SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número47Globalização e europeização das políticas educativas: percursos, processos e metamorfose índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.47 Oeiras jan. 2005

 

Um Contributo acerca da Abstenção Eleitoral em Revista

[André Freire e Pedro Magalhães (2002), A Abstenção Eleitoral em Portugal, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, ISBN 972-671-086-3]

Paula do Espírito Santo*

 

O estudo dos fenómenos ligados às decisões de voto, onde se inclui o comportamento eleitoral e a abstenção, tem sofrido evoluções bastante díspares em termos de análise, quer entre os vários contextos democráticos nos quais são efectuados, quer em termos do relevo que é dado aos múltiplos objectos de análise em debate. Ou seja, nem todos os países empreenderam estudos, nestas matérias, da mesma forma nem simultaneamente, se considerarmos pelo menos os últimos 40 anos do século XX, o que, necessariamente, leva a que as comparações entre contextos sejam complexas ou até mesmo inviáveis. Acresce outro dado que dificulta a comparação entre fenómenos em diferentes contextos, que se traduz em que nem sempre os critérios de análise estão uniformizados ou são aplicados de forma idêntica, não permitindo necessariamente comparações metodologicamente válidas e fidedignas. Neste cenário, e considerando o atraso português em matéria de estudo no âmbito das decisões de voto, a tarefa de empreender análises acerca desta área depara-se, por um lado, com a visão aliciante de empreender e desbravar uma temática ainda pouco explorada cientificamente, mas também com a contingência de conceber uma construção, de entre as construções iniciais, que se apresente consistente e sólida em termos científicos. Desta consistência e solidez depende a continuidade em termos de análise, para que cada investigador não tenha de caminhar sozinho nem se veja na contingência de, a cada passo, ter de recomeçar tudo de novo.

A análise da abstenção eleitoral revelou-se uma preocupação tardia, posterior à análise do comportamento eleitoral. A mesma não foi contemplada nos estudos norte-americanos, pioneiros nesta matéria (Lazarsfeld e outros, 1944; Campbell e outros, 1980), os quais se preocuparam com a caracterização dos factores explicativos do comportamento eleitoral. Na Europa os níveis de abstenção, genericamente, seriam mais baixos dos que os norte-americanos (exceptuando o caso da Suíça), sendo que uma das primeiras aproximações ao fenómeno da abstenção dar-se-ia na década de 1960, através de Georges Vedel (1962), quando este abordou o fenómeno da despolitização que, aparentemente, parecia introduzir-se na sociedade francesa. De forma mais directa, em 1968, Lancelot abordaria a abstenção eleitoral em França, utilizando os mesmos critérios de análise do comportamento eleitoral, para estudar este fenómeno e recorrendo também a sondagens políticas. Aspectos tais como as condições favoráveis à abstenção ou os tipos de abstencionistas seriam contemplados na análise de Lancelot. Evoluções analíticas acerca da abstenção eleitoral viriam a evidenciar a importância da integração social na explicação deste fenómeno (Toinet e Subileau, 1989), salientando aspectos tais como a conjuntura em que se realizam as eleições e o seu contexto (local, nacional, europeu). Neste sentido, importa realçar que a análise do fenómeno da abstenção não é indiferente ao tipo de eleição, à volta em que a eleição se realiza (no caso de eleições presidenciais), ao contexto democrático de cada país em análise, em termos de consolidação política, e a aspectos metodológicos, como a recolha de dados ser realizada em sondagem pré ou pós-eleitoral. Em relação a este último aspecto, importa realçar que os estudos baseados em recolhas de dados realizadas fora de períodos de sufrágio produzem resultados diferenciados em termos de contextualização do acto eleitoral e, como tal, não permitem uma análise comparativa em termos idênticos às recolhas realizadas em períodos próximos aos das eleições.

Num panorama bastante diversificado, em termos de caracterização do fenómeno da abstenção, a análise de Freire e Magalhães (2002), referente a A Abstenção Eleitoral em Portugal, procura “em primeiro lugar, avaliar qual a importância relativa da sub-inscrição nos cadernos eleitorais e da ‘abstenção técnica’ nas democracias da nossa área geocultural. Em segundo lugar, pretende-se também aferir qual a posição de Portugal no ranking internacional do abstencionismo, tendo em conta cada um dos indicadores” (p. 24). No mesmo estudo procura-se ainda “analisar o panorama evolutivo da abstenção eleitoral portuguesa nas eleições legislativas entre 1975-1999, confrontando os resultados da abstenção oficial com os da abstenção real”. Em termos de opções metodológicas, este estudo considerou apenas as democracias ocidentais longamente consolidadas e as recentes do sul da Europa (Portugal, Espanha e Grécia). Separaram-se ainda os países com e sem voto obrigatório; e, nas democracias sem voto obrigatório, consideraram-se três grupos, como sejam os estados europeus, não europeus e aqueles com níveis de abstenção “extraordinariamente” elevados (casos da Suíça e EUA). O período de análise considerado foi de 1970-1999, justificado pela tendência para a subida da abstenção no mesmo.

Conclui-se e confirma-se o crescimento da abstenção a partir da década de 1980, verificando-se ainda que esse crescimento é mais acentuado em Portugal, onde ultrapassa os valores médios de abstenção registados em outros países da Europa ocidental. Esta subida da abstenção em Portugal é concomitante com a subida da participação eleitoral, a partir da década de 1970. Para a justificação deste aumento começa-se por avançar com uma explicação baseada no modelo do eleitor racional (idem, ibidem: 49-50), remetendo-se para a testagem de algumas hipóteses analíticas do modelo, nos capítulos subsequentes, como forma responder ao aumento da abstenção em Portugal no período em análise. De acordo com este modelo, o voto é concebido com base em custos e benefícios, baseados em pressupostos de racionalidade económica. Partindo dos pressupostos do modelo das escolhas racionais, relaciona-se o nível de abstenção “real” com a competitividade nas eleições legislativas, embora este motivo explicativo nem sempre se tenha verificado em todos os actos legislativos. Este é um dos factores explicativos, correntemente, explorado por aquele modelo. A avaliação dos pressupostos de racionalidade económica remete para a aplicação de conceitos matemáticos, cuja exploração, apesar das interpretações enunciadas, não apresenta, nesta análise, um suporte modelar clarificado.

Quando se analisam os “tipos de eleições e taxas de abstenção numa perspectiva longitudinal e comparativa”, no capítulo 3, conclui-se pela explicação do abstencionismo fortemente assente na conjuntura política, traduzindo, em grande medida, uma atitude de insatisfação temporária e localizada perante o funcionamento do sistema político. Destaca-se ainda que a abstenção pode constituir um caminho ou “via de saída” dos eleitores perante o partido, permitindo assim a mudança de orientação política (ibidem: 113). A importância da competição política aparece realçada no capítulo seguinte, que trata das “explicações e dinâmicas da abstenção eleitoral na Europa Ocidental ao nível agregado”. Neste âmbito, evidencia-se a capacidade de mobilização das forças sociais e políticas no sentido da diminuição da abstenção eleitoral. É desta forma que o declínio da militância sindical e partidária, segundo os autores, tem reflexos no aumento da abstenção eleitoral. Neste capítulo opta-se por uma explicação sociológica da abstenção, onde têm destaque os factores de natureza socioeconómica, ligados aos recursos materiais e educacionais ou cognitivos, para enunciar alguns.

O capítulo 6 trata dos “factores individuais e contextuais da abstenção em Portugal e nos restantes países da União Europeia”. Refere-se, neste capítulo, a escassez de estudos em Portugal, em matéria de comportamento eleitoral, o que obsta a que se possam flexibilizar e melhor operacionalizar as análises e os conceitos nesta matéria. Os factores individuais explicativos da participação e da abstenção eleitorais sintetizam-se nos recursos, na integração social e nas atitudes políticas (ibidem: 131). Neste sentido, os factores que se destacaram em termos explicativos da abstenção eleitoral foram já enunciados anteriormente, ou seja, o declínio das taxas de sindicalização e da capacidade mobilizadora dos partidos de massas. Dos factores individuais explicativos da abstenção nas eleições legislativas e presidenciais de 1999 e 2001, em Portugal, destaca-se a idade, no sentido em que quanto maior esta menor a probabilidade de abstenção. Outro aspecto a realçar é a atitude de simpatia do eleitor por um partido, que obsta a que este opte por não votar. O grau de confiança depositado nas instituições democráticas releva que, quanto maior essa participação, maior a participação eleitoral, sendo também este um aspecto explicativo da participação eleitoral, de acordo com esta análise (ibidem: 148).

Em conclusão, o estudo presente procura situar de um ponto de vista interno, mas também comparativo, o fenómeno da abstenção eleitoral. Dada a já referida escassez de estudos nesta matéria, assim como no que se refere à participação eleitoral, este contributo permite a clarificação de um conjunto de motivos explicativos daquele fenómeno. O desafio em termos de análise foi, do nosso ponto de vista, grandioso, pois apesar da multiplicidade de direcções analíticas apresentadas, obtemos um conjunto de soluções que permitem uma visão esclarecedora do fenómeno da abstenção, fornecendo-se ainda um suporte para aprofundamentos subsequentes nesta matéria. Consideramos que, do ponto de vista interno ou microanalítico, as soluções analíticas devem continuar a ser exploradas, de modo a que as comparações onde Portugal esteja incluído possam tornar-se cada vez mais consistentes em termos interpretativos.

 

Referências bibliográficas

Campbell, Angus, Philip E. Converse, Warren E. Miller, e Donald E. Stokes (1960, 1980), The American Voter, Chicago, University of Chicago Press.         [ Links ]

Freire, André, e Pedro Magalhães (2002), A Abstenção Eleitoral em Portugal, Lisboa, ICS, UL.

Lazarsfeld, Paul, Bernard Berelson, e Hazel Gaudet (1944), The People’s Choice: How the Voter Makes Up His Mind in a Presidential Campaign, Nova Iorque, Columbia University Press.

Toinet, Marie-France, e Françoise Subileau (1989), “L’ abstencionisme electoral en France et aux États Unis”, em Daniel Gaxie (org.), Explication du Vote: Un Bilan des Études Électorales en France, Paris, Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques.

Vedel, Georges (1962), La Dépolitisation: Mythe ou Réalité?, Paris, Librairie Armand Colin.

 

*Paula do Espírito Santo. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa. E-mail: espsanto@iscsp.utl.pt

 

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons