SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número100Publicação científica e ciências sociais: 100 números da revista Sociologia, Problemas e PráticasInserções, identidades e competências dos sociólogos em Portugal índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Sociologia, Problemas e Práticas

versão impressa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.100 Lisboa dez. 2022  Epub 18-Fev-2023

https://doi.org/10.7458/spp202210028004 

Artigo Original

Poder Social : Dimensões analíticas

Social power: analytical dimensions

Le pouvoir social: dimensions analytiques

Poder social: dimensiones analíticas

Rui Pena Pires1  , concetualização, visualização, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-5465-805X

1 Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte), Observatório da Emigração, Lisboa, Portugal, E-mail: rui.pires@iscte-iul.pt


Resumo

Neste texto propõe-se uma reconstrução multidimensional do conceito de poder social a que se associa uma tipologia das formas sociais de exercício da dominação e da resistência. No primeiro caso, sugere-se a distinção entre poder interativo, episódico ou dissuasor, e poder estrutural, enquanto autoridade ou capacidade. No segundo caso, é proposta uma adaptação e revisão teórica da tipologia das formas sociais do poder de John Scott, distinguindo-se entre dominação por restrição ou persuasão e entre resistência por oposição ou pressão.

Palavras-chave: poder; poder interativo; poder estrutural; dominação; resistência.

Abstract

This paper proposes a multidimensional reconstruction of the concept of social power, which is associated with a typology of social forms of exercising domination and resistance. First, we suggest a distinction between interactive power, episodic or dissuasive, and structural power, as authority or capacity. Second, we propose an adaptation and theoretical revision of the typology of social forms of power by John Scott, distinguishing between domination by restriction or persuasion and between resistance by opposition or pressure.

Keywords: power; interactive power; structural power; domination; resistance.

Résumé

Ce texte propose une reconstruction multidimensionnelle du concept de pouvoir social et une typologie des formes sociales d’exercice de la domination et de la résistance. Dans le premier cas, on suggère une distinction entre le pouvoir interactif, épisodique ou dissuasif, et le pouvoir structurel, en tant qu’autorité ou capacité. Dans le second cas, on propose une adaptation et une révision théorique de la typologie des formes sociales de pouvoir de John Scott, en distinguant la domination par la restriction ou la persuasion et la résistance par opposition ou pression.

Mots-clés: pouvoir; pouvoir interactif; pouvoir structurel; domination; résistance.

Resumen

Este texto propone una reconstrucción multidimensional del concepto de poder social, que se asocia a una tipología de formas sociales de ejercicio de la dominación y la resistencia. En el primer caso, se sugiere distinguir entre poder interactivo, episódico o disuasorio, y poder estructural, como autoridad o capacidad. En el segundo caso, se propone una adaptación y revisión teórica de la tipología de formas sociales de poder de John Scott, distinguiendo entre dominación por restricción o persuasión y entre resistencia por oposición o presión.

Palabras-clave: poder; poder interactivo; poder estructural; dominación; resistencia.

Exercer o poder, ter poder, aceder ao poder, perder o poder são expressões comuns que remetem para várias dimensões que, no saber comum, estão associadas à noção de poder. Outras associações também comuns manifestam-se em expressões como “eles”, os poderosos, o poder do estado, o poder dos ricos, o poder da América. Resumindo, o poder parece ser algo que uns têm mais do que outros, que se traduz em atos com consequências sobre terceiros, que está distribuído de forma desigual por classes de cidadãos, entre os cidadãos e o estado e entre os diversos estados nacionais.

A construção sociológica da noção de poder integra os referentes destas expressões comuns como matéria de trabalho teórico, tendo uma longa história na disciplina. Não está nos objetivos deste texto percorrer essa história, mas apenas destacar como se foi acumulando conhecimento sociológico sobre o conceito de poder e de que modo pode essa acumulação ser hoje objeto de uma reconstrução teórica que tire todo o partido dos contributos do passado, mas não se fique por ele.1 Com estes objetivos em mente, o primeiro trabalho que se impõe é recolher, na literatura sociológica, alguns dos contributos fundamentais para a posterior identificação das dimensões de análise a selecionar. Reteremos para o efeito, e a título apenas exemplificativo, contributos de Marx, Weber e Foucault.

Tradições teóricas: breve digressão

Os contributos de Marx foram fundamentais no estabelecimento da relação entre poder e controlo sobre recursos: tem poder quem tem acesso a recursos que permitem aumentar a sua capacidade para agir (Marx e Engels, 1997 [1848]). Como, em Marx, a distribuição de recursos é desigual, estando na origem de estruturas sociais de classe, a teoria centra-se sobre o poder de classe e serve sobretudo para explicar as dinâmicas encadeadas de desigualdade, conflito (ou luta de classes) e mudança social (Marx, 1859). Nesta teorização, a que falta uma definição clara do termo poder, substituído com frequência pelo de dominação, ficam no entanto esboçadas algumas das dimensões do conceito que iremos encontrar mais adiante. Em primeiro lugar, a relação já referida entre poder e recursos. Em segundo lugar, a ideia de que o exercício de poder não pode ser sustentado apenas nos planos fático, normativo e político, mas tem que ser justificado, no caso através de ideologias. Ou seja, o exercício do poder não exige apenas a coação, tem ainda que convencer, sendo a capacidade para construir esse convencimento também ela dependente de recursos simbólicos tão desigualmente distribuídos quanto os recursos materiais e políticos.

A questão que fica algo misteriosa neste resumo é a das bases da resistência e oposição à dominação pressuposta na ideia da luta de classes. Essas bases são definidas como organizacionais e ideológicas, introduzindo Marx com esta definição duas ideias importantes. Primeira, a de que é no campo das ideias que mais facilmente é possível a reação voluntarista aos desequilíbrios de poder. Segunda, que a organização é, em si mesma, um recurso de poder que permite compensar, ainda que parcialmente, as assimetrias no plano da ação individual com a criação de poder no plano da ação coletiva. Ou seja, compensando a ausência de recursos do poder com a transformação do poder organizacional em recurso da ação, constituindo-se, assim, uma dupla relação entre poder e recursos: o poder como capacidade para agir ampliada pelo acesso e controlo de recursos e o poder organizacional como recurso da ação. Voltaremos a esta questão.

Se, em Marx, a legitimação do poder é instrumental, tendo uma relação funcional de viabilização das relações de dominação, em Weber é constitutiva dessas relações. Como é comum na obra do autor, começamos por encontrar uma definição explícita de poder: “a probabilidade de impor a sua vontade numa relação social, ainda que contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade” (Weber, 1984 [1922]: 41).2 Esta definição começa por chamar a atenção para o facto de o poder só se consumar verdadeiramente enquanto ato com efeitos causais sobre terceiros. Mas tem um aparente problema de congruência com a definição weberiana de ação, enquanto comportamento orientado por uma razão subjetiva. De facto, segundo Weber, existe poder quando a razão para agir não é a razão de quem atua mas a razão de quem tem poder sobre quem atua.

A (aparente?) contradição pode começar a ser resolvida argumentando-se que quem age de acordo com as razões de outro (com poder sobre ele) o faz porque conclui que é do seu interesse, ou dever, aceitar a imposição de vontade de que é objeto. A razão da ação, neste caso, passa a ser a razão para aceitar agir apesar das ou contra as suas próprias razões. Note-se que, com este argumento, fica sempre em aberto a possibilidade de não aceitação da imposição de vontade e, portanto, de resistência a essa imposição, eventualmente sob a forma de conflito. Ou seja, a possibilidade de resistência é endémica na definição weberiana de poder, pelo menos quando conjugada com a sua definição de ação.

De qualquer forma, aquela conjugação explica porque Weber passa rapidamente da análise do poder pelo lado de quem exerce o poder (ou impõe a sua vontade) para a análise da obediência por parte de quem é objeto da imposição de vontade. Identificar as razões que têm as pessoas para obedecer passa a ser o núcleo do tratamento weberiano do poder social. Ou melhor, que razões têm as pessoas para, sistematicamente, obedecerem. E assim se passa, em Weber, da análise do poder para a análise da dominação e desta para a análise da dominação legítima. Por dominação, Weber entende “a probabilidade de encontrar obediência” no exercício do poder, por dominação legítima, a dominação suportada por um dever de obediência.

O que verdadeiramente interessava Weber era o caso da dominação legítima em que a obediência, em lugar de se basear numa aceitação fatalista da relação de forças, como na dominação simples, fática, tem uma razão, partilhada, que a justifica, é uma ação social no sentido pleno do termo. Como se sabe, Weber distingue três tipos de dominação legítima que correspondem aos seus três tipos de ação social. São as diferentes razões gerais para agir que explicam o comportamento obediente, agora no plano da dominação legítima. Com base nessa especificação Weber distingue três tipos de obediência legítima: a dominação tradicional, suportada pelo costume, a dominação racional, suportada pela lei, e a dominação carismática, suportada pelo carisma do líder.

Num segundo momento, Weber retoma a análise do lado de quem impõe a sua vontade a quem obedece, e explica a possibilidade de imposição de vontade em termos muito semelhantes aos de Marx. A possibilidade da imposição de vontade resultaria do acesso a recursos desigualmente distribuídos, fossem eles a propriedade ou o rendimento, a reputação social ou os meios políticos. Ao contrário de Marx, porém, Weber não estabelece qualquer relação a priori sobre as diferentes dimensões da desigualdade, afirmando, pelo contrário, uma conceção pluricausal, multidimensional, sobre os fundamentos do poder enquanto capacidade de imposição de vontade (Weber, 1984 [1922]; Poggi, 2001; Scott, 2007).

Se o exercício estabilizado do poder requer princípios aceites de obediência, então requer a construção de justificações. O exercício do poder não é apenas imposição de vontade, ou domínio com base no controlo de recursos, é, também, persuasão, construção de interpretações que legitimem aquele exercício. Um dos autores que mais contribuiu para destacar a componente persuasiva do poder foi Michel Foucault (1975).

Nas propostas analíticas de Foucault, a estabilização do poder persuasivo requer não apenas produção de interpretações mas controlo sobre essa produção, isto é, a constituição do que hoje podemos designar por autoridade pericial (e não apenas normativa). E, por sua vez, o controlo interpretativo só é eficaz se estiver ancorado em processos de socialização que requerem disciplina, treino e vigilância em todos os domínios e níveis da organização social. Ou seja, e em contraste, por exemplo, com as teorias das elites de Pareto ou Mosca, que colocavam o foco analítico nos processos de concentração do poder numa minoria (a elite), Foucault argumentou que o poder, enquanto poder disciplinar, seria difuso, generalizado, capilar.

Poder, ação e estrutura: exercício de conceptualização

Quando falamos de poder em Marx, Weber e Foucault falamos de fontes de teorização alternativas, mutuamente irredutíveis entre si, ou de referências para um trabalho de sistemática teórica numa lógica multidimensional, transformando, sempre que possível, os núcleos de teorias alternativas em dimensões analíticas complementares? Neste texto, opta-se pela segunda alternativa. O regresso a autores mais ou menos clássicos e a digressão pela história da disciplina têm como objetivo, como já se referiu noutro artigo (Pires, 2020), aceder a uma reserva de ideias e sugestões, bem como a modos de argumentação sofisticados, que podem ser fonte de inspiração em novos exercícios de teorização (Stinchcombe, 1982).

O exercício que aqui se propõe é o da identificação das principais dimensões analíticas do conceito de poder através de uma síntese controlada de contributos de diferentes autores e correntes, e não apenas dos clássicos.3 O que distingue este exercício de outros realizados sobre o mesmo domínio, o do poder social, é a sua organização com base na reconstrução prévia, numa perspetiva multidimensional, dos conceitos de ação e estrutura e nos debates sobre a sua articulação (Pires, 2007). Conceitos e debates que são fáceis identificar na breve digressão realizada na secção anterior. Por exemplo, é desde logo claro que o poder é um modo de agir que requer condições estruturais prévias. Não há poder sem atos, mas a possibilidade dos atos depende de requisitos transindividuais e transituacionais.

O poder pode ser definido como capacidade de imposição de vontade, mas imposição de vontade não é apenas coerção, envolve também algum grau de convencimento. Ou seja, o poder como ato é tanto instrumental como interpretativo. As estruturas de poder são materiais, no sentido em que se concretizam em distribuições de recursos que ampliam diferencialmente a capacidade para agir. Mas são também estruturas culturais, quer enquanto normas de especificação das relações de poder, ou de autoridade, quer enquanto repositórios de justificações de obediência, de narrativas e códigos de persuasão.

No plano da ação ou, mais rigorosamente, da interação, podemos definir poder como toda a intervenção intencional, deliberada, de um superior para produzir um efeito específico sobre um subalterno. Enquanto ato, o exercício do poder é a produção de um efeito causal pretendido ou, como propõe Dennis Wrong, adaptando a definição de poder de Bertrand Russell, “a capacidade de algumas pessoas de produzir efeitos pretendidos e previstos em outras” (Wrong, 2017 [1979]: x).4 Estes efeitos incluem tanto o comando da ação de outros como a restrição das suas escolhas ou a antecipação das suas reações. O poder é, neste sentido, uma capacidade do agente, mesmo quando não é exercido.

Dizer que ter poder é ter capacidade não é, porém, o mesmo que dizer que toda a capacidade para agir deve ser definida como poder. Toda a ação é, por definição, orientada por razões e condicionada pela capacidade para agir. Se poder e capacidade para agir forem o mesmo, poder não será um tipo particular de ação mas uma propriedade geral da ação. É este, aliás, o entendimento de Giddens:

a ação envolve logicamente o poder enquanto capacidade transformativa. Neste sentido […], o poder é logicamente anterior à subjetividade, à constituição do controlo reflexivo da conduta. […] O poder não está intrinsecamente ligado à realização de interesses seccionais. Nesta conceção, o uso do poder caracteriza não um qualquer tipo específico de conduta, mas toda a ação (Giddens, 1984: 15 e 16).

Não parece avisado subscrever este entendimento. Deve antes ser sublinhado que “os conceitos denotam fenómenos. Ao fazê-lo, distinguem aspetos do mundo que, num determinado momento, são considerados importantes” (Turner, 2013: 844). Por isso, se quisermos associar à categoria poder uma classe específica de fenómenos, é preferível a definição de Weber que especifica o poder não como ato em geral mas como um tipo particular de interação, associando capacidade para agir, enquanto característica do poder, a capacidade para agir na relação com outros com o propósito de imposição de vontade.5 No plano da ação, o poder é poder interativo com um propósito específico: a imposição de vontade. Poder social é “poder sobre”, não “poder de”, para retomar termos de um debate clássico.

No plano das estruturas sociais, localizam-se as posições e recursos que autorizam o exercício do poder e permitem o incremento da capacidade para agir requerida nesse exercício. Em termos estruturais, o poder causal da agência é uma função positiva do grau de acesso a esses mesmos recursos e posições. Em rigor, todos os recursos desigualmente distribuídos podem servir como recursos de poder num determinado domínio: recursos económicos, políticos ou culturais desigualmente distribuídos são recursos de poder, com graus de transmutação variável. Nesta dimensão, os diferenciais de poder resultam de diferenciais das capacidades para agir que, por sua vez, derivam de desigualdades na distribuição de recursos.

A institucionalização daquela cadeia de efeitos, da desigualdade ao poder, requer o controlo e legitimação dos processos distributivos, ou seja, requer a fixação normativa da desigualdade. Há, porém, uma outra relação mais complexa e direta entre norma e poder. A norma permite criar condições para o exercício do poder na medida em que constitui posições de autoridade que dão ao seu ocupante capacidade para agir com poder. Em rigor, é neste sentido que Parsons (1963: 237) define o poder como recurso da ação. Para compatibilizar o vocabulário aqui usado, neste caso dever-se-ia falar do recurso “autoridade”, um tipo sui generis de recurso porque constituído no plano normativo.6

No caso particular das posições que autorizam o comando da ação de outros agentes, nomeadamente em contexto organizacional, qualquer que seja o domínio em causa, a autoridade normativamente constituída permite transformar agentes em recursos. Ou seja, neste caso há agentes que, por serem constituídos em subalternos no plano das relações de poder, se convertem em recursos desse mesmo poder. A definição dos limites da objetivação dos agentes enquanto recursos envolve, endemicamente, tensões e resistências. Nas sociedades contemporâneas, aqueles limites tendem a circunscrever-se com a restrição da objetivação ao ator, mas não ao agente, num duplo sentido:

por um lado, é no desempenho do papel subalterno, enquanto ator, que o agente pode ser transformado em recurso;

por outro lado, o grau de objetivação do ator não pode colocar em causa a integridade global do agente.7

Concluindo, no plano estrutural o poder é uma propriedade das posições sociais, mesmo quando não exercido.

Especifiquemos agora melhor as dimensões do poder nos domínios da ação e da estrutura, ou seja, as dimensões do poder interativo, por um lado, e do poder estrutural, por outro, usando, como é conveniente, o mesmo critério nos dois domínios em causa. Na literatura sociológica sobre o poder, a oposição mais sistemática na organização analítica do tema é a construída com base na dicotomia efetivo/latente (ou potencial) (Wrong, 2017 [1979]: 6-10, 126-127). A razão da centralidade desta dicotomia explica-se facilmente: se o poder é uma imposição de vontade, isso não quer dizer que só há poder quando a imposição é efetivada. Há poder quando a ação é orientada pela vontade de um outro, mesmo quando esse outro não pratica qualquer ato de imposição de vontade. Weber já tinha dado um passo no sentido desta argumentação quando se referiu à construção da obediência e do dever de obediência enquanto condições de estabilização das relações de poder.

No domínio do poder interativo, a oposição lógica que tem sido destacada, sobretudo desde a já citada célebre obra de Lukes sobre as três formas de poder, é a oposição entre poder episódico e poder dissuasor (Lukes, 1974). No primeiro caso, o poder existe na medida em que é exercido seja através de decisões, seja através de punições e recompensas: dizer que X tem poder sobre Y é, neste caso, o mesmo que dizer que o comportamento de X causa intencionalmente o comportamento de Y. No segundo caso, do poder dissuasor, o poder existe na medida em que é preventivo, induzindo não decisões, por convencimento ou ameaça (Popitz, 2017 [1992]): dizer que X tem poder sobre Y é o mesmo que dizer que Y se conforma com o poder de X mesmo quando X não atua.

No domínio do poder estrutural, a mesma oposição lógica recobre, transformando-o, o debate sobre a relação entre poder e recursos. O poder depende do acesso a recursos ou o poder é um recurso? Como já argumentámos, parte desta disputa é terminológica, parte resulta do carácter sui generis da categoria autoridade como recurso normativo, bem como do carácter igualmente sui generis dos seus efeitos de objetivação, sobretudo em contexto organizacional. Ultrapassando o viés terminológico que confunde o debate, definindo como recurso não o poder mas a autoridade, a oposição lógica a reter seria a que distingue o poder como capacidade (latente) por acesso a recursos, do poder como autoridade (efetiva), ou seja, como atribuição normativa da autorização para o exercício de poder.

O poder como capacidade depende do grau de acesso a recursos materiais, económicos ou de violência, por um lado, e a recursos interpretativos, comunicacionais ou morais, por outro (Scott, 2001: 12-16). Os primeiros viabilizam a imposição de vontade, os segundos a construção do dever de obediência que a legitima. Dizer que X tem poder sobre Y é o mesmo que dizer que X tem recursos que lhe permitem ter poder sobre Y. O poder como autoridade existe enquanto propriedade de uma posição social especificamente definida como posição de poder normativamente sustentada. Neste caso, dizer que X tem poder sobre Y é o mesmo que dizer que X ocupa uma posição que o autoriza a ter poder sobre Y. A autoridade é pois um recurso sui generis do poder e o seu exercício inclui, como já referido, a transformação, com limites, dos agentes em recursos instrumentais de poder.

Esta objetivação é uma modalidade particular de uma característica geral do exercício do poder, sublinhada por Gianfranco Poggi (2001): a possibilidade limite de, em todos os domínios desse exercício, assegurar a efetivação da imposição de vontade por privação de direitos básicos dos subalternos, ou por ameaça dessa privação (que só é consequencial se a efetivação for episódica e conhecida). Vale a pena citar longamente:

Existem relações de poder social sempre que alguns sujeitos humanos (individuais ou coletivos) são capazes de impor limites rotineiros obrigatórios às atividades de outros sujeitos humanos (individuais ou coletivos), na medida em que essa capacidade repousa no controlo dos recursos pelos primeiros sujeitos, o que lhes permite, se assim o escolherem, privar os segundos sujeitos de importantes valores humanos (Poggi, 2001: 14, itálico acrescentado).

Resumindo, o exercício de desdobramento do conceito de poder nos domínios da ação e da estrutura permite identificar quatro dimensões analíticas, ou propriedades, do poder social (ver figura 1):

[poder interativo]

o poder episódico, enquanto ato efetivo de imposição de vontade;

o poder dissuasor, enquanto ato potencial com efeitos preventivos;

[poder estrutural]

o poder como capacitação, enquanto capacidade potencial (latente) ampliada de mobilização de recursos materiais e interpretativos;

o poder como autoridade, enquanto propriedade efetiva de uma posição social.

Figura 1 Poder social: dimensões analíticas (árvore conceptual  

Embora seja analiticamente útil a especificação das propriedades do poder no plano da ação e da estrutura social, a imbricação entre essas propriedades é total, pois as formas sociais de exercício do poder só existem enquanto complexos de atos e estruturas. Por exemplo, não há imposição de vontade possível sem recursos que permitam controlar a vontade de quem é submetido, recursos esses cuja distribuição constitui propriedade estrutural dos sistemas sociais. Por isso, o prosseguimento do tratamento da conceptualização do poder obriga a deslocar a identificação das suas dimensões para o plano daquelas formas sociais, retendo, nessa deslocação, os ganhos teóricos obtidos quer no debate sobre as dimensões conceptuais da ação e da estrutura, quer na especificação desses ganhos no domínio do poder.

Enquanto complexo durável de atos e estruturas, o poder social e as suas dimensões podem ser conceptualizadas a partir da ideia de “imposição de vontade”, que remete, como vimos, para a oposição entre formas de dominação e formas de resistência, usando, com algumas alterações, a terminologia e a decomposição analítica propostas por John Scott (2001), semelhantes mas mais completas do que as sugeridas por outros autores (Popitz, 2017 [1992]; Reed, 2013; Wrong, 2017 [1979]). É possível construir uma tipologia das formas sociais do poder por desdobramento do ponto de partida (as relações de poder) em duas categorias de fenómenos articulados mas distintos, dominação e resistência, que serão depois sucessivamente desdobrados por via do estabelecimento de relações encadeadas de pressuposição lógica a partir da oposição entre constrangimento e persuação, a qual especifica, no estudo do poder, a oposição instrumental/simbólico, que organizou já a construção da árvore conceptual da ação e da estrutura (Pires, 2007).

Justifiquemos este desdobramento. Embora, como já se referiu, o conceito de poder aqui usado presuma logicamente o conceito de resistência, isto não significa que estejamos a falar de duas dimensões de uma mesma categoria, o poder, mas de duas categorias de fenómenos analiticamente distintos, no âmbito das relações de poder, que não podem ou não devem ser tratados separadamente, pelo menos na sua teorização geral (Barbalet, 1985). Não devem ser tratadas separadamente porque a resistência ao exercício do poder é parte da explicação dos resultados desse exercício, isto é, aqueles resultados são a combinação dos efeitos de imposição de vontade (poder) com os efeitos da resistência a essa imposição de vontade. O que significa também que, embora o exercício do poder seja uma intervenção intencional para produzir um resultado, este, o resultado, depende da intenção mas não se confunde com ela, pois depende também da intenção e resultados da resistência à intervenção. Porém, também não devem ser confundidos e transformados numa qualquer espécie de dualidade, como duas faces de um mesmo fenómeno, porque o exercício do poder e a resistência a esse exercício acionam mecanismos diferentes. Ou seja, as cadeias de causalidade entre motivos e resultados, os recursos mobilizáveis para a ação, os modos de institucionalização são, nos dois casos, bem diferentes.

A oposição que aqui se propõe não é tanto entre poder e resistência, mas entre dominação, enquanto poder social estabilizado por processos de institucionalização, e resistência. Num segundo momento, dominação e resistência podem ser objeto de um primeiro desdobramento em função do predomínio das dimensões instrumentais ou simbólicas na sua constituição.

No domínio da dominação, do desdobramento resulta a especificação das formas dominação por restrição e dominação por persuasão. No primeiro caso, a dominação exerce-se por mobilização de sanções e recompensas, coagindo e manipulando a vontade dos subalternos. No segundo, por mobilização de interpretações, morais e comunicacionais, persuadindo os subalternos à aceitação da imposição de vontade. Nos dois casos operam não só atos, efetivos ou potenciais, mas também estruturas de distribuição desigual dos recursos e posições que sustentam a possibilidade do seu acionamento pelos superiores na constituição da eficácia daqueles atos.

No domínio da resistência, a mesma lógica de desdobramento resulta na especificação das formas da resistência enquanto oposição e da resistência enquanto pressão. No primeiro caso, por modos de ação contrariando o exercício da dominação, e em particular por modos de ação coletiva conflituais, em que as componentes interpretativas da ação tendem a ser funcionalmente mobilizadas como reforço das componentes instrumentais. No segundo caso, a resistência concretiza-se em modos institucionalizados de influência sobre as decisões, invertendo-se a relação de funcionalidade entre as componentes interpretativas e instrumentais da ação. Num como noutro caso, a eficácia da ação, não podendo ser baseada num equilíbrio entre dominação e resistência no plano do acesso aos recursos, depende da constituição de recursos organizacionais e sociais autónomos.

Em síntese, este trabalho de conceptualização permite identificar duas formas básicas de dominação e duas formas básicas de resistência, que serão a seguir especificadas (ver figura 2):8

- a dominação por restrição;

- a dominação por persuasão;

- a resistência por oposição.

Figura 2 Relações de poder: formas básicas  

Formas de dominação: restrição e persuasão

O desdobramento analítico entre dominação por restrição e dominação por persuasão não remete para modalidades práticas específicas, distintas, de exercício do poder, mas para dimensões desse exercício (Popitz, 2017 [1992]; Scott, 2001; Wrong, 2017 [1979]). Ou seja, o exercício do poder envolve, em geral, combinações variáveis destas modalidades. Estas variações são ainda mais marcadas quando temos em conta os desdobramentos posteriores daquelas duas dimensões. É desses desdobramentos, bem como de alguns exemplos do seu uso analítico, que se tratará em seguida.

Em primeiro lugar, a dominação por restrição. Neste caso, o poder exerce-se por mobilização de sanções e recompensas, coagindo e manipulando a vontade dos subalternos. Essa mobilização concretiza-se em atos, efetivos ou potenciais, e é possibilitada pela existência de estruturas de distribuição desigual dos recursos e posições sociais. Mais especificamente, há dominação por restrição quando existem padrões de relações assimétricas de poder por restrição das possibilidades de ação de outrem, independentemente da legitimidade daquela assimetria.

A restrição opera de modo variável em função do tipo de recursos mobilizados para a sua efetivação. Quando são mobilizadas sanções físicas negativas, por usos da força em função das assimetrias sociais no controlo dos meios de violência, para punir ou prevenir comportamentos de subalternos, podemos falar de restrição por coerção. Alternativamente, falaremos de restrição por indução sempre que estiver em causa a mobilização de sanções positivas ou negativas para influenciar ou manipular o interesse dos subalternos. Este tipo particular de restrição é sobretudo viável em consequência de assimetrias sociais na distribuição de recursos económicos.

Num caso como no outro o exercício do poder exprime-se, no plano da ação, em episódios de exercício da sanção e em efeitos de controlo e dissuasão, e, no plano estrutural, em padrões institucionalizados de controlo desigual dos recursos materiais, sejam eles meios de violência ou de produção. É esta institucionalização da desigualdade que estabiliza o exercício do poder restritivo, porque o viabiliza enquanto ação esporádica, episódica, rotineiramente substituída pela dissuasão suportada pela ameaça.

O tema da ameaça como mecanismo básico de exercício da dominação foi teoricamente tratado, em termos mais desenvolvidos do que é habitual na literatura sociológica sobre o poder, por Heinrich Popitz (2017 [1992]: cap. 3). A ameaça é conceptualizada pelo autor como uma das duas componentes do que chama “poder instrumental” (ou por restrição, na terminologia de Scott aqui usada), definido como:

… a orientação da conduta dos outros por meio de ameaças e promessas. As ameaças dirigem a conduta gerando medo, as promessas gerando esperança. Assim, a meu ver, ter poder instrumental significa ter à disposição o medo e a esperança de outros seres humanos (Popitz, 2017 [1992]: 52).

O autor propõe um modelo analítico da ameaça, enquanto instrumento da dominação por restrição, em que especifica uma estrutura e uma economia da ameaça. A estrutura da ameaça teria três componentes universais:

a imposição da alternativa obediência/desobediência, com custos conhecidos para a desobediência, criando um quadro de interpretação da ação do ameaçado que se impõe às razões deste;

a acumulação do poder de enunciar a ameaça com o de sancionar a desobediência;

o controlo da ação efetiva dos subalternos (ameaçados) por invocação de uma ação potencial de punição.

Em conjunto, estas três componentes da ameaça delimitam a dinâmica de dissuasão que suporta rotineiramente a dominação por restrição, suscitando a constituição racional da obediência dos subalternos. Ou seja, a avaliação, por antecipação, dos custos e ganhos com a obediência e a desobediência, sempre que estão em causa dinâmicas da ação que incluem alguma ponderação de alternativas, isto é, condicionando as escolhas por condicionamento do quadro externo de referência dessas escolhas.

A ameaça constitui pois a obediência como escolha do subalterno, condicionada como qualquer outra escolha. E é essa propriedade da ameaça que está na origem da sua economia, enquanto mecanismo de domínio barato e expansível. Barato, porque troca o custo de uma atuação permanente de imposição de vontade por episódios exemplares dessa imposição como base da credibilização da ameaça, suscitando um ato efetivo do dominado em troca de um ato potencial do superior. Expansível, porque viabilizando a inação na imposição de vontade permite libertar recursos para ampliar a escala da dominação.

O acionamento da promessa para induzir obediência tem semelhanças com o acionamento da ameaça, neste caso suscitando comportamento de obediência com a manipulação da esperança em lugar do medo. Mas a dominação por indução tem outras componentes. A principal, de entre essas outras, é o controlo do ambiente da ação que torna improvável outro ato por parte do subalterno que não aquele que é desejado pelo superior, como assinalador por Gianfranco Poggi (2001: 123). É a possibilidade desse controlo e não o comando direto do ato que confere poder.

Haverá poucos domínios em que melhor se exprime este tipo de poder por indução da ação desejada do que o do mercado de trabalho. Ninguém é obrigado a aceitar uma relação de assalariamento. Porém, as assimetrias de distribuição da propriedade tornam o assalariamento uma solução provável para a maioria, mesmo sendo esta uma relação de subordinação. Por outras palavras, a proteção normativa das assimetrias de propriedade constitui uma relação de poder por indução e não por coação, mesmo que, posteriormente, o funcionamento da relação de assalariamento comporte o acionamento de outros mecanismos de restrição, quer no plano da coerção, efetiva ou por ameaça, quer no plano da indução, por manipulação das esperanças, por promessa e recompensa.

Exemplos da operação destes mecanismos de dominação por restrição, nos domínios político, económico e profissional, permitem tornar evidente a ubiquidade do poder social. No domínio político/estatal, o exercício do poder por restrição exprime-se, na constituição do estado moderno, na monopolização interna tendencial dos meios de violência, no plano da coerção. Este processo não significa supressão do regime da força no funcionamento das sociedades contemporâneas, mas sim progressiva reserva pelo estado da possibilidade de restrição legítima por uso da força, ou ameaça do uso da força, bem como deslocamento do regime da força para o domínio das relações entre estados.9

É possível prosseguir estes exemplos assinalando, ainda no domínio do poder político, as capacidades de indução, por promessa e manipulação, que resultam do controlo sobre os recursos financeiros do estado. Ou, mudando de domínio, as relações entre restrição e poder económico na constituição das organizações empresariais, seja por via do controlo dos processos de acesso ao emprego (no plano da coerção), seja por via do controlo dos regimes remuneratórios (no plano da indução). Por fim, no domínio do poder profissional, poderiam ainda ser referidos, a título de exemplo, os modos de constituição das profissões por reserva do poder disciplinar na autorregulação profissional (no plano da coerção), bem como por promoção do credencialismo e do fechamento profissional (no plano da indução).

Em todos estes domínios e processos é possível identificar lógicas de dominação e resistência, com resultados variáveis histórica e localmente, com dinâmicas simultaneamente cumulativas e cíclicas. Tanto na estabilização dos resultados dos confrontos entre dominação e resistência, como na sua alteração, estão envolvidos processos simbólicos, de legitimação ou deslegitimação, constitutivos do que designámos dominação por persuasão. A dominação por persuasão exerce-se por ativação de interpretações, morais e comunicacionais, induzindo os subalternos à aceitação da imposição de vontade.

Defendendo uma perspetiva funcionalista sobre a dominação, foi argumentado recentemente que haveria vantagem em conceptualizar as dimensões persuasivas como sistémicas e determinantes. Citando:

A explicação funcionalista da dominação, portanto, procura os elementos da dominação não na relação entre os agentes (algo característico das formas pré-modernas de dominação), mas sim nos modos sistémicos de aceitação, pelos indivíduos, dos sistemas de autoridade como legítimos e dignos de sua obediência. […] não é a autoridade arbitrária de qualquer agente que define a dominação moderna, são antes as normas e convenções rotinizadas e racionalizadas, incrustadas nas instituições, que, através da socialização, formam sujeitos predispostos a adotar os valores que facilitam a legitimidade daquelas hierarquias (Thompson, 2013).

Como todos os argumentos funcionalistas, esta proposta tem a enorme desvantagem de dispensar a explicação dos modos de produção e concretização das condições sistémicas da vida social. Vale, no entanto, pela chamada de atenção para os modos de reificação sistémica da persuasão nas sociedades modernas. Conservando este contributo, convirá sublinhar que a eficácia das normas e valores requer a sua ativação na ação e que essa ativação tem modalidades diferentes, rotineiras ou estratégicas, em função da posição hierárquica de quem as ativa (Mouzelis, 1991). Tal como no caso da dominação por restrição, aquela ativação concretiza-se em atos, efetivos ou potenciais, e é possibilitada pela existência de estruturas de distribuição desigual de recursos e posições sociais.

No plano da persuasão, a dominação opera por processos de atribuição de autoridade legítima a posições sociais particulares, em termos normativos e periciais. Em termos normativos, por uso, pelos superiores, de compromissos morais para influenciar a aceitação daquelas atribuições de autoridade pelos subalternos. Em termos periciais, por uso, pelos superiores, de processos de atribuição de sentido para influenciar a aceitação do poder pelos subalternos. Nos dois casos, o exercício persuasivo da dominação envolve a dimensão interpretativa da ação no âmbito de episódios de exercício do poder, e é possibilitado pela desigual distribuição dos recursos culturais, tanto no plano institucional como no dos reportórios de sentido. Retomando as definições weberianas, a dimensão persuasiva da dominação explica a constituição do dever de obediência (ou, dito de outra forma, em termos mais marxistas, a legitimação do poder).

A dominação legítima, qualquer que seja o princípio de legitimidade em que se baseia, é institucionalmente suportada pela criação de autoridade, isto é, de lugares de exercício de poder normativamente especificados e simbolicamente justificados. A justificação requer uma qualquer forma de imputação de sentido de excecionalidade aos lugares de autoridade e aos ocupantes desses lugares, no limite, uma imputação de sacralidade. Gianfranco Poggi (2001) argumenta por isso que, historicamente, a religião foi a primeira fonte de legitimação de toda a dominação e que algumas das modalidades de imputação simbólica de sacralidade no domínio religioso, nomeadamente no plano dos rituais cerimoniais, foram incorporadas, com pequenas alterações, em modalidades contemporâneas mais seculares de justificação da autoridade.

A relação entre poder e ritual, muito evidente, em geral, nas cerimónias públicas, não se esgota nestas. Como é argumentado por Randall Collins, manifesta-se ainda nos rituais quotidianos de comando, nos modos simbólicos de organização da emissão e receção de ordens em situação de interação (Collins, 2004: 112-115). Rituais cujos efeitos são reforçados pela sua imbricação com processos de justificação discursiva das assimetrias de poder em que são construídas narrativas de naturalização daquelas assimetrias por processos como os de difamação simbólica dos subalternos e engrandecimento simbólico dos superiores (Roscigno, 2011).10

A criação bem-sucedida de autoridade contribui para o exercício rotineiro do poder, pela conjugação do que Popitz (2017 [1992]: 74-76) chama “efeitos de autoridade”, nomeadamente:

a adesão, pelo subalterno, à vontade do superior, mesmo quando não está sob observação;

a adesão àquela vontade não só no plano da conduta mas também no da atitude, o que reforça a imposição de vontade para além do espaço de observação do superior;

o reconhecimento do estatuto de superioridade do superior.

Quando estes três efeitos operam conjugados, o exercício do poder dispensa o acionamento sistemático de meios de sanção, mais ou menos violentos. Esse acionamento tenderia a ser extraordinário e exemplar, gerando ameaça e reforçando o sentido de incorreção dos atos de não conformidade com a autoridade. Pelo contrário, quando aqueles efeitos são quebrados, por resistência ou desadequação funcional ou simbólica, a autoridade torna-se instável e a reprodução da dominação fica mais concentrada na sua dimensão coerciva, e por isso mais dependente da capacidade instrumental de imposição de vontade pelos superiores do que do dever de obediência pelos subalternos.

Exemplos da operação dos mecanismos de dominação por persuasão permitem tornar evidente o contributo dos processos de constituição de autoridade. No domínio político, é conhecida, desde Weber, a relação entre persuasão e poder estatal, na modernidade, por racionalização da autoridade do estado, seja através do desenvolvimento do princípio da legalidade, no plano normativo, seja por desenvolvimento das burocracias estatais, no plano da pericialidade (Weber, 1984 [1922]: 1047-1117). Também conhecidos e estudados são os processos de construção da autoridade profissional, quer no plano normativo da especificação dos papéis profissionais, quer no das narrativas sobre os saberes técnico-científicos, no plano da pericialidade (Freidson, 2001). No domínio económico, a relação entre persuasão e poder exprime-se na construção da autoridade empresarial por desenvolvimento dos papéis empresariais, no plano normativo, e dos saberes empresariais, no plano da pericialidade.

Esta última relação merece ser um pouco mais explicada, como exemplo do que significa a constituição de autoridade por processos de atribuição de sentido que legitimam um tipo particular de posição social. No plano normativo, a constituição dos lugares empresariais tem uma história longa e conhecida de instituição e reprodução, sempre controversa, da categoria “propriedade”. Mas o que nos interessa agora é a história do desenvolvimento da própria categoria de empresário e seus derivados, enquanto processo de atribuição de sentido, indutor de legitimidade, à dominação suportada pela propriedade.

Empresário, empresarial, empreendedorismo, como categorias de uso público generalizado, são figuras recentes. O seu reconhecimento público acompanhou o desenvolvimento do ensino e das escolas de gestão. Atalhando, para efeitos de exemplificação, o reconhecimento e difusão das categorias em torno do termo “empresário” assinalam uma nova modalidade de legitimação da autoridade fática e normativa do capitalista que reúne, pelo menos, três componentes discursivas sobre o mérito da autoridade empresarial:

enquanto capacidade de controlo do risco que deve ser socialmente valorizada;

capacidade essa cada vez mais suportada por saberes técnicos do próprio ou por mobilização de peritos (os gestores de topo);

saberes reprodutíveis, transmissíveis e de elevada qualificação, em contextos de credenciação formal e reputacional.11

Ou seja, discursivamente, o empresário substituiu o patrão na exata medida em que a procura de legitimação do patrão deslocou parcialmente a perceção da sua posição para o plano do mérito. Os discursos e categorias cognitivas construídos em torno do termo empresário integram hoje reportórios culturais da ação económica que começam a ser objeto de estudo sistemático na sociologia, e em especial na sociologia cultural (Spillman, 2012; Tognato, 2012).

Formas de resistência: oposição e pressão

Retomemos a definição de poder social de Weber como “a probabilidade de impor a sua vontade numa relação social, ainda que contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade” (Weber, 1984 [1922]: 41; itálicos acrescentados). Como sublinha Jack Barbalet, e já atrás sublinhámos, esta definição implica que poder e resistência são aspetos distintos, mas interdependentes, das relações de poder, pelo que “não pode haver compreensão adequada do poder e das relações de poder sem o conceito de resistência” (Barbalet, 1985: 532). Não porque todo o exercício de poder implique resistência efetiva, mas porque a possibilidade dessa resistência, latente ou efetiva, condiciona o exercício do poder.

A interdependência entre poder e resistência tem duas componentes. Em primeiro lugar, significa que o valor da probabilidade de imposição de vontade (ou exercício de poder) depende, em parte, da resistência a essa imposição. Por outras palavras, o grau de imposição/poder, como resultado, varia (também) em função do grau de resistência a essa imposição, pelo que a resistência limita os efeitos do poder. Em segundo lugar, havendo sempre a possibilidade de resistência, o exercício do poder remete para a dimensão estratégica da ação racional na medida em que a iniciativa do superior depende da antecipação da reação do subalterno, pelo que essa reação tende a ser incorporada no processo inicial de decisão, criando-se uma interdependência decisional. Ou seja, enquanto processo, o exercício do poder depende (também) das razões, intensidades e estratégias de resistência, pelo que a resistência não só limita os resultados do poder como é parte da explicação da sua configuração.

O desdobramento analítico do conceito de resistência, como já aconteceu com o de dominação, ganha em ser feito em função da oposição instrumental/simbólico, ou material/cultural. Usando esta oposição, e adaptando as propostas de John Scott no mesmo sentido (Scott, 2001), especificam-se a seguir as dimensões resistência enquanto oposição e da resistência enquanto pressão. Neste segundo caso, como modos institucionalizados de influência sobre as decisões. No primeiro, por reação individual ou coletiva, mais ou menos visível, ao exercício da dominação, com o objetivo de a contrariar, conter ou, no limite, anular. Na análise sociológica do poder, tem sido dada particular atenção ao estudo dos modos de ação coletiva de oposição ao exercício da dominação, isto é, ao estudo do conflito enquanto modalidade de ação coletiva institucionalizada de resistência. Neste primeiro exercício de reconstrução conceptual do conceito de poder, focaremos a discussão sobre a resistência enquanto oposição na discussão sobre a resistência enquanto conflito.12

Por definição, o poder é manifestação e imposição de assimetrias. As relações de poder são relações assimétricas, desde logo enquanto assimetrias de distribuição de recursos para agir. Por isso, e como já foi referido, a resistência só pode ampliar a sua eficácia por acionamento de recursos não alocativos. Em particular nas suas formas mais intensas, como o conflito, mas também enquanto pressão, a eficácia da resistência depende da constituição de recursos organizacionais autónomos. Ou, mais genericamente, de recursos coletivos, através de processos de mobilização, cuja eficácia depende do número de mobilizados, e de constituição de grupos, cuja eficácia na ação coletiva depende da variação de propriedades como a organização e a identidade, ou solidariedade (Wrong, 2017 [1979]). Número, organização e identidade são os principais recursos (coletivos) da resistência.

Vejamos, em primeiro lugar, a resistência enquanto conflito. Por conflito entende-se modos de ação coletiva de oposição ao exercício da dominação, qualquer que seja o fundamento dessa dominação. Aquela oposição pode ser seccional, estando em causa a oposição a uma área de exercício de poder ou a um superior particular, ou mais global. No limite, raro, as dinâmicas de conflito podem desembocar na criação de modalidades de contrapoder (ou revoluções). Mais frequentes são as dinâmicas de conflito como resistência.

Na definição sociológica mais consensual, por conflito não se designa simplesmente um processo agregado de comportamentos individuais de resistência mas a oposição por constituição de atores coletivos, um tipo particular de macroatores, para utilizar o conceito proposto por Nicos Mouzelis, que este desdobra em dois subtipos, os atores coletivos, constituídos por processos de representação que permitem a decisão, e os megatores, indivíduos cujas decisões têm uma repercussão macro (Mouzelis, 1991).

Os macroatores não estão presentes apenas no domínio da resistência. A constituição da dominação é, também, a constituição de macroatores, tanto no plano da ação individual (megatores) como, sobretudo, no da ação coletiva (atores coletivos) (Mann, 1986). Porém, embora com assimetrias variáveis, a constituição de macroatores é replicável nos processos de resistência, em especial quando esta se concretiza como conflito. A organização, que constitui os atores coletivos, é um recurso da ação, mas não é um recurso alocativo. É, por isso, o recurso por excelência que pode incrementar a ação de resistência. Esta é uma tese já clássica, presente em boa parte da literatura sociológica sobre o conflito, desde logo em Marx, em particular na produção da corrente que ficou conhecida como teoria do conflito.

O modelo analítico da teoria do conflito inclui uma relação encadeada entre desigualdade, interesse, quase grupo de conflito e grupos (no plural) de conflito, ou atores coletivos. A partilha de posições estruturais semelhantes em sistemas desiguais facilitaria a emergência de atores coletivos através de processos de mobilização, tradução, representação e delegação (Callon e Latour, 1981: 296; Bourdieu, 1989: 157), estabilizados no plano organizacional.

Os recursos da ação coletiva seriam, sobretudo, organizacionais e simbólicos. No plano organizacional incluem a instituição de mecanismos de decisão (liderança, coordenação), a definição de uma orientação programática (objetivos) e a construção de uma estrutura normativa interna (solidariedade) (Dahrendorf, 1957). No final, a organização, enquanto mecanismo de ação coletiva, inclui a constituição de relações de poder internas ao grupo de conflito e, eventualmente, de resistências internas ao exercício do poder que constitui o grupo.

No plano simbólico, a ação coletiva implica narrativas de identificação e legitimação, a reclamação de representação de uma população e a expressão pública do valor, unidade, número e comprometimento dessa população (Tilly, 2004). Neste quadro teórico, em que a ação coletiva tem como mola a existência de interesses divergentes, estas componentes interpretativas da ação tendem a ser funcionalmente mobilizadas como reforço das componentes instrumentais. O reforço tem duas componentes. Por um lado, a constituição da identidade do grupo, elaborando e mobilizando um reportório de atribuição de sentido ao conflito e ao papel do grupo. Reportório que, como salientou Alberto Melucci (1995), é cognitiva e emocionalmente constituído e socialmente estabilizado por efeito da participação dos membros do grupo em redes interpessoais ativas para lá do tempo da ação coletiva. Por outro lado, elaborando um regime normativo que sustente e legitime a pressão do grupo sobre os seus membros, necessária para garantir o sucesso da expressão pública do valor, unidade, número e comprometimento da população de que o grupo reclama a representação (Rex, 1981).

O foco das teorias do conflito centrou-se nos domínios da ação instrumental dos atores coletivos, no âmbito interno dos estados nacionais. De fora ficaram fenómenos durante muito tempo só tratados marginalmente pela teoria sociológica, como a guerra ou os conflitos de base identitária. Na base desta marginalização estará provavelmente o longo predomínio de uma imagem da modernidade como sociedade em evolução para um estado mais pacífico e racional, em que a violência, o costume e as narrativas particularistas entrariam num declínio irreversível. Imagem que, com pequenas variações, era no essencial partilhada pelos principais autores da tradição clássica da teoria sociológica.

Em termos muito gerais, é possível distinguir dois tipos gerais de conflito em função do predomínio de modalidades de ação racional ou interpretativa: conflitos em torno de interesses divergentes, no primeiro caso, e conflitos em torno de identidades coletivas competitivas, no segundo. Neste último caso, inverte-se o sentido das relações funcionais entre componentes interpretativas e instrumentais da ação, por comparação com o que acontece nos conflitos de interesses: a racionalidade instrumental viabiliza a ação coletiva, garante a sua eficácia, mas não se constitui enquanto razão da ação, que tem que ser procurada no domínio da ação interpretativa, das disputas de sentido. Em rigor, a relação entre interesses e identidades é mais complexa. Por exemplo, por “ideologização das identidades sociais” é possível a “transformação dos conflitos de interesse em confrontos morais entre o ‘nós’ virtuoso e o ‘outro’ demonizado” (Korostelina, 2007: 147).

