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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.64 Oeiras set. 2010

 

Moderados, pragmáticos e personalizados

A evolução dos partidos de esquerda na Europa do Sul

 

Marco Lisi

Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. E-mail: marco.lisi@ics.ul.pt

 

Resumo

Neste artigo procura-se examinar a evolução dos principais partidos de governo de esquerda na Europa do Sul. Apesar dos diferentes sistemas partidários, estes partidos tiveram que se adaptar aos desafios relativos à transformação das suas bases de apoio e à competição eleitoral. Para analisar os diversos percursos da esquerda de governo em Espanha, Grécia, Itália e Portugal consideram-se três dimensões: a evolução ideológica, as características das bases eleitorais e, finalmente, o aspecto organizativo. Esta análise permite evidenciar o processo de convergência destes partidos, assim como a importância do passado em condicionar o seu sucesso ou insucesso.

Palavras-chave partidos socialistas, esquerda, social-democracia, Europa do Sul.

 

Moderate, pragmatic and personalised: the development of left-wing parties in Southern Europe

Abstract

This article seeks to examine the development of the main left-wing government parties in Southern Europe. In spite of the different party systems, these parties have had to adapt to the challenges of transforming their support bases and to electoral competition. To analyse the different histories of the governing left in Spain, Greece, Italy and Portugal, three dimensions are taken into account: the ideological development, the characteristics of the electoral bases and, finally, the organisational aspect. This analysis allows us to show the process of convergence among these parties and the importance of the past as a conditioning factor in these parties’ success or failure.

Key-words socialist parties, the left, social democracy, Southern Europe.

 

Modérés, pragmatiques et personnalisés: l’évolution des partis de gauche dans l’Europe du Sud

Résumé

Cet article examine l’évolution des principaux partis de gouvernement de gauche en l’Europe du Sud. Malgré les différents systèmes partisans, ces partis ont dû s’adapter aux défis relatifs à la transformation des leurs bases et à la compétition électorale. Afin d’analyser les différents parcours de la gauche de gouvernement en Espagne, en Grèce, en Italie et au Portugal, trois dimensions sont considérées: l’évolution idéologique, les caractéristiques des bases électorales et, enfin, l’aspect organisationnel. Cette analyse permet de mettre en évidence le processus de convergence de ces partis, ainsi que l’importance du passé dans le succès ou l’échec qu’ils subissent.

Mots-clés partis socialistes, gauche, social-démocratie, Europe du Sud.

 

Moderados, pragmáticos y personalizados: la evolución de los partidos de izquierda en Europa del Sur

Resumen

En este artículo se pretende examinar la evolución de los principales partidos de gobierno de izquierda en Europa del Sur. A pesar de los diferentes sistemas partidarios, estos partidos tuvieron que adaptarse a los desafíos relativos a la transformación de sus bases de apoyo y a la competencia electoral. Para analizar las diversas trayectorias de la izquierda de gobierno en España, Grecia, Italia y Portugal se consideran tres dimensiones: la evolución ideológica, las características de las bases electorales y, finalmente, el aspecto organizativo. Este análisis permite evidenciar el proceso de convergencia de estos partidos, así como la importancia del pasado en condicionar su éxito o su fracaso.

Palabras-clave partidos socialistas, izquierda, social-democracia, Europa del Sur.

 

Introdução

Na década de 1990 a maioria dos partidos socialistas da Europa Ocidental confrontou-se com o problema da redefinição da própria estratégia. Este facto prende-se essencialmente com dois processos. O primeiro é relativo às mudanças estruturais que se verificaram nas sociedades contemporâneas a nível educacional, laboral e demográfico (Kitschelt, 1994). Estas transformações afectaram de forma significativa a ligação entre partidos de esquerda e os seus eleitores, tornando mais instáveis e flexíveis as respectivas bases eleitorais do ponto de vista social e ideológico. Este processo é particularmente importante para os partidos socialistas, tendo em conta que as mudanças socioeconómicas obrigam a repensar e renovar o seu conteúdo ideológico, sobretudo para se diferenciarem quer dos partidos de centro-direita quer dos partidos mais radicais. Por outro lado, o segundo factor destabilizador baseia-se na maior abertura da estrutura de competição com o acesso de novos partidos à arena governamental (Mair, 1997). A transformação dos partidos comunistas e o surgimento de novos actores — nomeadamente os partidos e movimentos inspirados na “nova política” e nos valores pós-materialistas — representam uma nova ameaça para a manutenção do tradicional eleitorado socialista e, ao mesmo tempo, aumentam a incerteza do ambiente externo. Neste sentido, os partidos sociais-democratas tiveram que enfrentar novos desafios no plano eleitoral e institucional para evitar serem relegados inevitavelmente para um papel marginal.

Apesar dos desafios que emergiram do ponto de vista institucional e socioeconómico, na segunda metade dos anos 90 a maioria dos partidos social-democratas europeus apresentava-se como alternativa credível de governo, através de processos de adaptação que tiveram resultados positivos em termos eleitorais e governamentais (Paterson e Sloam, 2007).[1] No entanto, o começo do novo século deu novo fôlego aos partidos da direita, que conseguiram recuperar o controlo das instituições em vários países europeus, incluindo França, Grécia, Itália, Portugal e outras democracias continentais. Este processo de alternância incentivou mecanismos de transformação relacionados com a esfera partidária interna e com a dimensão externa baseada na competição eleitoral. Não se trata apenas de redefinir as bases eleitorais, mas também de impor determinadas características a nível organizacional, mantendo a coesão e limitando as tendências centrífugas.

Este estudo procura caracterizar a evolução dos partidos de centro-esquerda de Espanha (PSOE), Grécia (PASOK), Itália (PDS-DS) e Portugal (PS), examinando os traços de continuidade e descontinuidade, assim como os factores que influenciaram o sucesso ou insucesso nos respectivos sistemas políticos. Enquanto nas democracias recentes o desempenho dos partidos de esquerda tem tido um sucesso mais estável e duradouro, a saliência institucional e eleitoral do PDS-DS revelou-se relativamente fraca. Do ponto de vista metodológico, uma estratégia de comparação baseada no estudo de poucos casos permite alargar o período temporal considerado, evidenciando os percursos de transformação destes partidos e os principais factores responsáveis pelo diferente desempenho eleitoral e governamental.

