SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue55EditorialPower, domination and stratification: Towards a conceptual synthesis author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Sociologia, Problemas e Práticas

Print version ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.55 Oeiras Sept. 2007

 

Velhos e novos aspectos da epistemologia das Ciências Sociais

João Ferreira de Almeida *

 

Resumo

Depois de uma rápida e leve referência à filosofia do conhecimento e à tradicional oposição entre empirismo e racionalismo, procura-se situar a moderna epistemologia na sua ligação às evoluções científicas. Reconhecendo-se a especificidade das ciências sociais, importa perceber se tal especificidade se repercute em modalidades próprias de análise epistemológica e que recursos podem ser mobilizados para o cumprimento das suas tarefas. Finalmente, são discutidas propostas recentes de diagnóstico a respeito do desenvolvimento das ciências em geral e das ciências sociais em particular.

Palavras-chave epistemologia, racionalismo, empirismo, modo-2 de produção científica, sociologia pública.

 

Abstract

Old and new aspects of social science epistemology

After a light and rapid reference to the philosophy of knowledge and the traditional opposition between empiricism and rationalism, an attempt is made to position modern epistemology in its connection with scientific developments. The specificity of the social sciences is recognised but it is important to understand if that specificity is reflected in characteristic modalities of epistemological analysis and what resources can be mobilised to carry out its tasks. Finally, there is a discussion of the recent proposals for a diagnosis with regard to the development of the sciences in general and the social sciences in particular.

Key-words epistemology, rationalism, empiricism, mode-2 of scientific production, public sociology.

 

Résumé

Anciens et nouveaux aspects de l’épistémologie des sciences sociales

Après une rapide référence à la philosophie de la connaissance et à la traditionnelle opposition entre empirisme et rationalisme, le texte s’efforce de situer l’épistémologie moderne dans son rapport aux évolutions scientifiques. Tout en reconnaissant la spécificité des sciences sociales, il faut savoir si cette spécificité se traduit par des modalités spécifiques d’analyse épistémologique et quelles ressources peuvent être mobilisés pour accomplir leurs tâches. Enfin, le texte aborde des propositions de diagnostic récentes concernant le développement des sciences en général et des sciences sociales en particulier.

Mots-clés épistémologie, rationalisme, empirisme, mode-2 de production scientifique, sociologie publique.

 

Resumen

Antiguos y modernos aspectos de la epistemología de las ciencias sociales

Después de una rápida y breve referencia a la filosofía del conocimiento y a la oposición tradicional entre empirismo y racionalismo, se intenta situar la epistemología moderna en su conexión con la evolución científica. Reconociendo la especificidad de las ciencias sociales, es importante percibir si tal especificidad repercute en modalidades propias de análisis epistemológico, y que recursos pueden ser utilizados para el cumplimiento de sus tareas. Finalmente, se discuten propuestas recientes de diagnóstico, en relación al desarrollo de la ciencia en general y de las ciencias sociales en particular.

Palabras-llave epistemología, racionalismo, empirismo, modo-2 de producción científica, sociología pública.

 

Localizar a epistemologia: referências filosóficas de baixa densidade

Todas as actividades humanas são reflexivas, no sentido em que quem as pratica tem alguma noção de como o faz e dos seus objectivos.

Na actividade científica, pela sua própria natureza racional, essa reflexividade constitui uma exigência.

Julgo ter sido Louis Althusser quem propôs a distinção entre a filosofia diurna dos cientistas — aquela que acompanhava a prática quotidiana da investigação — da filosofia nocturna, em que esses produtores de conhecimento faziam uma reflexão de segundo grau sobre o significado da sua actividade profissional. E atribuía maior lucidez à reflexão diurna do que à nocturna, já que é a primeira que constitui expressão directa do “ofício”, do conjunto das aprendizagens e dos procedimentos teórico-práticos da profissão.

A epistemologia moderna passou a consistir numa reflexão sistemática sobre as condições e as implicações do trabalho científico, sobre as suas formas e os seus momentos. Interessa-se mais pelo saber que — um saber proposicional — do que pelo saber como, que constitui a reflexão básica da “filosofia diurna” dos cientistas. Ou seja, dito de outra maneira, interessa-se mais pela razão teórica do que pela razão prática.

A filosofia era o lugar clássico de todo o pensamento sobre o conhecimento.

Três questões principais dominavam esse pensamento. A questão dita gnoseológica interrogava a natureza do conhecimento. A questão metodológica dirigia-se à produção desse conhecimento e às suas condições. E finalmente punha-se o problema, porventura o mais complexo, da justificação.

Platão afirmava que o conhecimento era o subconjunto do que simultaneamente é verdade e em que se acredita. A crença, de natureza proposicional, tem de corresponder à verdade, mas também ser baseada na evidência ou na razão, isto é, ser demonstrada.

Platão, ele próprio, não aceitava, na definição do conhecimento, este último ponto referente à justificação, porque, sendo já ela também do domínio do conhecimento, tornaria circular essa definição.

O problema reside, portanto, no estatuto da justificação. Sem ela, poderia considerar-se conhecimento uma conexão entre a crença e a verdade meramente acidental ou baseada num erro.

A questão mantém relevância até hoje e Wittgenstein, por exemplo, escapa à dificuldade, dizendo que a justificação se adequa ao que chama “um jogo de linguagem interno”, não a uma realidade externa.

Se admitirmos, no entanto, uma perspectiva realista, teremos de afirmar, com Kant, que o mundo dos fenómenos é empiricamente real e que, por isso, a empiria ou a “evidência” constitui sempre o árbitro das proposições científicas. Kant propôs, de resto, uma síntese do racionalismo e do empirismo: o conhecimento resultaria da organização de dados apreendidos por intermédio de estruturas cognitivas inatas, categorias a priori como o espaço e o tempo. O conhecimento objectivo era, assim, possível.

A admitida irredutibilidade entre o ser e o saber, entre a realidade e o conhecimento que dela temos, não significa, porém, que o mundo físico e social seja absolutamente separado das nossas representações sobre ele.

Dizia-se, por exemplo, a partir do célebre princípio da incerteza da mecânica quântica, que a presença do observador contribuía para influenciar características objectivas das subpartículas atómicas observadas. Considera-se hoje que não é assim, muito embora subsistam relações de difícil interpretação entre o acto de medir e o sistema que está a ser medido. E o chamado “efeito do observador”, em que o acto de observar produz mudanças no fenómeno observado, continua a ser verificável em certas dimensões das ciências da natureza.

No que respeita às ciências sociais, desde logo o mundo simbólico — onde se incluem as representações científicas — constitui parte integrante das sociedades, elas próprias objecto dessas ciências.

As interferências directas e indirectas das pesquisas sobre as realidades sociais são bem evidentes, por outro lado, e desenvolvem-se em planos múltiplos.

Vale aliás a pena contar aqui um estranho caso de interferência sob a forma de self-fullfiling prophecy por parte da ciência, presenciada pelo antropólogo Pais de Brito quando estudava Rio de Onor, vários anos depois do trabalho pioneiro do professor Jorge Dias. Ele pôde assistir a uma situação em que o pároco da freguesia admoestava os seus fiéis porque eles não estavam a comportar-se como o professor Jorge Dias tinha dito que eles faziam. Tinham, por isso, de rever e corrigir os comportamentos, até atingirem essa desejável adequação.

Um outro domínio da constante relação entre acções e pensamento resulta, no quadro da “epistemologia genética” proposta por Jean Piaget, da verificação de que as próprias estruturas cognitivas das crianças se vão construindo através da actividade que elas desenvolvem.

Estamos já, nestes casos, a fazer referência a desenvolvimentos modernos do campo científico e sabemos que a ciência moderna nasceu com o Renascimento, através da combinação estratégica da teoria com a experiência.

O termo latino scientia significa conhecimento e, até perto de meados do século XIX, ainda se chamava “filosofia natural” à ciência.

A nova scientia surge com Copérnico, no século XVI, primeiro produtor do que viria a ser a revolução que põe fim ao geocentrismo. Mas foi Galileu, herdeiro do heliocentrismo coperniciano, quem resolveu alguns dos problemas ainda herdados da afirmação heliocêntrica e pôde mostrar, com o apoio de Kepler, como estava errada a perspectiva de Ptolomeu.

A partir de então a filosofia já não mais deixou de acompanhar os novos surtos científicos e deles se alimentar criticamente.

Como sempre, porém, não se definiu um caminho único ou uniforme, sendo por exemplo possível contrastar, ao longo do tempo e até hoje, a tradição do empirismo britânico com a do racionalismo continental. Deste último sempre se atribui a paternidade a Descartes, um filósofo matemático não especialmente sensível à experimentação.

A par das múltiplas variantes do pensamento epistemológico também o campo científico foi evoluindo, seguindo, em particular, um processo de especialização e desdobramento disciplinar, tanto no âmbito das ciências exactas e naturais como no das ciências sociais e humanas.

Cada ciência foi definindo o seu objecto próprio — passível de sobreposições com outras disciplinas —, sendo esse objecto, antes de mais, um conjunto articulado de interrogações. Os problemas decorrentes das perguntas são susceptíveis de solução por recurso aos instrumentos que as ciências vão também construindo. Trata-se de conceitos e relações entre conceitos constitutivos da teoria, dos caminhos críticos da pesquisa a que chamamos método e, ainda, das técnicas de recolha e tratamento da informação que alimentam todo o processo de produção de conhecimento.

A cumulatividade nessa produção de conhecimento acrescenta, por definição, novos saberes, reformula teorias e explicações, bem como instrumentalidades metodológicas e técnicas.

Thomas Kuhn chama a esse tipo de desenvolvimento “ciência normal”, aquela que vai ocorrendo no interior de um sistema de referências, de um paradigma.

Mas também acontecem descontinuidades, crises mais graves no sistema de explicações dominantes. Se o sistema é contestado e virtualmente superado por um novo conjunto de teorias e de referências de maior capacidade e abrangência explicativa, estamos então perante uma “ruptura de paradigma”, perante uma “revolução científica”.

O conhecimento é sempre aproximado, falível e, por isso mesmo, susceptível de contínuas correcções. Uma justificação pode parecer teoricamente boa num certo momento — e constituir conhecimento — até aparecer um conhecimento melhor. É isso mesmo que dá substância à historicidade da ciência. Ela remete para a evolução, com as suas descontinuidades, do estado instrumental das diversas disciplinas, mas também, como é evidente, do corpo de resultados que constitui o respectivo saber, provisoriamente consolidado.

O que define a ciência não será então a ilusória obtenção de verdades definitivas. Ela será antes definível pela prevalência da utilização, por parte dos seus praticantes, de instrumentalidades que o campo científico forjou e tornou disponíveis, instrumentalidades que põem em acção o seu “ofício”, na perseguição constante de novos conhecimentos específicos. Ou seja, cada progressão no conhecimento que mostre o carácter erróneo ou insuficiente de conhecimentos anteriores não remete estes últimos para as trevas exteriores de não ciência, mas apenas para o estádio de conhecimentos científicos historicamente ultrapassados.

O pensamento epistemológico tem, pois, de ir acompanhando todo esse movimento, alimentando-se desde logo dos próprios conteúdos e processos científicos em transformação.

Não o fazer corresponderia a uma tentação normativa idealizadora da prática científica que já Gaston Bachelard criticava e a que Pierre Bourdieu chamou “dogmatismo logicista”.

O dogmatismo rígido tem um par, igualmente inadequado, que Bourdieu, designa “relativismo niilista”. No quadro dito “pós-moderno” pode aí afirmar-se o “tudo vale” e o “tudo se equivale”, princípios que dissolvem a distinção entre “logos” e “doxa”, entre conhecimento e opinião.

 

A especificidade das ciências sociais: uma ou mais epistemologias?

Se afirmarmos que a epistemologia deve resistir à tentação de produzir normatividades a-históricas, que garantiriam e fundamentariam a cientificidade a partir do seu exterior, se concordarmos em que, pelo contrário, ela tem de abordar criticamente os processos de investigação, procurando enunciar e denunciar os obstáculos com que tais processos de defrontam, então a pergunta seguinte dirigir-se-á a questionar se serão idênticos os obstáculos nos diversos campos científicos, nos diversos espaços de produção, nas diferentes épocas e nos diferentes contextos. Como a resposta é evidentemente negativa, para ultrapassar um metadiscurso universal a epistemologia moderna tem de socorrer-se, entre outros, de instrumentos como a história da ciência e a sociologia do conhecimento.

Para clarificar este ponto, vale talvez a pena voltar a uma antiga distinção entre o que se pode chamar uma epistemologia interna e uma epistemologia externa, ambas igualmente necessárias.

A primeira — a dimensão interna da epistemologia — traduz-se na análise das condições e critérios de cientificidade com recurso aos instrumentos de cada disciplina. Dito de outra maneira, ela estuda as condições teóricas da produção científica que, em cada momento, lhe determinam possibilidades e limites. Estuda o estado da problemática do campo científico, a qual, através das suas interrogações, define problemas e conduz as pesquisas por recurso ao conjunto teórico, metodológico e técnico disponível.

A epistemologia interna desdobra-se numa dimensão metodológico-sintáctica organizadora do discurso e uma dimensão teórico-semântica que se debruça sobre a relação com os referentes. É aqui que cabe a análise crítica do mencionado e clássico trio — proposição verdadeira e justificada.

Mas para se entender o que uma ciência é, ou vai sendo, a dimensão externa da epistemologia deve igualmente ser convocada. Por ela se analisam as inúmeras redes de interacção e de causalidade que articulam os processos científicos aos processos globais do seu contexto, eles próprios desdobrados nas dimensões pertinentes de âmbito político, económico, social, institucional, simbólico.

Do que se trata agora é de analisar as condições sociais da produção científica, ou seja, os elementos do contexto social susceptíveis de interferir — em geral indirectamente — no plano da investigação.

Importa exemplificar o facto da as ciências manterem relações diferenciadas com os processos sociais. Pense-se, então, no contraste entre o grande grupo das ciências da natureza e no das ciências sociais e voltemos a invocar os nomes de Copérnico e de Galileu. No tempo deles, as ciências da natureza, em fase inaugural, tiveram de enfrentar mitologias cosmogónicas cujo poder lhes advinha do suporte por parte de forças sociais, políticas e religiosas à época claramente dominantes.

Claro que ainda hoje todas as disciplinas científicas, incluindo as da natureza, continuam a sofrer influências políticas e económicas que se traduzem em oportunidades e em resistências, condicionantes de opções de pesquisa.

Ser mais investigada a incidência de tal ou tal doença ou dar-se prioridade a tal ou tal programa espacial depende por exemplo, em grande parte, de definições partindo de instâncias nacionais e internacionais de financiamento. E é evidente que a probabilidade de obter resultados positivos aumenta para as pesquisas bem financiadas, dispondo de massa crítica de investigadores treinados e a trabalhar em instituições adequadas, em desfavor de outras investigações de escolha definida como não prioritária.

Continua também, por outro lado, a ser possível verificar a existência de obstáculos de raiz religiosa ou ética.

Excluir a teoria da evolução, originada em Darwin, e substituí-la, no ensino ministrado em algumas escolas dos Estados Unidos, pela chamada “criação inteligente”, ilustra, no plano pedagógico, o primeiro tipo de obstáculos. E são também recorrentes as objecções éticas — justificadas ou não — a certo tipo de desenvolvimentos no âmbito da biologia e da medicina.

Será evidente, em todo o caso, que as resistências às pesquisas nessas disciplinas não têm medida comum com o que se passava nos heróicos tempos das suas primeiras fundações.

Em contrapartida, o campo das ciências sociais continua a revelar particulares fragilidades, já que o seu objecto de estudo é constituído pelas sociedades elas próprias, onde se cruzam e se enfrentam interesses diversos, de forma por vezes bem directa.

Os conceitos e as teorias que as ciências sociais vão produzindo não podem deixar de ser particularmente afectados por lutas sociais. O que está frequentemente em causa são tentativas de afirmar visões do mundo favoráveis a interesses específicos, são tentativas de garantir legitimidades. A importância dessas visões do mundo é, como se sabe, que elas dão forma a opções políticas e económicas específicas e organizam a distribuição de papéis sociais.

Se se focar, por outro lado, um plano mais directamente ligado ao quotidiano da pesquisa, vale a pena ter em conta o tipo de procuras que a essa pesquisa se dirigem e que, traduzindo sempre poderes, podem ser mais ou menos produtivas e abertas. Do lugar do estado, é sabido que em muitas das nossas sociedades e ainda hoje tem havido alguma cooperação no sentido de que as ciências sociais fundamentem e apoiem políticas públicas, designadamente as que se dirigiram à estruturação do estado social.

Mas há também casos negativos limite, ainda assim reais, em que clientes públicos ou privados solicitam respostas pré-definidas e especificadas, desvirtuando totalmente a própria ideia de investigação. Se tais procuras encontram correspondência na oferta — ou eco, se preferirem — estamos então no que tenho chamado o síndroma de Zelig. Recorde-se que Zelig era a personagem central de um antigo filme de Woody Allen com a capacidade de mudar fisicamente de aspecto até ficar igual ao seu interlocutor. O desejo ou a necessidade de agradar atingia aqui o seu limite caricatural.

Repita-se, contudo, que os casos limite, obviamente inaceitáveis de um ponto de vista deontológico, só marginalmente inviabilizavam a bem mais normal autonomia relativa da produção científica em ciências sociais.

Afirmar que essas ciências sofrem inevitavelmente influências e pressões não significa, note-se bem, que são delas reféns. O que implica é que as próprias condições de resistência e de autonomia da prática científica devam ser objecto de reflexão epistemológica específica.

Um outro muito conhecido obstáculo presente no trabalho científico tem a ver com as evidências do senso comum.

Essas evidências tiveram outrora papel simultaneamente negativo e relevante no campo das ciências da natureza.

Não era claro para todos que o Sol andava em torno da Terra? Bastava olhar.

Para entender os princípios que levaram à construção dos aviões não foi preciso, por outro lado, cessar de imitar o batimento das asas das aves, que tantos infortunados tombos produziram no passado?

Ao longo do tempo, no entanto, as ciências da natureza foram solidificando os seus núcleos teóricos, foram também formalizando linguagens instrumentais e foram prolongando os seus conhecimentos em irrefutáveis saberes técnicos.

Ainda aqui as ciências sociais manifestam a sua diferença. Da sociedade toda a gente tem de falar. Toda a gente precisa igualmente de aprender regras práticas para lidar com o seu quotidiano. O que em sociologia se chama socialização tem em grande parte a ver com essas aprendizagens. O senso comum sobre o social é, assim, necessário, universal e explícito. Ele é também tanto mais informado quanto mais reflexivas são as sociedades.

O conhecimento científico não se situa num plano hierárquico superior ao senso comum, nem, por exemplo, às apropriações artísticas da realidade social. É apenas diferente, porque diferentes são os seus instrumentos, os seus protocolos e os seus objectivos. Esse conhecimento científico sobre as sociedades coexiste e convive com as outras formas e partilha, em parte, a mesma linguagem. O que não deixa, evidentemente, de condicionar também o seu trabalho.

Gaston Bachelard caracterizava o modelo abstracto dos percursos científicos através da trilogia ruptura, construção, constatação. E a ruptura é precisamente o momento inicial de ganhar distância em relação ao que parece evidente, sejam essas evidências provenientes do senso comum, seja de formulações teóricas que se tornaram insuficientes quanto à respectiva capacidade explicativa. Trata-se, pois, de uma condição para se passar a novas construções conceptuais, à exploração de novas interrogações e hipóteses orientadoras de caminhos críticos de pesquisa, bem como ao teste e validação de resultados.

 

As posições racionalistas construtivistas: consequências e desenvolvimentos recentes

Com a referência a Bachelard reencontramos, em versão moderna, o par tradicional racionalismo versus empirismo. Relembre-se que há antepassados filosóficos ilustres para as duas tendências epistemológicas.

O que se pode dizer, muito sinteticamente, é que no empirismo — provavelmente ainda hoje dominante na filosofia espontânea dos cientistas — o postulado fundamental será de que a verdade é igual a dados.

O trabalho científico corresponderia a uma abstracção/extracção de essências. Os dados seriam neutros, a realidade falaria por si e por isso bastaria ao cientista absorver e registar fielmente o que ela tem para dizer, à semelhança de uma boa aparelhagem de gravação.

Ora o racionalismo aplicado que Bachelard propunha e, com variantes, todas as posições ditas construtivistas, afirmam que a natureza e a sociedade só falam quando são interrogadas, que a forma da pergunta condiciona o tipo de resposta, que todo o conhecimento é construção activa.

Não ter em conta estas características oculta a presença de pré-noções e de teorias implícitas no processo de pesquisa e, por isso mesmo, oculta também os inevitáveis efeitos de tais teorias implícitas nos resultados obtidos.

Se, por um lado e como já se sublinhou, ser e saber são irredutíveis por remeterem para processos de diferente natureza, então também a verdade, no seu sentido absoluto, é uma categoria metafísica, dado o carácter sempre e só aproximado do conhecimento.

Na sequência da sua própria lógica, as posições epistemológicas antiempiristas vêm afirmar o primado da interrogação e do “ponto de vista” na definição dos objectos teóricos disciplinares.

Serão, assim, esses diferentes pontos de vista que distinguem as disciplinas entre si e não os objectos reais que pretendem apreender. No que às ciências sociais respeita, a realidade que analisam não está compartimentada, à espera que cada matriz disciplinar descubra e desvende os mistérios da “fatia” que lhe corresponde. Essas pretensas fatias seriam uma realidade económica, uma “realidade” política e por aí fora, que não deixam de obter continuada consagração na nossa linguagem quotidiana.

Consequências das posições racionalistas: um exemplo

Mas se sabemos que assim é, nem sempre se tiram todas as necessárias consequências das posições racionalistas.

Vejamos um exemplo de fronteiras artificiais na sociologia.

A disciplina, com escassas excepções, tende a parar respeitosamente nas fronteiras dos sentimentos, dos afectos e, mais genericamente, dos comportamentos individuais. Eles seriam o inviolável domínio de outros saberes, por exemplo da psicologia ou da psicanálise.

Ora há tudo a esperar dos trabalhos cooperativos com diferentes níveis de exigência e de integração, designados por pluri, inter e transdisciplinares. Significa isso partilhar objectos, explorar complementaridades de teorias e métodos, a partir, ao menos por ora, das aquisições das diversas disciplinas implicadas.

Trata-se, então, de transgredir e transpor fronteiras.

Para prolongar o exemplo pode dizer-se que ao investir em objectos novos como é o caso do que Bernard Lahire chama o “social na sua forma individual e incorporada”, está a gerar-se uma “sociologia à escala individual”. Claro que tal escala de análise convoca instrumentos conceptuais e metodologias específicas em relação às utilizadas na escala macrossocietal. Mas é difícil contestar que se abrem por aí possibilidades úteis de diálogo e trabalho com outras disciplinas, sendo possível do mesmo passo eliminar a ilusão da subjectividade radical e internamente homogénea, bem como a de que o social se reduz ao geral ou ao colectivo.

A “produção social do indivíduo”, em diferentes contextos e com diferentes socializações, mostra que ele é, como também diz Lahire, “multideterminado” e “multissocializado”.

Podemos pensar nos heterónimos de Fernando Pessoa como uma ilustração literária genial dessa diversidade identitária e disposicional.

A sociologia não tem assim razão alguma para deixar de apreender as lógicas sociais também ao nível do sujeito, o que sublinha a centralidade de todas as análises em torno da socialização, em torno do processo de incorporação dos sistemas de disposições, do habitus. Tais processos, organizados em contextos diversos, podem comportar eventuais dissonâncias e, por aí, identidades complexas ou mesmo fragmentadas.

O exemplo que se deixou é um entre muitos e não vale só para a sociologia. Nenhum horizonte empírico deve estar a priori vedado a qualquer disciplina do campo das ciências sociais.

O apelo para a colaboração entre disciplinas, por outro lado, embora ainda por vezes não ultrapasse o voto piedoso, resulta do reconhecimento da artificialidade das fronteiras e também, por outro lado, da fecundidade virtual da sua transgressão. Os lugares de encontro temático constituem com frequência lugares de práticas virtuosas de hibridação a caminho da transdisciplinaridade.

Desenvolvimentos recentes

Com raiz ou implicação epistemológica, algumas propostas recentes merecem informação e debate. Reportáveis às ciências sociais, têm carácter mais pragmático umas, outras carácter mais analítico.

Lembrámos que as posições racionalistas, com as suas múltiplas variantes, recuam ao antigo debate filosófico com os empiristas. Um dos seus desenvolvimentos actuais entendeu autoclassificar-se como “epistemologia social” e procura prolongar a tradição de complementar a epistemologia descartiana, estritamente ligada ao sujeito pensante.

Steve Fuller, um dos promotores da corrente, escreveu um livro justamente com esse nome — Social Epistemology.1

Com ele, aparece claramente a preocupação pragmática. Em circunstâncias normais, diz-nos Fuller, o conhecimento é procurado e produzido por muita gente, com todas as limitações e imperfeições de cada um dos produtores. Há que reconhecer, por outro lado, que os resultados são sempre afectados pelo tipo de relações sociais estabelecidas entre os cientistas, bem como pelas instituições onde trabalham, as suas regras e os seus poderes internos, além, naturalmente, das influências geradas nos contextos sociais mais amplos.

A questão a pôr, então, será a do melhor modo de organizar essa produção.

Immannuel Wallerstein, que coordenou há cerca de dez anos um grupo de cientistas na chamada Comissão Gulbenkian, foi responsável com o grupo por um documento intitulado Open the Social Sciences, propondo um diagnóstico crítico da situação, ao tempo, das ciências sociais. E entre outras formas de melhorar essa situação, advogava-se a obrigatoriedade de cada investigador pertencer a mais do que um departamento, de forma a ir diminuindo isolamentos disciplinares e ir favorecendo fertilizações cruzadas.

A preocupação de sarar patologias de pesquisa abre, naturalmente, para as questões muito amplas enunciadas por Fuller e que incluem ainda, entre muitas outras, a que respeita aos modelos de investigação na universidade e nos diversos centros especializados, à concorrência entre unidades, aos mecanismos de avaliação e de actualização, aos enquadramentos internacionais e às políticas públicas de nível nacional sobre a investigação e o ensino.

Passando agora a um outro diagnóstico, mais analítico e exigente este, do que se trata é de verificar a emergência e as características do que seria a progressiva prevalência de um modo novo de fazer ciência, designado por modo-2.

A sede mais importante dessa proposta — embora não a primeira — é o livro Re-Thinking Science: Knowledge and the Public in a Age of Uncertainty, datado de 2001 e que tem como autores Helga Nowotny, Peter Scott e Michael Gibbons.

O modo-2 deixou de se apoiar na tradicional base disciplinar e revela um outro conjunto de características distintivas: a comunicação atravessa mais facilmente as fronteiras institucionais; o conhecimento é crescentemente produzido nos próprios contextos de aplicação; aumenta a interacção entre diversos produtores de conhecimento, alargada ela própria também a não cientistas e à sociedade em geral.

A evolução no modo de produção de conhecimento ocorre em simultâneo — embora não necessariamente em harmonia — com a evolução da própria sociedade.

Seria assim já igualmente identificável uma sociedade tipo-2: mais complexa, com mais incerteza, com maior permeabilidade institucional, com acrescida capacidade de auto-organização, com mudanças nas noções de tempo e de espaço, com novas formas de organização económica, com presença crescente de informação e comunicação.

Por outro lado, o sentido quase exclusivo de comunicação que ia da ciência para a sociedade é agora complementado por fluxos inversos, por um falar em retorno da sociedade à ciência. A sociedade “speaks back”, alterando, com isso, os problemas de investigação, os financiamentos, os modos de investigar e as parcerias da pesquisa.

A produção do conhecimento passa a ocorrer no meio do público, numa ágora em que os produtos científicos estão abertos à discussão, à negociação, estão obrigados, em suma, a uma prestação de contas alargada.

O conhecimento tem de continuar a ser fiável (reliable), mas o que agora é novo é que ele tem também de ser “socialmente robusto”.

Todas estas transformações afectam, por seu turno, o “núcleo epistémico da ciência”, desdobrando as epistemologias, passando mesmo algumas a perder a natureza propriamente científica, já que os processos de pesquisa estão submetidos a escrutínios sociais mais amplos. Os instrumentos clássicos de controlo de qualidade, que costumavam ser, no essencial, a avaliação e a aprovação pelos pares, são agora também alargados, com a correlativa perda relativa da autonomia científica.

O modo-2 é transdisciplinar, distinguindo-se das anteriores tentativas embrionárias de meras justaposições disciplinares. Procura-se, desde o início, chegar a formas e perspectivas integradas, logo na formulação dos problemas de pesquisa e depois nos procedimentos partilhados para encontrar soluções. Novos e diversificados actores — alguns deles não cientistas — trazem as suas perspectivas próprias e heterogéneas para as estruturas de trabalho. Estas são desejavelmente mais fluidas, com hierarquias menos pronunciadas.

A prestação de contas envolve não apenas a avaliação da excelência científica dos produtos, mas também do seu “valor societal”, por resultado das interpelações múltiplas que chegam e se fazem ouvir a partir do exterior do campo científico.

Resumidas assim as características centrais desta proposta, parece claro que o modo-2  se fará sentir desigualmente em função dos campos científicos e dos objectos de pesquisa. Ele manifestar-se-á com mais clareza, por exemplo, nas pesquisas de ciências sociais sobre os problemas do desenvolvimento ou em torno das questões ambientais. São áreas, com efeito, em que aos tradicionais trabalhos sobre o public understanding of science se deve juntar e eventualmente sobrepor o que poderíamos chamar o science understanding of public.

Um último diagnóstico que vale a pena referir tem a ver com o sociólogo americano Michael Burawoy, recentemente presidente da Associação Americana de Sociologia. Ele tem-se batido, na mesma linha de preocupações que enunciámos, pelo que chama a public sociology (sociologia pública).

O mais recente artigo que refere esta questão chama-se “Open the social sciences: to whom and for what?” e está agora para sair no Portuguese Journal of Social Science (vol. 6; 3).

A ideia que alguns partilham e que Burawoy critica a Wallerstein, de dissolver as ciências sociais, reunificando-as numa só ciência social, parece-lhe uma “utopia abstracta e totalizadora”. Propõe, em alternativa, criar alianças entre as diversas disciplinas e os públicos, em torno de projectos partilhados.

As duas perguntas essenciais serão, então, se se produz só para uma audiência académica ou também para audiências extra-académicas, por um lado, e se se produz só um saber instrumental, com objectivos pré-fixados, ou um saber reflexivo, que também põe em debate o valor e a relevância social desse saber.

O cruzamento das quatro hipóteses enunciadas resulta num espaço de atributos a quatro dimensões. Saber instrumental mais audiência académica dá saber académico (tradução para a versão anglo-saxónica de professional); saber instrumental mais audiência extra-académica resulta em saber para políticas e para clientes; saber reflexivo mais audiência académica produz saber crítico; saber reflexivo mais audiência extra-académica dá saber público.

Os quatro tipos de saberes sociológicos — mas extensíveis a outras ciências sociais — inter-relacionam-se e coexistem, embora com variações nos seus pesos relativos no tempo e no espaço. Cada um deles, no entanto, implica práticas diferentes, diferentes critérios de validação e de legitimidade, diferentes regimes de prestação de contas e, até, diferentes tendências patológicas.

Para Burawoy a sociologia pública, discutindo meios e objectivos em sedes amplas, torna-se essencial, pelo impacto que pode ter na defesa da sociedade civil. Virando-se para audiências públicas e desenvolvendo o pensamento reflexivo, a sociologia daria um útil contributo para resistir ao que chama a terceira vaga de mercantilização, ela própria ameaçadora também quer para a investigação, quer para as universidades.

 

Comentários finais

Acompanhámos alguns aspectos de uma epistemologia construtivista que afirma, com Bachelard, que o sentido do problema marca o “espírito científico” e que os problemas “não se põem a si próprios”.

O “racionalismo aplicado” desemboca, julgo que com naturalidade, na necessidade de incluir a dimensão societal na agenda do discurso epistemológico, o que significa dotar-se do objecto constituído pelas relações dinâmicas entre a sociedade e a prática científica.

Os exemplos que propus, em particular as propostas de Helga Nowotny e de Michael Burawoy nadam nessas águas, inserem-se claramente nessa agenda. E legitimam o debate aberto e em curso.

A transgressividade transdisciplinar que Nowotny diagnostica e apoia está certamente a funcionar em alguns caminhos de pesquisa. Não só esse tipo de abertura é desejável e potencialmente produtivo, como vai sendo facilitado pelo carácter crescentemente colaborativo da produção de ciência.

Penso, no entanto, que a base do conhecimento e sobretudo das suas aprendizagens iniciais continua a ser disciplinar.

Vale sempre a pena evitar o risco de generalizar aquela situação do médico que era também literato, de quem se gabava a proficiência em ambas as actividades, mas que, por qualquer misteriosa razão, só falava de medicina com literatos e de literatura com médicos.

A preguiça disciplinar é sempre má conselheira da qualidade.

Julgo, por outro lado, que os critérios de validação, de fiabilidade das proposições científicas, devem ser independentes da também desejável “robustez social” que constitui o segundo critério proposto por Nowotny.

Claro que da ciência se espera que seja socialmente relevante e que preste contas dessa relevância a um público cada vez mais capaz de a entender e de a exigir.

Mas trata-se de dois planos completamente distintos. A ciência, como dizia Bourdieu, é dialógica e argumentativa, mas a validação das suas proposições não se faz por voto democrático.

Confundir ambos os planos pode até valorizar o “aplausímetro”, distinguir como boa a ciência que consiga maior popularidade.

Essa confusão é ainda susceptível de favorecer a tendência, bem visível, de desvalorizar a universidade e a sua autonomia, transferindo exclusivamente para o mercado, com o apoio do estado, a autoridade final sobre o que deve ser financiado, investigado e validado.

Ao limite, num mundo assim, teríamos a generalização do “síndroma de Zelig”, sob a capa de uma gestão livre e democrática de competição por recursos, gestão e competição organizadas por alguma “mão invisível”.

São riscos que poderiam contaminar duradouramente as políticas científicas, obedientes apenas a lógicas pragmáticas e favorecendo a investigação aplicada supostamente valorizadora da actividade económica. Num mundo com prevalência absoluta da ciência tipo-2, a investigação dita fundamental, provisoriamente desligada de utilidades imediatas, de contextos de aplicação e da inclusão de parcerias não científicas, ficaria certamente anémica e debilitada apesar da sua indesmentível importância.

A eventual dominação de uma “ciência pós-académica”, com o correlativo enfraquecimento do ethos científico, teria, segundo John Zimman, nascido no Reino Unido dos anos 70, com o thatcherismo e os seus cortes ao financiamento pelo estado. A tendência ter-se-ia generalizado e ter-se-ia tornado irreversível.

Os riscos têm obviamente de ser ponderados, sobretudo em contextos que são os nossos, em que os constrangimentos são moventes e incertos, como incertas e moventes são as oportunidades.

A proposta de Burawoy no sentido de tentar robustecer uma sociologia pública, parece, a um tempo, mais realista e mais produtiva. Como parece também certeiro o diagnóstico de que as ciências sociais não têm necessariamente entre elas desenvolvimentos harmónicos e que, por isso, a eventual tentativa de artificialmente as compactar deve ser substituída pelo bem exigente esforço no sentido de colaborações alargadas, que lhes preservem a diversidade e as produtividades próprias.

Sabemos, com efeito, que as ciências sociais continuam a ser pluriparadigmáticas — e não pré-paradigmáticas, como têm, por vezes, sido etiquetadas. Mas a existência de diversos paradigmas de referência também não tende a facilitar tais colaborações. Julgo, em todo o caso, que pelo menos no interior de cada disciplina passou o tempo de um pluriparadigmatismo de combate, de enfrentamento, com os seus efeitos paralisadores. Estou menos certo que assim seja entre as diversas disciplinas e a dúvida não tem apenas a ver com o facto de se verificarem diferentes estádios de desenvolvimento no interior do campo.

Mas creio que no essencial prevalece hoje o que já chamei um “pluriparadigmatismo de convivência”, sem que isso elimine ou sequer atenue as dificuldades das aberturas transfronteiriças.

Correndo o risco de terminar de forma moralista, eu diria que a sociologia pode guiar-se por três mandamentos principais.

O primeiro consiste, como Wittgenstein propunha, em eliminar falsos problemas. Muitas vezes eles resultam da recorrente invenção de conceitos — ou se se quiser de palavras-chave — que à força de quererem explicar tudo acabam por tornar invisível a complexidade social. Complementar desta gestação de falsos problemas é a invenção de novos nomes para velhas coisas, é a amnésia estratégica dos patrimónios disciplinares com a consequente abertura continuada e celebrada de portas já abertas.

O segundo mandamento dirige-se ao esforço de recensear sistematicamente ignorâncias, sejam elas vazios de conhecimento ou conhecimentos inadequados. Aí são também indispensáveis os processos de colaboração entre disciplinas, já que parcerias dessas estão especialmente bem colocadas para ir às terras de ninguém e começar a explorá-las. Claro que se trata de um terreno mais difícil e incerto do que as securizantes pesquisas de mais do mesmo.

O último mandamento beneficia para o seu cumprimento da eficiência obtida nos outros dois e consiste na necessidade de definir prioridades de pesquisa, de escolher os enigmas de mais urgente solução. E não se pode subestimar aqui a dificuldade de conseguir equilíbrios produtivos entre a resposta a procuras exteriores e a livre iniciativa na eleição dos temas de investigação. Mas a eficaz definição de prioridades contribui, por seu turno, para o trabalho da cumulatividade dos saberes, que devem ser, em simultâneo, adequados, válidos e socialmente relevantes.

 

1 Na Indiana University Press, cuja 2ª edição é de 2002.

* João Ferreira de Almeida. Departamento de Sociologia do ISCTE. E-mail: ferreira.almeida@iscte.pt

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License