Concluindo, os conflitos envolvem complexos de atos instrumentais e simbólicos com estruturas variáveis em função das orientações da ação (instrumentais ou simbólicas).

Examinemos agora, sinteticamente, a dimensão resistência por pressão. Seguindo a proposta de Scott (2001), que procura transpor para a análise da resistência propostas teóricas sobre o poder, a resistência por pressão concretiza-se através de modos institucionalizados de influência sobre as decisões. Essa procura de influência pode ter por objeto quer a tomada de decisão propriamente dita (Dahl, 1957), quer o processo de agendamento, isto é, a seleção dos temas passíveis de serem objeto de influência (Bachrach e Baratz, 1962). Em qualquer dos casos, a influência tende a ser conseguida por negociação, envolvendo sobretudo processos de persuasão. A canalização da resistência como pressão envolve um mínimo de consensualização sobre os valores e normas que a permitem (Coser, 1956), consenso na base do qual são constituídos os grupos de pressão ou se processa a transformação, temporária ou duradoura, de grupos de conflito em grupos de pressão. O processo completa-se com a transformação dos fins do conflito em fins instrumentais, reduzindo-se ao mínimo a orientação axiológica da resistência.

São vários os mecanismos de pressão mobilizáveis em processos de resistência predominantemente persuasivos, em função da relação entre negociação e mobilização de públicos. Na negociação sobre a decisão com mobilização de públicos, as dinâmicas de atores têm maior semelhança com as dos conflitos, tendendo a ser protagonizadas por atores coletivos. Quando o objeto da negociação é o agendamento mais do que a tomada de decisão, abrem-se mais oportunidades de liderança da mobilização de públicos por megatores individuais (Mouzelis, 1991), ou empresários institucionais (Eisenstadt, 1980). A razão é simples: quando é o agendamento mais do que a decisão que está em causa, e a mobilização de públicos é requerida, a dimensão interpretativa da ação tende a predominar sobre a dimensão instrumental, e o carisma sobre os modos institucionalizados de liderança.

Na negociação simples, sem mobilização de públicos, de que o lobismo é o exemplo mais extremo, as dinâmicas de atores envolvem processos de profissionalização técnico-política da representação que, como assinala Scott, reservam a resistência para quem, tendo já mais recursos, encontra naquele tipo de representação um modo de ter mais voz sem mobilização pública da expressão de vontade (Scott, 2001: 59). Por outras palavras, trata-se de um modo de pressão que favorece sobretudo atores já com poder num domínio e que, por essa via, pretendem traduzir esse poder em influência ou veto de decisões em que têm interesses mas não poder direto.

As diferentes modalidades de pressão envolvem, ainda, diferentes modos de atuação. A pressão sobre a tomada de decisão, tal como o conflito, implica a constituição de grupos de interesse (em lugar de grupos de conflito) e, portanto, a construção da representação por delegação. A pressão sobre o agendamento tende a ser mais difusa, multiplicando as fontes de atribuição de sentido a novos domínios de resistência. Os atores coletivos tendem a ter dimensão mais reduzida e a ampliar a sua capacidade de influência pela constituição de redes de pressão (Scott, 2001: 64-70), assim multiplicando as fontes discursivas de persuasão e os canais de circulação da produção de sentido. Nestes processos de alargamento dos reportórios coletivos de sentido, a participação na constituição de novos campos de autoridade pericial tende a ser mais eficaz do que a representação de interesses, confundindo-se por vezes os processos de resistência por pressão com os processos de emergência de novos poderes periciais (Scott, 2001: 99-109).

Finalmente, do que atrás foi dito não se pode concluir que a representação é o mecanismo da pressão sobre a decisão e as redes o mecanismo da pressão sobre o agendamento. Nos dois casos é provável a combinação entre representação e redes como forma de ampliação do alcance da ação de resistência enquanto pressão. Mas nas duas modalidades de pressão os mecanismos predominantes não são os mesmos.

Concluindo, a pressão, que remete sobretudo para as dimensões persuasivas da resistência, tem já limites porosos com o domínio da dominação.

***

Neste ensaio de sistemática sobre o poder, identificaram-se as dimensões analíticas do conceito com um duplo procedimento sequencial. Primeiro, por especificação das componentes do poder enquanto ato e enquanto estrutura. Segundo, por categorização das formas sociais do poder, enquanto complexos de atos e estruturas, nos domínios da dominação e da resistência, e nos planos instrumental e simbólico. O objetivo deste exercício foi ganhar cumulatividade teórica que amplie a nossa capacidade de análise e explicação dos fenómenos do poder. A teoria é para ser usada. O teste da utilidade do exercício dependerá, pois, dos ganhos explicativos que forem obtidos com o uso da sistemática proposta.

Referências bibliográficas

Bachrach, Peter, e Morton S. Baratz (1962), “Two faces of power”, The American Political Science Review, 56 (4), pp. 947-952. [ Links ]

Barbalet, Jack M. (1985), “Power and resistance”, The British Journal of Sociology, 36 (4), pp. 531-548. [ Links ]

Bourdieu, Pierre (1989), O Poder Simbólico, Lisboa, Difel. [ Links ]

Callon, Michel, e Bruno Latour (1981), “Unscrewing the big Leviathan: how actors macro-structure reality and how sociologists help them to do so”, em Karin Knorr-Cetina e Aaron V. Cicourel (orgs.), Advances in Social Theory and Methodology. Towards an Integration of Micro- and Macro-Sociologies, Londres, Routledge & Kegan Paul, pp. 277-303. [ Links ]

Clegg, Stewart R. (1989), Frameworks of Power, Londres, Sage. [ Links ]

Collins, Randall (2004), Interaction Ritual Chains, Princeton, NJ, Princeton University Press. [ Links ]

Coser, Lewis A. (1956), The Functions of Social Conflict, Londres, Routledge and Kegan Paul. [ Links ]

Dahl, Robert (1957), “The concept of power”, Behavioral Science, 2 (3), pp. 201-215. [ Links ]

Dahrendorf, Ralf (1957, 1959), Class and Class Conflict in Industrial Society, Stanford, Stanford University Press. [ Links ]

Eisenstadt S. N. (1980), “Cultural orientations, institutional entrepreneurs, and social change: comparative analysis of traditional civilizations”, American Journal of Sociology, 85 (4), pp. 840-869. [ Links ]

Elias, Norbert (1994), “Introduction: a theoretical essay on established and outsider relations”, em Norbert Elias e John L. Scotson , The Established and the Outsiders. A Sociological Enquiry into Community Problems, Londres, Sage , pp. XV-LII (2.ª edição). [ Links ]

Figueiredo, António M., e Carlos S. Costa (1982), Do Subdesenvolvimento, vol. 1: Vulgatas, Rupturas e Reconsiderações em Torno de Um Conceito, Porto, Afrontamento. [ Links ]

Foucault, Michel (1975), Surveiller et Punir. Naissance de la Prison, Paris, Gallimard. [ Links ]

Freidson, Eliot L. (2001), Professionalism. The Third Logic, Cambridge, Polity Press. [ Links ]

Giddens, Anthony (1984), The Constitution of Society. Outline of the Theory of Structuration, Cambridge, Polity Press . [ Links ]

Giddens, Anthony (1985), The Nation-State and Violence. Volume Two of a Contemporary Critique of Historical Materialism, Cambridge, Polity. [ Links ]

Goffman, Erving (1961), Asylums: Essays on the Social Situation of Mental Patient and Other Inmates, Nova Iorque, Anchor Books. [ Links ]

Korostelina, Karina V. (2007), Social Identity and Conflict. Structures, Dynamics, and Implications, Nova Iorque, Palgrave Macmillan. [ Links ]

Lukes, Steven (1974), Power. A Radical View, Londres, Macmillan. [ Links ]

Mann, Michael (1986), The Sources of Social Power, vol. 1: A History of Power from the Beginning to AD 1760, Cambridge, Cambridge University Press. [ Links ]

Marx, Karl (1859), Prefácio a Para a Crítica da Economia Política, Lisboa, Edições Avante, disponível em: Marx, Karl (1859), Prefácio a Para a Crítica da Economia Política, Lisboa, Edições Avante, disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm (última consulta em Julho de 2022). [ Links ]

Marx, Karl, e Friedrich Engels (1997 [1848]), Manifesto do Partido Comunista, Lisboa, Edições Avante . [ Links ]

Melucci, Alberto (1995), “The process of collective identity”, em Hank Johnston e Bert Klandermans (orgs.), Social Movements and Culture, Londres, UCL Press, pp. 41-63. [ Links ]

Mouzelis, Nicos (1991), Back to Sociological Theory. The Construction of Social Orders, Londres, Macmillan . [ Links ]

Parsons, Talcott (1963), “On the concept of political power”, Proceedings of the American Philosophical Society, 107 (3), pp. 232-62. [ Links ]

Pires, Rui Pena (2007), “Árvores conceptuais: uma reconstrução multidimensional dos conceitos de ação e de estrutura”, Sociologia, Problemas e Práticas, 53, pp. 11-50. [ Links ]

Pires, Rui Pena (2020), “O ensino da teoria sociológica”, Sociologia On Line, 23, pp. 11-30. [ Links ]

Poggi, Gianfranco (2001), Forms of Power, Cambridge, Polity Press . [ Links ]

Poggi, Gianfranco (2006), “Power”, em Bryan S. Turner (org.), The Cambridge Dictionary of Sociology, Cambridge, Cambridge University Press , pp. 464-469. [ Links ]

Popitz, Heinrich (2017 [1992]), Phenomena of Power. Authority, Domination, and Violence, Nova Iorque, Columbia University Press. [ Links ]

Reed, Isaac Ariail (2013), “Power: relational, discursive, and performative dimensions”, Sociological Theory, 31 (3), pp. 193-218. [ Links ]

Rex, John (1981), Social Conflict. A Theoretical and Conceptual Analysis, Londres, Longman. [ Links ]

Roscigno, Vincent J. (2011), “Power, revisited”, Social Forces, 90 (2), pp. 349-374. [ Links ]

Russell, Bertrand (2004 [1938]), Power. A New Social Analysis, Londres, Routledge. [ Links ]

Scott, John (2001), Power, Cambridge, Polity Press . [ Links ]

Scott, John (2007), “Power , domination and stratification: towards a conceptual synthesis”, Sociologia, Problemas e Práticas , 55, pp. 25-39. [ Links ]

Spillman, Lyn (2012), “Culture and economic life”, em Jeffrey C. Alexander, Philip Smith e Ronald Jacobs (orgs.), The Oxford Handbook of Cultural Sociology, Oxford, Oxford University Press, pp. 157-190. [ Links ]

Stinchcombe, Arthur L. (1982), “Should sociologists forget their mothers and fathers?”, The American Sociologist, 17 (1), pp. 2-11. [ Links ]

Thompson, Michael J. (2013), “A functionalist theory of social domination”, Journal of Political Power , 6 (2), pp. 179-199. [ Links ]

Tilly, Charles (2004), Social Movements, 1768-2004, Londres, Paradigm Publishers. [ Links ]

Tognato, Carlo (2012), “Culture and the economy”, em Jeffrey C. Alexander, Philip Smith e Ronald Jacobs (orgs.), The Oxford Handbook of Cultural Sociology , Oxford, Oxford University Press , pp. 117-156. [ Links ]

Turner, Jonathan H. (2013), Theoretical Sociology. 1830 to the Present, Newbury Park, CA, Sage. [ Links ]

Weber, Max (1984 [1922]), Economia y Sociedad, México, DF, Fondo de Cultura Económica. [ Links ]

Wrong, Dennis H. (2017 [1979]), Power. Its Forms, Bases, and Uses Londres, Routledge . [ Links ]

1 Sínteses já clássicas com esse objetivo foram feitas por diversos autores, entre os quais se destacam a de Steven Lukes (Power. A Radical View, 1974), sobre as três faces/dimensões do poder, Dennis H.Wrong (Power. Its Forms, Bases, and Uses, 1979, reeditado em 2017 com um novo prefácio de 1995) ou a de Stewart Clegg (Frameworks of Power, 1989) sobre os circuitos do poder. Mais recentemente, destaque ainda para as sínteses teóricas propostas por John Scott (Power, 2001) e Gianfranco Poggi (Forms of Power, 2001). Fundamentais para os objetivos deste texto foram ainda os contributos de Heinrich Popitz (Phenomena of Power, publicado em alemão em 1992 mas só disponível em língua inglesa em 2017), bem como, no plano mais específico da questão da resistência ao poder, o já clássico artigo de Jack M. Barbalet (“Power and resistance”, 1985).

2A teoria sociológica seria bem melhor se, em regra, os sociólogos partilhassem a preocupação weberiana com a definição explícita dos conceitos que propõem, mesmo havendo deficiências nessas definições. Para uma identificação das componentes mais consensuais e mais controversas da definiçãoweberiana de poder, ver Poggi (2006: 464-465).Comvirtualidades, muitas, e defeitos, alguns, bem menos importantes, a definição de poder por Weber será utilizada, neste texto, como referência organizadora da argumentação, à semelhança, ainda que por razões só parcialmente convergentes, da opção defendida por John Scott (2007).

3Para a defesa de uma perspetiva multidimensional de reconceptualização de explicações teóricas alternativas sobre o poder em dimensões analíticas complementares, ainda que com objetivos diferentes dos do presente texto, ver Reed (2013).

4Adefinição de Russel invocada porWrong é: “O poder pode ser definido como a produção de efeitos pretendidos” (Russell, 2004 [1938]: 23).

5Neste sentido o poder é um tipo particular de ação intencional, o que não significa que o seu exercício intencional não tenha consequências não intencionais (Wrong, 2017 [1979]: 4-5).

6Acategoria autoridade é semelhante à usada por Giddens (1984) quando este autor distingue recursos alocativos de recursos autoritativos e liga os segundos ao exercício do poder (apesar da crítica que faz à identificação, por Parsons, do poder como recurso).

7Estão em causa, nesta problematização dos limites da autoridade, dinâmicas semelhantes às que Goffman discutiu a propósito do conceito de “instituições totais” (Goffman, 1961).

8Como se referiu, esta tipologia é adaptada da proposta por Scott (2001), mas teoricamente trabalhada, neste texto, a partir das quatro dimensões analíticas do poder social atrás identificadas.

9Progressiva pois, como se conhece da história recente, a eliminação do recurso à força na regulação de relações interpessoais ou de papéis institucionalizados, na família ou na escola, por exemplo, foi um processo longo e ainda incompleto em muitas sociedades contemporâneas. Deslocado pois é ainda, nomeadamente enquanto ameaça, o mecanismo central de dominação política nas relações interestados. Esta centralidade está na origem dos argumentos avançados por vários autores sobre as vantagens analíticas de conceber o poder militar como uma modalidade de poder autónoma, como sugerem Giddens (1985) e Mann (1986), e não como uma componente do poder político. Para a defesa da posição contrária ver Poggi (2001).

10As narrativas de difamação simbólica dos subalternos e engrandecimento simbólico dos superiores são logicamente muito semelhantes às identificadas por Norbert Elias nos processos de estigmatização que sustentam a construção do “outro”: a representação idealizada dos próprios com base na sua melhor história e a representação idealizada (negativamente) dos outros, como outros, com base na sua pior história (Elias, 1994).

11Em rigor, estas componentes caracterizam a autoridade empresarial racional/instrumental (ou “rotineira”). Excecionalmente, a autoridade empresarial pode também emergir como liderança carismática, que se justifica pelas qualidades inovadoras, emocionais, não transmissíveis, de empresários carismáticos, de que a figura de Steve Jobs é um dos mais recentes exemplos tipo.Para uma definição clássica das diferenças entre “função empresarial rotineira e uma de tipo novo”, ver Figueiredo e Costa (1982: 224).

12Com esta especificação fica de fora uma grande variedade de modalidades de resistência como oposição, da sabotagem individual eventualmente anónima da vontade do superior às formas de ação coletiva de rutura institucional, como as revoluções.

Recebido: 03 de Maio de 2022; Aceito: 28 de Junho de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons