,9%; hipertensos: 38,1%); enquanto os indivíduos saudáveis tendem a recorrer mais à automedicaçãocom remoto controlo profissional(saudáveis: 65,3%; diabéticos: 64,1%; hipertensos: 61,9%).

Esta desigual incidência dos dois tipos de automedicação confirma a descontinuidade entre representações e práticas já anteriormente registada nas soluções para o “último problema de saúde”. Isto é, são os doentes crónicos que ao nível das representações sociais mais rejeitam a automedicação e mais valorizam o controlo médico e, nas práticas, são os que mais tendem a recorrer à automedicação e à automedicação “sem controlo profissional”.

Em relação às habilitações escolares, embora também sem significância estatística, regista-se uma nítida tendência para a predominância dos indivíduos com habilitações mais baixas na automedicação “sem controlo profissional”(<=9.º ano: 39,2%; cursos superiores: 28,6%), enquanto os indivíduos com habilitações mais altas predominam na automedicação com “remoto controlo profissional”. Esta tendência mantém-se independentemente do estatuto de saúde.

Na correlação com as categorias etárias mantém-se a ausência de significância estatística, mas regista-se, tanto na análise global como na análise no interior de cada grupo do estatuto de saúde, uma tendencial predominância da geração mais velha na “automedicação sem controlo profissional”(<=29anos: 37,0%; =>51anos: 41,6%), enquanto a geração mais jovem predomina na “automedicação com remoto controlo profissional”. É, portanto, constante a existência de um recorte geracional, tanto no recurso à automedicação como no tipo de automedicação privilegiada.

Estas tendências reforçam-se quando se consideram outras formas de automedicação, mais ocultas, para além das já anteriormente referidas, como é o caso das práticas face a efeitos secundários ou a contra-indicações de medicamentos prescritos. De entre as várias opções habitualmente tomadas nestas circunstâncias, a decisão de “não tomar o medicamento”apresenta-se como a mais frequente (quadro 9).

 

 

Deste conjunto de opções são os indivíduos com doença crónica que predominam em “deixa de tomar o medicamento”, enquanto os indivíduos saudáveis predominam em todas as restantes opções (p<0,01).

Predominam também em “deixa de tomar o medicamento” os indivíduos com menos habilitações escolares (p<0,05) e os indivíduosmais velhos (p<0,05).

Constata-se, portanto, que as categorias sociais em que se registou a maior incidência do recurso à “automedicação sem controlo profissional” são as mesmas em que se regista a maior incidência destas outras formas mais ocultas de automedicação.

 

Contributos teóricos para a reflexão sobre os dados

As várias pistas analíticas suscitadas pelos dados obtidos nesta primeira abordagem ao fenómeno da automedicação enunciam três grandes eixos de reflexão e problematização teórica.

O primeiro decorre das descontinuidades encontradas entre as representações sociais e as práticas efectivas, cuja elucidação convoca como referência teórica central a perspectiva da “modernidade reflexiva” (Giddens, 1992) e os seus contributos analíticos sobre as relação dos leigos com os sistemas periciais.

Nas actuais condições de modernidade se, por um lado, os indivíduos integram cada vez mais nos seus sistemas de referências as informações difundidas pelos sistemas periciais, por outro lado, as suas atitudes para com a ciência e o conhecimento técnico são, em geral, tipicamente ambivalentes (idem: 69). Esta ambivalência traduz-se por relações de confiança e cepticismo relativamente aos sistemas periciais, e é resultante, tanto do facto de existirem diferentes “autoridades periciais” sobre um mesmo problema, como do facto de as assimilações referenciais dos leigos serem produto de um ajustamento pragmático aos requisitos dos seus contextos sociais quotidianos de inserção e dos seus recursos sociocognitivos.

No caso da automedicação e da sua regulação institucional podemos admitir a existência, não só de diferentes “autoridades periciais”, como de “orientações periciais contraditórias”. Isto é, do ponto de vista médico a automedicação é considerada geralmente indesejável, enquanto do ponto de vista farmacêutico é considerada geralmente aceitável em situações controladas (o que equivale a diferentes autoridades periciais); ao mesmo tempo, o quantitativo de medicamentos de venda livre tem aumentado, o que traduz um claro incentivo à automedicação (o que equivale a orientações periciais contraditórias). Se, por um lado, é por referência a esta constelação de desconvergências periciais que os leigos constroem as suas concepções de automedicação, por outro lado essa construção é também o produto do ajustamento pragmático aos requisitos dos seus contextos sociais e cognitivos.

É neste equacionamento que se poderá entender a existência de diferentes concepções leigas de automedicação e, portanto, de diferentes perfis de práticas de automedicação, e que se poderá igualmente entender a diferenciação dessas concepções e práticas quando analisadas a partir do estatuto de saúde dos indivíduos, do seu estatuto geracional e do seu capital escolar. Naturalmente que cada uma destas últimas variáveis não intervém de modo estático, com efeitos per se, mas funciona como factor interactuante e com potencial estruturante, no conjunto mais vasto das condições organizadoras do quotidiano dos indivíduos.

Um segundo eixo de problematização situa-se no recorte encontrado entre os dois perfis de práticas de automedicação “sem controlo profissional” e “com remoto controlo profissional”.

A este nível, não deixa de ser aparentemente paradoxal o facto de serem os indivíduos com doença crónica os que apresentam maior incidência nas práticas de automedicação “sem controlo profissional”, sobretudo se atendermos a que os problemas de saúde sobre os quais recaem essas práticas são genericamente os mesmos para os indivíduos saudáveis e para os que têm doença crónica. De facto, seria de supor que, encontrando-se os indivíduos com doença crónica geralmente sob um controlo médico mais frequente, isso tenderia a inibi-los mais de práticas de automedicação auto-reguladas e implicaria uma maior receptividade aos “alertas de risco” da automedicação emanados do corpo médico.

As lógicas sociais que organizam as opções leigas por cada um destes perfis de automedicação requerem, para a sua elucidação, o recurso aos contributos teóricos sobre a percepção social do risco e sobre a especialização dos saberes leigos.

Qualquer prática de automedicação, como, aliás, qualquer prática de intervenção leiga ou profissional sobre a saúde, inscreve-se sempre no domínio da incerteza quanto aos seus resultados. Logo, inscreve-se sempre no domínio do risco, o qual é tanto maior quanto menor a pericialidade de quem decide a intervenção. Este é um dado relativamente interiorizado nas sociedades modernas.

Quando os indivíduos se automedicam fazem-no em condições de incerteza (formal) quanto aos seus resultados, o que implica reconhecerem, mais ou menos conscientemente, a existência de risco.

Então, se a automedicação é genericamente reconhecida como uma prática que comporta risco, será necessário compreender como se constrói e diversifica a percepção social do risco, para se descodificar como é que os dois perfis de práticas de automedicação identificados podem ser uma expressão de diferentes percepções sociais de risco e, concomitantemente, de diferentes formas de gestão do risco.

Colocar a questão nestes termos significa procurar as racionalidades que subjazem a estas práticas e excluir liminarmente as interpretações mais simplistas que consideram a automedicação como irracionalidade/ ignorância a ser combatida com mais informação/educação para a saúde.

De entre os diversos contributos teóricos sobre o risco e a sua percepção social saliente-se a ênfase dada por Douglas (1985) à sua natureza socialmente construída, o que implica considerar as pressões contextuais a que os indivíduos estão sujeitos para se compreender a sua tolerância/intolerância ao risco (idem: 50).

A necessidade de deslocar a análise da percepção do risco do seu confinamento às interpretações “individualistas” ou “essencialistas” é igualmente enfatizada por Lupton (1995), quando critica os modelos de determinação da aceitação do risco com base nas características do próprio risco, os quais deixam de fora os contextos socioculturais em que a percepção do risco é produzida, os seus significados culturalmente partilhados, ou mesmo a natureza simbólica do próprio risco (idem: 79).

A natureza socialmente construída e partilhada da percepção do risco dá lugar a que a aceitação e gestão do risco e a definição dos seus limiares aceitáveis sejam também socialmente partilhados, o que cria nos indivíduos uma espécie de “imunidade subjectiva”(Douglas, 1985: 29).

No caso da automedicação trata-se de um domínio de práticas em que, mais do que em qualquer outro, a partilha social e o sentido de imunidade subjectiva se reforçam mutuamente. Acontece ainda que qualquer prática de automedicação é sempre uma opção entre dois (ou mais) riscos: o risco de tomar um medicamento que pode não resolver, ou pode agravar, o problema de saúde, mas que se espera que o resolva, e o risco de não tomar nada e o problema de saúde impedir de responder às obrigações quotidianas ou reduzir significativamente o bem-estar pessoal (físico e/ou psíquico).

Colocar a automedicação, não como um risco, mas como uma opção entre riscos, tem subjacente o critério de “pacote de riscos” utilizado por Giddens (1997). A aceitação do risco é sempre o produto de um cálculo dos vários riscos em jogo e não de cada risco isoladamente:

… os indivíduos nem sempre, ou talvez mesmo normalmente, avaliam os riscos como itens separados, cada qual no seu domínio. O planeamento de vida leva mais em conta um “pacote” de riscos do que o cálculo das implicações de segmentos distintos de comportamento de risco (idem: 116).

Se estes diversos contributos teóricos são indispensáveis para recolocar a automedicação como uma forma de racionalidade leiga por contraposição à ideia de irracionalidade/ignorância, já no que respeita à interpretação dos diferentes perfis de práticas de automedicação é necessário associar a estes contributos a questão da especialização dos saberes leigos. Na verdade, de entre os recursos mobilizados para a avaliação dos riscos, os recursos cognitivos têm uma renovada centralidade na actual era da modernidade reflexiva.

É, então, no domínio da especialização dos saberes leigos que se situa o terceiro eixo de problematização.

As tradicionais abordagens sociológicas sobre os saberes leigos, designadamente no âmbito da saúde, têm-se colocado numa perspectiva de dicotomização entre saberes leigos e saberes especializados ou saberes científicos (Williams e Popay, 1994; Bury, 1997).

Se bem que essas abordagens tenham tido o mérito de evidenciar que a diferente natureza destes saberes inscreve na relação médico-doente, e também nas práticas de saúde exteriores a essa relação, uma lógica não redutível aos critérios médicos, contudo, a absoluta dicotomia em que assentam dificilmente permite dar conta da actual recomposição da relação entre saberes leigos e saberes científicos.

O saber leigo foi tradicionalmente um saber rotinizado, alimentado nas crenças, no hábito e na tradição, e como tal diametralmente oposto ao saber científico, e como tal fundador de autoridades (leiga e pericial) diametralmente opostas.

Nas actuais condições de modernidade, e como tem sido salientado pelos diferentes contributos teóricos neste domínio (Giddens, 1992 e 1997; Beck, 1992), assiste-se a uma crescente difusão dos “sistemas periciais” e à sua penetração em todos os domínios da vida dos indivíduos. Paralelamente, o colapso das “metanarrativas” (Lyotard, s. d.), nas quais reside a legitimidade da ciência, tornou menos automática a deferência dos leigos face à autoridade dos especialistas (William e Popay, 1994).

Estas duas novas realidades, embora não nos coloquem perante uma diluição das fronteiras entre saber leigo e saber científico, colocam-nos, pelo menos, perante a impossibilidade de manter uma separação radical entre estes dois tipos de saberes.

Quer pela crescente difusão dos sistemas periciais, quer pela crescente escolarização da população, quer ainda pelo crescente acesso leigo a fontes de informação de conhecimento especializado, de entre as quais, no caso da saúde, os meios de comunicação de massas assumem um lugar central, o saber leigo vai incorporando de forma contínua “franjas”do saber especializado (Bury, 1997).

É neste sentido que podemos falar de uma especialização do saber leigo. Este já não é só o produto das crenças, dos hábitos, dos modos de vida, é também o resultado de assimilações, mesmo que parcelares, do conhecimento científico, através das quais os indivíduos reinterpretam as suas práticas.

Na verdade, o saber leigo continua a ser leigo, as componentes que o constituem é que se diversificaram, dando-lhe novas possibilidades de interagir com a informação cientificamente produzida e de descodificá-la.

Em todo caso, o que resulta da especialização do saber leigo não é uma mera coexistência de saber científico e de saber comum. Ao contrário, o saber científico assimilado pelo saber leigo é sempre uma reapropriação, o que significa que o primeiro é reinterpretado e reutilizado em função das experiências quotidianas dos indivíduos.

A este propósito, Giddens (1997) refere-se à desqualificação dos saberes leigos que tem sido produzida pela disseminação do saber científico, para mostrar como essa desqualificação tem funcionado como motor para a reapropriação:

… os sistemas abstractos desqualificam — não só no local de trabalho, mas em todos os sectores da vida social em que tocam (…). A reapropriação de conhecimento e controlo por parte dos actores leigos é um aspecto básico daquilo a que por vezes chamei “dialéctica do controlo” (…). A competência e o conhecimento quotidianos estão, pois, em conexão dialéctica com os efeitos expropriadores dos sistemas abstractos, influenciando continuamente e remoldando o próprio impacto de tais sistemas na existência do dia-a-dia (idem: 128).

Por outro lado, a “reapropriação” é indissociável da “capacitação”(idem). Isto é, a reapropriação traduz-se numa forma de poder (de capacidade para) que aumenta o leque de possibilidades de acção dos indivíduos (idem: 128).

Nesta fundamentação de que, efectivamente, estamos perante um novo tipo de saber leigo nas sociedades modernas, é o momento de ressalvar que a especialização do saber leigo não é transversal a todos os grupos sociais ou indivíduos.

De facto, a reapropriação leiga do conhecimento científico e a capacitação que esta produz não acontecem de forma homogénea. Estas são, muitas vezes, “diferenciadamente acessíveis aos que se encontram em posições de poder” (Giddens, 1992: 34). Certamente que essa acessibilidade diferenciada não se confina apenas às posições estruturais de poder, mas também às diferentes possibilidades sociais objectivas, de que uma das expressões são os diferentes capitais escolares dos indivíduos (Bourdieu, 1979).

Equacionados estes diversos contributos teóricos, está delimitado o domínio de problematização em que se podem interpelar as lógicas estruturantes dos dois perfis de práticas de automedicação.

Por um lado, o recorte entre automedicação sem controlo profissional e com remoto controlo profissional, parece remeter para uma relação diferenciada com os sistemas periciais. No primeiro perfil dir-se-ia que predomina o que Freidson (1970) designa de “sistema referencial leigo”, organizado em torno da confiança interpessoal (medicamento recomendado por alguém conhecido), ou pela tradição do recurso a determinados medicamentos (já tinha em casa). No segundo perfil dir-se-ia que predomina o que Giddens (1992) designa de “acção reflexiva”, organizado em torno da reapropriação das orientações periciais (indicado pelo farmacêutico; receitado pelo médico noutra ocasião), aplicado em circunstâncias avaliadas pelo leigo como adequadas.

Enquanto no primeiro perfil parece reflectir-se um distanciamento relativamente aos sistemas periciais, no segundo parece existir uma maior interacção entre o sistema leigo e o pericial. Por outro lado, ambos os perfis expressam formas de autonomia relativamente ao controlo pericial, neste caso o controlo médico ou farmacêutico. Só que no primeiro perfil é uma forma de autonomia que parece inscrever-se no modelo tradicional da dissociação entre saber leigo e saber especializado, ou dito de outra forma, da mobilização do que Giddens (1997) designa de “confiança básica”, dada pelo hábito e pela partilha social das experiências, e da sua aplicação rotinizada em situações equivalentes. No segundo perfil está-se perante um tipo de práticas que parece mais inscrever-se no modelo da “reapropriação leiga” do saber especializado, no sentido em que os indivíduos não prescindem totalmente das fontes de informação especializada e utilizam-nas para eles próprios avaliarem a situação e decidirem a sua acção.

Se considerarmos que os dados sobre ambos os perfis apresentam uma predominância do perfil com remoto controlo profissional (64,0%) relativamente ao perfil sem controlo profissional (36,0%), poder-se-á admitir que as formas de automedicação nas sociedades modernas tendem a ser cada vez mais do tipo do primeiro perfil.

Ainda que na predominância deste perfil se enunciem novas modalidades de relação com os sistemas periciais, este não coincide necessariamente com o modelo de “automedicação responsável”introduzido por esses sistemas.

As suas divergências residem nas diferentes lógicas que os subscrevem, e que ficaram expressas nos três eixos de problematização teórica que se identificaram. O seu futuro aprofundamento empírico e analítico será indispensável para prosseguir na desocultação das complexidades sociológicas que configuram as racionalidades leigas das práticas de automedicação nas sociedades actuais.

 

 

Notas

1 As percentagens de recurso à automedicação foram estimadas a partir das respostas aos itens “tomou medicamentos já conhecidos” e “tomou medicamentos indicados por outra pessoa”.

2 Este artigo tem por base um projecto de investigação em curso sobre as dinâmicas sociológicas da automedicação. O projecto decorre pelo CIES e foi financiado pelo Infarmed e pela FCT/MCT — Programa de Apoio a Projectos de Investigação em Todos os Domínios Científicos, 1999 (36479/99).

3 Sobre a noção de saber-poder médico, conf. Carapinheiro, 1993.

4 A designação de “automedicação responsável” começou a surgir recentemente nas publicações farmacêuticas (Soares, 1995). Também nas entrevistas já realizadas a médicos, no âmbito do projecto em curso, esta designação é recorrentemente utilizada por estes profissionais.

5 Sobre as estratégias de revalorização profissional através da delegação de trabalho desqualificado / dirty work, conf. Hughes (1958); Hugman (1991); Abbott (1998); Lopes (2001).

6 Os questionários foram aplicados, para os indivíduos com diabetes, na Associação dos Diabéticos Portugueses e na Associação de Defesa dos Diabéticos, para os indivíduos com hipertensão, no Instituto de Cardiologia de Almada, para os indivíduos saudáveis, na Empresa Serviços de Contentores, SA, em Alverca. Neste último caso, a impossibilidade de conhecer previamente se os inquiridos não tinham alguma doença crónica, foi resolvida com a posterior anulação dos inquéritos em que à pergunta sobre se tinham alguma doença crónica responderam afirmativamente; no caso dos dois outros subgrupos também foram posteriormente anulados os inquéritos em que os indivíduos indicaram mais do que uma doença crónica.

7 Na pergunta sobre a frequência do recurso à automedicação era indicado que se estava a designar como automedicação o “uso de medicamentos sem prévia indicação médica”, para que a questão fosse interpretada com o mesmo sentido por todos os inquiridos.

 

 

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*Noémia Mendes Lopes, socióloga, professora auxiliar do Instituto Superior de Ciências da Saúde-Sul, investigadora do CIES. E-mail: nlopes@egasmoniz.edu.pt

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