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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica v.14 n.1 Lisboa fev. 2010

 

Os caminhos do Benjamim[1]

Clara Saraiva

 

O percurso de Benjamim Enes Pereira, nascido a 25 de Dezembro de 1928 em Montedor, Carreço, Viana do Castelo, encontra-se intimamente ligado à afirmação da antropologia em Portugal, quer nos seus planos de autonomização quer na diversificação da disciplina.

O trabalho desenvolvido por Benjamim Pereira destaca-se pela importância dos estudos relativos à cultura material e, através destes, pelo profundo conhecimento sobre a sociedade portuguesa, que ajudou a cartografar de modo sistemático, revelando constantes estruturais, especificidades regionais e locais e modos de adaptação decorrentes do fim de um “tempo longo”. Aliado ao interesse pela cultura material, o contributo na esfera da actividade museológica revelou-se desde logo no âmbito da implementação do Museu de Etnologia e da constituição das colecções relativas ao universo português, mas também, a partir da década de 1980, na sua implicação em projectos expositivos e em projectos de requalificação de museus de âmbito local e regional.

Benjamim integrou em 1959, a convite de António Jorge Dias, o Centro de Estudos de Etnologia, criado como o primeiro pólo verdadeiramente dedicado à investigação antropológica em Portugal. Passou assim a fazer parte do grupo de excelência que, a partir dos finais da década de 1950, marcou decisivamente a etnografia portuguesa e a antropologia no país. Para tal muito contribuiu a criação, em 1962, do Centro de Estudos de Antropologia Cultural, na sequência da Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português, realizada entre 1957 e 1962, fazendo parte da Junta de Investigações do Ultramar. Primeiro sob a direcção de António Jorge Dias e depois, após a morte deste, com Ernesto Veiga de Oliveira, este grupo de investigadores – que além de Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira contava também com a colaboração de Margot Dias e de Fernando Galhano –, inserido nestas duas unidades de investigação científica, trabalhou no sentido da criação de um Museu de Etnologia que tivesse um carácter universalista, e em que os povos de África, Américas e Ásia figurassem lado a lado com as culturas europeias.

O Centro de Estudos de Etnologia daria assim conta das pesquisas e recolhas em Portugal, e o Centro de Estudos de Antropologia Cultural (cuja denominação mudou para Centro de Antropologia Cultural e Social em 1983, quando foi integrado, juntamente com o Museu de Etnologia, no Departamento de ­Ciências Etnológicas e Etno-Museológicas do Instituto de Investigação Científica Tropical) ocupar-se-ia das pesquisas fora do terreno português – com especial incidência nos trabalhos realizados em Moçambique por Margot e Jorge Dias e nas recolhas de Vítor Bandeira em África, nas Américas e na Ásia.

As recolhas realizadas no país por esta equipa, sobretudo na década de 1960 e início da de 70, permitiram constituir, a partir dos trabalhos e pesquisas dos dois centros de investigação, o embrião do Museu de Etnologia.

Entre 1963 e 1990, data em que se aposentou, Benjamim Pereira foi responsável pela concepção, execução e montagem de todas as exposições realizadas no Museu de Etnologia. Durante este período publicou inúmeros artigos e livros da especialidade, quer a título individual, quer em conjunto com os demais colaboradores do Centro de Estudos de Etnologia e do Centro de Antropologia Cultural e Social.

Uma das suas obras iniciais, à qual dedicou vários anos de pesquisa logo após a sua integração na equipa, e que foi, como costuma dizer, a sua “licenciatura em antropologia”, constituiu um marco importante no campo da etnografia portuguesa; em Bibliografia Analítica da Etnografia Portuguesa, editado em 1965 pelo Instituto de Alta Cultura, Benjamim passa em revista de uma forma sistemática os vários textos escritos no âmbito da etnografia portuguesa até ao início da década de 1960, catalogando-os por temática e fornecendo para cada um deles um resumo, anotações e comentários imprescindíveis para quem se debruce sobre tais matérias.

Entre 1990 e 2002 colaborou igualmente na montagem e concepção gráfica de exposições realizadas no mesmo museu. Foi também o responsável e executor da organização das reservas do Museu de Etnologia dedicadas ao mundo rural português, permitindo assim a sua abertura ao público sob a designação de “Galerias do Mundo Rural”.

Em 1981, mediante pareceres dos professores Maria de Lourdes Belchior, Vitorino Magalhães Godinho e António José Saraiva, é nomeado para desempenhar funções docentes no Núcleo de Disciplinas de Cultura Portuguesa do Instituto Português de Ensino à Distância, na categoria de professor auxiliar convidado.

O trabalho de Benjamim Enes Pereira em prol da divulgação da etnografia e da antropologia cultural como ciências sociais imprescindíveis e, sobretudo, da valorização da cultura portuguesa, tem continuado, mesmo após a sua saída do activo. Desde 1989, e até à presente data, Benjamim Pereira tem cooperado com a Rede Portuguesa de Museus na avaliação e consultoria a várias instituições e museus locais e regionais. Para além disso, tem também colaborado com várias instituições nacionais e internacionais, a nível museológico mas também de consultoria científica. Destaca-se nomeadamente o trabalho realizado em dezenas de instituições de carácter cultural, entre as quais museus e centros culturais locais e regionais nas mais variadas zonas do país e na Europa, dos quais se salientam os seguintes: Centro Cultural Raiano, em Idanha-a-Nova; Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, Castelo Branco; Museu Regional de Paredes de Coura, Viana do Castelo; Museu do Canteiro, Alcains, Castelo Branco; Museu Rural de Boticas; Museu da Terra e do Mar, Carrapateira, Aljezur; Núcleo Museológico de Santo Estêvão, Tavira; Núcleo Expositivo de Lagares da Beira; Museum fur Voelkerkunde, Hamburgo, Alemanha.

As últimas grandes realizações de Benjamim Pereira, o Museu da Luz, na aldeia da Luz, em Mourão, aberto ao público em 2003, e a nova galeria do Museu Abade de Baçal, inaugurada a 15 de Dezembro de 2006 em Bragança, bem como a colaboração na obra Uma Imagem da Nação: Traje à Vianesa (2009), constituem os testemunhos mais recentes da sua obra e mostram bem a actividade incansável que ele continua a exercer e a projecção do seu trabalho, quer a nível nacional quer internacional.

 

[1]      Texto apresentado por ocasião do iv Congresso da Associação Portuguesa de Antropologia (APA), Lisboa, 9-11 de Setembro de 2009.

 

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