Para explorar as semelhanças e diferenças dos quatro partidos seleccionaram-se três dimensões principais. A primeira diz respeito à orientação ideológica. Esta dimensão permite esclarecer não apenas as políticas adoptadas e a sua congruência com as oscilações dos eleitores, mas também as dinâmicas da arena competitiva através do nível de polarização dos sistemas partidários. Porém, a ideologia é também uma componente fundamental na estruturação do voto (Freire, 2006) e um reflexo importante da estratégia adoptada pelos líderes partidários. A segunda dimensão analisa a forma como estes partidos representam a estrutura de clivagens das respectivas sociedades, e a sua evolução ao longo das últimas três décadas. Através da análise das bases eleitorais é possível evidenciar a ancoragem dos partidos ao nível da sociedade civil. A análise das mudanças da relação entre partidos e indivíduos é um indicador útil para verificarmos a hipótese do declínio dos partidos (Daalder, 1992) e se houve um processo de desalinhamento ou de realinhamento dos eleitorados dos principais partidos de centro-esquerda. Finalmente, o terceiro aspecto refere-se ao problema da coordenação interna, que se reflecte na diferenciação vertical — o nível de centralização decisional — e na dimensão participativa.

O confronto entre os casos da Europa do Sul permite levantar questões interessantes em termos comparativos para perceber as diferenças destas trajectórias. Qual é o percurso ideológico experimentado pelos partidos de centro-esquerda durante as últimas décadas? Qual é a diferença entre as bases eleitorais dos quatro partidos? Quais as características organizativas dos partidos social-democratas? Estas são as principais perguntas às quais se procura responder neste trabalho, evidenciando as características desta família no contexto da Europa do Sul e os factores que influenciaram o diferente desempenho em termos político-institucionais.

A secção seguinte analisa a evolução ideológica dos quatro partidos de centro-esquerda e as respectivas posições programáticas. A terceira secção é dedicada à análise das respectivas bases sociais de apoio, enquanto a quarta secção explora as inovações organizativas dos partidos a partir da década de 1990. As conclusões evidenciam a trajectória dos partidos de centro-esquerda, sublinhando as particularidades que emergiram nos diferentes casos considerados e os traços de continuidade nas diversas dimensões analisadas.

A conquista do centro: a evolução da orientação programática e ideológica

Nesta secção analisa-se a evolução da orientação ideológica dos partidos de centro-esquerda da Europa do Sul. Para examinar como estes partidos manipularam o recurso ideológico considera-se, em primeiro lugar, as características programáticas e, em segundo lugar, a forma como o eleitorado interpretou o posicionamento destes partidos, evidenciando assim as dinâmicas competitivas. Vários autores procuraram verificar a hipótese da convergência ideológica entre os partidos de governo ou a hipótese do “fim da ideologia”, sem todavia obter confirmações empíricas (Klingemann, 2005; Freire, 2006). Até que ponto este cenário se aplica aos países da Europa do Sul?

A evolução programática e ideológica do PS caracteriza-se por uma lenta e gradual deslocação para o centro. Este processo é o resultado da adaptação dos líderes socialistas aos desafios do ambiente externo. O PS tem progressivamente deixado de lado a herança de inspiração marxista, originária do período da transição democrática, para adoptar posições moderadas e pragmáticas. Dois factores influenciaram de forma determinante a evolução ideológica dos socialistas. Em primeiro lugar, a necessidade de se diferenciar quer do PCP quer do PSD, na tentativa de se apresentar como um compromisso entre o modelo liberal-conservador do partido de centro-direita e o modelo socialista proposto pelos comunistas. Em segundo lugar, as responsabilidades de governo assumidas na primeira década do regime democrático levaram os dirigentes socialistas a adoptar uma orientação realista e pragmática, condicionada pela crise económica e financeira que o país atravessava e pelas constrições impostas pela Comunidade Europeia (Sablosky, 1997; Canas, 2005: 6-7).

Esta orientação caracterizou-se numa primeira fase, até ao fim dos anos 80, pela necessidade da desregulamentação de importantes sectores e pelo objectivo de integrar a Comunidade Europeia, enquanto no período sucessivo se deu prioridade às políticas de modernização relativas à administração pública e às políticas sociais (cf. Puhle, 2001: 310-311). A partir dos anos 90 o PS adoptou um liberalismo pragmático, combinado com a ênfase sobre algumas políticas sociais (educação, sistema de saúde e segurança social). Esta orientação tem manifestado uma significativa continuidade, como demonstram o conjunto de medidas que integram o chamado “choque tecnológico”, um programa de modernização do funcionamento do Estado e do desenvolvimento da sociedade que constituiu a base do programa eleitoral apresentado em 2005 por Sócrates.

Os dados que emergem dos inquéritos de opinião mostram a moderação do partido, apesar da orientação mais radical expressa pelos documentos ideológicos e programáticos.[2] De facto, se observarmos a evolução ideológica no período democrático, a posição média atribuída ao PS por parte do eleitorado é de 4,2 em 1978 e de 4,7 em 2005, com algumas oscilações mas sem variações significativas (quadro 1). De acordo com a percepção dos eleitores, os socialistas sempre se caracterizaram por uma orientação pragmática, reflexo das políticas económicas implementadas durante os governos liderados por Soares nos anos 70 e 80. A viragem mais relevante verifica-se no período que corresponde aos executivos dirigidos por Guterres (1995-2001), em que o PS parece deslocar-se progressivamente para a direita.

 

Quadro 1 Posicionamento médio do PSOE, PS, PDS-DS e PASOK por parte do eleitorado (1978-2006)

 

Analogamente ao caso português, a posição do PSOE beneficia da exclusão dos comunistas a nível governamental e da distância que separa as duas forças políticas, atribuindo assim aos socialistas a possibilidade de atrair eleitores moderados sem grandes perdas na esquerda do sistema partidário.[3] A distância entre os dois partidos de esquerda aumenta em 1982, ano em que o PCE manifesta a posição mais radical correspondente a 1,8 (Linz e Montero, 1999). Apesar da progressiva moderação ideológica dos comunistas ao longo dos anos 80 e 90, a diferença que separa os dois partidos manteve-se praticamente inalterada. Esta evolução é o reflexo da adopção de políticas moderadas, sobretudo no plano económico, através da implementação de políticas liberais. No entanto, para além dos tradicionais valores da social-democracia (igualdade, pluralismo, justiça social), o governo socialista de Zapatero tem enfatizado a importância das políticas sociais (educação e habitação), assim como alguns direitos civis como, por exemplo, a paridade entre homens e mulheres e os direitos dos homossexuais.

A evolução das percepções das orientações ideológicas por parte do eleitorado espanhol caracteriza-se por uma relativa estabilidade, sobretudo no que diz respeito aos partidos da esquerda, enquanto no espectro ideológico da direita o panorama revela uma maior flexibilidade. De facto, o rápido desaparecimento da UCD e a lenta e gradual moderação do PP marcaram a evolução do sistema partidário e as características da competição. Em relação ao PSOE, a moderação das suas orientações programáticas manifesta-se pela média do posicionamento atribuído pelos eleitores durante o período considerado (4 na escala 1-10 entre 1978 e 2004). Em particular, parece evidente a moderação dos socialistas a partir do fim dos anos 80, com a mudança no espectro ideológico de 3,7 em 1986 para 4,5 em 1996, para depois se estabilizar em 4,3 nas eleições sucessivas. De facto, desde a passagem da oposição para o governo, o PSOE foi radical na recusa do marxismo e adoptou sem hesitações políticas mais liberais combinadas com a defesa do Estado social (Méndez Lago, 2006).

O caso grego é o exemplo mais evidente da trajectória gradual e constante na direcção de uma crescente moderação, que se reflecte na ocupação do centro do espectro ideológico. Depois do radicalismo programático e ideológico que caracterizava o partido na década de 1970, o PASOK baseou-se sobretudo na implementação de políticas sociais através da acção do Estado, com a consequente penetração e colonização de muitos sectores da administração pública (Sotiropoulos, 2004). Na economia, Papandreou definiu como objectivo principal o aumento da produtividade baseado no sector privado, associando-a a políticas de redistribuição a favor dos trabalhadores assalariados. Esta fórmula foi a base do consenso nacional criado em volta do PASOK na década de 1980, limitando a possibilidade de alternativas programáticas avançadas pelas oposições bilaterais (ND e KKE) constituírem uma barreira ao sucesso dos socialistas.

Na década de 1990 a nova liderança de Simitis, expressão da ala mais moderada do partido, adaptou as linhas programáticas no sentido da modernização da sociedade do ponto de vista económico e social, criticando as políticas implementadas na década anterior (Spourdalakis e Tassis, 2006: 253). O centro desta modernização baseava-se em dois eixos: um vasto programa de privatizações e uma política económica e monetária “robusta” que reduzisse a inflação e o défice para garantir uma maior competitividade da economia helénica no contexto europeu. A política de modernização avançada pelo sector mais pragmático do partido reflecte-se na evolução da percepção da colocação ideológica do partido por parte do eleitorado. O caso grego, de facto, é o exemplo mais evidente da progressiva lógica de moderação, passando de 4,4 em 1984 para a posição de 5,5 em 2004. Em média, o PASOK é o partido de centro-esquerda da Europa do Sul que apresenta orientações mais moderadas, direccionadas essencialmente para atrair os eleitores do centro do espectro ideológico.

Um dos traços característicos da evolução do sistema partidário italiano é o processo de moderação iniciado pelo PDS no começo dos anos 90. Como herdeiro do PCI (Partido Comunista Italiano), o posicionamento deste partido é bem mais à esquerda do que o dos outros partidos das democracias mais recentes. Apesar de constituir uma ruptura do ponto de vista ideológico em comparação com o antigo partido comunista, que se manifesta da passagem da posição de 2,4 em 1990 para 3,4 em 1999, a moderação do novo partido de centro-esquerda parece ter sofrido um retrocesso nas últimas eleições. De facto, em 2001 os dados mostram uma maior radicalização, que é confirmada nas eleições de 2006, em que os eleitores atribuem ao partido a posição de 2,8. Por isso, os dados disponíveis evidenciam a ambiguidade do processo de moderação que, pelo menos segundo a percepção do eleitorado, parece mais radical do que o que emerge ao analisar as dinâmicas de competição. Este caso parece portanto contrariar as tendências da evolução ideológica dos partidos socialistas das democracias recentes. Há uma evidente dificuldade da elite pós-comunista em se afirmar aos olhos dos eleitores como uma força moderada, como se nota pelo debate político e pelo nível de polarização do sistema partidário.

A particularidade do caso italiano reside não apenas no facto de ser o único partido a levar a cabo uma profunda transformação ideológica, mas também na dificuldade de impor esta mudança aos olhos do eleitorado. Enquanto o PS em Portugal e o PSOE em Espanha apresentam uma marcada estabilidade das orientações ideológicas nas posições de centro-esquerda, os dirigentes italianos (ex)comunistas iniciaram um processo de mudança ideológica e programática, no começo da década de 1990, no sentido de adoptarem uma plataforma social-democrata. As duas áreas em que esta mudança se tornou mais evidente são a política económica e a política externa (Giannetti e Mulé, 2006: 461). Contudo, houve também a introdução de novas temáticas como, por exemplo, na área dos novos direitos (participação das mulheres, imigrantes, ambiente) e das novas tecnologias. No plano económico os pontos principais dos programas de 2001 e de 2006 consistem no objectivo da modernização em termos das infra-estruturas, comunicações e modelos produtivos (incentivos para as pequenas e médias empresas). Este processo e a diminuição dos regimes de impostos deviam constituir os instrumentos para aumentar o desenvolvimento do país e a competitividade ao nível internacional.

Em geral, a tendência que se manifesta nos partidos da Europa do Sul não diverge fundamentalmente do padrão que caracteriza os outros partidos europeus (Paterson e Sloam, 2007: 51-56), enfatizando as reformas do Estado-providência, uma certa intervenção do Estado combinada com uma crescente atenção à competitividade a nível internacional e, sobretudo, a preocupação de defender determinadas políticas sociais (desemprego, educação, saúde). Os partidos de centro-esquerda da Europa do Sul caracterizam-se por uma orientação tendencialmente centrista e moderada que acompanha substancialmente a evolução dos partidos da mesma família política no resto da Europa, procurando combinar uma economia de mercado com os valores da solidariedade e da justiça social.

Se observarmos as dinâmicas de competição, é interessante notar que, em geral, o caso português apresenta a média mais baixa de polarização para o período considerado (0,28), enquanto em Espanha, Grécia e Itália o índice de polarização apresenta uma média que oscila entre 0,37 e 0,42. Isto significa que a distância que separa os dois maiores partidos de cada bloco ideológico é mais reduzida no caso português do que nos outros casos.[4] Porém, o caso grego é o que apresenta a tendência mais evidente para a convergência entre os dois maiores partidos do centro: o índice de polarização reduz-se de metade em duas décadas, de 0,48 em 1985 para 0,25 em 2004. Esta evolução é o reflexo das dinâmicas centrípetas que caracterizam a competição do sistema partidário grego a partir do fim da década de 1980, ao contrário da maior polarização que se verifica no caso italiano.

O perfil da base eleitoral dos partidos de esquerda

Depois de se ter analisado a evolução ideológica, nesta secção procura-se explorar a base social de apoio dos partidos de centro-esquerda, evidenciando de que forma são representadas as clivagens tradicionais da sociedade. Na senda dos estudos de Przeworski e Sprague (1986), nesta secção analisar-se-á a evolução das bases eleitorais dos partidos. As duas dimensões principais aqui consideradas referem-se, por um lado, às características das respectivas bases eleitorais e, por outro, à importância das variáveis sociológicas para explicar o que distingue os principais partidos de esquerda dos partidos moderados do outro bloco ideológico.

Um aspecto fundamental para delinear a evolução dos partidos social-democratas consiste em analisar as características sociodemográficas da base eleitoral. Comparando o perfil do eleitorado dos quatro partidos, o ponto importante a evidenciar é que há semelhanças nas respectivas bases eleitorais. Em primeiro lugar, é evidente, no longo prazo, a crescente importância assumida pelas classes médias dentro dos dois eleitorados, sobretudo considerando o peso das profissões liberais e do sector terciário. Em segundo lugar, há traços comuns que se referem ao processo de modernização, como emerge observando a maior laicidade dos eleitores e o maior nível de educação.

No caso português, o carácter moderado da orientação ideológica do PS reflecte-se também na heterogeneidade da composição sociodemográfica dos seus eleitores (quadro 2). O PS, assim como o PSD, não emerge como uma estrutura de representação de um grupo social específico, mas é, pelo contrário, uma organização interclassista em que a construção de uma identidade específica é um aspecto de segundo plano para a maioria dos seus eleitores. A evolução do eleitorado do PS mostra uma tendência para uma progressiva alienação dos jovens e, por conseguinte, um processo de envelhecimento: em 2002 a percentagem de eleitores com menos de 34 anos constituía pouco mais de 20% dos seus eleitores, enquanto em meados dos anos 80 era cerca de um terço. No que diz respeito ao nível de instrução, não se verifica uma mudança significativa, sobretudo em termos da proporção de eleitores com uma educação mais elevada.

 

Quadro 2 Composição sociodemográfica dos eleitores do PS, PSOE, PDS-DS e PASOK

 

A base eleitoral do PSOE definiu-se com o realinhamento que marcou as eleições de 1982, que contribuiu para acentuar o carácter catch-all do partido, como emerge da grande proximidade ideológica e sociodemográfica que existe entre o eleitorado socialista e o eleitorado em geral (Linz e Montero, 1999). Analisando mais em pormenor a estrutura de clivagens do partido socialista espanhol, podemos afirmar que conseguiu manter um suporte significativo por parte da classe trabalhadora, assim como do sector não activo. De facto, os reformados, donas de casa e estudantes constituem cerca de 50% do eleitorado do PSOE, sem mudanças significativas ao longo dos anos 80 e 90. Por outro lado, a percentagem de jovens parece ter aumentado, sendo que em 2004 cerca de metade dos eleitores socialistas tinham menos de 35 anos. Finalmente, em termos de habilitações, não parece ter havido grandes mudanças, apresentando uma elevada proporção de licenciados já em 1982, percentagem que aumentou progressivamente nas décadas sucessivas.

O PASOK emerge desde a instauração do regime democrático como um partido com uma base social diversificada e bastante heterogénea, cujo “núcleo duro” reside nos agricultores e nas faixas médias-baixas da burguesia (cf. Bilios, 2003). Na década de 1980 o carácter catch-all do partido ainda se torna mais evidente. Em termos das características sociodemográficas, o eleitorado do PASOK manifesta uma tendência bastante clara, ao longo das últimas duas décadas, para um progressivo envelhecimento da respectiva base social através da alienação dos jovens do partido. Este processo é acompanhado, paralelamente, por uma progressiva modernização, que se reflecte no aumento do grau de escolaridade e, ao mesmo tempo, na redução do carácter religioso. No que se refere à situação profissional, assiste-se a uma substancial continuidade, caracterizada pelo peso consistente do sector inactivo e pelo peso das classes médias (terciário).

Nos anos 80 o PCI-PDS distinguia-se dos outros partidos de centro-esquerda das novas democracias por ter uma estrutura de clivagens mais definida, baseada numa forte subcultura que garantiu uma elevada estabilidade da sua base eleitoral. O eleitorado comunista baseava-se assim nos grupos activos, centrados essencialmente na classe trabalhadora e nos serviços, com uma forte ancoragem a nível territorial (regiões do Centro).

No caso do PDS-DS a base eleitoral alterou-se de forma significativa a partir dos anos 90. Em primeiro lugar, o eleitorado com uma faixa etária central diminuiu, com um progressivo envelhecimento dos eleitores do partido e uma expansão para os sectores não activos. Contudo, o partido de centro-esquerda conseguiu não alienar o suporte dos sectores mais jovens, apresentando uma proporção parecida com os outros dois partidos. Onde emerge uma maior diferença, sobretudo em relação ao PSOE, é no “capital cultural”, pois os DS têm conseguido atrair o apoio dos sectores com um nível habilitacional mais elevado (quase 20% com o grau de licenciatura). Outro indicador importante para a análise da estrutura das clivagens baseia-se no sector profissional. Aqui parece evidente a diminuição do peso da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, o aumento da importância do sector terciário, nomeadamente no que diz respeito aos funcionários da administração pública que têm vindo a assumir um peso crescente na fisionomia do eleitorado do centro-esquerda.

