SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número64Protestos rurais em Pernambuco, Brasil: 1964 a 1968Criminalidade na imprensa: Análise do Correio da Manhã, 2000-2007 índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  n.64 Oeiras set. 2010

 

“Tu és rapper, representa arrentela, és red eyes gang”

Sociabilidades e estilos de vida de jovens do subúrbio de Lisboa

 

Otávio Raposo

Assistente de investigação do CIES-IUL, bolseiro de doutoramento FCT, mestre em Antropologia Urbana pelo ISCTE-IUL. E-mail: raposao78@gmail.com

 

Resumo

Na Arrentela, Seixal, alguns jovens adeptos do rap criaram um grupo informal chamado Red Eyes Gang com o objectivo de expandir os seus projectos musicais e fomentar o sentimento de pertença entre eles. Maioritariamente negros (descendem de imigrantes africanos), e pertencentes às classes sociais mais baixas da sociedade portuguesa, os jovens Red Eyes Gang fazem do estilo rap um instrumento para ressignificarem um conjunto de valores, normas e ideologias relacionados com o seu meio social, subvertendo os discursos que os estigmatizam. Ao criarem identidades positivas e desenvolverem uma performance estilística querem ter “direito à voz” e influenciar os contornos da sociedade em que vivem.

Palavras-chave jovem, estilo de vida, sociabilidade, rap e hip-hop.

 

“You’re a rapper, represent Arrentela, you’re from the Red Eyes Gang”: sociabilities and life styles of young people from the suburbs of Lisbon

Abstract

In Arrentela, Seixal, some young rap fans have created an informal group called the Red Eyes Gang with the aim of expanding their musical projects and developing the sense of belonging among themselves. Mainly black (of African immigrant families) and members of the lowest social classes in Portuguese society, the young people in the Red Eyes Gang make the rap style an instrument with which they can resignify a set of values, norms and ideologies related to their social environment, subverting the discourses that stigmatise them. In creating positive identities and developing a stylistic performance, they want to have the “right to a voice” and influence the shape of the society in which they live.

Key-words young, life style, sociability, rap and hip-hop.

 

“Tu es rapper, tu représentes Arrentela, tu es Red Eyes Gang”: les sociabilités et les styles de vie des jeunes de la banlieue de Lisbonne

Résumé

À Arrentela, Seixal, quelques jeunes amateurs de rap ont créé un groupe informel appelé Red Eyes Gang afin de développer leurs projets musicaux et de promouvoir leur sentiment d’appartenance. Presque tous Noirs (descendants d’immigrés africains) et appartenant aux classes sociales les plus défavorisées de la société portugaise, les jeunes Red Eyes Gang font du rap un instrument pour redonner un sens à tout un ensemble de valeurs, de normes et d’idéologies en rapport avec leur milieu social, pour contrer les discours qui les stigmatisent. En créant des identités positives et en développant une performance stylistique, ils veulent avoir “droit à la parole” et influencer les contours de la société dans laquelle ils vivent.

Mots-clés jeune, style de vie, sociabilité, rap, hip-hop.

 

“Tu eres rapper, representa Arrentela, eres Red Eyes Gang”: sociabilidades y estilos de vida de jóvenes del suburbio de Lisboa

Resumen

En Arrentela, Seixal, algunos jóvenes adeptos del rap crearon un grupo informal llamado Red Eyes Gang con el objetivo de expandir sus proyectos musicales, y fomentar el sentimiento de pertenencia entre ellos. En su mayoría negros (descienden de inmigrantes africanos), y pertenecientes a las clases sociales más bajas de la sociedad portuguesa, los jóvenes Red Eyes Gang hacen del estilo rap un instrumento para buscar un nuevo significado a un conjunto de valores, normas e ideologías relacionados con su medio social, subvirtiendo los discursos que los estigmatizan. Al crear identidades positivas y desarrollar un performance estilístico, quieren tener “derecho a voz” e influenciar los contornos de la sociedad en que viven.

Palabras-clave joven, estilo de vida, sociabilidad, rap, hip-hop.

 

Introdução

Este artigo aborda os estilos de sociabilidade juvenil do grupo informal Red Eyes Gang.[1] Os seus integrantes são jovens, pobres, maioritariamente negros (descendem de imigrantes africanos), e vivem na Arrentela — concelho do Seixal, dentro da área metropolitana de Lisboa (AML). A música rap ocupa um lugar central na vida desses jovens, que se apropriam do estilo com uma postura que visa pôr em causa as noções dominantes sobre o seu lugar social. Neste processo, reelaboram o significado de ser jovem (pobre e negro) em Portugal, formulando identidades positivas, ao mesmo tempo que recusam e subvertem os discursos estigmatizadores. No entanto, o estilo rap serve não apenas de resistência e demarcação frente aos valores hegemónicos da sociedade, mas proporciona, também, alternativas de integração social num contexto marcado pela fragilidade das instituições do Estado. Embora os jovens Red Eyes Gang partilhem identificações e estilos de vida, estes adquirem contornos múltiplos. Se há questões importantes que os unem — caso contrário não faria sentido a existência deste colectivo —, há outras que os diferenciam e que estão em disputa entre eles. Por isso, há diferentes formas de ser jovem e de se apropriar do estilo rap no interior do grupo, o que contraria os discursos que apresentam os jovens das classes desfavorecidas sob uma óptica homogénea e pouco dinâmica.

A etnografia foi a principal estratégia metodológica adoptada neste estudo de caso, pois pretendíamos uma aproximação ao quotidiano e à vida pessoal desses jovens, de forma a realizar uma análise em que a dimensão subjectiva não fosse descurada. Para cumprir esses objectivos foi indispensável manter uma presença prolongada no terreno, acompanhar o quotidiano dos jovens nos locais de intensa sociabilidade (esquina, associações, concertos, cafés e outros locais de ócio) e ganhar a sua confiança para fazer entrevistas semidirigidas que pudessem traduzir as suas representações e modos de vida. O trabalho de campo teve a duração de um ano (iniciado em Agosto de 2005), embora frequentássemos o bairro regularmente desde início de 2003. Apesar de os jovens Red Eyes Gang integrarem um circuito amplo de relações e um itinerário que ultrapassa as fronteiras da Arrentela, optámos por nortear a nossa atenção sobre o grupo através de uma “face sensível”: o bairro (Antunes, 2002: 384). Realizámos entrevistas aprofundadas com sete jovens do grupo, tendo integrado alguns trechos destas no presente artigo.

A juventude nas ciências sociais

No prosseguimento das pesquisas sobre a juventude das últimas décadas, e como consequência dos avanços alcançados, desenvolveram-se várias terminologias para designar o estudo dos jovens: subcultura, tribos urbanas e culturas juvenis são algumas delas. De acordo com Gilberto Velho (1987), o primeiro termo tem o perigo de levar à reificação de traços particulares de algumas populações que não expressam um conjunto de crenças e valores partilhados. Considerado como muito traiçoeiro, este conceito dá a ideia de que os seus integrantes pertencem a um mundo à parte, onde a comunicabilidade entre diferentes culturas é quase nula. A referência a “tribos urbanas”, formulada por Maffesoli (1987), quer chamar a atenção para a “tribalização das sociedades contemporâneas”, impulsionada por microgrupos de jovens caracterizados pela sua busca constante da sensação de pertença a um grupo de pares, auto-afirmação e afecto comunitário. Segundo Magnani (2005), o termo “tribo” possui a limitação de transmitir a ideia de estigmatização e homogeneização de universos distintos, além de ter uma carga ideológica que suscita associações à ideia de “selvagem” e aos comportamentos agressivos daí advindos. A preferência de muitos autores pelo conceito de “culturas juvenis” (Feixa, 1999; Antunes, 2002; Fradique, 2003; Pais, 2003) é motivada pela sua perspectiva pluralista de observar a juventude (o próprio conceito está no plural) tendo em conta o conjunto de valores e representações atribuídos aos jovens enquanto conjunto social etário. Por outro lado, implicitamente associados às culturas juvenis estão modos de vida específicos que expressam certas práticas quotidianas. Como refere José Machado Pais, as culturas juvenis

são sistemas de valores socialmente atribuídos à juventude [tomada como conjunto referido a uma fase de vida], isto é, valores aos quais aderirão jovens de diferentes meios e condições sociais. […] O seu sentido antropológico faz apelo para os modos de vida específicos e práticas quotidianas que expressam significados não apenas ao nível das instituições mas também ao nível da própria vida quotidiana (2003: 69).

Ao utilizarmos a expressão “culturas juvenis” queremos enfatizar a diversidade interna das mesmas, num contexto em que muitos teóricos analisavam os jovens como uma “quase classe social” tornada homogénea a partir do acesso aos tempos livres, o que lhes garantiria interesses e valores próprios. Esta perspectiva é exemplificativa de uma das vertentes teóricas (geracional) que marcaram os debates sobre a juventude, em contraposição a uma outra, a classista. Como explica José Machado Pais, ambas acabam por sintetizar as diferentes teorias formuladas sobre a juventude e diferenciam-se principalmente pela tendência homogeneizante ou heterogeneizante que cada uma reforça.

A corrente geracional analisa a juventude como uma fase da vida, realçando os aspectos unitários e homogéneos das culturas juvenis. Seria a “descontinuidade intergeracional”, isto é, a diferença entre gerações, que garantiria o suporte teórico para definir as culturas juvenis em termos etários, constituindo-se como argumento de que os jovens interagem com o mundo como membros de uma geração social (Pais, 2003: 48). Os momentos de tensão e oposição às outras gerações reflectiriam uma percepção da sociedade distinta da visão dos adultos, fruto de um “viver o mundo” comum aos seus pares. As teorias da socialização e das gerações forneceram grande parte da base teórica desta corrente, que, por mais insuficiências que tenha, deu importantes contributos à pesquisa sobre a juventude.

A problemática da reprodução social também está presente na corrente classista, mas é analisada de forma diferenciada. Se na corrente geracional as diferenças/semelhanças e continuidades/mudanças culturais, comportamentais e ideológicas dos jovens são analisadas sob o foco exclusivo das relações sociais entre gerações, a corrente classista pensa a reprodução social sob o signo das classes sociais. Em função disso, a juventude é tratada pela corrente classista como um conjunto social diversificado, dado que as diferentes origens de classe favoreceriam uma multiplicidade de maneiras de viver a condição juvenil. As culturas juvenis seriam “produtos de relações antagónicas de classe”, e as suas manifestações simbólicas seriam soluções ideológicas para os desafios enfrentados pelos jovens de uma mesma classe social (Pais, 2003: 61).

Foi no Center for Contemporary Cultural Studies (CCCS) da Universidade de Birmingham (Inglaterra) que muitas ideias da corrente classista foram desenvolvidas, influenciando os estudos sobre os estilos de sociabilidade juvenil. Criada num contexto de crescimento económico e de consolidação do Estado de bem-estar social (década de 1960), esta escola foi muito influenciada pela emergência de culturas juvenis “espectaculares” (teddy boys, rockers, mods, skinheads e punks), que revolucionaram comportamentos e valores dos jovens na época. O surgimento destas “contraculturas” reflectia uma mudança estrutural na sociedade, anunciando uma crise dos valores puritanos que caracterizavam as elites burguesas desde as suas origens. A criação de estilos juvenis contestatários evidenciava apenas um aspecto das profundas transformações culturais que se estavam a viver. Mas a responsabilidade pela “crise cultural” a que se assistia recaía, principalmente, sobre os jovens, mediatizados e representados como “bodes expiatórios”. Na tentativa de compreender esta multiplicidade de formas de expressão juvenis, esta linha de pesquisa associou a sua emergência a uma espécie de “resposta subcultural” aos problemas decorrentes das relações antagónicas de classe e da crise da cultura parental. Phil Cohen (1972) foi um dos percursores desta linha de pensamento, ao defender que a cultura juvenil divergente expressaria uma forma de contestação aos valores sistémicos, além de evidenciar certa desestruturação familiar e comunitária. O livro Resistance through Rituals (1976) de Stuart Hall e Tony Jefferson desenvolve a linha argumentativa de Phil Cohen, constituindo-se como uma das principais referências teóricas dos trabalhos do Centre for Conteporary Cultural Studies (CCCS). A insistência desta abordagem na capacidade das culturas juvenis de resistir às instituições e ao “sistema opressor” foi censurada por muitos autores, que apontavam alguns aspectos conservadores e tradicionais (Clarke, 1990; Vianna, 1997; Cruz, 2002). Todavia, a rejeição da escola de Birmingham às teorias que viam a juventude de maneira homogénea e interclassista inaugurou um conjunto de estudos etnográficos que demonstraram que a suposta uniformidade de hábitos e valores da juventude é falsa. Como afirma Pierre Bourdieu:

a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável; o facto de se falar dos jovens como uma unidade social, como um grupo constituído dotado de interesses comuns, reportando esses interesses a uma idade definida biologicamente, constitui, desde logo, uma evidente manipulação. […] é por um formidável abuso de linguagem que podemos reunir sob um mesmo conceito universos sociais que não têm praticamente nada em comum (Bourdieu, 1984: 145).

Mais do que ser partidário de uma ou de outra corrente (geracional ou classista), queremos utilizar os contributos das duas no estudo das culturas juvenis. Desta forma, evitaremos polarizações que não contribuem para a compreensão do universo complexo da juventude. Se há aspectos comuns a reunir os jovens, independentemente da sua classe social, numa mesma categoria etária, como a tendência a apreciar determinado tipo de música, lazer e desporto ou a obrigatoriedade de frequentar as mesmas instituições, como as de ensino ou a prestação do serviço militar, a forma como os jovens se relacionam com cada uma dessas realidades ou praticam a sociabilidade está intimamente associada à sua origem de classe. Embora não queiramos cair num “fatalismo sociológico”, que predeterminaria a trajectória individual a partir da localização de classe — muitas investigações (Silva, 1999; Dayrell, 2005; Magnani, 2005) já enfatizaram a existência, dentro de uma mesma classe social, de uma diversidade de formas de ser jovem, contrariando teses deterministas que vêem os jovens das classes menos desfavorecidas de uma maneira uniforme —, esta influencia a construção de distintos projectos de vida e maneiras de viver a juventude (Velho, 1987: 20).

A criação de um símbolo de pertença

O Red Eyes Gang[2] é o nome do grupo informal dos jovens que habitam e convivem nas ruas da Arrentela. Criado por um número restrito de amigos em 1995, num contexto de surgimento de várias bandas de rap no bairro (187Squad e Kombanation foram as precursoras), o Red Eyes Gang pode ser considerado uma crew, segundo a terminologia utilizada no hip-hop.[3] Inspiradas nas referências culturais dos EUA, as crews são agrupamentos informais fortemente territorializados, cujos integrantes se revêem em práticas comuns (neste caso a música rap), partilham um mesmo estilo de vida e, na maior parte dos casos, habitam a mesma localidade. Embora a palavra gang faça parte do nome desta crew, esta não fomenta estratégias de acção relacionadas com a criminalidade, nem possui uma hierarquia interna definida. Tampouco apresenta sinais evidentes de adesão, pelo contrário, o sentimento de pertença ao grupo é muito fluido e varia conforme a intensidade das relações entre os seus membros, o que contrasta com o significado de “gangue” atribuído por pesquisadores da Escola de Chicago.[4]

O Red Eyes Gang foi formado através da união de dois grupos de rap (187Squad e Kombanation) com outros jovens da Arrentela que não cantavam, mas que se agrupavam à sua volta, não ultrapassando trinta pessoas. Na altura da pesquisa de terreno, o número dos seus integrantes ultrapassava uma centena de indivíduos, segundo alguns informantes privilegiados. Este crescimento pode ser creditado à cada vez maior influência da música rap na Arrentela, que fomentou o surgimento de inúmeras bandas no bairro. Os “Defensores da Rua, Bronxiano” e “Revelasom” são outros grupos de rap que integravam este agrupamento. A relativa notoriedade que alguns rappers do bairro alcançaram nos meios de comunicação e no circuito hip-hop também estimulou a adesão dos jovens ao Red Eyes Gang, uma crew cada vez mais respeitada e conhecida entre os adeptos do rap em Portugal. Apesar de a prática do rap ser a actividade central do grupo, não é obrigatório ser rapper para integrar o Red Eyes Gang; contabilizámos entre os jovens da crew quarenta praticantes de rap. Como explica Chullage, um rapper que participa do grupo desde o seu surgimento:

