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Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.99 Lisboa ago. 2022  Epub 15-Jul-2022

https://doi.org/10.7458/spp20229924225 

Artigos Originais

Tolerância zero ou eficácia nula? Políticas públicas e regulamentos desportivos para combater o match-fixing

Zero tolerance or nule efficacy? Public policies and sports regulations to fight match-fixing

Tolérance zéro ou efficacité zéro? Politiques publiques et règlements sportifs pour lutter contre les matchs truqués

¿tolerancia cero o eficacia nula? Políticas públicas y normativa deportiva para combatir el match-fixing

César de Cima 1   , contextualização, curadoria dos dados, análise formal, investigação, metodologia, software, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-0960-4874

Marcelo Moriconi2  , contextualização, análise formal, investigação, metodologia, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-9220-7062

1 Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Estudos Internacionais (CEI-Iscte) e Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte), Lisboa, Portugal

2 Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Estudos Internacionais (CEI-Iscte), Lisboa, Portugal


Resumo

Com recurso a entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo, este artigo avalia e expõe a ineficácia da política de “tolerância zero” da UEFA, órgão máximo do futebol europeu, em induzir compliance nos jogadores de futebol, em Portugal, ao nível das práticas de match-fixing. A ênfase excessiva na ética individual, a externalização do fenómeno como um problema do crime organizado e a relutância em admitir falhas de governança interna são as principais razões explicativas. O artigo afirma que a regulamentação do futebol deve passar de uma lógica de compliance para políticas de enforcement.

Palavras-chave: match-fixing; políticas públicas; compliance; tolerância zero.

Abstract

Through semi-structured interviews and documentary analysis this article assesses and exposes how the “zero tolerance” policy implemented by UEFA, the European football’s governing body, is inefficient in inducing compliance in football players, at the level of match-fixing practices. The excessive emphasis on individual ethical, the externalization of the phenomenon as an organized crime problem and the reluctance to admit internal governance failures are the main explanatory reasons. The article claims that football regulation should move from a logic of compliance to enforcement politics.

Keywords: match-fixing; public policies; compliance; zero-tolerance.

ABSTRACT

À partir d’entretiens semi-directifs et de l’analyse de contenus, cet article évalue et expose l’inefficacité de la politique de « tolérance zéro » de l’UEFA, en imposant des règles de conformité aux joueurs de football, au Portugal, en ce qui concerne les matchs truqués. L’insistance excessive sur l’éthique individuelle, l’externalisation du phénomène comme un problème de crime organisé et la réticence à admettre les défaillances de la gouvernance interne en sont les principales explications. L’article affirme que la réglementation du football doit passer d’une logique de contrôle de conformité à des politiques de répression.

Mots clés: matchs truqués; politiques publiques; conformité; tolérance zéro.

Resumen

A partir de entrevistas semiestructuradas y análisis de contenido, este trabajo evalúa y expone la ineficacia de la política de “tolerancia cero” implementada por la UEFA, máxima entidad reguladora del fútbol europeo. En el caso portugués, esta política fracasa en inducir compliance por parte de los jugadores de fútbol a la hora de evitar el match-fixing. Las principales razones de este fracaso son el excesivo énfasis en la ética individual, la comprensión del fenómeno como una cuestión surgida a nivel externo y materializada por la infiltración del crimen organizado, y la renuencia a admitir fallas de gobernanza interna. El artículo afirma que la regulación del futbol debe pasar de una lógica de compliance para políticas de enforcement.

Palabras-clave: match-fixing; políticas públicas; compliance; tolerancia cero.

Introdução

O match-fixing é um tipo de manipulação de resultados desportivos que constitui crime de fraude ou corrupção desportiva (Brooks, Aleem e Burton, 2013) e consiste na predeterminação do curso ou do resultado de um evento desportivo (Park, Choi e Yoon, 2019), para ganhos relacionados com a competição ou com as apostas desportivas (Aquilina e Chetcuti, 2013).

Independentemente da tipologia, o match-fixing é um fenómeno milenar. Registos documentais evidenciam que a viciação para ganhos desportivos é um problema do tempo dos “Jogos” da Grécia Antiga (Hay, 2018; Huggins, 2018) e que a relação entre apostas ilegais e manipulação de resultados para perder está longe de ser um fenómeno recente (Hill, 2010; Andreff, 2019).

Nos últimos anos, o match-fixing sofreu uma profunda reconfiguração. A emergência de operadores de apostas desportivas online e a consequente disponibilização de novos tipos de apostas (live bets, side bets, trading) abriu uma “caixa de pandora” que libertou males preexistentes no desporto (Moriconi e Almeida, 2018). Atraídos pela desregulação dos mercados de jogo online (Moriconi e Almeida, 2021), pela ausência, em vários países, de disposições jurídicas adequadas para combater esta ameaça (KEA, 2012), pela incapacidade de as organizações desportivas lidarem com a natureza criminal do fenómeno (Villeneuve e Aquilina, 2016), e/ou pela sua relutância em admitir e resolver falhas de governação que sempre existiram (Andreff, 2019), o crime organizado viu no match-fixing relacionado com apostas desportivas (doravante apenas match-fixing) uma oportunidade aprimorada para branquear e multiplicar capitais provenientes de atividades ilícitas. A atividade destes grupos consiste em subornar e/ou coagir atores desportivos para que estes viciem o curso ou o resultado final de um jogo, de forma a lucrarem indevidamente no mercado de apostas desportivas (Interpol, 2013; COI e UNODC, 2013).

Como consequência, a expressão “ameaça à integridade desportiva” ganhou um novo sentido (Anderson, 2011). O match-fixing deixou de ser um “mero” problema de ética desportiva, passando a constituir um problema para a sustentabilidade da indústria do desporto e indústrias conexas (por exemplo: indústria das apostas desportivas) e para a segurança dos estados (Carpenter, 2012; Interpol, 2013; Conselho da Europa, 2014; Moriconi 2020).

Diante da gravidade do novo cenário, organizações desportivas e organizações políticas coordenaram esforços para prevenir, detetar e sancionar o match-fixing. No caso da União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), órgão máximo do futebol europeu, a solução adotada foi a implementação de uma política de “tolerância zero”, sustentada em medidas cognitivas e normativas (programas educacionais), preventivas (monitorização de apostas desportivas), generativas (mecanismos de denúncia protegida) e punitivas (reforma dos quadros criminais e disciplinares).

A (in)eficácia das políticas de “tolerância zero” implementadas pelas organizações desportivas é um assunto em emergência na literatura científica. Estas políticas são conectadas com estratégias de window-dressing, com o objetivo de transmitir discursos simbólicos anti-match-fixing, diminuir a pressão de stakeholders externos decorrente de escândalos de corrupção desportiva (Verschuuren, 2021), desresponsabilizar as organizações desportivas e transferir para os atores individuais o ónus do problema (Tak, 2018; Tak, Sam e Jackson, 2018a).

No caso da UEFA, a política de “tolerância zero” é categorizada como discricionária (Manoli, Yilmaz e Antonopoulos, 2021) e não tem gerado alterações comportamentais positivas nos atores desportivos, ao nível das práticas de apostas desportivas (Moriconi e Cima 2020a ) ou das práticas de denúncia de irregularidades/ilegalidades (Moriconi e Cima, 2020b).

O objetivo deste trabalho é dar continuidade a estes estudos e discutir a eficácia da política de “tolerância zero” da UEFA em induzir compliance nos jogadores de futebol, em Portugal, ao nível das práticas de match-fixing.1

O artigo é composto por sete secções. Começamos por contextualizar a dimensão do problema, ao apresentar um conjunto de escândalos de viciação de resultados relacionados com apostas em ligas europeias. De seguida, enquadramos a política de “tolerância zero” da UEFA dentro de um contexto político mais amplo. Essa é a base para justificarmos a categorização do futebol português como um local de pesquisa estratégico para analisar criticamente a referida política. Apresentamos a metodologia e prosseguimos com a análise da eficácia da política de “tolerância zero”. À luz do modelo taxonómico de Mitchell, Crosset e Barr (1999), discutimos a (in)eficácia desta política e sugerimos respostas alternativas. Por fim, apresentamos as conclusões.

Tomando de assalto o futebol europeu

O match-fixing está longe de ser um fenómeno recente no futebol europeu. Em 1915, sete jogadores foram irradiados pela Federação Inglesa de Futebol (FA) por terem combinado a vitória do Manchester United FC frente ao Liverpool FC por 2-0, com o intuito de lucrarem indevidamente com apostas desportivas (Andreff, 2019).

Não existem evidências que permitam afirmar que a prevalência do match-fixing no futebol europeu contemporâneo seja maior do que no início do século XX (Huggins, 2018). Porém, o desenvolvimento de novas tecnologias, aliado ao surgimento e à proliferação de operadores de apostas online, expuseram os jogadores de futebol, sobretudo os mais vulneráveis, a novos fatores de risco.

De facto, nos últimos anos, vários escândalos emergiram no futebol europeu. Em 2005, na Alemanha, o árbitro Robert Hoyzer foi condenado a 29 meses de prisão pelo crime de fraude, depois de admitir ter manipulado resultados na taça da Alemanha e na 2.ª e 3.ª divisões alemãs, entre 2003 e 2004. Hoyzer era apenas uma peça de uma organização liderada por Ante Sapina, que se dedicava a manipular resultados para ganhos relacionados com apostas desportivas (Boniface et al., 2012).

Um ano mais tarde, na Bélgica, o treinador e seis jogadores do Lierse SK admitiram terem sido subornados e coagidos pelo investidor do clube, Zheyun Ye, para manipularem resultados desportivos. O empresário chinês, em coautoria com o empresário de jogadores Pietro Allatta, investiram em clubes de futebol belgas de forma a ganhar controlo sobre os respetivos jogadores e treinadores, para que estes manipulassem jogos em seu proveito (Visschers, Paoli e Deshpande, 2020).

Em 2009, uma escuta telefónica realizada pelo Ministério Público de Bochum, no âmbito de uma investigação criminal, reabriu o processo “Hoyzer” e despoletou aquele que viria a ser considerado o maior escândalo de match-fixing do futebol europeu. No âmbito do caso “Bochum”, a investigação policial detetou 323 jogos suspeitos, disputados, entre outras, na liga turca (75), alemã (69) e suíça (40) (KEA, 2012). Ante Sapina era o líder da cúpula criminosa que manipulou 51 jogos, entre os quais jogos de qualificação para a Liga dos Campeões e Campeonato do Mundo de seleções. Estima-se que tenham sido movimentados 12 milhões de euros em subornos a jogadores, treinadores, árbitros e dirigentes federativos (Boniface et al., 2012).

Na Grécia, o caso “Koriopolis”, referente às épocas de 2008/09, 2009/10 e 2010/11, culminou com a erradicação de dirigentes desportivos e a descida de divisão e proibição de competição nas provas europeias de clubes por envolvimento em match-fixing em jogos da 1.ª divisão, 2.ª divisão e Taça Nacional (Manoli e Antonopoulos, 2015).

Em Itália, no seguimento do processo “CalcioScommesse” (2011-2013), centenas de jogos das três principais divisões e da taça de Itália foram investigados por suspeitas de match-fixing. O processo envolveu uma rede transnacional de manipulação sediada em Singapura e com ramificações na Itália, Alemanha, Hungria, Finlândia, Croácia, Suíça e Turquia. A cúpula criminosa italiana incluía ex-jogadores de futebol e jogadores a atuar no futebol italiano. Dezenas de jogadores foram temporariamente banidos e vários clubes foram sancionados com multas, perda de pontos e despromoções (Costa, 2018).

Em Portugal, a Polícia Judiciária desmantelou uma rede transnacional liderada por indivíduos malaios e coadjuvada por atores nacionais com ligações ao futebol, que se dedicou à manipulação de resultados desportivos de jogos da 1.ª divisão e, sobretudo, 2.ª divisão de futebol, entre as épocas desportivas de 2014-2015 e 2015-2016. O processo “Jogo Duplo” encontra-se em fase de recurso, depois de os arguidos terem sido condenados em primeira instância pelos crimes de aposta desportiva fraudulenta, corrupção ativa, corrupção passiva e associação criminosa.2

Foi neste contexto de proliferação de escândalos relacionados com apostas que a UEFA reagiu e promoveu um conjunto de iniciativas, medidas e mecanismos para proteger a integridade do futebol europeu. De seguida, apresentamos os principais marcos da abordagem da UEFA para prevenir e combater o problema.

A política de “tolerância zero”

A política de “tolerância zero” começou a ganhar forma em 2007, quando a UEFA introduziu nos seus estatutos o artigo 50.3, que prevê a possibilidade de recusar a admissão a uma competição por si organizada de uma federação-membro ou clube, direta, ou indiretamente, envolvido em match-fixing.

Dois anos mais tarde, devido à proliferação de escândalos, a UEFA, em parceria com a Sportradar3 entendeu introduzir o Betting Fraud Detection System (BFDS), um sistema que permite monitorizar padrões de apostas desportivas nas principais competições das federações-membros.

Ciente da dimensão criminal do fenómeno e dos perigos iminentes para a integridade desportiva, em 2011 a UEFA criou uma rede de integrity officers envolvendo todas as federações-membros. O integrity officer é um interlocutor entre a federação-membro, as agências de aplicação da lei nacionais e a UEFA em matéria de suspeitas ou casos concretos de match-fixing. A assinatura de um protocolo com a Europol, em 2014, fortaleceu a parceria entre a UEFA e as agências de aplicação da lei. O integrity officer também desempenha um importante papel pedagógico, organizando e promovendo sessões educacionais direcionadas para jogadores, árbitros e treinadores.

Contudo, foi em 2014, no âmbito do Congresso de Astana, que a UEFA materializou a política de “tolerância zero” no futebol europeu. As federações-membros adotaram por unanimidade a resolução European Football United for the Integrity of the Game, que prevê um plano de ação para proteger a integridade desportiva. Entre outras questões, as federações-membros comprometeram-se a:

a) implementar programas de educação para consciencializar os atores desportivos sobre os perigos do match-fixing e induzir comportamentos em conformidade com as regras;

b) implementar mecanismos de denúncia protegida;

c) harmonizar regulamentos disciplinares de forma a sancionar severamente tentativas ou casos de manipulação, proibir os atores desportivos de apostar nas competições em que estão envolvidos e obrigar os atores desportivos a denunciar tentativas ou casos de match-fixing (UEFA, 2014).

Cientes que o match-fixing implica a conivência de atores desportivos, que os jogadores são aqueles que têm maior capacidade de influência no jogo (Boniface et al., 2012), e que a resolução do problema depende, desde logo, da sua alteração comportamental, a UEFA implementou um código de conduta no qual prevê um conjunto de novas obrigações e proibições, especialmente direcionados para os jogadores de futebol. Inicialmente, o código de conduta era baseado em cinco princípios:

a)be clean - nunca manipules um evento desportivo;

b)be open - conta a alguém se fores abordado;

c)be careful - nunca partilhes informação sensível;

d)be smart - conhece as regras;

e)be safe - nunca apostes no teu desporto.

Esta abordagem viria a ser simplificada para o que se designaria “campanha dos 3R”: “reconhece” o fenómeno, “resiste” à tentação de apostar, divulgar informação privilegiada ou manipular resultados e “reporta” abordagens, tentativas ou casos de match-fixing.

O Congresso de Astana também representou um marco importante para promover a cooperação e partilha de informação entre organizações desportivas, autoridades públicas, operadores de apostas e agências de aplicação da lei, bem como para reconhecer o match-fixing como infração penal específica nos ordenamentos jurídicos nacionais.

Desde o reconhecimento político do fenómeno, em 2007 (Comissão Europeia, 2007), várias iniciativas políticas têm vindo a ser feitas nesse sentido (Parlamento Europeu, 2009, 2013). Esse passo viria a ser concretizado com a “Convenção do Conselho da Europa sobre a Manipulação de Competições Desportivas” (doravante Convenção Macolin), criada em setembro de 2014. A Convenção Macolin representa o primeiro exemplo de “jurisdição compartilhada” entre organizações desportivas e estados (Serby, 2018: 164).

Futebol português: um local de pesquisa estratégico

Portugal foi o primeiro estado-membro da UE a ratificar a Convenção Macolin, em 2015. Antes da ratificação, Portugal já era um dos estados-membros da UE com um regime jurídico específico de sancionamento penal dos crimes de corrupção desportiva

No entanto, o caso “Jogo Duplo” viria a expor a inadequação do enquadramento legal existente para lidar com as novas particularidades do match-fixing. A proposta de alteração da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, apresentada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) - em conjunto com a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária - aos grupos parlamentares, e a vinculação às disposições da Convenção Macolin, por parte do governo de Portugal, seriam os impulsos necessários para a implementação da Lei n.º 13/2017, de 2 de maio, que alterou o quadro legal da corrupção desportiva.4

Esta alteração agravou a moldura penal dos crimes de “corrupção passiva”, “corrupção ativa”, “tráfico de influências” e “associação criminosa”; atualizou as disposições que punem a cumplicidade; introduziu sanções para a “oferta ou recebimento indevido de vantagem” e a prática de apostas entre atores desportivos.5 Mais tarde, a publicação de outro diploma6 introduziu a obrigação de as federações desportivas implementarem programas de prevenção e educação sobre match-fixing, sob pena de serem privadas de financiamento.

No plano desportivo, o caso “Jogo Duplo” também provocou uma “chuva” de normas. Embalada pelas recomendações da UEFA, a FPF, em parceria com o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), implementaram programas de educação e consciencialização em todos os clubes da Liga Portugal Bwin (1.ª divisão), Liga Portugal SABSEG (2.ª divisão), Campeonato de Portugal (antiga 3.ª divisão nacional).7 Liga Revelação (sub-23) e seleções nacionais.

Para aumentar a capacidade de deteção, a FPF e o SJPF lançaram a “Plataforma Integridade”, um canal digital que permite denunciar anonimamente abordagens, tentativas ou casos de match-fixing.8 Paralelamente, a FPF assinou um contrato de exclusividade com a Sportradar para monitorizar as apostas desportivas na Liga Portugal Bwin, Liga Portugal SABSEG, Campeonato de Portugal, Taça de Portugal e Liga Revelação.

Por fim, a FPF e a Liga Portugal incluíram nos seus regulamentos disciplinares9 novas proibições e sanções mais severas, de forma a dissuadir os atores desportivos de manipularem resultados, apostarem nas competições em que estão envolvidos, divulgarem ou utilizarem informação privilegiada e incumprirem o dever de denunciar.

O futebol português oferece um “local de pesquisa estratégico” (Merton, 1987: 1) para avaliar a eficácia da política de “tolerância zero” da UEFA em induzir compliance nos jogadores de futebol.

Portugal foi pioneiro na ratificação da Convenção Macolin e a FPF foi “boa aluna” na transposição das disposições da política da UEFA. Esta reforma legal e disciplinar surgiu no seguimento do caso “Jogo Duplo”, o primeiro e, até ao momento, único caso de match-fixing em julgamento em Portugal. A referida conjuntura política e desportiva permite estabelecer comparações entre a realidade do match-fixing em Portugal, antes e depois da implementação da política de “tolerância zero”, condição essencial para medir a eficácia desta política na indução de comportamentos positivos nos jogadores de futebol. Na metodologia explicamos como será feita esta comparação.

Metodologia

A teoria fundamentada nos dados (Grounded Theory) é a abordagem metodológica que suporta esta investigação (Glaser e Strauss, 1967). Devido à carência de estudos científicos baseados em dados primários e ao código de silêncio que caracteriza as práticas desviantes (Numerato, 2016), entendeu-se não constranger a pesquisa com proposições teóricas predefinidas, atribuindo a função de comando à empiria.

As evidências recolhidas nesta investigação foram obtidas com recurso a uma abordagem multimétodo qualitativa, baseada em entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo. A ideia da triangulação metodológica é aumentar a validade da pesquisa (Denzin, 2017 [1970]).

As entrevistas semiestruturadas incidiram sobre jogadores de futebol, um grupo especialmente visado pela política de “tolerância zero” da UEFA. Abordar os atores desportivos alvo das medidas implementadas é considerada uma estratégia adequada para medir a respetiva eficácia (Lastra, Bell e Bond, 2018). Os entrevistados foram inquiridos sobre três temas centrais: estruturas de oportunidade do caso “Jogo Duplo”; apropriação ao contexto desportivo nacional das iniciativas, mecanismos e medidas disciplinares e legais implementadas; e perceções e práticas de match-fixing nas três principais divisões de futebol, em Portugal, após o caso “Jogo Duplo”. O objetivo foi compreender, sob o ponto de vista destes atores, a eficácia da política de “tolerância zero” da UEFA na promoção de alterações comportamentais positivas nos jogadores de futebol, em Portugal.

O guião de entrevistas foi construído com base numa entrevista semiestruturada a um informante privilegiado (jornalista) que teve acesso ao acórdão do julgamento do processo “Jogo Duplo”.10 Dado que este trabalho resulta de uma investigação prolongada, evidências recolhidas em estudos anteriores (Moriconi e Cima, 2020a , 2020b) também foram consideradas. Mantendo uma perspetiva aberta e exploratória, o guião foi progressivamente “reforçado” com as descobertas obtidas ao longo da investigação.

De acordo com evidências recolhidas em investigações anteriores (Moriconi e Cima, 2020a , 2020b) o grupo dos jogadores a atuar, ou com experiência anterior, em divisões secundárias (Liga SABSEG e Campeonato de Portugal) foi considerado o mais pertinente para a recolha de materiais empíricos teoricamente relevantes e para o desenvolvimento da teoria. O capital social estabelecido pelos autores deste trabalho no mundo do futebol facilitou as primeiras entrevistas. Dada a relutância dos indivíduos em falar abertamente sobre fenómenos criminais, solicitou-se a estes contactos a recomendação de um ou dois potenciais interessados em colaborar no estudo (técnica de amostragem “bola de neve”). Estes deveriam reunir os requisitos referidos. Ao todo, foram entrevistados oito ex-jogadores de futebol (ex-J) e seis jogadores de futebol no ativo (J) - além de um jornalista desportivo (JD).

As entrevistas foram realizadas na língua portuguesa, foram gravadas e duraram entre 1 e 2 horas. As entrevistas decorreram entre 2020 e 2021, pelo que o seu teor se refere às épocas desportivas de 2020-2021 e anteriores. Todos os entrevistados solicitaram anonimato. O medo de sofrer represálias físicas, psicológicas e profissionais foi a razão apontada para o efeito (Numerato, 2016).

Para aumentar a validade dos testemunhos recolhidos nas entrevistas, recorreu-se à análise de conteúdo de notícias publicadas nos órgãos de comunicação social relacionadas com o processo “Jogo Duplo”, selecionadas com base na sua relevância teórica. Análise semelhante mereceu uma reportagem intitulada “O inimigo público n.º 1” (emitida no ”Canal 11”, no dia 21 de outubro de 2019), na qual foram divulgados meios de prova relacionados com o caso, nomeadamente escutas telefónicas e mensagens de telemóvel trocadas entre os alegados manipuladores. Este tipo de dados proveniente de documentos judiciais (no caso, obtidos por via indireta) fornece as evidências mais fortes sobre match-fixing (Huggins, 2018), sobre este que é o único caso em julgamento em Portugal. No geral, este exercício serviu para contextualizar as estruturas de oportunidade associadas ao match-fixing, antes da implementação da política de “tolerância zero” da UEFA. O mapeamento das alterações introduzidas por esta política decorreu da análise de conteúdo de websites de organizações desportivas, códigos de conduta, regulamentos disciplinares e legislação diversa.

Os dados das entrevistas foram analisados através do software MaxQDA. Esta análise decorreu de um processo iterativo que contemplou procedimentos de codificação aberta, axial e seletiva. A codificação aberta baseou-se numa análise detalhada linha a linha e permitiu agrupar propriedades e gerar os primeiros conceitos. Na codificação axial organizaram-se as categorias e subcategorias em função das propriedades e dimensões, e criaram-se as primeiras hipóteses (Strauss e Corbin 1990). Os entrevistados foram sujeitos a uma nova ronda de entrevistas para testar as hipóteses e recolher novos dados, até à saturação teórica (Glaser e Strauss, 1967). Na codificação seletiva, as categorias foram refinadas e agrupadas em torno da categoria central, formulando-se, por fim, a teoria (Strauss e Corbin 1990).

(In)eficácia da política de “tolerância zero” em induzir compliance nos jogadores

A avaliação é uma etapa importante no processo de formulação de políticas (Howlett, 2009). A avaliação permite fazer comparações entre os resultados esperados e alcançados de determinada política, uma condição fundamental para os decisores políticos suportarem decisões, sejam elas de continuidade ou de reajustamento (Howlett, 2009; Hendricks, 2012).

Para avaliar se a política de “tolerância zero” da UEFA resolveu parcialmente ou na totalidade o fenómeno do match-fixing no futebol português, inspiramo-nos no “modelo de relevância” de Vedung (2012). Neste modelo, o critério de mérito utilizado para avaliar a eficácia das políticas é a sua capacidade para resolver o problema subjacente.

Na base da política de “tolerância zero” reside o consenso de que o match-fixing implica a conivência dos jogadores de futebol e que a resolução do problema depende, desde logo, da alteração comportamental daqueles. Terá esta política conseguido induzir nestes atores desportivos comportamentos em conformidade com as regras?

Estruturas de oportunidade, práticas e perceções de match-fixing no futebol português: o que mudou com a política de “tolerância zero”?

O caso “Jogo Duplo” personifica o discurso oficial da política de “tolerância zero” e de boa parte da literatura científica sobre match-fixing. Este caso envolve uma rede de criminosos transnacional (Carpenter, 2012), liderada por três indivíduos de origem malaia e operacionalizada por três indivíduos portugueses (um membro de uma claque desportiva e dois ex-jogadores), que faziam uso do seu capital social (negro) (Costa, 2018), para aliciar jogadores - de forma direta ou por interposta pessoa - com o intuito de manipular resultados para ganhos relacionados com apostas desportivas, em troco do pagamento de subornos, que rondavam, por norma, os 5000,00 euros por jogo.11

O processo “Jogo Duplo” diz respeito às épocas de 2014-2015 e 2015-2016, ou seja, numa altura em que a FPF, a Liga Portugal e o SJPF procuravam ajustar-se às recomendações da UEFA. Meia década depois, os testemunhos recolhidos evidenciam que o match-fixing continua a assombrar o futebol português. Para além de demonstrarem a permanência de fatores de risco que estão na génese do processo “Jogo Duplo”, como os salários em atraso e os jogos sem interesse competitivo, as evidências sugerem outros fatores, resultantes de lacunas governativas que aumentam a vulnerabilidade dos jogadores de futebol, mas que estão omissas nas narrativas de “tolerância zero”.

a) salários em atraso

Os salários em atraso são reconhecidos como um dos principais fatores de risco associados ao match-fixing (Aquilina e Chetcuti, 2013; Moriconi, 2020). De acordo com um estudo realizado pela Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (FIFPro), na Europa do Leste, existe uma correlação positiva entre estas duas variáveis. Dos 11,9% de jogadores que admitiram ter sido aliciados para manipular resultados, mais de metade (55%) tinham salários em atraso (FIFPro, 2012).

O depoimento de um jogador que foi abordado para manipular resultados confirma que este é um dos principais critérios de seleção usados pelos manipuladores:

Quando se passou isso, nós estávamos com ordenados em atraso e já estávamos matematicamente descidos de divisão. Então hoje percebo o esquema todo. Essas pessoas que abordam os jogadores… normalmente atuam em ligas pouco sonantes, equipas com dificuldades financeiras e desportivas, jogadores frágeis em termos psicológicos e económicos [J4].

De acordo com os dados recolhidos nesta investigação, os dois clubes que estão no centro do caso “Jogo Duplo” (U. D. Oliveirense e o Clube Oriental de Lisboa) e que, alegadamente, foram lesados por práticas de match-fixing, enfrentavam dificuldades financeiras à data dos factos.

No final da época de 2015-2016, foi noticiado que os jogadores da U. D. Oliveirense fizeram greve e não compareceram aos treinos em sinal de protesto pelo incumprimento salarial do clube.12 Também surgiram rumores sobre alegados salários em atraso no Clube Oriental de Lisboa, embora o presidente do clube o tenha desmentido publicamente.13 No entanto, de acordo com vários testemunhos recolhidos, 2015-2016 foi uma época particularmente difícil, a nível financeiro, para o Clube Oriental de Lisboa.

Eu compreendo, porque depois quando tens filhos e quando tens uma família e quando tens responsabilidade, acabas por pensar de uma forma mais abrangente […] isso via-se no caso do Oriental (salários em atraso) […] E quando alguém te diz, “faz um penalti, ou leva um cartão vermelho”, e se calhar alivia-te dois ou três meses […]. Eu percebo que as pessoas vacilem. Acho que esta é a exploração daquilo que é a fragilidade de quem está no meio [ex-J1].

Imagina teres família no Brasil, não te pagam no clube durante dez meses, não te pagam e depois vais para o Oriental, aquilo estava tudo à rasca para pagar também e não sei quê, e de repente tens um aliciamento de 10 ou 20 ou 30 mil euros. Mete-te na pele dessa pessoa que tem família para sustentar [ex-J2].

A família é reconhecida como uma das principais vulnerabilidades dos jogadores com salários em atraso, nomeadamente dos jogadores estrangeiros que vivem sozinhos em Portugal e deixaram os seus entes queridos no seu país natal. Um dos jogadores arguidos no processo teria o hábito de realizar transferências no valor de 3000,00 euros e 3500,00 euros para o Brasil, montantes que totalizavam cerca de metade do valor do suborno recebido para manipular resultados (7500,00 euros).14 O referido arguido é o jogador mencionado no testemunho do ex-J2 e, de acordo com este, terá transferido o dinheiro para “ajudar nas despesas familiares” [ex-J2].

Um outro jogador, também ele arguido, terá usado o adiantamento do suborno para o pagamento de uma prótese para um familiar e terá gastado metade do dinheiro antes da realização do jogo alvo de manipulação [JD]. Para azar do jogador (alegadamente) subornado, a manipulação do jogo viria a ser cancelada antes do início do mesmo, sem que este arguido fosse informado, como comprova a divulgação de uma escuta telefónica entre os alegados corruptores que consta no processo “Jogo Duplo” e que foi divulgada na reportagem “O inimigo público n.º 1”.

O … ninguém o avisou, por isso esse dinheiro, opá, vai ser fodido recuperar.

De acordo com o JD entrevistado, em situações deste tipo - em que a manipulação não corria como esperado - os chefes nacionais da estrutura criminosa exigiam que o jogador subornado se comprometesse a manipular o resultado do jogo seguinte para compensar o prejuízo causado. Este facto evidencia como a vulnerabilidade dos jogadores de futebol pode aumentar (ainda mais) a partir do momento em que caem na rede dos manipuladores.

Apesar da perigosa relação entre salários em atraso e match-fixing, o incumprimento salarial continua a ser uma realidade no futebol nacional. Não justificando por completo o problema, a pandemia provocada pela Covid-19 agudizou este cenário. De acordo com os depoimentos recolhidos, a situação vivida no Campeonato de Portugal foi particularmente dramática. Alguns entrevistados vivenciaram a “normalidade” dos salários em atraso nesta divisão, especialmente no período pandémico. Devido à Covid-19, o Campeonato de Portugal foi cancelado em março de 2020, altura a partir da qual alguns clubes se recusaram a pagar o salário aos jogadores.

Mas se forem ao Campeonato de Portugal isto acontece todos os fins de semana. Jogámos contra equipas, seis ou sete, que estavam como nós, dois ou três meses de atraso.” [ex-J4].

A precariedade na nossa divisão […], não há rigor na fiscalização dos contratos profissionais, não há rigor no cumprimento dos salários. Tivemos esta fase de pandemia e a maior parte dos jogadores deixou de receber em março, ou janeiro ou fevereiro [ex-J4].

Apenas pagaram até final de março, não pagaram abril e maio. A direção disse que não tinha condições para pagar e como foi a FPF a cancelar a prova então tinham que ser eles a assumir as despesas [J4].

Parte do conteúdo destes testemunhos é corroborado pelo presidente do SJPF, que confirmou ter recebido “muitos pedidos de apoio, em especial no Campeonato de Portugal”. Joaquim Evangelista referiu que alguns jogadores, especialmente os estrageiros, viveram autênticos “dramas humanos”, como a “privação de recursos financeiros” para satisfazer as “necessidades mais básicas, como a alimentação”.15

O incumprimento salarial não é exclusivo das divisões amadoras. No âmbito do processo de candidatura à época desportiva de 2020-2021, a Liga Portugal proibiu o Vitória de Setúbal e o Desportivo das Aves de competirem nas competições profissionais por incumprirem vários critérios, nomeadamente, a inexistência de dívidas a jogadores, treinadores e funcionários.

Durante a época de 2019-2020, a situação do Desportivo das Aves foi particularmente grave. Devido aos salários em atraso, vários jogadores rescindiram contrato e alguns dos que permaneceram no clube receberam ameaças de despejo por terem rendas em atraso.16 Para agravar a situação, no dia 29 de abril de 2020 foi publicado na internet um áudio onde, alegadamente, a diretora executiva da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) do clube, Estrela Costa, discute com Wei Zhao, presidente da estrutura à data dos factos, acusando-o de “vigarices” e proferindo frases alarmantes como “três jogos que tu vendeste” “três jogos que tu apostaste” “três jogos que fizeste a minha equipa perder”.17

Independentemente da veracidade da gravação, é um facto que a política de “tolerância zero” foi incapaz de prevenir o incumprimento salarial em Portugal e de evitar que vários jogadores vivenciassem situações de extrema vulnerabilidade.

A este nível, os dados recolhidos permitiram descobrir novos factos que podem aumentar a suscetibilidade dos jogadores ao match-fixing. De acordo com os depoimentos recolhidos, existem jogadores que têm de entregar uma parte do seu salário ao futuro treinador para serem contratados pela equipa deste, enquanto outros aceitam receber menos que o salário mínimo para ganharem visibilidade nas divisões profissionais.

Quando assinam um contrato têm de dar uma parte ao treinador se não, não vêm. […] Toda a gente sabe disso. Em off falas com quatro jogadores e os quatro dizem “Eu assinei e tive de dar X”. Não sei se continua a fazer. Mas esse, particularmente, admirou-me [ex-J5].

Há clubes da primeira divisão que pagam 900 euros [líquidos] e o salário mínimo é 1200 ou 1300 euros [líquidos]. Toda a gente sabe quem não paga. Toda a gente sabe que a [equipa X] está com problemas e não paga e que arrisca com jogadores do Campeonato de Portugal para lhes pagar 900 euros [ex-J5].

Se não aceitarem há quem aceite. Os jogadores vêm isso como uma oportunidade, sujeitam-se a ganhar isso, trabalham para realizar uma boa época e na próxima época tentar ganhar mais" [J4].

Estes dados são totalmente inovadores no que à literatura científica diz respeito e, por negligência ou desconhecimento, encontram-se ausentes das narrativas oficias sobre o fenómeno.

b) jogos sem interesse competitivo

De acordo com a literatura científica, os jogos sem interesse competitivo são outro dos fatores de risco associados ao match-fixing (Anderson, 2011). Esta categoria engloba desde jogos amigáveis, a jogos disputados nas últimas rondas da liga, em que, pelo menos, uma das equipas intervenientes não tem objetivos desportivos. A perceção dos jogadores de futebol entrevistados também aponta nesse sentido.

Tenho a certeza que a grande fatia está ali no final de época. São equipas que já não sobem nem descem [J4].

Isso [match-fixing], normalmente acontece mais a partir do início da 2.ª volta e intensifica-se na fase final do campeonato [J5].

Na época de 2015-2016, tanto a U. D. Oliveirense como o Clube Oriental de Lisboa cedo perderam a esperança de permanecer na 2.ª Liga, tendo sido, precocemente, relegadas para o Campeonato de Portugal. O facto de estes dois clubes comporem o epicentro do processo “Jogo Duplo” (enquanto vítimas, diga-se), comprova que o insucesso desportivo é um elemento explorado pelos manipuladores para convencer os jogadores abordados.

A inexistência de objetivos desportivos também parece ser um argumento forte para a tomada de decisão de envolvimento em match-fixing, por parte dos jogadores. Um (alegado) acordo de manipulação de um jogo da Liga Portugal Bwin (Liga NOS à data dos factos), terá sido revogado pelos jogadores aliciados porque o clube destes não assegurou a permanência antes das derradeiras jornadas (JD). Recusas deste, e outro tipo, motivavam a ira dos (alegados) líderes nacionais da organização criminosa, como denota o excerto de outra escuta telefónica divulgada na reportagem “O inimigo público n.º 1”.

Aquele filho de uma grande puta daquele corno, daquele…, o capitão andou a sondar os jogadores e inclusive foi falar ao treinador.

Também a este nível, pouco ou nada parece ter mudado com a política de “tolerância zero”. De acordo com os entrevistados, os modelos competitivos continuam a promover vários jogos sem interesse competitivo e, mais uma vez, o Campeonato de Portugal é a competição mais visada.

Porque isto não faz sentido nenhum, em 96 equipas subirem duas. Não faz sentido […] passam os primeiros, quem não passar em primeiro tem uma época de seis meses. O clube vai pagar o quê? Paga seis meses e o resto do ano os jogadores ficam sem receber. Está tudo mal estruturado. Se não querem saber desta divisão acabem com esta divisão. É preferível. [J2].

A correlação positiva entre modelos competitivos e salários em atraso, que é sugerida no testemunho do J2, reforça a importância de as estratégias de prevenção do match-fixing terem em consideração a forma como são organizados os campeonatos desportivos. Talvez essa tenha sido uma das razões que levou a FPF a criar a Liga 3 e a reformular o modelo competitivo do Campeonato de Portugal, reduzindo o número de equipas para 63 (61 após duas desistências), na época de 2021-2022.

No entanto, não é só nos campeonatos amadores que pairam as suspeitas de manipulação em jogos sem interesse competitivo. Vários entrevistados admitiram terem vivenciado jogos “estranhamente fáceis” e terem conhecimento de clubes de divisões inferiores que “fazem o dinheiro de uma época” nas primeiras eliminatórias da Taça de Portugal (ex-J6, ex-J7), uma competição na qual as equipas amadoras, por regra, não depositam grandes esperanças.

Nós, uma equipa da distrital, na primeira parte, estávamos a ganhar 4-0. Na altura, nós estávamos todos contentes, com aquela emoção, isto está a entrar tudo! Mas depois começas a pensar bem no jogo, começas a pensar nos resultados que essa equipa já teve, e depois a malta aqui, zona centro, a malta junta-se uns com os outros… uma equipa do Campeonato de Portugal… estar a perder 3-0 ao intervalo ou 4-0… agora a esta distância, depois de saber o contexto daquele clube [suspeitas de match-fixing], soa um bocadinho a esquisito [ex-J3].

Nestes casos não é reconhecido o envolvimento do crime organizado nos esquemas de match-fixing. São os próprios jogadores que, por iniciativa própria, ou pressionados pelos dirigentes da SAD, acordam a manipulação. Um jogador admitiu que, noutro país, chegou a vivenciar uma situação em que o presidente foi ao balneário e disse “hoje é para perder” [J2]. Nenhum jogador referiu ter vivenciado essa situação em Portugal. No entanto, suspeita-se que em alguns clubes isso possa já ter acontecido.

O presidente da SAD do [clube X] é unha e carne com o presidente da SAD do [clube Y]… Já se falava no (clube X) na altura […] também se dizia que era muito disso. O presidente de vez em quando dizia “hoje não é para ganhar por causa das apostas” [J2].

Os materiais empíricos recolhidos permitem sustentar que a política de “tolerância zero” foi pouco eficaz na promoção de quadros competitivos que reduzam as janelas de oportunidade para o match-fixing. Os dados sugerem que em Portugal o problema do match-fixing não pode ser resumido a uma criminalidade piramidal transnacional como a que caracteriza o “Jogo Duplo”. Existem outro tipo de estruturas criminosas, com caráter vertical e horizontal, que são promovidas pelos atores do desporto e atuam com base na abordagem direta e na oportunidade.

O modelo taxonómico para analisar estratégias de compliance

As suspeitas sugeridas pelos entrevistados não permitem afirmar com certeza se a política de “tolerância zero” foi ineficaz em induzir compliance nos jogadores de futebol, ao nível das práticas de match-fixing. No entanto, as evidências recolhidas evidenciam que a política da UEFA não foi capaz de eliminar as principais estruturas de oportunidade subjacentes ao processo “Jogo Duplo”, existindo fortes suspeitas que o match-fixing continue a ocorrer no futebol português. Poderão ser identificadas falhas na definição, implementação e fiscalização das iniciativas, mecanismos e medidas disciplinares e legais implementadas? Se sim, que tipo de reajustamentos serão necessários?

Para responder a estas perguntas recorremos a um modelo padrão de análise de estratégias de compliance. Tal como Roberts e Bolton (2018), optámos pelo modelo taxonómico de Mitchell, Crosset e Barr (1999). Estes autores inspiraram-se nas relações internacionais para suprimir a ausência de um padrão de estratégias de conformidade na literatura de gestão desportiva. Mitchell, Crosset e Barr (1999) desenvolveram um modelo taxonómico de três pares de categorias de estratégias: punitivas e remunerativas; generativas e preventivas; cognitivas e normativas.

Estratégias punitivas e remunerativas

As estratégias punitivas e remunerativas atuam numa lógica consequencial, punindo a adoção de comportamentos desviantes e premiando comportamentos desejáveis. Como enfocam alterações comportamentais, estas medidas são particularmente eficazes em solucionar problemas decorrentes de falhas de ética individual (Mitchell, Crosset e Barr, 1999).

A política de “tolerância zero” da UEFA tem uma forte componente punitiva. Este excessivo peso na vertente criminal e disciplinar pode ser interpretado como uma estratégia de hierarquização de poder, que transfere o ónus da responsabilidade para os atores desportivos e desresponsabiliza as falhas institucionais do modelo das apostas desportivas e de governação desportiva (Tak, Sam e Jackson, 2018a).

Como referem Ceva e Ferretti (2019), uma estratégia anticorrupção não pode ser reduzida à criação de novas disposições legais e disciplinares. As estratégias punitivas aumentam os custos da violação para os possíveis prevaricadores, mas não impedem o desvio se estes não tiverem opções alternativas para alcançar os objetivos subjacentes à violação (Mitchell, Crosset e Barr, 1999). O processo “Jogo Duplo” evidencia o caso de dois jogadores estrangeiros com salários em atraso, que canalizaram o dinheiro do suborno para o suprimento de carências familiares. Este exemplo ajuda a demonstrar que a existência de sanções severas pode não evitar o desvio, nomeadamente quando as alternativas legais para resolução de problemas específicos (salários em atraso) são demasiado morosas face à urgência das necessidades que estão na origem da manipulação (carências familiares).

As estratégias punitivas implicam capacidade de deteção. A este respeito, apesar de o governo português ter construído um marco legal adequado para prevenir e combater o match-fixing, faltam meios tecnológicos, financeiros e humanos para o colocar em prática (Moriconi e Almeida, 2019). A elevada subjetividade do jogo e a dificuldade de construir o ónus da prova são entraves adicionais à investigação destes casos.

Neste cenário de janelas de oportunidade, a morosidade do sistema de justiça desportiva e criminal funciona a favor dos manipuladores. Refira-se que só em outubro de 2019 é que o Conselho de Disciplina da FPF aplicou sanções desportivas a quatro arguidos do processo “Jogo Duplo”, e só em fevereiro de 2020 foi lido o acórdão do julgamento que condenou, em primeira instância, os arguidos deste processo. No entanto, ainda se aguarda que a decisão transite em julgado, uma vez que os arguidos recorreram da sentença.

Por fim, as medidas punitivas são úteis para retrair comportamentos desviantes, mas são pouco eficazes em encorajar padrões elevados de integridade desportiva (Mitchell, Crosset e Barr, 1999). Isso é especialmente visível na criação de uma cultura de denúncia no setor desportivo (Moriconi e Cima, 2020b). As estratégias punitivas punem a cumplicidade, mas não preveem sanções para aqueles que inflingem represálias físicas, psicológicas ou profissionais sobre os denunciantes. Para além da criação de obrigações legais e disciplinares é fundamental garantir a proteção de quem denuncia. Esta questão extrapola a dimensão desportiva. A diretiva da União Europeia “relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União”, um ato legislativo que Portugal terminou de transcrever recentemente e que vem colmatar a ausência de uma lei de proteção de denunciantes, só entrará em vigor em junho de 2022.

Por esse motivo, a introdução de estratégias remunerativas pode ser importante, desde logo, na criação de uma cultura de denúncia. Estas estratégias estimulam os atores a fornecer informações (Mitchell, Crosset e Barr, 1999). Como ficou demonstrado no processo “Jogo Duplo”, os jogadores que se envolvem em match-fixing podem ser culpados e vítimas, ao mesmo tempo (Numerato, 2016). Para estes casos, a introdução de um “estatuto do arrependido” pode ser uma solução legal possível. No plano desportivo, a criação de um mecanismo que assegure o pagamento dos salários em atraso ao denunciante e garanta um subsídio mensal - com a duração do vínculo do respetivo contrato de trabalho - enquanto o processo decorre nos tribunais, pode ser um estímulo adicional à denúncia, no sentido em que introduz uma forma legal para solucionar um problema (salários em atraso) que, em vários casos, está na base do envolvimento em match-fixing.

Estratégias generativas e preventivas

As estratégias generativas e preventivas operam sobre estruturas de oportunidade, abrindo possibilidades para comportamentos desejáveis e reduzindo as falhas que podem originar comportamentos desviantes. Estas são adequadas para a resolução de problemas sistémicos e a sua eficácia reside na capacidade de evitar problemas (Mitchell, Crosset e Barr, 1999).

A monitorização de apostas desportivas é uma ferramenta preventiva que permite detetar padrões irregulares nas apostas desportivas e, quando assim acontece, fornecer dados relevantes para investigações policiais. O processo “Jogo Duplo” é um exemplo de um caso que foi despoletado por um relatório da Sportradar, enviado pela UEFA à FPF, que culminou em sanções desportivas e, em primeira instância, em sanções criminais.

No plano generativo, a política de “tolerância zero” apostou na implementação de sistemas de denúncia protegida. A ideia é tornar a denúncia de irregularidades/ilegalidades num comportamento comum e desejável.

A ênfase na moralidade individual em detrimento das falhas estruturais ajuda a explicar a ineficácia desta política ao nível preventivo e generativo. Para além de monitorizar e sancionar indivíduos por um comportamento desviante é fundamental reestruturar todo o sistema que cria as vulnerabilidades que originam esse comportamento (Tak, 2018).

Isso implica, em primeiro lugar, combater os salários em atraso. O sistema de licenciamento da Liga Portugal foi eficaz em punir os clubes com salários em atraso, mas foi incapaz de prevenir que o problema ocorresse. A Liga Portugal faz controlos financeiros quatro vezes por época. Fazer controlos todos os meses, sancionando os clubes incumpridores com perda de pontos e responsabilizando os dirigentes desportivos que adotam este tipo de práticas por dolo, poderia aumentar a eficácia deste sistema. Outra opção seria a introdução de um sistema de caucionamento orçamental. Este sistema consiste em caucionar uma parte do orçamento inicial do clube, que seria ativado em caso de incumprimento salarial para responder às necessidades imediatas dos jogadores. Porém, as dificuldades de liquidez dos clubes em Portugal são um obstáculo a este sistema.

Igualmente positiva é a existência do “fundo de garantia salarial” nas competições profissionais e amadoras nacionais, que permite que os jogadores com salários em atraso possam receber uma parte do seu salário, ficando menos expostos a abordagens manipuladoras.

Em segundo lugar, devem repensar-se os modelos competitivos atuais. Os dados evidenciam que o desinteresse competitivo é uma variável determinante para os jogadores se envolverem em casos de match-fixing. Em Portugal, a criação da Liga 3 e a remodelação do Campeonato de Portugal, na época de 2021-2022, são dois exemplos do que pode ser feito a este nível. Esta competições começam com uma fase regular que determina, em função do mérito desportivo, quem disputa a fase de subida de divisão/apuramento de campeão, e a fase de manutenção e descida. O mérito deste modelo está na prorrogação dos jogos com objetivos desportivos em disputa, até às rondas finais da competição.

Nas ligas profissionais, destaca-se a criação de um playoff de manutenção/subida de divisão que opõe o antepenúltimo classificado da 1.ª Liga e o terceiro classificado da 2.ª Liga. Introduzir um playoff semelhante ao que ocorre na 2.ª Liga inglesa, em que as quatro equipas entre o 3.º e o 6.º lugares da 2.ª Liga disputam a terceira vaga de acesso à 1.ª Liga inglesa, aumentaria o número de equipas com objetivos em disputa até às últimas jornadas da competição.

Estas medidas podem diminuir os jogos sem interesse competitivo, mas são incapazes de evitar a sua ocorrência. Sempre que assim seja, a autoridade nacional que regula as apostas desportivas deve, em consonância com as organizações desportivas e os operadores de apostas desportivas, excluir a oferta de apostas desportivas em competições “cujas condições de organização e/ou desafios desportivos sejam inadequados”. Essa é, de resto, a recomendação que consta na alínea b, do n.º 1 do artigo 9.º da Convenção Macolin.

Estratégias cognitivas e normativas

Os programas educacionais são um dos pilares da política de “tolerância zero”. Estes programas podem ser analisados em duas vertentes: cognitiva e normativa.

A vertente cognitiva consiste na disseminação de informações completas sobre um fenómeno e as consequências do comportamento desviante, e orientam o indivíduo para o comportamento desejável (Mitchell, Crosset e Barr, 1999). Nesta perspetiva, os programas educacionais procuram dissuadir os jogadores de manipularem resultados, advertindo-os para os perigos do match-fixing e enfatizando as consequências criminais e disciplinares da manipulação.

A vertente normativa procura aumentar a consciência coletiva seguindo uma lógica moralista. Concretamente, os programas educacionais transmitem a narrativa de que o match-fixing é um problema de ética individual e que manipular é moralmente inaceitável.

O conteúdo dos programas educacionais apresenta algumas limitações que ajudam a explicar a ineficácia da política de “tolerância zero”.

Grande parte da vertente cognitiva resume-se a uma “componente informal de uma estratégia punitiva” (Mitchell, Crosset e Barr, 1999: 226). Adicionalmente, os programas educacionais são limitados e deficientes no conteúdo (Moriconi, 2018). Como se comprova pelos testemunhos recolhidos, a ênfase em que o match-fixing é um problema de crime organizado é redutora. Não só em Portugal, mas em países como a Grécia ou a Turquia, muitas vezes os corruptores são os próprios atores do desporto. Por esse motivo, estes programas também deviam ser obrigatórios para dirigentes e presidentes desportivos e deveriam enfatizar estruturas de oportunidade para a corrupção que decorrem das falhas de governança desportiva (Moriconi e Cima, 2020a), e, em alguns casos, das relações de promiscuidade entre política e desporto (Manoli, Antonopoulos e Bairner, 2019).

Por outro lado, a vertente normativa traduz-se em “discursos paternalistas”, definidos numa perspetiva “top down”, que orientam os jogadores para “adotar atitudes e comportamentos institucionalmente modelados, geralmente determinados pelas partes interessadas da indústria do desporto” (Moriconi e Almeida, 2018: 79).

Esta abordagem falha por três motivos. Primeiro, as estratégias cognitivas são eficazes com o indivíduo disinclined, mas ineficazes com o recalcitrant (Mitchell, Crosset e Barr, 1999). Os programas educacionais podem ser úteis em dissuadir comportamentos desviantes quando estes resultam da falta de informação - por exemplo, jogadores que manipulam, mas não sabem que é proibido, ou não têm noção das consequências -, mas são ineficazes em alterar comportamentos desviantes dos indivíduos desobedientes.

Segundo, a vertente normativa e cognitiva pressupõe que os jogadores têm condições para obedecer às regras e só precisam ser incentivados para isso. Como evidenciado neste estudo, a divulgação e a consciencialização sobre as obrigações e sanções a que os jogadores estão sujeitos será ineficaz se não for acompanhada da eliminação das estruturas de oportunidade associadas ao match-fixing.

Terceiro, o discurso institucional está descredibilizado fruto de um conjunto de escândalos de corrupção que abalaram organizações desportivas como a UEFA e a FIFA. Os jogadores atendem à informação dos programas educacionais, mas também à credibilidade e à confiança das organizações que promovem o discurso oficial. Por isso, é muito importante aumentar a transparência e o escrutínio nas organizações desportivas, para que estas sejam capazes de gerar mais confiança nos jogadores e, consequentemente, as suas políticas tenham mais sucesso.

Conclusões

Existem problemas na definição da agenda, na formulação e na implementação da política de “tolerância zero” que ajudam a explicar a sua ineficácia. A entrada do match-fixing no topo da agenda desportiva e política é recente, mas trata-se de um problema histórico no desporto. Aqui decorre a primeira falha. Com a infiltração do crime organizado a UEFA externalizou em demasia o problema do match-fixing, descurando falhas governativas preexistentes no desporto que constituem janelas de oportunidade, não só para o crime organizado, como para estruturas horizontais e verticais promovidas pelos atores do desporto.

Em segundo lugar, o match-fixing não resulta de uma “avaliação científica neutra e sem valor”, mas sim de uma avaliação em que certos atores são responsabilizados pelo problema (Tak, Sam e Jackson, 2018a: 74). A determinação do problema e dos respetivos culpados é um fenómeno de poder (Chalip, 1995) e a desresponsabilização institucional e transferência de responsabilidade para falhas individuais é uma tendência de atores poderosos. No caso do match-fixing, isso acontece por duas razões. Responsabilizar os atores desportivos é mais fácil do que reestruturar todo o sistema desportivo (Tak, 2018) e “porque eles são, paradoxalmente, o último recurso contra o match-fixing” (Tak, Sam e Jackson, 2018b: 79).

No entanto, “iniciativas de compliance, por si só, não estabelecem uma estrutura de governação” (Jones, 2013: 207). É pouco provável que estratégias de compliance definidas nestes moldes promovam alterações comportamentais positivas nos jogadores de futebol, sem antes se implementar uma reforma estrutural que reduza estruturas de oportunidade que permitem a corrupção (Henne, 2015). Ao construir uma narrativa em torno da falha de ética individual, o mais provável é que a política de “tolerância zero” “instrumentalize soluções, o que equivale a gestos simbólicos ao invés de reformas significativas” (Henne, 2015: 340), que resolvam problemas de governação desportiva mais profundos. A UEFA e a FIFA são dois exemplos de como falhas de governação, como o excesso de concentração de poder, a falta de escrutínio, e a consequente falta de transparência, podem originar casos de corrupção (Roberts e Bolton, 2018).

Por esse motivo, as estratégias de compliance devem fazer parte de uma estrutura de governação mais ampla. Isso exige complementar estas estratégias com procedimentos de check and balance (Jones, 2013), ou seja, mecanismos que fiscalizem o poder dentro do futebol e que sejam independentes das estruturas de governo do próprio futebol.

Nesse sentido, é importante existir uma intervenção forte na regulação do futebol. Uma regulação que transite de uma lógica de mera compliance para o enforcement, isto é, que as organizações desportivas não se preocupem tanto em cumprir uma checklist de medidas, mas em verificar se os objetivos a que se propõem estão a ser alcançados. Por exemplo, a FIFA implementou um processo de reforma e estabeleceu uma entidade interna para regular as suas atividades, o Independent Governance Committee. No entanto, a eficácia do modelo de autorregulação tem sido questionada devido à falta de escrutínio externo e à inexistência de sanções para as federações desportivas prevaricadoras (Roberts e Bolton, 2018; Geeraert, 2019). As críticas apontadas por Miguel Poiares Maduro depois de abandonar o cargo de presidente do Comité de Governação da FIFA, após oito meses no cargo, reforçam esta perspetiva. De acordo com Poiares Maduro, a autorregulação não é possível no futebol porque existe “uma ‘cartelização’ do sistema, associada a uma enorme centralização do poder” e à falta de “escrutínio”.18 Nesse sentido, mais pesquisas são necessárias para aprofundar a discussão sobre novos modelos de regulação. A criação de uma entidade independente supranacional é uma possibilidade (Chappelet, 2018). A questão que se coloca é quem terá capacidade negocial para impor este tipo de modelo de regulação.

Alguns trabalhos têm demonstrado que é possível ampliar o papel da União Europeia na monitorização, sanção e coordenação da FIFA e da UEFA (Geeraert e Drieskens, 2015). O Conselho da Europa tem tido um papel importante em suscitar o problema do match-fixing, mas depende da vontade dos estados na ratificação das suas disposições, e da vontade das instituições internas desses estados na implementação destas. Além disso, a Convenção da Europa mantém os estados-membros numa posição frágil em relação à UEFA e à FIFA. Para estas entidades é fácil impedir a intervenção do estado e argumentar o seu direito à autorregulação, pois, caso contrário, excluem o estado e as respetivas equipas de futebol das suas competições. O mesmo será mais difícil se a entidade independente estiver sob a égide da União Europeia, uma vez que enquanto é fácil exercer esta “chantagem” face a um estado individualmente, já não será assim perante a União Europeia no seu todo.

Financiamento

A investigação de César de Cima foi apoiada por uma bolsa de doutoramento concedida pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BD/143300/2019), que permitiu a sua afiliação no Centro de Estudos Internacionais e no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Iscte. Esta publicação contou ainda com o financiamento do programa estratégico do Centro de Estudos Internacionais, Iscte - Instituto Universitário de Lisboa (com a referência FCT UIDB/03122/2020).

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1Será publicada uma versão preliminar sobre este tema em Cima e Moriconi (2022)

2Leitão, P. (2020), “Cinco arguidos condenados a prisão efetiva no processo ‘Jogo Duplo’ ”. CM [online]. Disponível em: https://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/alerta-cm—cinco-arguidos-condenados-a-prisao-efetiva-no-processo-jogo-duplo (consultado em 12 de janeiro de 2022).

3A Sportradar é uma empresa que presta serviços de recolha e análise de dados a operadores de apostas, federações desportivas nacionais e internacionais e órgãos de comunicação social. A Sportradar tem uma divisão de segurança que presta serviços de integridade desportiva para identificar manipulação de resultados relacionados com apostas.

4Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto.

5Lei n.º 13/2017, de 2 de maio, segunda alteração à Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto.

6Lei n.º 101/2017, de 28 de agosto

7Disponível em: https://integridade.fpf.pt/

8Em Portugal, as competições de futebol masculino são organizadas pela Liga Portugal e pela FPF. Cada uma tem o seu regulamento disciplinar que se aplica às competições que se encontram sob a sua égide. O regulamento disciplinar da Liga aplica-se à Liga Portugal Bwin, Liga SABSEG e Taça da Liga. O regulamento da FPF aplica-se na Taça de Portugal, Liga 3, Campeonato de Portugal e Liga Revelação.

9Até à data de submissão deste artigo, não foi possível obter uma resposta do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente à possibilidade de aceder e referenciar o acórdão do julgamento do processo “Jogo Duplo” em documentos de caráter científico, como o artigo que aqui se apresenta.

10Rosa, L. (2017), “Futebol: a rede de apostas da Malásia, os intermediários, as mensagens por WhatsApp e as notas de 500 euros”. Observador. [online]. Disponível em: https://observador.pt/especiais/futebol-a-rede-de-apostas-da-malasia-os-intermediarios-as-mensagens-por-whatsapp-e-as-notas-de-e500/ (consultado em 12 de janeiro de 2022).

11Lusa (2016), “Jogadores da Oliveirense em greve por salários em atraso”, Diário de Notícias, [online]. Disponível em: https://www.dn.pt/desporto/jogadores-da-oliveirense- em-greve-por-salarios-em-atraso-5169376.html (consultado em 15 de setembro de 2021).

12Lusa (2016), “Corrupção na II Liga: ‘salários em atraso são uma das razões mais importantes’ ”, Diário de Notícias [online], disponível em: https://www.dn.pt/desporto/corrupcao- na-ii-liga-salarios-em-atraso-sao-uma-das-razoes-mais-importantes-5179311.html (consultado em 15 de setembro de 2021).

13Pinto, M. (2018), “Derrota do Oriental rende 30 mil euros a atletas”, CM [online], disponível em: https://www.cmjornal.pt/desporto/detalhe/derrota-do-oriental-rende-30-mil-euros- a-atletas?ref=Mais%20Sobre_BlocoMaisSobre (consultado em 12 de janeiro de 2021).

14Record (2020), “Sindicato alerta para ‘dramas humanos’ devido a salários em atraso a jogadores” [online], disponível em: https://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/detalhe/sindicato-alerta-para-dramas-humanos-devido-a-salarios-em-atraso-a-jogadores (consultado em 10 de março de 2021).

15Record (2020), “Atletas do Aves sem rendas pagas temem ser despejados” [online], disponível em: https://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/campeonato-de-portugal/aves/detalhe/atletas-do-aves-sem-rendas-pagas-temem-ser-despejados?ref=Aves_DestaquesPrincipais (consultado em 10 de março de 2021).

16Desportivo Aves — Escuta Telefónica Estrela Costa Wei Zhao — Corrupção Futebol Português (2020), [vídeo] YouTube, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=uRP3kJ2bEhA [1’,09’’-1’,22’’] (consultado em 21 de março de 2021).

17Sapo (2019), “Poiares Maduro: ‘Futebol internacional tem uma lógica de cartel. É impossível que consiga reformar-se a si próprio’”, disponível em: https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira-liga/artigos/futebol-internacional-tem-uma-logica-de-cartel-miguel-poiares-maduro (consultado em 10 de março de 2021).

18Sapo (2019), “Poiares Maduro: ‘Futebol internacional tem uma lógica de cartel. É impossível que consiga reformar-se a si próprio’”, disponível em: https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira-liga/artigos/futebol-internacional-tem-uma-logica-de-cartel-miguel-poiares-maduro (consultado em 10 de março de 2021).

Recebido: 05 de Abril de 2021; Aceito: 03 de Setembro de 2021

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