Resumindo, desde a década de 1980 o perfil dos eleitores dos partidos de esquerda apresenta características heterogéneas, pelo menos no que diz respeito à idade, ocupação e nível de instrução, aproximando-se de forma significativa ao eleitor mediano. A situação é parcialmente diferente em relação ao PDS-DS, que herda do antigo partido comunista uma estrutura de clivagens mais forte. Contudo, aqui também se manifesta uma tendência para uma progressiva e gradual heterogeneidade e diversificação da base eleitoral. Se a mudança que se verifica nos casos considerados a nível profissional pode ser atribuída, pelo menos em parte, às transformações de longo prazo das sociedades, torna-se necessário evidenciar as diferenças, em termos de idade e de habilitações literárias, entre o PS e o PASOK, por um lado, e o PSOE e o PDS-DS, por outro. É nestes dois partidos que emerge uma maior capacidade de atrair apoios de sectores mais jovens e mais qualificados da sociedade. Este dado é compatível com as conclusões evidenciadas pelos estudos sobre o comportamento eleitoral, segundo os quais as clivagens tradicionais — sobretudo a de classe — teriam um fraco impacto, quer sobre o comportamento dos eleitores quer sobre as orientações ideológicas dos partidos.[5]

Para analisar a evolução das relações entre os partidos de centro-esquerda da Europa do Sul e os respectivos eleitorados efectuou-se uma série de regressões entre a década de 1980 e o começo do novo século (figura 1). Considerando como variável dependente o voto nos principais partidos de esquerda em contraposição com o voto nos partidos de governo da direita, é possível evidenciar para todos um declínio do poder explicativo das determinantes sociais em detrimento das variáveis ideológicas ou da avaliação do líder. Os dados confirmam que o PS e o PASOK são os partidos de esquerda com uma menor ancoragem do voto à classe social em relação aos outros partidos da mesma família na Europa do Sul (cf. Gunther e Montero, 2001). Os DS e o PSOE apresentam, pelo contrário, uma maior penetração no eleitorado do ponto de vista social, apesar de o peso destas variáveis diminuir substancialmente ao longo do período analisado. O fenómeno é particularmente relevante para o PDS-DS que, se nos anos 80 era evidentemente um partido com uma forte expressão social do voto, nas décadas seguintes é caracterizado por uma profunda transformação. Deste ponto de vista, as dinâmicas eleitorais que opõem os principais partidos de governo (centro-direita vs. centro-esquerda) convergem no sentido de uma crescente indiferenciação do ponto de vista social. Estes resultados mostram que para explicar a origem do voto é necessário recorrer a outras variáveis, como a orientação ideológica e os factores de curto prazo (impacto dos líderes, economia, temas da campanha).

 

Figura 1 Variância explicada pela classe social e religião na Europa do Sul (R² incremental)

 

Estas considerações evidenciam também o sucesso da estratégia catch-all adoptada pelos partidos da esquerda das novas democracias logo depois da instauração do regime democrático. Em geral, estes partidos preferiram apresentar uma ideologia indefinida, com o objectivo de conquistar o eleitorado de centro, e não representar eleitorados com características socioculturais específicas. Esta tendência seria depois reforçada pelo processo de modernização e secularização, desincentivando ulteriormente uma estratégia baseada no encapsulamento de determinados grupos sociais. Contudo, na década de 1990 assiste-se a um processo de convergência entre os partidos considerados, que não parece justificar os diferentes resultados em termos eleitorais e institucionais. Na tentativa de interpretar este fenómeno é necessário ter em consideração não apenas as estruturas de clivagens, mas também as estratégias dos líderes partidários a nível organizacional.

 

Mais personalizados e mais flexíveis: as transformações organizacionais

A análise organizacional das transformações dos partidos políticos é uma dimensão crucial para evidenciar de que forma as forças de esquerda reflectiram as dinâmicas emergentes nos partidos europeus. Apesar dos diferentes legados organizacionais, realizaram-se mudanças significativas em duas dimensões:[6] a primeira diz respeito às modalidades de selecção do líder, enquanto a segunda refere-se ao enquadramento e participação dos filiados.

A primeira dimensão relevante para caracterizar a evolução da organização relaciona-se com a selecção dos líderes partidários. Segundo a interpretação de Mair (1997), nos partidos contemporâneos verifica-se um aumento dos poderes dos líderes partidários que, procurando alcançar uma maior autonomia, introduzem medidas de democratização, de forma a atomizar a base militante e diminuir o peso dos activistas dentro das organizações.

O PS adoptou vários modelos organizacionais a partir de 1992. Depois de uma breve fase de experimentação — caracterizada pela experiência das “convenções” (Van Biezen, 2003) — os socialistas decidiram voltar ao tradicional modelo de democracia delegada baseada no congresso. Apesar de os poderes do líder permanecerem substancialmente inalterados, o estatuto de 1998 veio atribuir aos militantes a competência para eleger directamente o líder do partido.[7] Na óptica dos principais dirigentes socialistas, esta medida era necessária para aumentar a mobilização dos filiados e reforçar o capital de legitimação do líder na competição eleitoral.[8] Apesar de levantar algumas críticas por parte das federações e das estruturas intermédias do partido, a liderança do partido manifestou-se a favor da introdução do mecanismo de eleição directa do secretário-geral e Guterres não teve nenhuma dificuldade em ganhar as primeiras eleições directas internas, alcançando sempre uma percentagem superior a 96% dos votos (quadro 3).

 

Quadro 3 Eleição directa dos líderes dos partidos de esquerda na Europa do Sul

 

A liderança de Ferro Rodrigues (2002-2004) também foi caracterizada por eleições internas não competitivas. Foi apenas em 2004, quando José Sócrates conseguiu derrotar os outros dois candidatos, João Soares e Manuel Alegre, que houve uma competição mais intensa para a liderança, apesar de a diferença entre o primeiro e o segundo candidatos permanecer significativa (80% e 15% dos votos válidos, respectivamente). A projecção nacional dos três candidatos produziu um impacte relevante nos meios de comunicação, sobretudo pelas diferentes posições assumidas em termos de política de alianças e do papel de intervenção do Estado.

No caso do PSOE, a decisão de introduzir a eleição directa do candidato a primeiro-ministro tem origem na forma como foi gerida a sucessão de González, depois da decisão anunciada no congresso de 1997 de não se candidatar à liderança do partido. Naquela ocasião os delegados escolheram Joaquín Almunia, um colaborador de González e várias vezes ministro nos governos socialistas. As divisões internas acentuaram-se e tornaram ainda mais fraca a legitimidade interna do novo líder. Almunia decidiu em 1998 convocar eleições para a selecção do candidato socialista a primeiro-ministro, depois de as eleições primárias terem sido adoptadas em 1997 para a escolha dos candidatos autárquicos, com o objectivo de incentivar a participação dos inscritos e contrariar a imagem de uma organização centralizada (Méndez Lago, 2006: 424).

Nas primárias realizadas em 1998 Almunia foi derrotado por Josep Borrell, um membro da esquerda socialista, que obteve 55% dos votos dos inscritos. Esta situação criou uma liderança bicéfala entre o secretário eleito pelo congresso, Almunia, e o candidato a primeiro-ministro. Esta coabitação tornou a liderança mais fraca e teve como consequência o reforço do poder dos líderes regionais. Borrell foi obrigado a desistir da candidatura pela falta de suporte da elite dirigente. Depois da derrota eleitoral de 2000 e da demissão do secretário, os dirigentes convocaram um novo congresso para escolher o novo líder do partido. Nesta ocasião surgiram quatro candidatos: José Bono, Rodríguez Zapatero, Rosa Díez e Matilde Fernández. Zapatero conseguiu obter uma vitória sobre o candidato favorito através de uma pequena margem (41,7% contra 40,8% de Bono). O método de selecção do líder do partido manteve a eleição indirecta através dos delegados ao congresso, enquanto as primárias foram utilizadas para a escolha do candidato a primeiro-ministro.

O processo de clarificação interna e a inexistência de uma sólida oposição permitiu ao novo líder gerir sem problemas o processo de recuperação eleitoral e de reorganização do partido (Bosco, 2005). O método das primárias para a eleição do candidato manteve-se, mas em 2004 a candidatura apresentada por Zapatero foi a única, por isso não houve eleições competitivas, apesar de ser ratificada pela grande maioria dos militantes.

A mudança da eleição do líder do partido caracteriza também o caso grego. Enquanto na primeira década do período democrático Papandreu nunca chegou a ser eleito, na década de 1990 o seu sucessor Simitis foi eleito primeiro pelo grupo parlamentar e depois pelo congresso. A alteração mais importante verificou-se em 2004 quando o novo líder (Giorgios Papandreu) veio a ser eleito pelos eleitores e não apenas pelos militantes.

Nestas primeiras eleições, apesar da falta de competição interna, a mobilização do partido foi significativa e envolveu um milhão de eleitores, ou seja, mais do que o dobro da estimativa dos militantes do partido (cf. Spourdalakis e Tassis, 2006). Em 2007, depois da derrota do PASOK nas legislativas, Papandreu decidiu convocar novas eleições directas, que foram disputadas por três candidatos. Também neste caso se registou uma elevada mobilização, que levou às urnas pouco menos de 80% entre inscritos e simpatizantes do partido. O líder demissionário conseguiu ser eleito com uma margem relativamente reduzida de votos (55%), enquanto o ex-ministro socialista Venizelos obteve mais de 38%.

Em geral, a elevada participação interna não tem tido efeitos em termos de um maior controlo das estruturas do partido sobre o líder. No caso grego esta transformação organizacional tem reforçado o poder do líder em relação à organização do partido e aos militantes, dado que a distribuição interna do poder atribuiu à organização extraparlamentar escassos poderes, ficando sempre subordinada ao grupo parlamentar. Porém, a tentativa de aumentar a democracia intrapartidária e incentivar uma maior participação interna acabou por favorecer um maior populismo dentro do partido, através de laços directos estabelecidos entre a liderança e a base eleitoral. Neste sentido, enquanto nas democracias ibéricas é mais difícil confirmar a hipótese de Mair em relação aos efeitos da democratização da eleição do líder ou do primeiro-ministro, no caso grego esta alteração deixa menos dúvidas sobre o reforço do poder do líder em relação à organização do partido e aos militantes.

No caso italiano, a dissolução do Partido Comunista levantou um intenso debate interno sobre a forma organizacional mais apropriada para o novo partido. A alteração dos poderes internos procedeu devagar, subordinada muitas vezes aos desenvolvimentos políticos e à evolução das lógicas de competição interpartidária. Todavia, e apesar das resistências internas manifestadas por uma parte da elite dirigente (Bellucci e outros, 2000), no fim da década de 1990 introduziram-se elementos de inovação no âmbito do modelo de congresso, através de mecanismos de democracia directa. Analogamente ao que se tem verificado nos outros partidos da Europa do Sul, os novos estatutos dos DS (2000) estabeleceram a eleição do secretário-geral directamente pelos militantes e não pelos delegados ao congresso.

Na primeira eleição directa, em 2000, o então líder do partido, Walter Veltroni, conseguiu ganhar facilmente a competição, pois não havia nenhum candidato alternativo. Ao mesmo tempo, Massimo D’Alema, o anterior secretário-geral do partido e na altura primeiro-ministro, assumiu o papel de presidente do partido. Esta dualidade criou, de facto, uma liderança bicéfala que afectou a coesão da elite dirigente e contribuiu para diminuir o grau de centralização do poder.

Depois da eleição de Veltroni como presidente da Câmara de Roma, os DS tiveram que escolher outro candidato para o cargo de secretário. No congresso de 2001 apresentam-se três candidatos, dos quais foi eleito o representante da maioria, Piero Fassino, com uma margem bastante ampla de apoios (61,7%). Apesar de haver candidatos e moções alternativas, nenhuma facção interna chegou a agregar um consenso interno de forma a aumentar a competitividade da escolha do líder. A liderança de Fassino foi confirmada no congresso de 2005 no âmbito do qual não se apresentaram candidatos alternativos, apesar de haver quatro moções diferentes que capitalizaram cerca de um quinto dos votos dos militantes (a moção de Fassino obteve 79,1%). Em geral, o mecanismo da eleição directa permitiu, até agora, a expressão das facções internas, apesar de não se ter traduzido num verdadeiro desafio para a liderança ou para a alteração dos equilíbrios internos.[9] De facto, a liderança do secretário consolidou-se progressivamente, facto extremamente importante num partido caracterizado por uma elevada conflitualidade interna e pela presença de fortes tendências centrífugas (Pasquino, 2007).

Em geral, apesar das diferentes modalidades, todos os partidos já experimentaram formas de selecção directa dos respectivos líderes. Contudo, as reformas limitaram-se apenas ao líder do partido e não houve a expansão dos poderes dos militantes em outras áreas como, por exemplo, para a selecção de candidatos ou a elaboração dos programas eleitorais. Neste sentido, considerando também a reduzida competitividade que tem caracterizado a experiencia das “directas” nestes partidos, a lógica do funcionamento interno não se alterou de forma significativa, tendo reforçado o carácter centralizado e a personalização das organizações partidárias.

A segunda dimensão a analisar diz respeito à estrutura de base dos partidos. A literatura sobre partidos tem sublinhado as transformações recentes no sentido da mudança do papel dos inscritos no âmbito das estruturas partidárias (Kittilson e Scarrow, 2003). Os militantes ainda desempenham importantes funções para os partidos como, por exemplo, a legitimação dos líderes e a mobilização nas campanhas eleitorais. Uma análise das características organizacionais deve portanto considerar também as mudanças que afectaram o papel dos inscritos.

Examinando o caso português, o PS sofreu alterações importantes, em termos das formas de participação, através da introdução do estatuto de “simpatizante”. O art.º 7.º do novo estatuto aprovado em 2002 estabelece que qualquer pessoa que se identifique com o programa e a declaração de princípios pode registar-se no ficheiro de simpatizantes, organizado a nível central pelo secretariado nacional. No que diz respeito aos direitos, o simpatizante pode exprimir livremente as próprias opiniões, receber apoio político e de formação e participar nas actividades de base. A diferença maior em relação aos filiados baseia-se nos deveres, pois apenas se estabelece que o simpatizante respeite o nome e a dignidade do partido. Neste sentido, o PS procurou alargar as fronteiras da sua base militante através da possibilidade de qualquer pessoa participar nas actividades do partido e beneficiar ainda de alguns direitos, mas sem introduzir vínculos específicos (nomeadamente de natureza financeira) para os simpatizantes. Estas alterações parecem sugerir que o PS favorece a integração de indivíduos que têm uma relativa proximidade ao partido mas sem introduzir incentivos para assegurar a continuidade da sua participação nas actividades partidárias.[10]

O caso do PSOE evidencia a importância da dinâmica governamental em (des)incentivar o papel das estruturas de base e dos militantes. Uma vez que os socialistas alcançaram o poder em 1982, a base militante como recurso tornou-se progressivamente insignificante para a liderança partidária, que podia assim dispor de uma ampla liberdade de manobra (Méndez Lago, 2000). Este processo conduziu a uma paralisação do partido no território e a um crescente afastamento entre a elite dirigente e os inscritos. Foi apenas com a eleição do novo líder em 2000 que se tornou a dedicar atenção às organizações de base, através de um processo de refiliação, com o objectivo de actualizar os ficheiros dos militantes. Ao mesmo tempo, introduziu-se também a nova figura do simpatizante, que se diferencia do aderente pelo facto de poder participar apenas nas organizações sectoriais e ser consultado no âmbito da selecção do candidato a primeiro-ministro.[11] Esta mudança parece ter encontrado o apoio dos eleitores socialistas, que aderiram de forma significativa, sobretudo depois da vitória eleitoral de 2004, aumentado o número de inscritos de 400 mil em 2000 até mais de 460 mil nos quatro anos seguintes. Por outro lado, trata-se também de uma mais-valia para o partido, que adquiriu um maior contacto com a sociedade civil e uma maior capacidade de difusão da mensagem e de propaganda (Bosco, 2005).

O PASOK parece ter tido um percurso bastante diferente dos partidos de esquerda das outras democracias recentes, sobretudo pelo facto de ter experimentado todas as fases que caracterizam o desenvolvimento organizativo tradicional evidenciado pela literatura sobre partidos (Spourdalakis e Tassis, 2006; Van Biezen, 2005). Isto significa que tem evoluído do partido de quadros para uma configuração organizacional próxima do partido de cartel. Na década de 1990 o partido socialista grego incentivou uma maior abertura dos militantes com a introdução da categoria de simpatizantes, que não têm apenas o direito de participar nas reuniões do partido mas também dispõem do direito de voto. Ao mesmo tempo, houve a tentativa de dinamizar as estruturas locais, reestruturando a distribuição territorial e incentivando a abertura a novos sectores temáticos, que deveriam alterar os laços entre o partido e as tradicionais organizações de apoio (sindicatos e cooperativas).

O processo de maior abertura das organizações de base também caracteriza a evolução do PDS-DS. Em 1998, com a decisão de avançar com uma nova transformação do partido, que levaria à criação dos DS, decide-se também a elaboração de um registo dos filiados, através de um processo de refiliação (e de uma campanha de adesão) que permitisse recolher dados pormenorizados sobre o perfil e as atitudes dos militantes. As alterações do estatuto dos DS, aprovadas no congresso realizado em 2005, confirmam — e reforçam — as tendências que já emergiram anteriormente: tornar mais fácil a entrada no partido e abrir a organização à sociedade civil. Esta reestruturação prevê também a criação a todos os níveis do partido de um departamento para controlar as adesões, com as funções de gerir os inscritos e organizar campanhas de recrutamento.[12] Em geral, estas transformações evidenciam a maior importância atribuída aos filiados, não apenas em termos quantitativos mas também na tentativa de tornar mais eficaz a participação dos inscritos (cf. Mulé, 2007).

Em geral, as formas de coordenação interna e de participação evoluíram no mesmo sentido para os quatro partidos considerados. Este isomorfismo organizacional relaciona-se não apenas com as modalidades de legitimação do líder e a integração dos filiados, mas também com as estruturas de base. Em todos os casos, as tradicionais organizações baseadas nas secções (com base territorial ou temática) foram complementadas por novas estruturas que incluem “clubes de política” (caso do PS), associações culturais (DS) ou secções virtuais através da Internet. No entanto, os efeitos destas transformações nem sempre foram homogéneos, quer em termos da evolução da adesão e da participação dos filiados, quer em termos da coesão das facções ou tendências internas. No primeiro caso apenas o PSOE monstra uma tendência consolidada de crescimento e de reforço da base militante, enquanto os outros partidos apresentam um andamento incerto entre a estabilidade e o declínio (Bosco e Morlino, 2006). Em relação ao segundo aspecto, apesar das recentes alterações organizacionais, o caso dos DS apresenta-se bastante atípico, pela presença de uma elite dirigente menos coesa e unitária, cujo problema principal é limitar o facciosismo interno.

Conclusões

A questão principal que este estudo colocou era examinar a evolução dos partidos socialistas ou social-democratas na Europa do Sul em três áreas chave, nomeadamente a orientação ideológica e programática, as bases sociais de apoio e o modelo organizacional, procurando evidenciar as respostas adoptadas por estes partidos para ultrapassar os desafios estratégicos e programáticos que emergiram a partir da década de 1990. Segundo vários autores (Paterson e Sloam, 2007), o sucesso dos partidos social-democratas europeus nos anos 90 explica-se essencialmente pelo processo de adaptação que se verifica em duas áreas-chave, nomeadamente nas políticas implementadas e na estratégia de comunicação baseada na ênfase no papel do líder partidário. A personalização das campanhas e a moderação ideológica, combinada com a defesa das políticas sociais, constituíram dois factores que têm contribuído não apenas para o sucesso dos partidos de esquerda nas democracias mais recentes, mas também para um processo de convergência entre os partidos de esquerda e de direita. Este imprinting originário contribui também para explicar as razões do insucesso do PDS-DS em comparação com os outros partidos de esquerda da Europa do Sul, apesar de haver dinâmicas essencialmente convergentes no que diz respeito às transformações organizacionais e programáticas.

A partir da década de 1980, os partidos de esquerda das novas democracias da Europa do Sul adoptaram uma orientação ideológica e programática moderada, que se manteve essencialmente estável ao longo do período considerado. A evolução para uma política mais “centrista” foi mais evidente no caso grego, sobretudo com a vitória da ala modernizadora do partido. A orientação dos líderes socialistas nas democracias recentes caracterizou-se por uma política pragmática com o objectivo de se diferenciar dos partidos comunistas, por um lado, e dos partidos de centro-direita, por outro. A comparação entre os casos aqui analisados permite também evidenciar que uma das consequências da moderação programática é a maior personalização dos conflitos internos. Este aspecto relaciona-se também com as características das bases sociais e com a evolução dos respectivos eleitorados. Nos quatro casos analisados, para além da componente ideológica, as clivagens sociais representam um factor secundário nas decisões de voto e na selecção das alternativas de governo (cf. Lobo, 2008).

Obviamente as diferentes características organizacionais constituem uma variável importante na tradução das divergências ideológicas em divisões internas. Para além da organização vertical e centralizada adoptada pelos dirigentes social-democratas, as recentes reformas das estruturas de base — veja-se a criação de secções temáticas e clubes políticos — diluíram ainda mais as fronteiras entre militantes, simpatizantes e eleitores, contribuindo assim para a neutralização de potenciais conflitos internos e para uma maior heterogeneidade e moderação da base social de apoio. De facto, se considerarmos os partidos da “terceira vaga”, parece que a centralização decisional pode combinar-se com uma estrutura menos rígida, em que os laços entre a elite dirigente e a base são instáveis e intermitentes. Pelo contrário, os DS nem sempre foram capazes de manter a unidade e coesão interna, limitando as potenciais divergências e, ao mesmo tempo, implementando medidas de democratização a nível interno. Deste ponto de vista, os partidos de esquerda das democracias recentes gozam de uma vantagem importante em relação ao partido italiano, que tem uma maior dificuldade em conciliar eficácia decisional e representatividade. Resumindo, apesar da convergência registada entre os diferentes partidos nas várias dimensões consideradas neste estudo, há diferenças entre o sucesso obtido pelos partidos das novas democracias e o fraco desempenho institucional do PDS-DS. Esta diferença não é apenas o resultado do diferente contexto político-partidário — e da relativa incapacidade ou dificuldade de rentabilizar a estratégia competitiva — mas é também a consequência dos mecanismos de path dependency, que condicionam e limitam as tentativas de introduzir transformações na arena organizacional e programática, limitando o sucesso eleitoral.

 

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Notas

[1]Neste texto utiliza-se a denominação social-democrata como sinónimo de socialista para indicar os principais partidos de esquerda.

[2] Para uma análise geral da orientação ideológica do PS, baseada nos programas eleitorais e nas declarações de princípios, veja-se Nunes (2001) e Silva (2003).

[3] Todavia, há um traço que diferencia o caso espanhol da evolução do PS, que é relativo à diminuição da congruência entre a base eleitoral socialista e a percepção da orientação do PSOE por parte dos eleitores. Neste caso, os dados mostram que se verifica uma progressiva radicalização, sobretudo nas eleições de 2004. Este fenómeno pode ser interpretado como a capacidade do PSOE para mobilizar eleitores mais de esquerda sem todavia perder a imagem de partido moderado e pragmático.

[4] Este fenómeno é confirmado também pela análise dos manifestos eleitorais dos partidos (cf. Freire, 2006). No entanto, dados dos especialistas colocam o caso português atrás dos partidos gregos, que resultam os mais moderados entre os sistemas partidários da Europa do Sul (Bosco e Morlino, 2006: 342).

[5] As análises do comportamento eleitoral, baseadas em inquéritos de opinião evidenciaram que, no caso das democracias recentes, a classe social é um determinante fraco do sentido de voto, sobretudo quando comparado com as principais democracias europeias (Dalton, 1996: 325;Gunther e Montero, 2001).

[6] Não é possível reconstruir aqui as características organizativas dos diferentes partidos. Para uma análise geral veja-se Bosco e Morlino (2006) no número especial da revista South European Society&Politics, 11 (3-4). Para o caso espanhol e português veja-se também Van Biezen (2003).

[7] Em 2002 também houve a introdução das eleições directas para os presidentes das federações.

[8] A introdução da eleição directa do líder do partido tinha sido proposta por Sampaio durante o congresso de 1992 (veja-se a moção “Directas Já”) em que Guterres conquistou a liderança do partido. Na altura, a maioria guterrista era contrária à adopção deste mecanismo com o receio de perder apoios da base militante a favor do outro candidato.

[9] Não se considera neste trabalho a selecção do candidato a primeiro-ministro para a coligação de centro-esquerda nas eleições de 2006, Romano Prodi, também eleito através de primárias abertas, bem como a eleição dos líderes do novo Partido Democrático.

[10] Veja-se também a análise de Santos Silva (2005), elaborada a partir dos dados da refiliação de 2002, em relação aos novos membros e ao baixo número de militantes com uma longa permanência dentro do partido.

[11] São considerados simpatizantes todos os inscritos que não pagam quotas há mais de seis meses.

[12] A contrário do que acontece no caso do PS — e da maioria dos partidos portugueses — e do PASOK, desde a criação dos DS realizaram-se anualmente campanhas de recrutamento, muitas vezes também ligadas a iniciativas políticas específicas para atrair sectores da população e categorias socioprofissionais relacionadas com determinadas áreas. O mesmo fenómeno verifica-se no caso do PSOE durante a liderança de Zapatero.

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