Red Eyes Gang não é uma gangue, não é uma cena que tenha rituais de iniciação e de inclusão. Tu és rapper, representa Arrentela, és Red Eyes Gang, tás a ver. No início, quando Red Eyes nasceu, nasceu só com o pessoal daquele grupo que “parava” ali, tás a ver. Éramos só nós. Os putos, os que não “paravam” ali, ninguém era Red Eyes. Éramos só nós. Mas conforme vão crescendo, o people vai crescendo aí na street já vai ficando Red Eyes, já vai crescendo com esse legado. [Chullage, 28 anos, 30 de Agosto de 2005]

A partilha de experiências nas ruas do bairro, de rituais de sociabilidade e estilo de vida são os elementos que estruturam a pertença ao grupo. Sem uma organização formal, a sua adesão é de âmbito local e expressa uma relação afectiva dos jovens com o seu habitat e os seus “iguais”, constituindo-se como uma estrutura de consagração da união e da amizade dos jovens da Arrentela. Muitos vão e voltam da escola juntos; à tarde, reúnem-se para jogar à bola ou navegar na Internet; e à noite encontram-se numa das esquinas do bairro para conversar sobre música e raparigas (é comum estarem mais de duas dezenas de jovens a conviver nas ruas do bairro). As risadas e os gritos constantes são componentes de um modo de estar que valoriza a diversão e o humor. Enquanto se divertem, gozam uns dos outros e afirmam um jeito de estar na vida que desvaloriza determinados tipos de normas e instituições (escola, trabalho, polícia, etc.) que não vão ao encontro das suas formas de viver o mundo. São esses os principais momentos de confraternização do colectivo, rituais que celebram a amizade e a união entre eles. Viver conjuntamente essas ocasiões e acontecimentos, que expressam um modo de vida comum ligado às experiências partilhadas nas ruas do bairro e à marginalidade social,[5] é o que determina a adesão ao grupo. É o que afirma Chullage:

Red Eyes Gang é a crew dos hip-hoppers da Arrentela… Não, já não é só isso… Red Eyes Gang é Arrentela, tás a ver. Red Eyes G. é o grupo de brothers que “param” aí na street, posso dizer assim. Red Eyes são os niggaz que “param” aí na street da Arrentela, os niggaz que fazem história na Arrentela, tás a ver. Sejam os DJ’s, sejam os MC´s, sejam os niggaz que jogam à bola. [Chullage, 28 anos, 18 de Agosto de 2005]

A maior parte dos jovens Red Eyes Gang é negra e de origem africana, mas é significativo o número de jovens portugueses brancos no interior do grupo. Este facto demonstra que a pertença étnica, embora tenha importância nas referências culturais do grupo, não define a priori os participantes do colectivo. Viver no mesmo bairro, partilhar o mesmo estilo de vida e desenvolver a sociabilidade em conjunto nas ruas da Arrentela ultrapassa em importância a mera pertença étnica. Por isso, convivem na mesma esquina jovens de origem africana de diversos países (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e outros) e jovens portugueses brancos, todos juntos, vestidos de forma parecida, usando os mesmos adereços (brincos, anéis e bonés) e manejando os mesmos códigos de conduta (linguagem, gestos e preferências). Todos os jovens do grupo percebem o crioulo, inclusive os portugueses brancos, dado que esta língua é um espaço simbólico de afirmação e pertença ao Red Eyes Gang. O crioulo que os jovens utilizam na Arrentela não é o mesmo que é falado em Cabo Verde ou na Guiné-Bissau. Muito mais aportuguesado, está carregado de calão e outras palavras criadas nas ruas do bairro, tal como de expressões trazidas de outras partes do mundo (EUA, Angola e Brasil), sendo influenciado pelos diferentes tipos de crioulo existentes, principalmente o falado nas ilhas cabo-verdianas do Sotavento (Maio, Santiago, Fogo e Brava), de onde veio a maioria dos pais dos jovens do bairro. Por isso, o crioulo falado por esses jovens não é apenas uma demonstração da força da herança cultural trazida pelos seus pais, mas é também um instrumento de demarcação e de subversão das normas e dos valores dos adultos. O facto de muitos jovens portugueses brancos saberem falar crioulo evidencia a sua forte identificação com os filhos de africanos. Este é o caso da rapper Guida, uma portuguesa branca de 23 anos, que costuma falar em crioulo com as amigas:

Gosto da cultura dos portugueses, gosto de ser portuguesa e admiro os meus pais e algumas famílias portuguesas que eu conheço. Mas atraem-me muito mais os africanos, atraem-me mais. Atrai-me mais a maneira como eles vêem tudo, tás a ver, como eles vivem, o à-vontade deles. Os portugueses são muito… Eu costumo dizer que os portugueses são a fina-flor do entulho, tás a ver, têm a mania que são finos e são uma boa merda, são rascas, tás a ver. Só que têm a mania que são finos, então ficam a desprezar os outros, têm a mania de desprezar. [Guida, 23 anos, 27 de Setembro de 2005]

Embora haja muitas raparigas a conviver nas ruas da Arrentela, especialmente durante o dia, a maioria reúne-se nas suas casas ou no grupo de dança da Associação Khapaz. Guida é umas das poucas raparigas da Arrentela que canta rap e participa dos habituais rituais de sociabilidade de esquina, praticada na rua, com “actuações” sobretudo nocturnas. Este exemplo evidencia uma prática cada vez mais recorrente entre as raparigas, que passam a reivindicar o seu espaço nos tradicionais pontos de convívio masculino, relacionados com o espaço exterior à vida doméstica (esquina, muro, bar ou café). No entanto, o Red Eyes Gang pode ser caracterizado como um grupo tendencialmente composto por rapazes, em que a presença de raparigas não chega a 1/4 do total dos seus integrantes.

O quotidiano dos jovens Red Eyes Gang está associado a práticas de sociabilidade e de lazer desenvolvidas no âmbito das redes grupais de amigos. Estas preenchem os “vazios” de sociabilidade deixados por outras instituições (escola, trabalho, família, etc.) e são de grande ajuda na orientação dos valores, gostos, projectos e estilos desenvolvidos. O domínio dos tempos livres é de crucial importância, já que é neste espaço que os jovens se demarcam dos adultos e de outros grupos juvenis, numa permanente clivagem e oposição entre “nós” e “eles”. O grupo de pares constitui um espaço privilegiado de partilha dos problemas e das alegrias, no qual valores e comportamentos podem ser explicitados e recriados num formato diferente do convencional. A amizade cumpre um papel preponderante, ao proporcionar companhia e suporte emocional, ao mesmo tempo que influencia decisivamente a formulação dos ideais, projectos, estilos e identificações culturais. Para muitos deles, o sentimento de pertença ao grupo — tal como a amizade e a união daí advindas — é um dos principais apoios para ultrapassarem as dificuldades e frustrações da vida. Grande parte dos melhores amigos daqueles que integram o Red Eyes Gang também fazem parte do grupo, são eles em parte os responsáveis pela sensação de conforto e segurança, amparando-os para os desafios quotidianos. Esta questão é de especial relevância, pois evidencia que, mesmo nos contextos de margem ou nos “processos de dessocialização”, configuram-se “processos de ressocialização” que criam um sentido para a vida dos jovens (Pais, 1999: 11), inclusive na formulação de projectos de vida que visam ultrapassar condutas de risco. O sentimento de pertença em relação ao grupo e os seus mecanismos de autodefesa denunciam o carácter especial das sociabilidades que acontecem em certos espaços do bairro — nomeadamente no muro, no Chacas (uma zona de habitação social) ou na associação Khapaz. Estes são os principais locais onde os rituais de celebração da amizade do grupo ocorrem, em que se busca força, união e conselhos para quebrar barreiras, ao mesmo tempo que se constrói um estilo próprio de ser jovem. Sabotage, um jovem rapper cabo-verdiano de 21 anos (vive em Portugal desde os seis anos) e desempregado, explica-nos melhor esta questão:

Aqui é totalmente diferente, não sais do teu trabalho e vais logo para casa. Aqui existe convivência, em qualquer bairro existe convivência, por mais que sejam só duas pessoas, mas tens ali um grupo que pára e tem a sua convivência. […] Eu posso sair daqui e ter um “estrilho” agora, posso ter qualquer problema… Eu sei que se vou lá fora posso dar “três dedos de conversa” com um sócio meu, ter uma conversa com ele e dizer aquilo que um gajo passou, contar os problemas ou ele estar a contar, isso relaxa um gajo, tás a ver, deixa um gajo fixe. […] Toda a gente quer confessar, a gente não vai confessar à igreja, a gente vai e desce ali em baixo. [Sabotage, 21 anos, 6 de Outubro de 2005]

Foi com este sentido que o Red Eyes Gang foi criado, para dar consistência às amizades e ajudar os seus integrantes a ultrapassarem os problemas enfrentados. Simultaneamente, proporciona um símbolo identitário de reconhecimento e demarcação com os jovens de outros bairros. Ajuda a impulsionar as músicas dos rappers da Arrentela, e possibilita a criação de práticas ritualizadas e performances que servem de suporte tanto para aqueles que cantam como para os seus apoiantes. As letras e mensagens dos rappers Red Eyes Gang dialogam com todos eles, num processo musical dialéctico e colectivo. Quando cantam fazem crónicas das suas vidas e relatam cenas do dia-a-dia vivenciadas pelos membros da crew, “musicando” experiências, espaços e situações do imaginário colectivo do grupo. Portanto, as suas músicas não são apenas a voz daqueles que estão a cantar, mas a voz de todos os jovens Red Eyes Gang.

Mirabola, Chacas, Bairro Amarelo e Bronx: a Arrentela segundo os jovens

Embora formalmente a Arrentela seja uma freguesia, a ocupar uma área de 9,1 quilómetros quadrados, os jovens Red Eyes Gang percepcionam-na como um bairro de dimensões muito mais reduzidas: um espaço delimitado com cerca de 1/15 do seu tamanho original. É neste pequeno local, com as suas ruas, esquinas e escadinhas, os seus muros, largos e becos, que se concentram os locais de referência para os jovens Red Eyes Gang. Não são locais neutros ou sem significado, mas espaços urbanos dotados de sentido e carregados de recordações colectivas associadas às vivências que tiveram ao longo das suas vidas. A rua é o local onde se sentem mais livres para viver a juventude à sua maneira, afastados dos olhares incómodos das suas famílias e das gerações mais velhas. A sociabilidade desenvolvida pelos jovens no espaço público dificilmente poderia acontecer nas suas casas, por não possuírem espaço suficiente para receber tantos amigos e estarem sob o controlo dos pais. Já os cafés e outros ambientes privados não permitiriam certas práticas do grupo tidas como inadequadas pelos adultos (falar alto, ouvir música em alto volume, trocar carícias com a(o) namorada(o), brincar de andar à porrada, etc.) ou mesmo proibidas, tal como fumar haxixe (Pais, 2003). Por isso, a rua é o território onde têm um mínimo de poder — nem que seja fictício, na reivindicação do direito à juventude — para “orquestrarem uma coreografia da amizade” (Alvito, 1998: 195). A centralidade da rua no convívio e nas representações desenvolvidas pelos jovens da Arrentela é bastante esclarecedora nas palavras de Chullage:

A rua é o teu apoio, é o teu chão, a tua fonte de inspiração, é tudo; onde está os teus tropas, tás a ver. Se tu for ver a falta de mobilidade que há do people que cresce aqui, se for, vê que 70% das tuas referências vieram da televisão ou vieram desta rua. Então quando tu vais falar da maioria das tuas experiências como homem, como ser humano, foi nesta rua, porque tu cresceste nesta rua. A tua escola é já a seguir esta rua, do you know what i’m saying? Tu levaste porrada da polícia nesta rua, chamaram-te preto nesta rua, andaste a porrada com niggaz de outros bairros nesta rua. Então tu vais só recolher o portfólio de vivências e imagens desta rua. [Chullage, 28 anos, 19 de Junho de 2006]

A forma como os jovens percepcionam e delimitam o bairro é elucidativa para compreendermos as diferenças existentes no seu interior, designadamente em relação aos seus moradores. De acordo com esses jovens, o bairro está dividido em quatro “microáreas” (Alvito, 1998) principais: Mirabola, Chaca, Bairro Amarelo (conjunto de prédios de realojamento de cor amarela) e Bronx. O nome da primeira foi criado em associação ao antigo café que existia naquela parte do bairro, enquanto que o da segunda foi inspirado numa série de televisão da década de 1980 denominada Chaca Zulu, um dos poucos programas com actores negros e referências culturais africanas, que narra as aventuras de uma tribo africana. Os prédios altos e de elevada densidade demográfica da quarta microárea serviram de inspiração para os jovens pela associação ao emblemático bairro de Nova Iorque, “berço” da música rap. Estas quatro microáreas funcionam como suportes de redes de vizinhança firmemente entrelaçadas e expressam não apenas características arquitectónicas e geográficas, mas também algumas das diferenças sociodemográficas entre os seus residentes. No Bairro Amarelo e no Chacas (ambos formados por habitações sociais) vivem os residentes mais pobres e, em maior número, famílias africanas e ciganas. No Mirabola e no Bronx (zonas compostas por prédios de habitação convencionais) vivem famílias portuguesas e africanas, e é onde reside a maioria dos portugueses brancos do bairro, que constituem cerca de metade dos seus moradores.[6]

A convivência dos jovens Red Eyes Gang não é tão forte no Bronx ou no Bairro Amarelo, constituindo-se esses dois locais como pontos de passagem e de encontro para irem todos juntos ao “muro” (localizado no Mirabola), ao Chacas e a outras partes da cidade. Estes dois últimos, juntamente com a associação Khapaz, são os pontos privilegiados de confraternização dos jovens da Arrentela. As densas relações de sociabilidade e de identificação local desenvolvidas pelos jovens da crew nestes lugares aproxima-os muito da definição de “pedaço” (Magnani, 2003). Estes são espaços bem delimitados onde a dimensão relacional é muito forte, dado que é no pedaço que os jovens partilham novidades e experiências numa espessa teia de:

relações que combinam laços de parentesco, vizinhança, procedência, vínculos definidos por participação em actividades comunitárias e desportivas, etc. (Magnani, 2003: 11).

Tanto o Chacas como o “muro” são espaços privados conquistados ao público, em que assuntos íntimos (para os jovens do grupo) e proibidos (para os adultos) são tratados. As tradicionais bipolarizações (casa/rua e público/privado) são subvertidas, e uma densa trama de códigos e cumplicidades é criada entre os seus frequentadores, definindo quem são ou não os seus integrantes. Neste processo, preferências (musicais, estéticas ou ideológicas) são debatidas, práticas culturais afirmadas, tradições reinventadas — influenciadas por múltiplas referências culturais de cariz tanto local como global —, fazendo deles os protagonistas da construção de um estilo de vida específico. Deste modo, podemos considerar o Red Eyes Gang como a expressão mais elaborada de uma identificação local, cujo ponto de partida é a partilha de experiências comuns vividas nos “pedaços” que compõem o bairro.

Representa Red Eyes Gang: o estilo rap e a pertença ao grupo

O estilo rap é um dos principais componentes identitários dos jovens Red Eyes Gang, dada a influência que exerce na formulação das suas referências e símbolos culturais. A linguagem, os gestos, as preferências musicais e estéticas, as actividades focais e rituais (Feixa, 1999), o tipo de lazer e sociabilidade praticado ou mesmo a ideologia escolhida são exemplificativas de um modo de vida comum, em que o estilo rap é uma parte significativa da “matéria-prima” que utilizam na construção de uma “narrativa de auto-identidade” (Giddens, 1995: 75). Não é um mero recurso estético, mas também um pólo organizador de valores, normas e actividades que dá sentido ao quotidiano do grupo. Tal concepção coaduna-se com a ideia de estilo de vida formulada pelo pesquisador Gilberto Velho (1987): uma maneira de ser e de se comportar associada a um tipo de apropriação simbólica do quotidiano por um determinado segmento social.

Enquadrar a origem social, económica e étnica daqueles que integram o Red Eyes Gang é fundamental para conseguirmos compreender o seu estilo de vida. A grande maioria deles pertence às classes sociais mais baixas — é habitual o pai trabalhar nas obras e a mãe nas limpezas —, e os seus projectos para o futuro não são nada animadores: são excepções aqueles que não abandonaram a escola prematuramente ou conseguiram um emprego formal. A falta de oportunidades e a progressiva fragmentação das clássicas agências de socialização — seja a escola, o trabalho ou as instituições políticas — fazem com que os jovens se sintam desamparados no processo de sua construção como jovens e sujeitos. Mesmo a participação nas actividades lúdicas e culturais torna-se problemática, dado as exigências financeiras serem cada vez maiores, reduzindo substancialmente as opções de lazer. Muitos dos jovens de origem africana não têm nacionalidade portuguesa, mesmo tendo nascido em Portugal,[7] e até aqueles que possuem passaporte português não são considerados cidadãos nacionais pela sociedade portuguesa pelo facto de serem negros. Esta representa-os como outsiders (Elias e Scotson, 2000), dada a cor de pele branca ser parte integrante do imaginário das representações sobre a “portugalidade”. Todos os jovens negros com quem conversámos na Arrentela disseram já terem sido alvo de racismo. Ser perseguido por seguranças no supermercado ou shopping, ver as pessoas protegerem as bolsas com medo da sua presença, e ouvir sátiras e “bocas” como o habitual “vai para a tua terra!” foram algumas das situações relatadas por eles. Acrescenta-se a isso a poderosa influência dos mass media no processo de codificação da violência urbana, assente em dois eixos centrais: o da racialização do crime e o da sua delimitação geográfica aos bairros dos subúrbios (onde se inclui a Arrentela). Estas representações circulam no conjunto da vida social e urbana sob a forma de artigos jornalísticos que descrevem a criminalidade como estando associada à imagem de alguns “indivíduos perigosos” (jovens, imigrantes e negros) e “topografias perigosas”: bairros sociais e subúrbios (Fernandes, 2003). O estilo de vida rap formulado pelos jovens Red Eyes Gang expressa este ambiente de dificuldades, ao mesmo tempo que harmoniza e cria um “espírito de grupo”, dado que todos enfrentam problemas e desafios semelhantes, vivendo em conjunto uma série de limitações no usufruto da sua condição juvenil. Estas são algumas das interpretações que podemos fazer sobre o depoimento que se segue:

Uma das cenas que mais nos une é termos crescido num ambiente socioeconómico repressivo e desfavorecido. O facto de estarmos desenraizados, de sentirmos que não pertencemos a este país e que somos marginalizados. [Chullage, 28 anos, 8 de Setembro de 2005]

O racismo e a estigmatização quotidiana enfrentados pelos jovens da Arrentela são elementos importantíssimos para visualizarmos os complexos processos de construção identitária e percebermos o papel do estilo de vida rap nas suas vidas. O rap fomenta uma nova interpretação da realidade, questionando os discursos de uma sociedade que os desvaloriza. Ao existir uma forte associação entre o estilo de vida rap e a origem social dos jovens das camadas populares, novos códigos morais são criados na perspectiva de quem sofre a discriminação racial e económica. Desta forma, o rap promove o resgate da identidade negra dos jovens pobres e valoriza os bairros em que moram, maioritariamente nos subúrbios das grandes cidades. Estas são categorias que Juarez Dayrell enfatiza na sua investigação. Como este autor refere:

O estilo de vida rap, espaço de ressignificação da experiência de jovens pobres e negros, fornece códigos morais que se tornam uma referência para comportamentos quotidianos. O rap cria uma unidade entre a produção musical e seu sentido, viabilizando uma identidade de jovens pobres negros com uma determinada atitude diante da vida e de si mesmos. (Dayrell, 2005: 122)

Nesta perspectiva, o estilo de vida rap é utilizado pelos jovens da Arrentela como forma de alterar um estatuto de inferioridade e de intervir na cena pública como criadores activos — e não serem vistos como jovens violentos, passivos e marginais. Simultaneamente, querem inverter a correlação de forças social, ao fazer com que características desvalorizadas (ser pobre, negro e residir num bairro estigmatizado) possam ser interpretadas como particularidades dignas e engrandecedoras. O estilo rap e a pertença ao colectivo Red Eyes Gang são os raros instrumentos de protesto e de afirmação que possuem, constituindo espaços de intervenção e de ruptura com um mundo que lhes impõe um estatuto de subalternidade. Se o estilo rap é a “alma do grupo”, fornecendo elementos simbólicos (materiais e imateriais) para interpretarem e actuarem no quotidiano, a pertença à crew é um “abrigo virtual” que protege contra os obstáculos do seu dia-a-dia (Agier, 2001). Ambos fornecem à consciência dos jovens valiosas referências culturais e ideológicas e servem de defesa num contexto pobre e repressivo.

Representar Red Eyes Gang é a forma ritual de os jovens afirmarem o sentimento de pertença a esta identificação colectiva e reinventarem um “nós” com materiais simbólicos que resgatam a sua auto-estima. É uma prática performativa que dá suporte à crew ao dar a conhecer o colectivo a que pertencem e expressar o sentimento de união do grupo. O acto de representar pode ter um tom festivo ou de guerra, porém, em todas as suas configurações há uma componente performativa a apelar ao reconhecimento dos sujeitos pelas diferenças que, supostamente, têm com os outros. Nesta ritualização, os jovens afirmam a sua individualidade com base no colectivo a que pertencem, e expressam a determinação de viver a juventude segundo um mesmo “projecto de evasão” (Fradique, 2003: 69). Este contém, claramente, elementos de demarcação e resistência à cultura hegemónica e dota os jovens da sensação de construírem uma ordem social e simbólica em que são eles a ditar as “regras do jogo”.

Não é possível participar no Red Eyes Gang sem representar este grupo, dada a centralidade que este acto simbólico possui nas práticas culturais dos jovens da Arrentela. Há diversas formas de representar Red Eyes Gang, mas cantar rap e mandar props[8] à crew são algumas das mais importantes. Ir ao concerto para incentivar as bandas, gritar o nome do colectivo nas apresentações dos rappers do bairro, defender os amigos da violência policial ou da intimidação de jovens de outros bairros, fazer graffiti com o tag (sigla) do grupo, gritar Red Eyes quando marcam um golo numa partida de futebol ou partilhar uma cerveja no “muro” são outras maneiras de representar o grupo. Tais ritualizações carregam implicitamente uma forma de demarcação identitária e geográfica com jovens de outros bairros ou que aderem a culturas juvenis diferenciadas. A importância do acto de representar está presente em alguns dos discursos de seus integrantes:

A questão da cena do Red Eyes Gang, tás a ver, é uma pertença à crew Red Eyes Gang e ela pertence ao bairro, e isso é comum em todos os bairros. Há uma forte pertença, tás a ver, represent, a palavra represent! Representar a Arrentela, não só a nível do hip-hop, mas mesmo os gajos que jogam bola, tás a ver, mesmo as miúdas da dança… Os jovens têm muito o levar para fora e ter o Arrentela aqui dentro. Há um forte sentimento de pertença e defesa do colectivo da Arrentela. [Chullage, 28 anos, 30 de Agosto de 2005]

Representar a crew não simboliza apenas a afirmação de pertença a um lugar e a um grupo específico, mas é uma forma de sair colectivamente do anonimato. Os jovens da Arrentela aspiram a ser reconhecidos, e por isso representar Red Eyes Gang é tão importante. Pertencer ao grupo significa, para um jovem pobre da Arrentela, que ele não é um jovem qualquer do subúrbio de Lisboa, mas um integrante de uma crew valorizada no meio hip-hop. A criação de uma t-shirt para os membros do grupo com a insígnia Red Eyes, o desenho de um polícia (sob a mira de uma arma) e a frase Bazas D’Lum é exemplar deste desejo de serem identificados, em que a praxis divergente está estampada nos símbolos escolhidos como representativos deste colectivo. Bazas D’Lum em crioulo significa “atira-lhes fogo” e traduz o desejo de insurgência contra um estatuto de subalternidade, que encontra a sua face mais perversa na violência policial que dizem sofrer quotidianamente.

Esses jovens querem tomar as “rédeas das suas vidas”, não aguentam mais serem vigiados e controlados por instituições que, segundo eles, não lhes dão hipótese de expressão. Ao menos simbolicamente, exercem o “poder da palavra”, rejeitando determinados modelos (escolares, laborais, associativos etc.) que insistem em torná-los apáticos e subservientes. Na falta de enquadramentos institucionais adequados a apoiá-los na gestão dos seus processos identitários e projectos de vida, as redes informais criadas através das sociabilidades mantidas entre eles ocupam este espaço. Ser um rapper e/ou membro de uma crew valorizada é um dos poucos recursos disponíveis para os jovens da Arrentela alimentarem o seu ego, já ferido por projectos cada vez mais inalcançáveis conforme o avançar da idade.

Com 23 anos de idade, Nando dividia o seu tempo entre o trabalho num call center e os estudos (cursava o 12.º ano), considerando a sua situação financeira mais favorável que a da maioria dos seus amigos do bairro. Ao ser questionado sobre as suas expectativas de vida, desabafa:

O pessoal não tem expectativas de vida pá, não tem. Muitas vezes eu também não tenho, quando eu estou mais em baixo eu também não tenho. O pessoal não tem expectativa de vida, vai vivendo… E isso é em todos os bairros sociais. […] É um ciclo vicioso que, obviamente, destrói qualquer expectativa que tu tenhas de ser alguém na vida, principalmente quando tu sabes que sem a escola não és nada. Eu não tenho cabeça para aquela escola, porque a escola para mim enoja-me. Se sem a escola eu não sou nada sei que estou num beco sem saída, sei que a obra não dá para viver a vida toda porque meu corpo um dia vai quebrar. Basicamente para as expectativas é fodido, a vida faz-se no dia-a-dia. É viver o presente, sem dúvida que sim. [Nando, 23 anos, 8 de Dezembro de 2005]

Para a maioria dos jovens da Arrentela, a aquisição das responsabilidades da vida adulta não é fácil. Conforme se vêem confrontados com a necessidade de pôr paka (dinheiro) em casa para garantir o sustento das suas famílias — principalmente quando passam a ter filhos —, muitas das suas aspirações “caem por terra”. Mesmo o tempo disponível para o convívio com os amigos e para a prática do rap torna-se cada vez mais reduzido frente aos afazeres laborais e domésticos, por mais que se utilize o estilo de vida rap como meio de prolongar a juventude. Deste modo, os problemas e as aflições vividas pelos jovens Red Eyes Gang estão muito mais associadas às dificuldades de conseguir assumir um estatuto adulto do que propriamente ao período de entrada na juventude, quando as pressões para conseguir emprego e “fazer-se à vida” ainda não estão tão presentes.

A convergência em termos territoriais, visuais, musicais e ideológicos entre os jovens do grupo “corresponde a formas de integração social compensatórias numa urbanidade deficitária de coesão social” (Pais e Blass, 2004: 24). Portanto, podemos conceber a pertença à crew como uma “identidade solidária” que fomenta a união, o companheirismo e a reciprocidade entre os seus membros, o que lhes dá a sensação se fazerem parte de uma “comunidade imaginada” (Anderson, 1983).

Diferentes formas de ser um Red Eyes Gang: um olhar sobre a heterogeneidade do grupo

Para um olhar distante e fortemente condicionado pelas sensacionalistas reportagens jornalísticas, os agrupamentos juvenis integrados por jovens pobres seriam todos iguais, não havendo diferenças significativas no seu interior. Este ponto de vista reforça uma imagem distorcida dos jovens que habitam os bairros pobres dos subúrbios de Lisboa. Em algumas das representações mais disseminadas são mostrados como exclusivamente negros, a morar num gueto e a viver uma “cultura de pobreza” que os impede de melhorar de vida. Um dos inconvenientes dessas análises é igualar contextos sociais bastante díspares, como é o caso da relação entre o gueto norte-americano e alguns bairros do subúrbio de Lisboa. Na definição de Loïc Wacquant, o gueto é um espaço de privação no qual a concentração do subproletariado negro e imigrante é muito maior do que a encontrada em qualquer bairro suburbano português ou europeu (2005: 16). Embora haja uma grande concentração de população negra na Arrentela, a sua característica principal é a diversidade étnica e cultural. O conceito de “cultura de pobreza”, introduzido por Oscar Lewis (1966), propaga a ideia de que certos grupos populacionais estão destinados a um ciclo reprodutor de pobreza sem fim que seria transmitido de geração em geração, culpabilizando-os pelas suas más condições de vida. Estas perspectivas não dão conta da complexidade e heterogeneidade da vida urbana e sobrevalorizam os comportamentos desviantes, tidos como patológicos,[9] esquecendo-se da riqueza de estilos, de sociabilidades e das manifestações culturais que os jovens criam entre si.

Ao frequentarmos regularmente a Arrentela e conseguirmos uma aproximação ao quotidiano dos jovens Red Eyes Gang, foi possível ter uma visão “de perto e de dentro” (Magnani, 2003) daqueles que integravam a crew. Passamos a identificar algumas das divisões do grupo e diferenças em termos de práticas culturais, locais de sociabilidade, apropriação do estilo rap, características sociodemográficas, etc. Desta forma, constatámos a existência de três subgrupos entre os jovens da Arrentela:

- os dinamizadores e principais participantes das actividades da associação Khapaz;
- os jovens que viviam e frequentavam uma parte da Arrentela chamada Chacas;
- os jovens que conviviam no muro de uma das esquinas do bairro.

Estas divisões não são estanques, pois a maior parte dos jovens participa dos vários subgrupos e locais de convívio, mas revelam a existência de três espaços principais de sociabilidade: associação Khapaz, Chacas e o muro, localizado no Mirabola.

O primeiro subgrupo era formado por cerca de dez jovens, e estavam mais preocupados com temas relacionados com o associativismo e os problemas que afectam o seu quotidiano. Foram os responsáveis pela criação da Khapaz, uma associação de afrodescendentes que tem por objectivo a valorização das referências culturais africanas, a luta contra o racismo e a consciencialização dos jovens do bairro sobre os seus direitos. Neste subgrupo estavam os jovens mais escolarizados e com melhor inserção laboral.

O segundo subgrupo era constituído por cerca de onze jovens, todos rapazes e habitantes do Chacas, que foram criados juntos, partilhando desde muito cedo a amizade. O futebol era uma das suas actividades centrais, quase todos chegaram a integrar clubes semiprofissionais.

O terceiro subgrupo era o mais fluido e inconsistente, formado por mais de trinta jovens que escolhiam o muro como local de confraternização. Podem ser considerados como os jovens mais street, por serem aqueles que mais tempo ficavam nas ruas da Arrentela, ou “pragados”[10] na esquina do bairro. Encontravam-se principalmente à noite para conversar, beber cerveja e contar as aventuras que tiveram ou pretendiam ter. O desemprego, a precariedade e a baixa escolaridade eram maiores neste subgrupo.

Deste modo, eram as actividades centrais de cada subgrupo, com a respectiva “arquitectura da amizade” (Dayrell, 2005), que originavam essas pequenas repartições no seio do Red Eyes Gang.

Na perspectiva de Josepa Cuco Giner, agrupamentos como o Red Eyes Gang podem ser considerados como grupos de idade, estando marcados pelo ciclo de vida dos seus membros. Constituem cristalizações das relações de amizade localizadas numa estrutura espácio-temporal concreta (Giner, 1995: 115). A ampliação substancial do número de adeptos Red Eyes Gang, conjugada com a mudança geracional, tornou este grupo muito mais difuso e heterogéneo que nos seus primeiros anos de vida. A unidade ideológica e no uso do tempo livre que o caracterizava em tempos anteriores tornou-se difícil de manter com tais transformações, provocando um afrouxamento das redes de amizade do grupo como um todo. A diminuição da coesão do grupo podia ser facilmente visualizada nos múltiplos locais de paragem dos jovens — mais dispersos que na época do seu surgimento — e nos vários subgrupos existentes no interior da crew. A diversificação de locais e subgrupos exprimia a variedade de práticas de sociabilidade no seio do grupo, assim como reflectia as diferenças e semelhanças de interesse entre os seus membros. Este cenário torna-se mais nítido através das palavras de Chullage:

Eu acho que no meu tempo éramos mais unidos do que eles são agora. Naquele tempo éramos um grupo só, agora há vários grupos. Como são muitos mais também é natural, são vários grupos. Dantes íamos todos ao mesmo sítio, jogávamos todos à bola juntos, parávamos todos no mesmo sítio. Agora uns param aqui, outros param ali, outros param acolá. Mas agora são muitos mais, fica difícil manter esta coesão. Eu acho que a principal mudança que eu vejo é a fragmentação. [Chullage, 28 anos, 18 de Agosto de 2005]

Contribuiu, também, para esta fragmentação a desarticulação das redes de amizade no interior do Red Eyes Gang, motivada pela saída da Arrentela de elementos importantes da crew. Muitos emigraram para outros países europeus em busca de trabalho, dado o desemprego e a precariedade impedirem uma efectiva inserção laboral. Outros deixaram de viver na Arrentela por razões pessoais e laborais, indo morar em outras partes da área metropolitana de Lisboa. Alguns foram presos ou faleceram, e muitos mais deixaram de frequentar as ruas do bairro por não terem tempo para estar com os amigos. Tais mudanças deterioraram a harmonia do grupo, pois muitos dos que deixaram de frequentar as ruas do bairro detinham posições de liderança e conseguiam melhor mediar as várias sensibilidades “em jogo”.

A diminuição na coesão acabou por se reflectir no modo como os jovens Red Eyes Gang se apropriam do rap, não havendo uma completa uniformidade na postura e forma de viver o estilo, embora haja fortes pontos em comum. Ao analisarmos as músicas das várias bandas de rap da Arrentela, notámos diferenças de temáticas e do conteúdo abordado. Se para alguns o rap deve ter um alto grau de insubordinação aos valores da cultura hegemónica e de luta contra o racismo, a violência policial e a pobreza, para outros tais temas são tão importantes como falar de diversão, prazer ou festa. Daí visualizarmos a existência de dois pólos de rap na Arrentela. Um deles é constituído principalmente por pessoas do primeiro subgrupo, embora também haja rappers do terceiro subgrupo. De acordo com as suas opiniões, o rap deve denunciar as situações de dominação social e étnica que partilham e falar daquilo que acontece nas ruas, sejam coisas boas ou más. Encaram como traição aos valores que regem a crew as canções que apresentam um discurso pouco voltado para a consciencialização e a intervenção social, considerando os seus autores como oportunistas que desejam comercializar as suas músicas a qualquer preço.

Tens um núcleo de pessoas, e há pessoas que não têm a ver com a associação Khapaz, que fazem um rap crítico e social, um rap com mensagens políticas. E depois há pessoas que na minha opinião fazem rap porque estão à espera da sua oportunidade para venderem a sério. Essas pessoas fazem um rap que não lembra a ninguém, não tem nada a ver com o rap que é feito na Arrentela, é rap claramente para vender. [Nando, 23 anos, 8 de Dezembro de 2005]

O outro pólo de rap é formado, principalmente, por rappers do segundo subgrupo, havendo também integrantes do terceiro. Algumas das suas músicas contêm uma forte componente de intervenção social e denúncia das desigualdades sociais, no entanto não tão radicalizadas como as dos rappers do outro pólo. Como também abordam outros temas, cujos conteúdos se aproximam mais de valores e normas das classes dominantes, são acusados de desrespeitarem a ética que rege a crew, não representando da melhor forma Red Eyes Gang. Estas diferenças e polémicas são demonstrativas de que os jovens do grupo se relacionam com o estilo de diversas formas, não existindo uma dinâmica unificada na prática do rap. E espelha, numa microescala, divergências nacionais e internacionais no seio do movimento hip-hop criadas, principalmente, após a explosão mediática do rap em todo o mundo.[11]

A intensidade com que os jovens se envolvem com o estilo rap é diferenciada. Para os integrantes do primeiro subgrupo, e para alguns do terceiro, o estilo rap possui uma centralidade tão forte nas suas vidas que faz com que parte importante do seu quotidiano seja pautada pelas orientações do estilo. Neste sentido, avançámos com a hipótese de que esses jovens vivem um estilo de vida rap, pois este fornece as bases para construírem um modelo próprio de ser jovem. Para aqueles do segundo subgrupo, e maioria do terceiro, a identidade enquanto rapper é bem mais fluida. O estilo rap não costuma estar tão frequentemente no centro das suas conversas, e a história do rap e do hip-hop é desconhecida para muitos deles. Daí colocarmos a hipótese de o estilo rap ser para eles parte integrante de um estilo de vida mais poroso e abrangente — e não propriamente um estilo de vida rap —, incorporando influências e valores presentes em outras culturas juvenis. Por isso, o estilo rap é para esses jovens muito mais uma forma de desfrutar a condição juvenil.

Apesar de existirem diferentes níveis de interpretação da realidade e de apropriação do estilo rap, o que às vezes dificulta uma dinâmica conjunta na sociabilidade e na prática musical, não podemos esquecer as semelhanças e todo um conjunto de referências e de imaginários comuns entre os jovens Red Eyes Gang. São essas convergências que dão sentido à existência da crew e fazem com que nos momentos tensos, de violência policial ou de confrontos com outros grupos de jovens, as diferenças passem a segundo plano e as disputas internas sejam postas de lado. Para defender a Arrentela ou apoiar as bandas de rap do bairro, o discurso torna-se um só, e os jovens afirmam de forma entusiástica e unitária a pertença ao Red Eyes Gang.

Conclusão

A forma como os jovens Red Eyes Gang vivem a sociabilidade e se apropriam do estilo rap permite-nos avançar algumas conclusões. O Red Eyes Gang é o resultado organizativo de uma identidade de bairro, mais especificamente de jovens que convivem num mesmo “pedaço” (Magnani, 2003), expressando uma relação afectiva com a Arrentela e com o grupo de amigos que ali residem. É um emblema criado para melhor enfrentarem as adversidades, permitindo de forma mais consistente idealizarem o que poderiam ser em contraposição ao que são e à forma como são encarados pela sociedade. Sob este ponto de vista, a adesão à crew Red Eyes Gang opera como um valioso recurso de integração social para os seus adeptos.

No entanto, a vivência de condições de vida semelhantes e a partilha de um mesmo estilo não são suficientes para se afirmar a existência de práticas, discursos e valores homogéneos. Embora haja um conjunto de características comuns aos jovens Red Eyes Gang — desde a sua posição de classe até à troca de experiências nas ruas do bairro —, existem disputas internas sobre as normas e o modo de representar o colectivo. Mesmo quando os seus projectos individuais são construídos dentro de um “campo de possibilidades” com muitas semelhanças (Velho, 1987), há múltiplas maneiras de eles interpretarem as suas experiências sociais e formularem as suas visões do mundo. As diferentes formas como os jovens Red Eyes Gang se apropriam do estilo rap expressa a sua heterogeneidade interna, sem os impedir de integrarem o mesmo grupo informal. Pelo contrário, esta diversidade serve como estratégia identitária para desenvolverem a sua individualidade e originalidade.

 

Referências bibliográficas

Abramovay, Miriam, Julio Jacobo Waiselfisz, Carla Coelho de Andrade, e Maria das Graças Rua (1999), Gangues, Galeras, Chegados e Rappers. Juventude, Violência e Cidadania nas Cidades da Periferia de Brasília, Rio de Janeiro, Garamond.

Agier, Michel (2001), “Distúrbios identitários em tempos de globalização”, Mana, Estudos de Antropologia Social, 7 (2), pp. 7-33.         [ Links ]

Alvito, Marcos (1998), “Um bicho de sete cabeças”, em Alba Zaluar e Marcos Alvito (orgs.), Um Século de Favela, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, pp. 181-208.

Anderson, Benedict (1983), Imagined Communities. Reflections on the Origin and Spread of Nationalisms, Londres, Verso.

Antunes, Marina (2002), Estrela D’África, Um Bairro Sensível. Um Estudo Antropológic Sobre os Jovens na Cidade da Amadora, tese de doutoramento, Lisboa, ISCTE-IUL.

Bourdieu, Pierre (1984), “La ‘jeunesse’ n’est qu’un mot”, em Questions de Sociologie, Paris, Minuit.

Clarke, Gary (1990), “Defending ski-jumpers: a critique of theories of youth subculture”, em Simon Frith e Andrew Goodwin (orgs.), On Record, Nova Iorque, Pantheon Books, pp. 81-96.

Cohen, Phil (1972), “Sub-cultural conflict working class community”, Working Papers in Cultural Studies, 2, CCCS, Birmingham, University of Birmingham.

Cruz, Rodrigo Díaz (2002), “La creación de la presencia: simbolismo y performance en grupos juveniles”, em Alfredo Nateras (org.), Jóvenes, Culturas e Identidades Urbanas, México, DF, Universidad Autónoma Metropolitana.

Dayrell, Juarez (2005), A Música Entra em Cena. O Rap e o Funk na Socialização da Juventude, Belo Horizonte, Editora UFMG.

Elias, Norbert, e John L. Scotson (2000), Os Estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das Relações de Poder a Partir de Uma Pequena Comunidade, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.

Featherstone, M. (1997), O Desmanche da Cultura. Globalização, Pós-Modernismo e Identidade, São Paulo, Studio Nobel.

Feixa, Carles (1999), De Jóvenes, Bandas y Tribus, Barcelona, Editora Ariel.

Fernandes, Luís (2003), “A imagem predatória da cidade”, em Graça Índias Cordeiro, Luís V. Baptista e António Firmino da Costa (orgs.), Etnografias Urbanas, Oeiras, Celta Editora, pp. 53-62.

Fradique, Teresa (2003), Fixar o Movimento. Representações da Música Rap em Portugal, Lisboa, Publicações Dom Quixote.

Giddens, Anthony (1995), Modernidad e Identidad del Yo. El Yo y la Sociedad en la Época Contemporánea, Barcelona, Ediciones Península.

Giner, Josepa Cuco (1995), La Amistad. Perspectiva Antropológica, Barcelona, Icaria Editorial.

Hall, Stuart, e Tony Jefferson (1976), Resistence through Rituals. Youth Subcultures in Post-War, Londres, Hutchinson.

Lewis, Oscar (1966), “The culture of poverty”, Scientific American, 215 (4), pp. 19-25.

Maffesoli, Michel (1987), O Tempo das Tribos. O Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massas, Rio de Janeiro, Editora Forense Universitária.

Magnani, José Guilherme Cantor (2003), “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 17 (49), pp. 11-29.

Magnani, José Guilherme Cantor (2005), “Os circuitos dos jovens urbanos”, Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, São Paulo, 17 (2), pp. 173-205.

Pais, José Machado (1999), Ganchos, Tachos e Biscates. Jovens, Trabalho e Futuro, Porto, Ambar.

Pais, José Machado, (2003), Culturas Juvenis, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

Pais, José Machado, e Leila Maria Blass (2004), Tribos Urbanas. Produção Artística e Identidades, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.

Raposo, Otávio Ribeiro (2007), Representa Red Eyes Gang. Das Redes de Amizade ao Hip-Hop, tese de mestrado, Lisboa, ISCTE-IUL.

Silva, Jailson de Souza (1999), Por Que Uns e Não Outros? Caminhada de Estudantes da Maré para a Universidade, tese de doutoramento, Rio de Janeiro, PUC.

Velho, Gilberto (1985), Desvio e Divergência. Uma Crítica da Patologia Social, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.

Velho, Gilberto (1987), Individualismo e Cultura. Notas para Uma Antropologia da Sociedade Contemporânea, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.

Vianna, Hermano (1997), Galeras Cariocas. Território de Conflitos e Encontros Culturais, Rio de Janeiro, Editora UFRJ.

Wacquant, Loïc (2005), Os Condenados da Cidade, Rio de Janeiro, Editora Revan.

 

Notas

[1] Esta pesquisa foi realizada no âmbito do mestrado em Antropologia Urbana no ISCTE-IUL (Raposo, 2007).

[2] O nome Red Eyes Gang, “Gangue dos Olhos Vermelhos”, refere-se ao efeito provocado pelas “ganzas” (cigarros de haxixe) nos olhos dos seus utilizadores.

[3] O hip-hop é um movimento cultural urbano, comummente associado à música rap, que integra quatro vertentes: rap, djing (disc-jockey), break-dance e graffiti.

[4] O uso da noção de “gangue” ganhou destaque nos estudos da Escola de Chicago na década de 1920, sendo utilizada para designar uma organização com racionalidade instrumental e fins de mobilidade social entre os seus integrantes. Altamente hierarquizados e identificados comum determinado território, os gangues costumam estar associados a comportamentos violentos e actos de delinquência (Abramovay e outros, 1999).

[5] A ideia de marginalidade não deve ser confundida coma de criminalidade, já que é a experiência na margem do sistema social (em relação ao centro onde se localizam os sustentáculos do consumo, da informação, dos poderes políticos e institucionais) que dá sustentação a uma prática de sociabilidade específica, e não a mera acção transgressora (Fradique, 2003).

[6] Segundo informações dos técnicos das associações presentes no bairro (Khapaz e Várias Culturas), os moradores mais antigos (geralmente portugueses brancos) optavam por residir em zonas mais valorizadas, sendo substituídos por novas famílias, principalmente de origem africana, mas também portuguesas, brasileiras e do Leste europeu.

[7] A actual lei da nacionalidade portuguesa é fundada no critério jus sanguinis, diferente da lei anterior que se baseava num equilíbrio entre jus solis e jus sanguinis. Esta transformação, ocorrida em 1981, teve duas faces: a primeira foi a limitação do acesso à nacionalidade portuguesa aos imigrantes e seus descendentes residentes no país; a segunda foi facilitar a aquisição da nacionalidade portuguesa aos emigrantes nacionais e aos seus descendentes residindo no estrangeiro.

[8] É uma forma do rapper agradecer, reverenciar, saudar ou identificar positivamente bandas, pessoas, bairros ou crews nos concertos ou durante a gravação de uma música.

[9] De acordo com Gilberto Velho, a perspectiva de patologia está presente em muitos estudos que concebem o problema do desvio associado aos desequilíbrios mentais ou a comportamentos entendidos como “anormais”, próprios de indivíduos “insanos” e “doentes” passíveis de serem tratados ou “curados” (Velho, 1985).

[10] O termo “pragado”, criado pelos próprios jovens da Arrrentela, significa estar “pregado” no bairro, sem dinheiro e alternativas para frequentar outros espaços da cidade.

[11] Coma notoriedade do rap e do hip-hop, designadamente nos EUA, foram criadas duas categorias opostas de projectos que se diferenciam na forma de se relacionarem com a indústria cultural (Fradique, 2003: 59). Uma delas, chamada de sell-out, teria como objectivo primordial vender, sendo mais permeável às exigências da indústria de entretenimento. A outra denomina-se underground, e adoptaria uma postura de desconfiança em relação à indústria cultural, não estando preocupada em amenizar o discurso (das suas letras musicais) para ter uma maior aceitação no mercado. Embora esta bipolarização não seja nada clara no interior do Red Eyes Gang, até porque todos os seus rappers se consideram praticantes de um rap underground, permite-nos melhor enquadrar os seus discursos e representações.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons