SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número103Los emprendedores públicos y los riesgos para la innovaciòn en el sector públicoLa familia, los niños y la paternidad en la debate: la residencia compartida como ley índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Sociologia, Problemas e Práticas

versión impresa ISSN 0873-6529

Sociologia, Problemas e Práticas  no.103 Lisboa dic. 2023  Epub 31-Ene-2024

https://doi.org/10.7458/spp202310329213 

Artigos Originais

Nos interstícios do subcampo: autoedição e empreendedorismo em músicos folk em Portugal no século XXI

In the interstices of the subfield: self-edition and entrepreneurship among folk musicians in Portugal in the 21st century

Dans les interstices du sous-champ: autoédition et entrepreneuriat chez les musiciens folk au Portugal du XXème siècle

En los intersticios del subcampo: autoedición y emprendimiento entre músicos folk en Portugal en el siglo XXI

Pedro Belchior Nunes1  , concetualização, curadoria dos dados, análise formal, metodologia, visualização, preparação, redação do original, criação, revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-9516-9244

1 Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (INET-MD - NOVA FCSH)


Resumo

Este artigo aborda as práticas e valores de um conjunto de músicos em autoedição, dentro do universo peculiar da música popular de matriz rural em Portugal, no contexto das duas últimas décadas em que a produção de música sofre o impacto dos fenómenos de digitalização e desintermediação. Tomando como âncoras teóricas as teses de Bourdieu e de Becker sobre campos de produção cultural e mundos artísticos, respetivamente, bem como estudos recentes em torno das culturas musicais DIY (do-it-yourself), caracterizadas pela adesão a um conjunto de práticas e valores autónomos em relação aos circuitos dominantes de produção de música, e recorrendo a entrevistas semidirigidas a uma amostra de músicos, procuramos compreender o sentido das suas práticas em relação à edição e à sua articulação com outras atividades que desenvolvem para a disseminação da sua produção musical. Concluímos que a adesão a modos DIY de produção e distribuição de música nestes músicos, embora seja evidente em muitos casos, não é total ou incondicional, seja pelas ligações mais institucionais dentro de um subcampo de produção de música popular, seja pelas vantagens que muitos ainda encontram em estabelecer parcerias com editoras e distribuidoras.

Palavras-chave: subcampo de produção musical; música popular de matriz rural; autoedição; empreendedorismo; DIY.

Abstract

This article addresses the practices and values of a sample of self-edited musicians, within the peculiar universe of rural folk music in Portugal, in the context of the last two decades in which music production has suffered the impact of the phenomena of digitalization and disintermediation. Taking as theoretical anchors the theses of Bourdieu and Becker on the fields of cultural production and artistic worlds, respectively, as well as recent studies on DIY (do-it-yourself) musical cultures, characterized by an adherence to a set of practices and values which are autonomous in relation to the dominant circuits of music production, and using semi-directed interviews with a sample of musicians, we aim to understand the meaning of their practices in relation to publishing and its articulation with other activities which they develop to disseminate their music. We conclude that adherence to DIY modes of music production and distribution among these musicians, although evident in many cases, is not total or unconditional, either due to more institutional connections within a subfield of popular music production, or due to the advantages that many still find in establishing partnerships with labels and distributors.

Keywords: subfield of music production; rural folk music; self-publishing; entrepreneurship; DIY.

Résumé

Cet article aborde les pratiques et les valeurs d’un groupe de musiciens auto-édités, au sein de l’univers particulier de la musique folk rurale au Portugal, pendant les deux premières décennies du XXème siècle, alors que la production musicale a subi l’impact des phénomènes de digitalisation et de désintermédiation. Nous prenons comme ancrages théoriques les thèses de Bourdieu et Becker sur la production culturelle et les mondes de l’art respectivement, ainsi que les études récentes autour des cultures musicales DIY (do-it-yourself), caractérisées par l’adhésion à un ensemble de pratiques et de valeurs autonomes face aux circuits dominants de production musicale. À partir d’entretiens semi-dirigés auprès d’un échantillon de musiciens, nous cherchons à comprendre le sens de leurs pratiques d’édition, ainsi que l’articulation avec d’autres activités qu’ils développent pour diffuser leur musique. Nous concluons que l’adhésion à des modes de production et de distribution musicales DIY, bien qu’évidente dans de nombreux cas, n’est pas totale ni inconditionnelle: soit en raison de liens plus institutionnels au sein d’un sous-champ de la production musicale populaire; soit en raison des avantages que beaucoup d’entre eux trouvent dans l’établissement de partenariats avec des éditeurs et des distributeurs officiels.

Mots-clés: sous-champ de la production musicale; musique folk rurale; autoédition; entrepreneuriat; DIY; Portugal.

Resumen

Este artículo aborda las prácticas y valores de un grupo de músicos autoeditados, dentro del peculiar universo de la música folk rural en Portugal, en el contexto de las últimas dos décadas en las que la producción musical ha sufrido el impacto de los fenómenos de digitalización y desintermediación. Tomando como anclajes teóricos las tesis de Bourdieu y Becker sobre los campos de la producción cultural y los mundos artísticos, respectivamente, así como estudios recientes en torno a las culturas musicales DIY (do-it-yourself), caracterizadas por la adhesión a un conjunto de prácticas y valores autónomos en relación con los circuitos dominantes de producción musical, y mediante entrevistas semidirigidas a una muestra de músicos, buscamos comprender el significado de sus prácticas en relación con la edición y su articulación con otras actividades que desarrollan para difundir su música. Concluimos que la adhesión a modos DIY de producción y distribución musical entre estos músicos, aunque evidente en muchos casos, no es total o incondicional, ya sea debido a más conexiones institucionales dentro de un subcampo de la producción de música popular, o debido a las ventajas que muchos todavía estableciendo asociaciones con editores y distribuidores.

Palabras-clave: subcampo de producción musical; música folk rural; autoedición; emprendimiento; DIY.

O estudo da produção, edição e distribuição de música levada a cabo por músicos fazendo o bypass dos habituais mediadores (editoras e distribuidoras) adquiriu uma renovada relevância sociológica nas duas últimas décadas. Pese embora os modos de fazer música à margem dos circuitos dominantes, que reconhecemos como o mainstream, precedam a revolução tecnológica da era digital e os seus impactos na produção de música, eles adquirem uma expressão particularmente significativa nesse período conforme é reconhecido em diversos estudos (Strachan, 2007; Reitsamer, 2011; Scott, 2012; Hracs, 2015; den Drijver e Hitters, 2017; Haynes e Marshall, 2018; Nunes, 2018, 2021; Bartmanski e Woodward, 2020; Everts e Haynes, 2021; Jones, 2021; e.o.). Situando-se na área mais abrangente e interdisciplinar dos estudos de música popular e recebendo contributos de várias disciplinas, da sociologia à etnomusicologia, passando pelos estudos culturais e pela antropologia, uma boa parte destas abordagens é, no entanto, enquadrada por abordagens clássicas e contemporâneas da sociologia, nomeadamente sobre o campo de produção cultural (Bourdieu, 1983; Bourdieu e Wacquant, 1992) e a noção de capital nas suas diferentes formas (Bourdieu, 1997), os mundos artísticos (Becker, 1974, 1982) e mais recentemente sobre modos do-it-yourself (DIY) de produção de música (Reitsamer, 2011; Bennett, 2018; Guerra, 2018; Haenfler, 2018; Haynes e Marshall, 2018; Tarassi, 2018; Threadgold, 2018; Schmidt, 2019; Jones, 2021). Este interesse acompanha o reconhecimento dos fenómenos de digitalização e desintermediação e seus impactos na reconfiguração da indústria fonográfica. As novas tecnologias digitais de produção, armazenamento e distribuição de música permitiram a músicos, anteriormente dependentes de toda uma cadeia de produção que passava necessariamente por editoras, distribuidoras e o retalho, ter acesso e assumir um maior controlo dos meios de produção de música (Haynes e Marshall, 2018). Mais importante ainda, elas vieram permitir a proliferação de músicos amadores ou semiprofissionais em várias áreas da produção musical e oferecer possibilidades para uma maior visibilidade do seu trabalho junto do público (Prior, 2010; Haenfler, 2018).1 Um dos impactos sociológicos mais visíveis desta nova era tecnológica reside no facto de ela proporcionar novos modos mais atomizados de organização da produção musical e sua articulação com as outras atividades que lhe estão associadas: a distribuição e venda, o agendamento de concertos, a gestão de carreiras, a promoção e divulgação junto dos meios de comunicação, entre outras. A noção de DIY tem sido invocada, simultaneamente como modo de produção de música e como (sub)cultura com valores e um ethos próprio e autónomo, capaz de gerar formas sustentáveis de produção musical à margem das formas de produção dominantes:

DIY (as in “do it yourself”) describes a music culture wherein emphasis is placed on forming and maintaining spaces for production and distribution which purportedly exist outside of, and are positioned as oppositional to, the popular music industries. These spaces tend to be relatively small-scale - “bedroom” record labels, “lo-fi” home recordings, and makeshift live venues - emphasizing frugality and self-sufficiency, but can combine to form larger “alternative” networks of music circulation. (Jones 2021: 61)

Inicialmente conotado com a emergente cena punk no Reino Unido em finais da década de 1970, o conceito de DIY adquire historicamente um cunho de oposição ideológica e de desafio aos modos prevalecentes de atuação da indústria fonográfica hegemónica. No entanto, tal noção tem sido repensada e ressignificada à luz das transformações ocorridas na indústria fonográfica nas últimas duas décadas. Tal é visível no discurso de músicos e é refletido em estudos académicos sobre o tema, onde se defende que a adesão a modos DIY de fazer música será, na contemporaneidade, motivada por razões de ordem pragmática mais do que ideológicas (Bennett, 2018; Haynes e Marshall, 2018; Jones, 2021).

Se esta abordagem tem sido comumente aceite e está consagrada em vários estudos realizados, importa atender às diferenças de contexto, sendo ele geográfico (onde verificamos uma predominância do estudo das culturas DIY em contexto anglo-saxónico) ou relativo aos diferentes géneros ou subcampos de produção de música. Assim, o universo da música popular de matriz rural, onde incluímos a que categorizamos como tradicional, seja nas recolhas ou nas abordagens mais recriadoras de repertórios tradicionais, apresenta-se distinto. Referimo-nos à música popular de matriz rural, no âmbito deste estudo, como uma categoria musical englobante de várias práticas, géneros e estilos associados a contextos rurais, pese embora ela possa ser criada e adaptada por músicos e coletivos originários e localizados em contexto urbano (Castelo-Branco, 2008; Castelo-Branco e Cidra, 2010). Inclui gravações sonoras de música rural realizadas ao longo do século XX por diferentes folcloristas, etnógrafos e colecionadores, e adaptações de temas de diferentes géneros que constituem os repertórios das diversas regiões de Portugal. Inclui também músicos que, seja pelo uso de instrumentos tradicionais ou pela influência de melodias e arranjos, são inspirados por estes géneros e os recriam em composições originais.2 A música popular de matriz rural, em contraponto a géneros em subcampos já estudados em contexto português, como o punk (Guerra, 2018), o rock dito alternativo (Guerra, 2013; Oliveira e Guerra 2016; Oliveira, 2018; Moura, 2021) e a música de dança eletrónica (Nunes 2021), diferencia-se, entre outros fatores, por um estatuto de utilidade pública, seja pelo seu enquadramento nas atividades de associações e cooperativas, pela sua integração no ensino e estudo da música a um nível superior, ou pela sua fixação para memória coletiva em arquivos e espólios sonoros. Consequentemente ela beneficia de apoios públicos da parte de organismos estatais e locais que são cruciais para a sua sustentabilidade. Dentro destes destacamos a DGArtes3 e o INATEL4 e, a um nível local, as câmaras municipais e juntas de freguesia (Castelo-Branco, 2010).5 Tal estatuto remete-nos para outras duas abordagens mais consentâneas com esta preponderância dos respetivos subcampos na organização de um modo de produção DIY: a de campo de produção cultural (Bourdieu, 1983) e de mundos artísticos (Becker, 1974, 1982). Numa análise mais imediata diremos que os modos de produção musical DIY estão próximos dos mundos artísticos, marcados por relações em rede, de cooperação entre os agentes que nele participam: músicos, produtores, editores, programadores, divulgadores, promotores dos média / responsáveis pela comunicação e, no caso da música popular de matriz rural, colecionadores, arquivistas, musicólogos e construtores de instrumentos. Neste sentido, certos trabalhos propõem a noção de DIT (do-it-together) ao invés de DIY para caracterizar esse espírito coletivo presente nesses modos de produção de música (Oliveira e Guerra, 2016; den Drijver e Hitters, 2017; Nunes, 2018; Jones 2021). Por outro lado, poderemos também sugerir que, no caso da música popular de matriz rural, haverá também uma relação de competição por posições de protagonismo e legitimidade, que Bourdieu apresenta na sua abordagem aos campos de produção artística (1983).6 Tal é traduzível, por exemplo, na candidatura à atribuição de financiamento estatal ou, no polo oposto, pela valorização do seu trabalho por parte de certos gatekeepers (como críticos, jornalistas e radialistas de música) bem como dos seus pares.

Vários trabalhos estabelecem uma ponte entre as esferas de produção DIY e as abordagens de Becker e de Bourdieu (Scott, 2012; Guerra, 2013; Threadgold, 2018). Podemos, por exemplo, identificar, no caso da música popular de matriz rural, aspetos que remetem para um subcampo de produção autónomo onde, para além da dita competição entre estilos musicais e os artistas que os representam por posições de legitimidade e reconhecimento, se verifica uma polarização, ao nível das práticas e dos discursos que as sustentam, entre paradigmas na interpretação da mesma (cf. Vasconcelos, 2001). Tal subcampo legitima-se, sobretudo, pela valorização da qualidade artística em detrimento do impacto comercial dos artistas/músicos que dele participam, em contraponto ao que se verifica em campos de produção artística em larga escala onde os artistas são legitimados pelo sucesso comercial alcançado (Bourdieu, 1983; Bourdieu e Wacquant, 1992). Os estudos mais recentes em torno das culturas musicais DIY e esferas independentes de produção musical apoiam-se com maior segurança nas ideias de Becker, sobretudo pelo maior enfoque nas redes de relações visíveis, de interação e cooperação, entre os agentes dentro do mesmo universo (Bottero e Crossley, 2011). O facto de as tecnologias digitais terem facilitado o desenvolvimento de redes cujo âmbito ultrapassa o caráter nacional dos campos artísticos em Bourdieu torna mais objetiva essa relação entre universos DIY e os mundos artísticos.

Objeto de estudo e metodologia

É a partir deste quadro teórico que definimos, em dois momentos, o foco e desenvolvimento deste artigo. Em primeiro lugar, abordaremos um aspeto peculiar da atividade dos músicos dentro deste subcampo: o da autoedição da sua produção musical, compreendida não apenas enquanto prática mais recorrente e facilitada no contexto dos desenvolvimentos ocorridos na indústria fonográfica no século XXI, mas sobretudo a partir dos valores (profissionais e/ou ideológicos) que a enformam. Assumimos a música popular de matriz rural como um subcampo dentro do campo mais alargado da produção musical em Portugal tendo em conta as regras e as características particulares estruturantes das práticas dos agentes que nele intervêm.7 Em segundo lugar, partimos dessa atividade de autoedição para uma abordagem ao coletivismo e empreendedorismo enquanto dimensões presentes nas práticas destes músicos. Entendemos estes dois aspetos da atividade dos músicos folk como estruturantes de um modo DIY de produção de música, embora não o façamos sem o devido diálogo crítico com o conceito e a já vasta literatura sobre o mesmo. Questionamos até que ponto essas práticas e os valores subjacentes são enquadráveis pelas abordagens DIY sobre universos musicais específicos, à semelhança do constatado em estudos sobre outros géneros e práticas musicais? Em concreto, consideramos a atividade editorial de músicos que: (i) por opção ou constrangimento, têm recorrido maioritariamente à autoedição da sua produção musical; (ii) se dedicam à prática de instrumentos tradicionais, assim como ao canto de repertório com influência tradicional, seja em recriações de temas do repertório tradicional português e estrangeiro seja em composições originais. A categorização genérica destes músicos é sempre algo fluida, tanto quanto as categorias musicais em causa (popular, tradicional, folk) são discutíveis no meio académico e no próprio discurso émico dos músicos. A maior parte destes músicos apresenta-se nos canais de divulgação como músico folk, categoria sobreponível no contexto português com a de música popular de matriz rural, mas utilizada pelos próprios8 por ser mais reconhecível além-fronteiras.9 Não obstante o conhecimento prévio dos repertórios dos músicos que compreendem a amostra, assumimos que tal categorização, que utilizamos no título do artigo, corresponde à que é mais recorrentemente utilizada pelos músicos nesses canais. Podendo ser discutível numa perspetiva sociológica (e, mais ainda, etnomusicológica) ela é, contudo, estruturante na construção das carreiras dos músicos, pelo que a assumimos como relevante para o propósito deste artigo.

Consideramos como baliza temporal o período entre 2000 e 2020 por corresponder a um período marcado pelo impacto generalizado da digitalização na produção e distribuição de música.10 Para o efeito definimos uma amostra de 15 músicos com um historial de fonogramas lançados em modo de autoedição ou em pequenas editoras criadas pelo próprio músico com o propósito de edição do seu trabalho. A partir de uma rede de contactos que havíamos desenvolvido no âmbito de um projeto anterior, e que incluía editores e músicos dentro deste universo, fomos encontrando os nossos interlocutores por via de uma amostragem de tipo “bola de neve”.11 Com essa técnica os ditos informantes, bem como os que fomos incluindo na amostra, indicavam-nos outros que pelas suas características a poderiam integrar. Realizamos entrevistas semidirigidas aos músicos entre 2020 e 2022, via online, por coincidir com o período pandémico da covid-19, a partir de um conjunto de temas previamente definidos: historial, incluindo formação musical, motivações na autoedição, formatos de edição, distribuição, divulgação junto dos meios de comunicação e relação com outras estruturas e atividades complementares à edição de música. Realizámos também uma mesa-redonda com alguns dos músicos que integram a amostra, onde foi possível observar e registar um debate em torno dos temas anteriormente explorados nas entrevistas.12 Tal metodologia difere das entrevistas onde o diálogo foi apenas com o entrevistador. A informação recolhida foi complementada com a observação e análise dos sites oficiais e páginas em redes sociais dos músicos e pequenas editoras. Foi posteriormente analisada qualitativamente com recurso a uma análise de conteúdo temática.

Estando o enfoque metodológico nas entrevistas e, por conseguinte, no discurso dos músicos, assumimos, de acordo com uma abordagem weberiana sobre a ação social, o sentido atribuído pelos agentes (os músicos) às suas ações (autoedição e distribuição de música) como sendo revelador acerca das suas lógicas de atuação. Consideramos esse sentido como algo de objetivo, sendo em simultâneo o reflexo das condições do seu espaço de atuação e uma praxis estruturante desse mesmo espaço (Weber, 2022 [1922]; Bourdieu, 1983). Reconhecemos, contudo, que dessa opção metodológica possa advir alguma limitação na nossa análise.

O tradicional recriado e a opção pela autoedição

A pequena edição de música popular foi, durante um período considerável que se inicia na década de 1990, caracterizada pelo trabalho de um conjunto de editores (Mário Correia / Sons da Terra, José Moças / Tradisom; Emiliano Toste / Açor) e de editoras ligadas a associações culturais (caso da Xarabanda) onde, não obstante uma linha editorial relativamente heterogénea, havia uma importância significativa da edição de registos sonoros de campo. Dentre esse trabalho de edição destacamos, entre outros, o catálogo de recolhas de gaiteiros da região do Minho e de Trás-os-Montes por parte da Sons da Terra,13 a edição do espólio do folclorista e compositor Armando Leça14 e a filmografia do etnólogo Michel Giacometti pela Tradisom.15 Nos últimos 20 anos essa linha editorial perdeu peso devido à diminuição de intensidade do trabalho de recolhas e ao desaparecimento dos informantes, bem como pela própria dinâmica do mercado discográfico, onde a edição em formato físico se vem tornando residual. Estes fatores levam os editores a mudar de estratégia e a apostar em edições mais exclusivas e apelativas para o seu público (Nunes 2022: no prelo).

Paralelamente, as abordagens à música popular e à de feição mais tradicional, em particular, da parte de músicos a solo ou em projetos coletivos, conhecem processos de fusão com outros estilos musicais, alguns bem distintos da música popular, como o rock (e dentro destes certos estilos associados ao metal) e a música de dança eletrónica (idem, ibidem).16 Não obstante a abertura destes editores a estas propostas mais arrojadas de recriação da música popular, bem patente no seu discurso sobre a linha editorial, são notórias as dificuldades dos músicos em editar o seu trabalho, seja através destas pequenas editoras ou das ditas majors.17 Como tal, a pequena edição de música popular no século XXI é caracterizada por duas tendências que se sobrepõem: o surgimento, por um lado, de projetos editoriais criados pelos próprios músicos, muitas vezes no âmbito de estruturas maiores como cooperativas, associações ou agências, para editar primeiramente a sua música; e o recurso dos músicos à autoedição, abdicando da mediação feita pelas editoras e pelas distribuidoras na cadeia de produção entre o artista e o ouvinte/consumidor de música. As fronteiras entre estas pequenas editoras e a autoedição são muito ténues, precisamente pelo facto de as primeiras servirem, pelo menos inicialmente, um propósito de autoedição do trabalho dos músicos. O que se constata é que ambas permitem a exposição e visibilidade de músicos mais empenhados em recriar a música tradicional, dando-lhe novos arranjos: “não é música no seu estado puro e duro, não vamos editar recolhas tradicionais. A nossa linha editorial não passa por aí, mas sim pela recriação dessas mesmas músicas” (cantora, multi-instrumentista e editora, entrevista online via zoom, 28/09/2020). Em outro projeto editorial propõe-se uma abordagem “rasgativa e contemporânea” das músicas ditas “de identidade” (multi-instrumentista e editor, entrevista, online via zoom, 09/11/2020): “coisas que tenham a identidade portuguesa muito vincada e que não seja um bocado aquilo que toda a gente já fez […] a ideia é projetos que sejam realmente diferentes que estejam ali na frente, na vanguarda do folk ou na vanguarda das músicas de identidade.” (idem, ibidem). O recurso à autoedição nestes músicos acontece pelos constrangimentos do mercado de produção musical, onde estas abordagens mais recriadoras e de fusão da música popular com outros géneros tendem a ser excluídas das opções editorais, seja da parte das editoras multinacionais, seja de pequenas editoras mais direcionadas para certos nichos musicais. Esta falta de reconhecimento por parte das editoras (e que é extensível, por exemplo, a organismos como as câmaras municipais) a par com as condições materiais e tecnológicas, leva estes músicos a optarem pela autoedição:

Tem a ver com uma necessidade de independência, de ter mão naquilo que estás a fazer e alguma dificuldade em chegar às editoras. Uma das razões é porque não se interessam simplesmente pelos projetos em que eu estou envolvido, mas também porque eu acho que não há muito dinheiro aqui no nosso território para investir […] ainda mais naqueles que eu tenho vindo a fazer parte que são assim mais alternativos. E então imagino que as editoras, grandes ou pequenas, acabam por trabalhar com artistas que mais facilmente conseguem colocar no chamado mercado da música. [Compositor e multi-instrumentista, entrevista via zoom, 01/11/2021]

Tais constrangimentos, a par com uma necessidade de independência, são apontados por estes músicos como razões que os levam a tal opção. As dificuldades por parte das editoras em catalogar a música, por se tratar de uma fusão de estilos da música popular com outros géneros e estilos ou, de outra forma, por se tratar de abordagens disruptivas em relação às convenções estabelecidas na abordagem aos instrumentos tradicionais, criam obstáculos para uma maior aposta nestes projetos.

Cada vez que acabava uma música o senhor [editor], que é muito conhecido, comentava: “pois, isto é muito diferente!”… Isto é muito diferente do quê? O que é isso? De uma forma que, mesmo que a gente não queira, soa sempre depreciativo! Eu acredito que quem faça música um bocadinho mais extravagante, no sentido em que não é extravagante propriamente dita, mas é um bocadinho fora dos moldes a que as pessoas estão mais habituadas, “o que é fado é fado”, tens esse tipo de rejeição… As pessoas tendem muito a engavetar as coisas e eu acredito, pela reação desse senhor, que, ou estás dentro de uma bitola e és aceite ou por uma editora ou produtor, ou se tiveres a pretensão de fazer a tua própria música talvez não tenhas lugar. [Músico, multi-instrumentista, entrevista via zoom, 17/03/2021]

Enviamos para alguns sítios mas todas as propostas que nos foram feitas, de certa forma, não nos agradaram por uma razão ou por outra, porque, de certa forma, sentíamo-nos um pouco castrados naquilo que era a nossa liberdade, até porque éramos uma banda que na altura tocava em tudo o que era eventos diferentes. Tão depressa tocávamos em festivais de folclore, como chegou a acontecer em França, por exemplo, como íamos tocar à Presidência da República de Cabo Verde ou festivais de música eletrónica e de música mais pesada. Portanto o nosso género musical acabava por encaixar em vários sítios e muitas vezes aquilo que víamos era que as editoras ou as promotoras tinham um público muito fechado e por isso poderíamos tirar alguma liberdade nessa parte da autoedição e autopromoção, de poder chegar a mais sítios. [Gaiteiro, entrevista via zoom, 22/03/2021]

Este fechamento da parte dos agentes em relação a estas abordagens é particularmente evidente, segundo os músicos, em relação aos projetos instrumentais. As dificuldades de reconhecimento destes projetos, seja ao nível da indústria fonográfica, da parte das editoras, seja a um nível institucional, da parte das câmaras municipais, é evidente em comparação com os projetos com voz.

Isto não é só uma opinião minha, está muito explícito naquilo que nos disseram. Ou seja, lembro-me do Paulo [nome fictício] da Roots and Rhythms,18 o que ele disse foi: “epá isso não tem voz!” e da parte da Vera e da Antónia [nomes fictícios]19 foi a mesma coisa, não sei se elas disseram também concretamente isto, mas foi, à partida, o que nós sentimos. E depois, se nós olharmos aos produtos que são vendidos e divulgados e aqueles até que são mais apoiados, nós vemos que realmente a voz e a letra vendem muito mais do que o instrumento e isso é um bocado triste porque nós também somos um país, acima de tudo, de instrumentistas, basta nós pensarmos nos instrumentos como o cavaquinho, como a guitarra portuguesa, como a própria gaita-de-foles, um instrumento que tem um cunho histórico muito grande em Portugal. [Gaiteiro, entrevista via zoom, 19/02/2021]

Eu entendo que a câmara municipal queira apoiar e depois publicitar o seu apoio: “ah vejam aqui este artista representa muito bem o nosso município”… Isso faz todo o sentido. Se eu estou a fazer uma coisa que não representa a tradição nem nada desse município será mais difícil. O apoio seria mais de “olha nós apoiamos artistas cá da terra”, aí está bem, isso não cria nenhum impedimento de fosse o que fosse, até podia ser um tipo de música qualquer. Mas eu acho que é o facto de ser uma música instrumental, é um nicho de mercado muito mais reduzido, acaba por ser mais complicado obter visibilidade nesses apoios. [Guitarrista e compositor, entrevista via zoom, 19/02/2021]

Este duplo preconceito é percecionado pelos músicos como sendo algo que condiciona as suas estratégias de edição e que os leva a descartar a possibilidade de recorrerem a uma editora. Não apenas as editoras, que apostam em projetos que lhes garantam sucesso de vendas e retorno financeiro, mas também organismos que apoiam a música popular, como as câmaras municipais, tendem a valorizar as abordagens mais tradicionalistas e identitárias (os artistas “cá da terra”). No entanto, também se constata que as condições materiais de gravação, edição e distribuição, proporcionadas pelos processos de digitalização e desintermediação no século XXI, bem como o surgimento das novas redes e canais de divulgação e distribuição de música, facilita “naturalmente” a opção dos músicos pela autoedição, sendo tão preponderantes quanto essa perceção de rejeição em relação às editoras. Muitos destes músicos optam pela autoedição sem sequer considerar o recurso a uma editora como uma opção em cima da mesa:

Nós, à partida, já sabíamos que este estilo de música não tem espaço nas grandes editoras. Portanto, nesse sentido, às vezes acaba por ser menos complexo tratarmos nós de tudo e gerirmos nós também os lucros ou os dinheiros oriundos do trabalho físico de um disco, do que propriamente estar a contactar uma editora. [Percussionista, entrevista via zoom, 29/11/2021]

No entanto, a opção pela autoedição não se traduz necessariamente numa autonomia incondicional e absoluta dos músicos, sobretudo quando estes têm em consideração as necessidades de distribuição da música editada. Neste caso, o recurso a uma editora, pelas vantagens que esta traz, é ponderado pelos músicos e encarado positivamente quando esta lhes assegura não apenas a edição mas sobretudo a distribuição (física mas também virtual) numa quantidade e a numa escala maiores do que a autoedição permite. Muitos músicos recorrem a parcerias com distribuidoras especializadas ou com editoras que assumem também a distribuição e, por exemplo, o agenciamento, sendo ambos cruciais para o seu trabalho. Havendo uma expetativa de chegar a um público mais alargado, os músicos preferem essa parceria a um modo de produção e distribuição totalmente independente, porque tal opção permite-lhes essa maior divulgação do seu trabalho.

Estou a terminar um disco a solo, provavelmente nem vou fazer CD, estou mais uma vez a fazer a autoedição. Neste caso vou para o estúdio e pago o estúdio. Eu próprio, para me distanciar um bocadinho do processo, estou a pensar falar com essas, vamos chamar editoras ou agências o que for, para ajudar a custear o processo de produção, pelo menos nessa tal seguinte fase de distribuição e agenciamento. [Compositor e multi-instrumentista, entrevista via zoom, 01/11/2021]

[Opção por uma editora] Porque já tínhamos tido o background da edição de autor e a editora tem os seus canais de distribuição e o que é que isto faz? Faz com que o teu disco chegue mais longe e, ao chegar mais longe, os outros discos também acabam por chegar mais longe, isto depois acaba por ser aqui uma bola de neve e é quase uma coisa exponencial, à medida que depois começa a entrar nisto começas a perceber que, de ano para ano, o nome circula. Se não tiveres esta bola a rolar, tocas, fazes discos, distribuis e tens a editora a ajudar, ou seja, isto depois vai crescendo de uma forma obviamente pequenina, de uma forma underground mas realmente a coisa vai crescendo e entretanto a banda começa a ter alguma divulgação lá fora. [Compositor e multi-instrumentista, entrevista via zoom, 16/12/2022]

Eu experimentava uma editora se fosse uma coisa mesmo profissional porque iria ganhar em tempo para fazer música, isto é, tipo um escritório. Todo o processo à volta de edição é tempo em que não estou a tocar nem a pensar em música e isso acaba por… pronto, estou a gastar esse tempo em mim na mesma mas eu gostava de gastá-lo na música. [Guitarrista e compositor, entrevista via zoom, 19/02/2021]

O recurso ou não a uma editora é determinado, não por razões meramente ideológicas subjacentes a um ethos DIY, mas por razões pragmáticas que se prendem, por um lado, com as vantagens em fazer chegar a edição a um público mais alargado e, por outro lado, com um maior foco no trabalho criativo que o recurso a uma editora pode permitir. Estes vários depoimentos em torno da autoedição e suas motivações colocam em jogo ideias de independência e autonomia, a par com uma gestão das necessidades que o controlo dos meios de produção nem sempre assegura. Se a autonomia criativa fica salvaguardada nesta abordagem à edição, os laços com a indústria não são totalmente cortados quando os músicos recorrem ou estão recetivos a estabelecer parcerias com editoras e distribuidoras. Sendo a autoedição e distribuição de música dois aspetos importantes (embora não exclusivos) na definição de modos DIY de construção de carreiras musicais constatamos, contudo, haver uma certa hesitação da parte de alguns destes músicos em aderir por completo a esse modo quando ainda reconhecem estas parcerias como sendo vantajosas para a sustentabilidade da sua carreira.

Coletivismo e empreendedorismo

Um dos aspetos mais visíveis que caracteriza a adesão a modos DIY de produção musical nas duas últimas décadas reside no facto de os músicos se dedicarem a um conjunto de atividades que vão muito para além da criação, produção e performance de música, desdobrando-se em vários papéis e funções relacionados com a produção e disseminação do seu trabalho. Estas incluem, para além da autoedição, o networking com uma série de estruturas e agentes, a divulgação junto dos meios de comunicação e canais de divulgação de música, a distribuição (física e virtual) da música em diversas plataformas e lojas, o agendamento de concertos, o artwork das capas dos discos e cartazes de eventos, o merchandise, que inclui a venda de discos em concertos, e, no caso concreto que abordamos, a candidatura a concursos para apoio financeiro a projetos dentro da música popular. As formas como essas atividades se articulam e complementam são importantes para as aspirações dos músicos a ter uma carreira sustentável, seja a um nível profissional ou semiprofissional. Também neste âmbito o impacto tecnológico na reorganização da atividade musical se faz sentir, ao impulsionar novos modelos em que o trabalho do músico já não está circunscrito à gravação, produção e interpretação de música (Scott, 2012; Tarassi, 2018; Haynes e Marshall, 2018; Bennett, 2018; Oliveira, 2018; Everts e Haynes, 2021). Esta abordagem surge em alternância com a divisão destas tarefas, seja entre os músicos, seja entre estes e uma rede de contactos, onde intervêm outros agentes com quem os músicos têm uma relação informal e com quem estabelecem uma relação de cooperação. A divisão de papéis entre os membros do grupo ou destes com outros membros da comunidade mais alargada é movida por uma certa afetividade, por se tratar de relações informais de partilha dos mesmos interesses estéticos e valores éticos. Contudo ela é também, e muitas vezes, determinada pelo reconhecimento das competências adquiridas na sua trajetória pessoal:

Chegou um ponto em que pensamos “isto não vale a pena!” Temos de ser nós e temos que ir nós à nossa luta […] e mandávamos e-mails para várias pessoas e as respostas eram sempre as mesmas, era assim um pouco frustrante e pensámos que vamos ter de ser nós a fazer isto, vamos dividir tarefas e foi assim que fizemos, ou seja, nós fizemos um estudo de preços, um estudo de mercado vá, quem é que poderia fazer os melhores preços, etc. Optámos por X em vez de Y e fizemos nós todo este trabalho de procurar quem é que pudesse fazer o grafismo. Também procurámos rodear-nos de amigos que tivessem essas valências e acabámos por fazer um bom trabalho, creio eu, tanto ao nível da gravação, da masterização, do grafismo, até depois ao nível da produção, se calhar já me estou a alargar, mas até mesmo ao nível da distribuição, de associações, de sítios onde nós tínhamos algum tipo de conhecimento. [Gaiteiro, entrevista via zoom, 19/02/2021]

Tanto eu como um dos outros integrantes da Charanga20 temos formação na área da produção musical com ferramentas digitais, e então todos os álbuns que fomos gravando foram feitos por nós, gravados, produzidos, misturados, masterizados, distribuídos por nós, aí já fisicamente nos concertos, vendemos os CDs que duplicávamos em fábrica e também na internet, nas várias plataformas. [Compositor e multi-instrumentista, entrevista via zoom, 01/11/2021]

Nós estamos a colaborar com a Lovers & Lollypops21 e começámos por falar com eles mais por causa do design e de como é que isso poderia ser feito, para já porque são nossos amigos e depois porque sabem bastante sobre vinis. E, portanto, ao princípio foi mais consultadoria e depois eles mostraram-se interessados em distribuir o vinil e nós também e, portanto, à partida serão eles a distribuidora. [Cantora e compositora, entrevista via zoom, 29/11/2021]

O trabalho colaborativo, refletido nestes depoimentos, revela uma certa adaptabilidade e flexibilidade em função do contexto e das situações. No primeiro exemplo temos uma divisão de papéis entre membros da banda, complementada com o recurso a amigos com valências reconhecidas para desempenhar funções essenciais à edição e distribuição. No segundo exemplo as valências já existem no seio da banda (“formação na área da produção musical com ferramentas digitais”) e no terceiro, há o recurso a uma estrutura externa onde a informalidade e a afetividade (“são nossos amigos”) vão ao encontro das valências reconhecidas para a distribuição (“sabem bastante sobre vinis”). Tal fluidez na organização do trabalho em torno da música confirma a ideia de que o caráter da produção artística não impõe uma divisão natural do trabalho, sendo esta o resultado de uma avaliação consensual da situação por parte dos agentes nela envolvidos (Becker, 1974).

Para além do coletivismo enquanto valor estruturante destas abordagens à produção de música, certos estudos têm dado ênfase à ideia do músico independente do século XXI ser visto como um empreendedor, ao desenvolver e colocar em prática uma série de papéis e competências para além da música (Scott, 2012; Haenfler, 2018; Haynes e Marshall, 2018; Oliveira, 2018; Everts e Haynes, 2021). Tal vem colocar em jogo uma palavra - empreendedorismo - que é olhada com suspeição por quem se dedica a uma atividade onde o retorno financeiro é relativamente secundário (sobretudo quando nos referimos à venda de fonogramas). Este empreendedorismo é encarado nestas esferas de produção DIY simultaneamente como uma ameaça e uma oportunidade para os músicos terem uma carreira sustentável, sem a necessidade de apoio das habituais estruturas de mediação. No entanto ele requer uma iniciativa e determinação que estava ausente dos modos de produção musical de pequena escala no passado (Haynes e Marshall, 2018). Há, por outro lado, uma preocupação dos músicos em demarcarem-se dessa conotação mais capitalista do termo, conciliando-o, ao invés, com a ética coletivista que atrás descrevemos:

Eu acho que também não devemos confundir o empreendedorismo no âmbito quase do empresário, aquela lógica do empresário que quer lucrar. A malta tende a ser empreendedora no sentido de construir um meio e sobretudo que valorize a sua atividade mais do que ir buscar dividendos com isto. Por exemplo, essa questão do LiberFolk,22 em que estivemos todos envolvidos, ninguém lucrou com isto, mas fez-se e com isto tenho a certeza que houve público que foi atraído e que virá numa eventual próxima vez. [Gaiteiro, mesa-redonda via zoom, 29/06/2022]

No entanto também constatamos que esta realidade recente dos músicos folk em autoedição, onde convergem e se intersetam o multitasking, o colectivismo e o empreendedorismo, nem sempre é algo que é visto de forma positiva pelos músicos, sendo também, em certos casos, uma imposição e uma inevitabilidade do meio onde atuam e que, por conseguinte, está em conflito com as suas expetativas de se dedicarem somente à música enquanto prática criativa e performática. O empreendedorismo surge ora como um constrangimento imposto pelo meio, ora como uma necessidade que garante autonomia ao mesmo tempo que interfere com a atividade criativa do músico:

É importante nós também estarmos cientes de que isto, hoje em dia, já não nos pedem só para tocar, já nos veem quase como figuras no sentido de desenvolver tudo. No outro dia ligaram-me de uma câmara, não vou dizer qual, e disseram: “ah e tal tens que organizar uma cena, não sei quê… chave na mão” … Chave na mão? Então, mas o que é que é isto chave na mão? Então mas tenho que tocar, tenho que estudar, tenho que aprender, mas depois tenho que contactar a equipa de som para fazer o som? Ou seja, esta coisa de sermos mais do que músicos está muito em cima da mesa e acho que temos que estar habilitados para o fazer. [Gaiteiro, mesa-redonda, 29/06/2022]

Sinto que tenho muitas frentes de trabalho que me tiram a capacidade criativa que deveria ser a parte mais importante, não é? A de, enquanto música, dedicar-me só a criar e a estudar o instrumento. Mas não, tenho que andar à procura de concertos, tenho que fazer a contabilidade da cooperativa, tenho que fazer ações de promoção e de divulgação tanto dos artistas, de concertos, como das edições que nós fazemos. Portanto a música fica muito relegada para nem sei para que plano, é lá mesmo para o último, para a última camada, o que não é de todo desejável. [Cantora, multi-instrumentista e editora, entrevista online via zoom, 28/09/2020]

Constatamos existir não tanto uma relutância em aceitar o termo empreendedorismo, pelas conotações capitalistas que assume, mas sobretudo em aderir de livre vontade ao mesmo, enquanto conjunto de práticas que extravasam a criação musical. O empreendedorismo será, por assim dizer, a outra face da autonomia que os modos de produção DIY proporcionam, sendo, por conseguinte, algo que os músicos em autoedição assumem com reservas, em função das diferentes circunstâncias com que se vão deparando.

Discussão dos resultados

A evolução que constatámos, num artigo anterior, na edição de música popular, de uma aposta maior em recolhas de temas tradicionais característica de editoras reconhecidas como a Tradisom, a Sons da Terra e a Xarabanda, para a edição de abordagens mais recriadoras e híbridas da música popular, acompanha a evolução nas práticas dos músicos, à medida que novas disposições vão emergindo entre músicos e editores (Nunes, 2022: no prelo). Cabe-nos aqui referir que estas disposições são permeadas pelo próprio habitus dos novos pequenos editores e músicos que constroem, ainda que com dificuldades várias, carreiras profissionais ou semiprofissionais. Fazem-no, não por intermédio de uma proximidade com as recolhas, mas por um trajeto que passa pelo cruzamento com outros géneros musicais, seja na aprendizagem da guitarra clássica, seja na relação com géneros musicais bem distantes. O crescimento do mercado da world music desde a década de 1990 veio favorecer essa fusão de estilos tradicionais com outros mais afetos à música popular de massas, sobretudo de origem anglo-saxónica (ainda que nos dias de hoje disseminada à escala global) (Haynes, 2005).23 Os músicos nesta amostra relacionam-se de diversas formas com a música popular de matriz rural ao longo do seu percurso, seja através da sua formação académica seja da sua experiência pessoal enquanto músicos. Contudo há igualmente uma educação musical formal e informal, que precede essa relação e que é integrada nos estilos que desenvolvem:

Fui desenvolvendo a minha paixão pelo metal, pelo rock’n roll e essa paixão levou-me, como é óbvio naquela idade, a comprar guitarras elétricas e tudo o mais e fiz uma banda na altura que era os Alumínio, que era uma banda de metal, de hard-rock, etc. […] Depois, mais tarde, também devido ao meu percurso académico e não só, porque eu licenciei-me em arqueologia pela Universidade Nova de Lisboa e fiz também lá uma pós-graduação em Idade Média, que é também uma paixão da minha vida paralelamente com a música, lá está, levou-me e transportou-me também para outros universos musicais, nomeadamente música antiga e música medieval, etc., e depois leva-me à música folk ou à música tradicional whatever. [Compositor, multi-instrumentista e produtor, entrevista via zoom, 17/03/2021]

Há uma expressão que nós usamos muito em arqueologia que é o interstício. Nós estávamos no interstício das pedras e a Marafona24 procurou precisamente esse interstício […] Nós temos influências do jazz, da música clássica, de rock, da música tradicional, temos influência dos cantautores e o que quisemos foi tentar fazer uma ponte em que nós não somos folk e quem é folk não nos reconhece como folk e nós também não nos consideramos folk, mas pessoas que não ouvem folk terem ali um meio caminho para começarem a ouvir folk e a verdade é que quando tocamos o público que não é conhecedor de folk sente-nos como uma banda folk… É mesmo o interstício como tu vês, portanto para o meio folk Marafona não é folk, para as pessoas que não conhecem o folk a Marafona é folk. [Cantor, compositor, letrista e multi-instrumentista, entrevista via zoom, 06/11/2021]

Estes percursos entre a educação formal e informal ajudam a explicar a predisposição nestes músicos para abordagens mais híbridas da música popular de matriz rural, que depois permanecem à margem do subcampo, sobretudo no que toca à edição. Serão habitus adquiridos, suscetíveis de gerar novas práticas musicais e, consequentemente, de edição de música, seja pela proliferação de pequenas editoras, seja sobretudo na opção pela autoedição (Nunes, 2022: no prelo). No caso particular da música popular de matriz rural, onde valores estéticos e artísticos tendem a predominar sobre os comerciais, estes músicos representarão o polo autónomo do subcampo, onde o desafiar das convenções estabelecidas, a independência face ao determinismo do mercado da indústria fonográfica e o reconhecimento pelos pares enquanto critério de acumulação do capital simbólico, se opõem ao polo heterónomo, representado por músicos mais comerciais. Por introduzirem essas abordagens híbridas e ortodoxas no género eles serão também os atores “heréticos” que Bourdieu refere na sua abordagem ao campo da literatura (1983). Ao subverterem as convenções dominantes estes músicos aumentam o risco de o seu trabalho não gerar recompensas financeiras suficientes que lhes permita aspirar a uma carreira sustentável. No entanto, tal permite-lhes a liberdade de escolha de alternativas menos convencionais que vão ao encontro dos seus valores estéticos (Becker, 1974).

Ora se é verdade que existem novos habitus geradores de disposições nestes músicos para se situarem nesse polo autónomo da produção de música popular, e consequentemente aderirem, por necessidade ou vontade pessoal, a modelos DIY que lhes garantam credibilidade e visibilidade sem grandes recompensas financeiras, não é menos verdade que essa adesão não é total nem incondicional. É isso que verificamos, quando confrontamos certos estudos recentes sobre a adesão de músicos a um ethos DIY com os depoimentos dos músicos que compreendem a nossa amostra. Esses estudos sustentam que quem participa neste processo de construção de uma carreira profissional e semiprofissional sustentável possui uma certa reflexividade, estabelecendo objetivos e definindo estratégias a partir dos recursos a que tem acesso e adaptando os objetivos partilhados por uma comunidade de DIYers à sua própria trajetória pessoal (Bennett, 2018; Threadgold, 2018). Nesta opção por carreiras DIY sustentáveis abdica-se conscientemente das expetativas de retorno financeiro em favor da adesão a um ethos e universo de valores que os músicos e outros agentes encaram positivamente. O empreendedorismo dos músicos, ao desdobrarem-se em várias atividades para além da música, acontece sem um capital económico à partida e sem que as outras formas de capital, relevantes neste polo autónomo (social, cultural e eventualmente simbólico), sejam convertidas num capital económico significativo, sobretudo no que toca à venda de fonogramas (Scott, 2012; Threadgold, 2018).

De acordo com Bennett (2018) o colapso do mercado laboral, a partir de 2008, levou os músicos jovens a optarem por carreiras DIY dentro da música, de uma forma diferente do que acontecia anteriormente, onde as motivações eram mais ideológicas, em oposição a um mainstream hegemónico. Para esta nova geração de músicos tal opção surge como uma necessidade face aos constrangimentos da indústria fonográfica, ao mesmo tempo que os níveis de profissionalismo e de empreendedorismo, necessários para a construção de carreiras sustentáveis, tornam ténue uma linha divisória entre esses modos de produção e os da dita indústria mainstream. Contudo, no caso dos músicos e editores recentes que compõem a nossa amostra, consideramos que a adesão a um ethos DIY, acompanhada de uma reflexividade que poderia sugerir estarmos diante de um espaço de atuação DIY bem estruturado e consolidado, não é por agora total e incondicional. Se estes músicos optam pela autoedição e se dedicam a outras funções que estão muito para lá da criação e performance musicais, também sucede que a adesão a práticas DIY de produção de música é marcada por alguma hesitação e até relutância em abraçar tal ethos a médio e longo prazo, tornando-o num modo de atuação definitivo e exclusivo. Alguns navegam entre a total autonomia no que toca à edição de música e o recurso ponderado e pontual a pequenas editoras, tirando partido das vantagens que estas oferecem ao nível da distribuição.

Alguns destes músicos não descartam a possibilidade de recorrer a parcerias com outras estruturas, seja dentro de uma lógica coletivista típica deste universo de produção em pequena escala, seja no âmbito mais alargado do campo da música quando recorrem a distribuidoras com créditos firmados. Tais parcerias permitem-lhes um foco maior no trabalho criativo em detrimento de um gasto maior de tempo em outras atividades relacionadas seja com a disseminação do seu trabalho, seja, a um nível mais geral, com a gestão da sua carreira. A adesão a modos de produção DIY, com a correspondente adoção de um ethos conforme com esse modo de produção, é visível ainda que não de forma completa. Estes músicos envolvem-se cada vez mais em várias atividades relacionadas com a produção de música ou recorrem a amigos e contactos informais, de acordo com as valências que possuem. Tal obriga-os a despenderem tempo em certas atividades quando preferiam focar-se apenas no trabalho criativo. Noutros casos não descartam a possibilidade de recorrer a uma editora, sobretudo para a distribuição, quando esta ainda lhes garante uma maior visibilidade no mercado.

Podemos explicar a hesitação atrás referida, em comparação com outros subcampos estudados, como o do punk, do rock alternativo e da música de dança eletrónica, pelo facto de estarmos perante um subcampo de música popular marcado ainda por uma certa ambivalência entre a adesão a modos DIY e o caráter mais institucional da música popular de matriz rural. O recurso a apoios públicos pontuais de organismos como a DGArtes e câmaras municipais ainda se mantém. Apesar de o investimento em práticas DIY ser importante, estes músicos não dependem exclusivamente delas para terem uma carreira sustentável dentro da música. Uma parte significativa refere os concertos e, dentro destes, os festivais e feiras, seja no âmbito da folk e da world music, seja no caso mais particular dos eventos de recriação histórica, bem como o ensino da música em escolas e associações, como garantes de um retorno que lhes permite uma carreira musical, na medida do possível, sustentável. A autoedição de música garante-lhes uma visibilidade importante, sendo o álbum cada vez mais um cartão de visita que lhes abre as portas para as atuações em feiras e festivais de música dentro do género, em Portugal e no estrangeiro. No entanto, essas feiras e festivais são eventos que mobilizam diversos meios e recursos, produzidos por câmaras municipais ou produtoras de concertos. Os músicos também dependem destas estruturas institucionais para aspirarem a uma carreira profissional sustentável.

Estamos a crer que não se verificou ainda uma consolidação de um universo de produção DIY à semelhança do que sucede com outros géneros e subcampos de produção musical amplamente estudados sobretudo em contexto anglo-saxónico. Sobre estes encontramos estudos que demonstram a sustentabilidade desses espaços de produção e das carreiras dentro do mesmo (cf. Threadgold, 2018). No caso da música popular de matriz rural em Portugal a tendência para a autoedição e a adesão a modelos DIY, onde o empreendedorismo se estende a várias atividades para além da edição, não é sustentável sem a participação no subcampo a um nível mais institucional. Podemos descrever estes músicos em autoedição, e os que criam editoras para editarem primeiramente o seu trabalho, como estando no interstício entre uma cultura DIY e um subcampo mais institucionalizado, onde os organismos estatais como a DGArtes, as câmaras municipais, as escolas de música e as produtoras de concertos e festivais ainda (nos dois primeiros casos) assumem um peso importante. Nos interstícios da tradição e da inovação, das abordagens DIY e do peso institucional de um subcampo mais abrangente, estes músicos vão construindo carreiras musicais profissionais ainda que não inteiramente estruturadas e nem sempre sustentáveis.

Referências bibliográficas

Anderson, Chris (2007), The Long Tail. How Endless Choice Is Creating Unlimited Demand, Londres, Random House. [ Links ]

Bartmanski, Dominik, e Ian Woodward (2020), Labels. Making Independent Music, Londres, Routledge. [ Links ]

Becker, Howard S. (1974), “Art as collective action”, American Sociological Review, 39 (6), pp. 767-776. [ Links ]

Becker, Howard S. (1982), Art Worlds, Berkeley, CA, University of California Press. [ Links ]

Bennett, Andy (2018), “Conceptualising the relationship between youth, music and DIY careers: a critical overview”, Cultural Sociology, 12 (2), pp. 140-155. [ Links ]

Bottero, Wendy, e Nick Crossley (2011), “Worlds, fields and networks: Becker, Bourdieu and the structures of social relations”, Cultural Sociology, 5 (1), pp. 99-119. [ Links ]

Bourdieu, Pierre (1983), “The field of cultural production, or: the economic world reversed”, Poetics, 12, pp. 311-356. [ Links ]

Bourdieu, Pierre (1997), “The forms of capital”, em A. H. Halsey (org.), Education. Culture, Economy and Society, Oxford Oxford University Press, pp. 241-258. [ Links ]

Bourdieu, Pierre, e Loïc Wacquant (1992), An Invitation to Reflexive Sociology, Chicago, The University of Chicago Press. [ Links ]

Castelo-Branco, Salwa (2008), “A categorização da música em Portugal: política, discursos, performance e investigação”, Etno-Folk - Revista Galega de Ethomusicoloxia, 12, pp. 13-29. [ Links ]

Castelo-Branco, Salwa (2010), “Música tradicional”, em Salwa Castelo-Branco (org.), Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, vol. 3, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 887-895. [ Links ]

Castelo-Branco, Salwa, e Rui Cidra (2010), “Música popular”, em Salwa Castelo-Branco (org.), Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, vol. 3, Lisboa, Círculo de Leitores , pp. 875-878. [ Links ]

Den Drijver, Robin, e Erik Hitters (2017), “The business of DIY: characteristics, motives and ideologies of micro-independent record labels”, Cadernos de Arte e Antropologia, 6 (1), pp. 17-35. [ Links ]

Everts, Rick, e Jo Haynes (2021), “Taking care of business: the routines and rationales of early-career musicians in the Dutch and British music industries”, International Journal of Cultural Studies, 24 (5), pp. 731-748. [ Links ]

Guerra, Paula (2013), A Instável Leveza do Rock. Génese, Dinâmica e Consolidação do Rock Alternativo em Portugal (1980-2010), Porto, Edições Afrontamento. [ Links ]

Guerra, Paula (2018), “Raw power: punk, DIY and underground cultures as spaces of resistance”, Cultural Sociology, 12 (2), pp. 241-259. [ Links ]

Haenfler, Ross (2018), “The entrepreneurial (straight) edge: how participation in DIY music cultures translates to work and careers”, Cultural Sociology, 12 (2) pp. 174-192. [ Links ]

Haynes, Jo (2005), “World music and the search for difference”, Ethnicities, 5 (3), pp. 365-385. [ Links ]

Haynes, Jo, e Lee Marshall ( 2018), “Reluctant entrepreneurs: musicians and entrepreneurship in the ‘new’ music industry”, British Journal of Sociology, 69 (2), pp. 459-482. [ Links ]

Hracs, Brian J. ( 2015), “Cultural intermediaries in the digital age: the case of independent musicians and managers in Toronto”, Regional Studies, 49 (3), pp. 461-475. [ Links ]

Jones, Ellis (2021), “DIY and popular music: mapping an ambivalent relationship across three historical case studies”, Popular Music and Society, 44 (1), pp. 60-78. [ Links ]

Middleton, Richard (1990), Studying Popular Music, Milton Keynes, Open University Press. [ Links ]

Moura, Luíz Alberto (2021), “(Anti)Tédio Boys: o papel das gravadoras indie na cartografia musical portuguesa: os casos de Coimbra, Porto, Guimarães e Leiria”, CSOnline - Revista Eletrônica de Ciências Sociais, 33, pp. 137-170. [ Links ]

Nunes, Pedro Belchior (2018), “Colectivismo, sinergias e valor artístico: o espaço das micro-editoras independentes em Portugal no século XXI”, El Oído Pensante, 6 (2), pp. 27-48. [ Links ]

Nunes, Pedro Belchior (2021), “O subcampo da música de dança electrónica em Portugal: estudo comparativo de três micro-editoras independentes”, Sociologia & Antropologia, 11 (2), pp. 573-597. [ Links ]

Nunes, Pedro Belchior (2022), “Entre tradição e criação: dinâmicas das pequenas editoras de música popular de matriz rural em Portugal no século XXI”, Revista Portuguesa de Musicologia, 9 (1). [ Links ]

Oliveira, Ana (2018), “Sons para lá do palco: estratégias para a gestão de carreiras DIY na cena musical independente portuguesa”, Todas as Artes - Revista Luso-Brasileira de Artes e Cultura, 1 (1), pp. 131-142. [ Links ]

Oliveira, Ana, e Paula Guerra, (2016), “ ‘I make the product’: do-it-yourself ethics in the construction of musical careers in the Portuguese alternative rock scene”, em Paula Guerra e Pedro Costa (orgs.), Redefining Art Worlds in the Late Modernity, Porto, FLUP, pp. 135-148. [ Links ]

Pestana, Maria do Rosário (coord.) (2015), Alentejo. Vozes e Estéticas em 1939/40. Edição Crítica dos Registos Sonoros Realizados por Armando Leça, Vila Verde, Tradisom. [ Links ]

Prior, Nick (2010), “The rise of the new amateurs: popular music, digital technology and the fate of cultural production”, em J. R. Hall, L. Grindstaff e M. Lo (orgs.), Handbook of Cultural Sociology, Londres, Routledge , pp 398-407. [ Links ]

Reitsamer, Rosa (2011), “The DIY careers of techno and drum ‘n’ bass DJs in Vienna”, Dancecult - Journal of Electronic Dance Music Culture, 3 (1), pp. 28-43. [ Links ]

Schmidt, Eric J. (2019), “Arid fidelity, reluctant capitalists: salvage, curation, and the circulation of Tuareg music on independent record labels”, Ethnomusicology Forum, 28 (3), pp. 260-282. [ Links ]

Scott, Michael (2012), “Cultural entrepreneurs, cultural entrepreneurship: music producers mobilising and converting Bourdieu’s alternative capitals”, Poetics, 40, pp. 237-255. [ Links ]

Soeiro de Carvalho, João (2010), “Gaita de foles”, em Salwa Castelo-Branco (org.), Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, vol. 2, Lisboa, Círculo de Leitores , pp. 553-555. [ Links ]

Strachan, Robert (2007), “Micro-independent record labels in the UK: discourse, DIY cultural production and the music industry”, European Journal of Cultural Studies, 10 (2), pp. 245-265. [ Links ]

Tarassi, Silvia (2018), “Multi-tasking and making a living from music: investigating music careers in the independent music scene of Milan”, Cultural Sociology, 12 (2), pp. 208-223. [ Links ]

Threadgold, Steven (2018), “Creativity, precarity and illusio: DIY cultures and ‘choosing poverty’ ”, Cultural Sociology, 12 (2), pp. 156-173. [ Links ]

Vasconcelos, João (2001), “Estéticas e políticas do folclore”, Análise Social, 158-159, pp. 399-433. [ Links ]

Weber, Max (2022 [1922]), Economia e Sociedade, Lisboa, Edições 70. [ Links ]

Wikstrom, Patrik (2013), The Music Industry. Music in the Cloud, Digital Media and Society, Cambridge, UK, Polity Press (2.ª edição). [ Links ]

1Uma visão mais otimista sobre os impactos destas novas condições sugere que a internet e os média digitais vieram oferecer oportunidades, sem precedentes, para os músicos alcançarem sucesso sem o suporte das grandes editoras, ao acederem a plataformas e lojas como o iTunes e beneficiarem da economia “de cauda longa” (long tail) que sustém um número infinito de produtos de nicho (Anderson, 2007;cf.: Haynes e Marshall, 2018).

2Distingue-se, pois, do termo popular music, categorização anglo-saxónica recorrentemente utilizada e reconhecida globalmente, para descrever a música popular de massas disseminada pelos média e apropriada à escala global e distinta de universos musicais como o da música erudita. Para uma discussão em torno do conceito de popular music ler e.o. Richard Middleton (1990), Studying Popular Music, Milton Keynes, Open University Press.

3Organismo do Ministério da Cultura da República Portuguesa com a missão de “coordenação e execução das políticas de apoio às artes em Portugal, com a prioridade de promover e qualificara criação artística, bem como garantir a universalidade da sua fruição” (em site oficial: https://www.dgartes.gov.pt/pt/).

4Originalmente Fundação Nacional para Alegria no Trabalho (FNAT), a Fundação INATEL, é hoje tutelada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, com o objetivo de desenvolver “atividades de valorização dos tempos livres nas áreas do turismo social, da cultura popular e do desporto amador, com profundas preocupações de humanismo e elevados padrões de qualidade.” (em site oficial: https://www.inatel.pt/).

5Para além destes apoios estatais os músicos dentro deste universo também beneficiam do apoio da GDA (Gestão de Direitos dos Artistas), organismo privado com estatuto de fundação que tem como missão “a gestão coletiva dos Direitos Conexos ao Direito de Autor dos Artistas, intérpretes ou executantes, onde se incluem atores, bailarinos e músicos, bem como os seus sucessores.” (em site oficial: https://www.gda.pt).

6Na única aproximação ao universo da música popular portuguesa de matriz rural enquanto campo social, Vasconcelos (2001) sustenta que o folclore se constitui como um campo social que integra, entre outros, elementos do rancho e os seus dirigentes, instituições reguladoras, patrocinadores, mercados turísticos e eventos como festivais e feiras, assim como fabricantes de instrumentos musicais e de trajes (Vasconcelos, 2001; Castelo-Branco, 2008).

7Estamos em concordância com o estudo de Vasconcelos (2001) sobre o folclorismo enquanto campo social. Embora possa haver sobreposição do subcampo da música popular com outros subcampos de produção musical, ele será distinto pelas características a que nos referimos anteriormente e ao longo deste artigo.

8No entanto quando se referem à música que fazem mostram relutância em categorizá-la de forma inequívoca. A seguinte resposta dada por um dos entrevistados é eloquente a este respeito: “música folk ou música tradicional whatever, acaba por estar tudo relacionado, não é?” [Compositor, multi-instrumentista e produtor, entrevista via zoom, 17/3/2021].

9Salvaguardamos que a definição oficial de música folk pelo International Council for Folk Music, publicada em 1955, contempla a música popular tradicional de matriz rural e também urbana, estando o foco da sua definição na sua evolução histórica e no papel das comunidades na sua recriação e transmissão: “Folk Music is the product of a musical tradition that has been evolvedthrough the process of oral transmission. The factors that shape the tradition are: (i) continuity which links the present with the past; (ii) variation which springs from the creative impulse of the individual or the group; and (iii) selection by the community which determines the form or forms in which the music survives. The term can be applied to music that has been evolved from rudimentary beginnings by a community uninfluenced by popular and art music and it can likewise be applied to music which has originated with an individual composer and has been subsequently absorbed into the unwritten living tradition of a community. The term does not cover composed popular music that has been taken over ready-made by a community and remains unchanged, for it is the re-fashioning and recreation of the music by the community that gives it its folk character (em Journal of the International Council for Folk Music,1955: 23, cf. Castelo-Branco, 2008: 28).

10O impacto subsequente das redes sociais, dos serviços de partilha de música peer-to-peer e das plataformas de streaming veio revolucionar a indústria fonográfica tornando obsoletos os modos de produção e distribuição dominantes no último terço do século XX. O impacto mais evidente foi o da quebra da circulação de fonogramas em formato físico, com as vendas mundiais em 2013 a baixarem para valores idênticos aos do início da década de 1970. Ver a este respeito: Patrick Wikstrom (2013),The Music Industry. Music in the Cloud, Cambridge, UK, Polity Press (2.ª edição).

11Projeto “EcoMusic — Práticas Sustentáveis: um estudo sobre o pós-folclorismo em Portugal no século XXI”, sob coordenação de Maria do Rosário Pestana, Instituto de Etnomusicologia —Centro de Estudos em Música e Dança, polo da Universidade de Aveiro, com financiamento plurianual pelo Programa Operacional Temático Competitividade e Inovação (POCI) e Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) (POCI-01-0145-FEDER-031782).

12“Autoedição e independência no subcampo da música popular: práticas, valores e novos desafios” mesa-redonda online, 29 de Junho de 2022, Instituto de Etnomusicologia — Centro de Estudos de Música e Dança, Nova-FCSH, Universidade Nova de Lisboa.

13Consultar a este respeito a entrada sobre “gaita-de-foles” na Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX: João Soeiro de Carvalho (2010), “Gaita de foles”, em Salwa Castelo-Branco (org.), Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, vol. 2, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 553-555.

14Maria do Rosário Pestana (coord) (2015), Alentejo. Vozes e Estéticas em 1939/40. Edição Crítica dos Registos Sonoros Realizados por Armando Leça, Vila Verde, Tradisom.

15Vários, Michel Giacometti (2010), filmografia completa de Michel Giacometti, 12 livros/10DVDs/3 CDs, Vila Verde, Tradisom.

16Entre variados exemplos, refira-se o projeto Albaluna (de Ruben Monteiro), Dazkarieh e OMIRI (de Vasco Ribeiro Casais), Retimbrar (de Rui Pinho Aires e Tiago Soares) e Fado Morse (de Hugo Correia).

17Na atualidade as majors (também conhecidas como as Big Four) são a EMI, a Sony Music Enter-tainment, a Universal Music Group e Warner Music Group.

18Agência de espetáculos especializada na área da world e folk.

19Managers de associação cultural e editora fonográfica.

20Projeto musical que funde música folk de raiz portuguesa com a música eletrónica, formado por Francisco Gedeão (n. Rui Pedro Aires), Alberto Baltazar (n. André Neto), Quim Ezequiel (n. João Cleto) e Simões (n. Mike Simões).

21Editora independente criada em 2005, sediada no Porto.

22Evento musical, organizado pela primeira vez em 2022 pela Associação Gaita de Foles, onde predominam as sonoridades de cariz e inspiração tradicional.

23Haynes sustenta que a categoria world music trouxe uma afirmação da diferença que passa tanto pela acessibilidade a abordagens mais autênticas de músicas locais como pela afirmação de abordagens híbridas entre estas e outros géneros que podem ser vistas como disruptivas masque adquirem presença no mercado: “it is apparent that the proliferation of difference throughcultural hybridization within world music is already by definition disruptive of the notion thatmusical affinity is tied to specific racialized identities, especially given that ethnically diversegroups consume world music.” (Haynes, 2005: 377).

24Quinteto acústico formado por Artur Serra (voz), Gonçalo Almeida (guitarra portuguesa, cavaquinho e campaniça), Daniel Sousa (viola clássica), Ian Carlo Mendonza (bateria), João Novais(contrabaixo) e Tiago Araújo (percussões).

Recebido: 12 de Janeiro de 2023; Aceito: 16 de Junho de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons