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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.40 Oeiras set. 2002

 

O CRESCIMENTO DO EMPREGO QUALIFICADO EM PORTUGAL

Maria de Lurdes Rodrigues*


Nas últimas semanas a imprensa nacional tem feito eco de notícias que apontam para o decréscimo do emprego qualificado em Portugal, tendo por base dados do Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística.1 Tais notícias suscitam-me os seguintes comentários:

O emprego qualificado em Portugal cresce regularmente há várias décadas: basta estar atento à actualidade, ler os jornais e dar conta das notícias sobre o aumento e expansão do ensino superior que, nos últimos anos, tem vindo a oferecer anualmente mais de 80.000 mil acessos; basta pensar nos cerca de 50.000 jovens diplomados que anualmente entram no mercado de trabalho público e privado.2 Pensar um pouco nestes e em outros números, sobre a realidade portuguesa, permite concluir que o emprego qualificado só pode ter crescido! É uma evidência com manifestações em muitas dimensões da nossa vida.

Os dados estatísticos deviam confirmar e revelar a medida deste crescimento: quanto cresceu o emprego de diplomados? Como cresceu? A que ritmo? Em que sectores? E de facto existem dados estatísticos de várias fontes que confirmam a evolução positiva nesta matéria e que indicam algumas condições do crescimento do emprego qualificado: os dados da educação, os dados dos censos, os dados dos quadros de pessoal anualmente publicados.

Como se pode verificar nos dados apresentados, o emprego de diplomados, só no sector privado, cresce 10% ao ano, uma taxa muito superior à do crescimento do emprego no geral (3,5%). No sector das TIC, o emprego de diplomados cresce 12% ao ano. Se se juntar a estes dados o emprego na administração pública, sobretudo nos sectores do ensino e da saúde, estas taxas são seguramente mais elevadas.

O crescimento do emprego qualificado é, aliás, coerente com o esforço de formação feito no nosso país, traduzido no número de diplomados do ensino superior que entram no mercado de trabalho. Se assim não fosse, o país estaria a viver uma grave crise social e económica sem precedentes.

Todavia, o INE dispõe de um instrumento de produção de estatísticas designado Inquérito ao Emprego que, entre os anos de 1992 e 2000, apresenta resultados divergentes desta tendência. Segundo os resultados do Inquérito ao Emprego, o número de activos nas chamadas profissões científicas e técnicas, nas profissões qualificadas, como engenheiros, advogados, médicos, professores, enfermeiros, contabilistas, etc., teria decrescido entre 1992 e 2000. Estes dados estão publicados em papel, estão disponíveis no sítio do INE na Internet e estão também disponíveis nas bases de dados do Eurostat.

 

 

 

Ora, o Inquérito ao Emprego tem problemas de fiabilidade de dados, decorrentes das características da amostra da população utilizada até 1997, tendo sido, por essa razão, iniciada uma nova série de dados a partir de 1998. Este inquérito tem ainda problemas de classificação/codificação das profissões declaradas pelos indivíduos inquiridos, devendo a sua utilização ser acompanhada de grandes reservas para identificar o número de activos ou de empregados em profissões específicas, como por exemplo as relacionadas com as tecnologias de informação.

Para ser mais precisa:

1) os dados do Inquérito ao Emprego da série 1992 a 1997 não podem ser comparados com os da série posterior (1998 a 2002);

2) os dados do Inquérito ao Emprego anteriores a 1998 contêm erros que impedem a sua utilização para medir a evolução do emprego qualificado, qualquer que seja a sua definição, e em particular no sector das tecnologias da informação; devem por isso ser anulados ou corrigidos (por exercício de estimativa);

3) os dados do Inquérito ao Emprego têm sido divulgados e disponibilizados sem nenhuma referência às duas limitações anteriores.

O facto de se manter, em bases de dados nacionais e internacionais, informação errada sobre Portugal, sem nenhuma espécie de restrição ao seu uso, e sem meta-informação que alerte para a descontinuidade das séries e para os erros de produção estatística, tem permitido a elaboração de estudos comparativos que contêm erros grosseiros sobre a realidade nacional e que em muito prejudicam o país.

Nesta matéria em particular, ou seja, no que respeita à disponibilidade de recursos altamente qualificados, qualquer decisão de investimento estrangeiro no país poderá ficar comprometida pela difusão deste tipo de informação estatística. Isto é tanto mais grave quanto o país tem feito um esforço real de formação avançada de recursos humanos e apresenta as maiores taxas de crescimento no panorama da UE.

Não é razoável que, aos problemas de défice estrutural que o país apresenta, se somem problemas fictícios decorrentes de erros estatísticos.


Lisboa, 12 de Setembro de 2002




Notas


1 Ver artigos do jornal Expresso: “Portugal perde emprego qualificado”, de 24 de Agosto de 2002, e “Portugal longe da UE na qualificação do emprego”, de 7 de Setembro de 2002.

2 O conceito de emprego qualificado recobre na generalidade: o emprego dos diplomados do ensino superior e/ou dos quadros da administração pública, dirigentes e quadros superiores das empresas (CNP-1); dos especialistas das profissões intelectuais e científicas (CNP-2); e dos técnicos e profissionais de nível intermédio (CNP-3). Pode obter-se pelo cruzamento de categorias das nomenclaturas relativas ao nível de formação e à profissão.



* Maria de Lurdes Rodrigues. Presidente do Observatório das Ciências e das Tecnologias.

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