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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.18 no.1 Lisboa fev. 2014

 

“No género de construções cafreais”: o hospital-palhota como projecto colonial

The hut-hospital as a colonial project

Cristiana Bastos*

*Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Portugal. Email: c.bastos@ics.ul.pt

 

RESUMO

Este artigo contribui para as discussões sobre mimetismos coloniais analisando alguns projectos de equipamentos de saúde propostos para Angola e Moçambique no século XX. Partindo de uma imagem de baixa resolução que retrata um modelo tridimensional de “hospital-senzala”, o artigo analisa o objecto representado, as circunstâncias políticas em que foi produzido, exibido, ignorado e patrimonializado, contextualizando-o na intenção trazer o hospital às populações indígenas através de uma imitação das suas estruturas habitacionais – tal como formularam alguns dos médicos coloniais dos anos 1920.

Palavras-chave: colonialismo, saúde, hospitais, África, medicina tropical.

 

ABSTRACT

This article addresses colonial hospitals in Angola and Mozambique in the context of the contemporary discussions on colonial mimesis. Starting with a low-resolution image of a 3D model for a “hut-hospital”, in which the colonial infirmaries mimic indigenous shelters, the author analyzes the model as an object and as an outcome of political and cultural circumstances in which the model was produced and showcased in the 1950s, the political background in which it developed and the rationale for adopting elements of African cultures in colonial medicine as formulated in the 1920s.

Keywords: colonialism, health, hospitals, Africa, tropical medicine.

 

Uma imagem pouco nítida

Neste artigo proponho contribuir para a discussão sobre mimetismos coloniais a partir de um objecto material: um modelo arquitectónico de hospital / enfermaria para “indígenas” em África.[1] O objecto está representado numa imagem que captei em condições precárias e amadoras num átrio do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, na rua da Junqueira, em Lisboa, há mais de uma década (figura 1).

 

 

Antes de prosseguir, uma pequena nota sobre o meta-objecto que é a imagem granulada e pouco nítida da figura 1. Resultado do meu encontro casual com um conjunto de vitrinas de exposição pertencentes ao Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), esta imagem ficou anotada / inscrita / encriptada num suporte de vídeo digital que era então inovador e rapidamente se tornou obsoleto. Fotogramas como este são agora artefactos arqueológicos com limitado poder de representação. Uma fraca figura, em suma, escolhida em detrimento de outras que, após as devidas formalidades e procedimentos, poderiam ter sido feitas com mais perícia, arte, equipamento e profissionalismo.

A escolha é porém propositada, já que o fotograma evoca um tempo de maior opacidade na abordagem aos assuntos coloniais e remonta a um momento de transições simultâneas nos planos técnico, científico e político. Tal como este objecto se encontrava na penumbra de uns espaços de passagem mal iluminados e fora do primeiro plano de auto-apresentação do IHMT, também o legado desta instituição estava numa zona de penumbra, fora do campo de interesses dos investigadores. Em paralelo, enquanto se transformavam e massificavam as tecnologias de imagem digital, também se transformavam as possibilidades de representação, estudo e análise do legado colonial português, da sua assistência médica, das suas tecnologias de governação, dos seus objectos e parafernália.

Um objecto e muitas questões

Passemos do meta-objecto que é esta imagem para o objecto material que representa – uma maquete ou modelo de equipamento sanitário para África, insólito no que tem de imitação das cubatas e palhotas que se presume representarem a habitação africana, e familiar no que traz incrustado de marcas de governação colonial. Um objecto como este suscita muitas perguntas: quem o fez, com que materiais, em que condições, sob que constrangimentos políticos, quem o encomendou, quem pagou, quanto, quando, onde, com que finalidade, como chegou até ali, para onde poderá ir seguidamente, em que condições foi exposto, visualizado, fotografado, mencionado, pensado, utilizado, que significados foi adquirindo ao longo da sua vida de objecto?

Todas estas questões são interessantes para a antropologia, que há anos tem vindo a dar uma atenção renovada a objectos, coisas, materialidades (e. g., Appadurai 1986; Kopytoff 1986; N. Porto 2007; Miller 2008). Distanciando-se dos procedimentos descritivos e classificatórios com que os estudos de cultura material tradicionalmente tratavam as variantes de instrumentos, adornos ou habitações, a nova “objectologia” propõe-se fazer biografias de objectos, analisando as suas trajectórias, os contextos relacionais dos seus usos, seus significados e ressignificações, ou, como no muito citado título de Appadurai (1986), “a vida social das coisas”. Este interesse é partilhado pelos estudos sociais da ciência, em que a análise da materialidade dos processos científicos e a atenção aos seus actores não humanos levou a abrir novos caminhos de interpretação, ampliar o horizonte da disciplina e criar pontes entre as tendências de pendor epistemológico, focadas nas modalidades de conhecimento, e as de pendor social, que analisam a concretude dos processos da sua produção e as circunstâncias do seu uso (Knorr-Cetina e Mulkay 1983; Callon, Law e Rip 1986; Latour 1987; Jasanoff et al. 1995; Hackett et al. 2007).

Podemos tentar desenhar a biografia deste objecto do presente para o passado, começando pelo contexto em que se encontra: o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), uma instituição que materializa as continuidades entre uma era em que a medicina tropical era sobretudo colonial, orientada para a assistência em África e orquestrada a partir de capitais europeias como Lisboa, à semelhança de Paris, Londres, Bruxelas, Amesterdão, e um tempo em que a medicina tropical se orienta para a cooperação e assistência internacional, muitas vezes nos mesmos exactos lugares das antigas colónias e sobre os mesmos equipamentos de saúde.[2]

Fundado em 1902 com instalações num torreão da Cordoaria Nacional, à Junqueira, em Lisboa, o então Instituto de Medicina Tropical foi transferido na década de 1950 para o edifício modernista e monumental que o alberga até hoje. À entrada do recinto os visitantes são saudados por um poderoso símbolo, também ele de significações reconfiguradas: uma estátua de Garcia de Orta, tradicionalmente apresentado como um sábio, médico e botânico português do século XVI que foi autor do Colóquio dos Simples e contribuiu para o Renascimento europeu com conhecimento novo sobre as plantas medicinais da Índia, e hoje descrito como mediador cultural em circulação pelo mundo, judeu ibérico resistente à Inquisição, tradutor, intérprete e mesmo manipulador do potencial farmacêutico e comercial da botânica asiática (e.g. Pearson 1996; Grove 1996; T. Carvalho 2008; Loureiro 2008; Syed e Swaminathan 2009; Tharakan e Siqueira 2009).

Por todo o edifício do IHMT se inscreve a história da medicina tropical. Alberga um grande número de projectos de investigação, é lugar de referência na disseminação de conhecimento, de prestação de cuidados específicos ­relacionados com esta especialidade médica, como a consulta do viajante e certas vacinas, e também repositório de memórias, documentos e testemunhos materiais de um passado não muito longínquo em que a assistência estava subordinada à administração colonial. Neste se incluem as maquetes como a da figura 1, que ocupou posições de diferente visibilidade.[3]

Se hoje esta e outras peças do espólio do Instituto estão expostas em lugar visível e integram mostras de interesse público, à data da captação da imagem da qual partimos estava ainda por estabilizar uma narrativa institucional dando conta das continuidades e quebras entre a época colonial e a época da cooperação e assistência; estava-se na zona de penumbra que evoca, alargada à própria história da medicina colonial portuguesa. Quando me iniciei no seu estudo, em finais de 90, deparei-me com um universo de ambivalências e contradições no qual era difícil abrir caminho ou inserir-me na literatura sobre assistência ultramarina já existente, laudatória como se impunha até meados da década de 1970, mas que deles extravasou, quase sempre na conjugação imperial de “nós” e “nossos”, projectada no passado e auto-isolada na declinação do seu excepcionalismo. Em nada se tangenciava a literatura internacional que entretanto abrira novos caminhos de análise e reflexão sobre a medicina e a experiência colonial (e.g. Arnold 1988; McLeod e Lewis 1988; Arnold 1993; Stoler 1995, 2002). Por sua vez, esta literatura era predominantemente anglófona e tinha as suas referências históricas e ­culturais na esfera de ­influência britânica (ou holandesa, no caso de Stoler), tornando difícil o enquadramento e leitura das situações ligadas à experiência colonial portuguesa. Pouco ou nada existia de análise crítica da medicina colonial portuguesa, e só nos anos 2000, na mesma razão em que se desenvolveu o interesse da antropologia pelos fenómenos coloniais portugueses (e.g. Bastos, Almeida e Feldman-Bianco 2002; Thomaz 2002; C. Carvalho e Pina-Cabral 2004; Castelo 2007; N. Porto 2009, Havik, Saraiva e Tavim 2010), se desenvolveu também um conjunto de trabalhos sobre a respectiva medicina colonial (­Amaral 2012; ­Bastos 2001, 2002, 2004, 2005, 2007a, 2007b, 2009, 2010, 2012; Ribeiro 2012; A. Roque 2001; R. Roque 2004; Saavedra 2004; ­Rodrigues 2007; Havik 2013, ­Zamparoni 2012). Muito está ainda por mapear – e um dos caminhos possíveis para melhor conhecer a materialidade, significados e práticas da assistência médica no período colonial consiste em estudar os equipamentos hospitalares usados nesse período. Na sequência do que desenvolvi para Goa (Bastos 2010, 2012), proponho aqui uma incursão preliminar aos equipamentos africanos, que lentamente se constituem em tema de interesse para vários investigadores (Duarte, Dória e Marto 2012; Milheiro 2012; A. Roque 2012).

Leituras do objecto

O modelo em questão é um importante instrumento para melhor conhecer as modalidades de exercício do biopoder no colonialismo português do século XX. Impõe-se perguntar, também, algo que transcende o objecto e se reporta às edificações que idealiza e representa: como foi idealizado este tipo de construção, em que contexto, com que inspirações e propósitos, quantas concretizações teve, onde, a que adaptações foram sujeitas, que imagens existem da sua edificação, que restos, traços, ruínas ou reconstruções persistem até hoje, que práticas de assistência, encontro e desencontro tiveram lugar nestes edifícios, onde, e quando; que continham as memórias descritivas e as justificações que geralmente acompanham os modelos arquitectónicos? Seriam parte de um programa de construções para assistência médica repetidas por todos os espaços coloniais portugueses? Haveria muitos exemplos destes em África? Seriam uma adaptação africana de um protocolo de assistência então em voga? Seriam um “momento do império”, contrastante com outros em que sobressaíam os hospitais de grande porte?

Antes de prosseguir com estas questões, olhemos uma vez mais para o nosso modelo. A um tempo insólito e reconhecível, fora do comum mas com as marcas típicas do projecto colonial, este objecto configura encontros coloniais e paracoloniais, missões, colónias rurais, assentamentos. Contém as tensões do colonialismo em geral, nos seus modos de hibridismo, pastiche, colagem; as tensões particulares de uma projecção de utopia inscrita num dispositivo prático, de estética futurista num tempo deslocado; de simulacro e imitação assumida que incorpora, estetiza e idealiza as edificações locais, mantendo a sua forma e aspecto, sanitizados os materiais de construção, ordenada a sua disposição no terreno.

Dele sobressai a incorporação de elementos locais, “nativos”, “indígenas”, numa imitação imperfeita, ou, para repetir uma vez mais a fórmula atribuída a Bhabha (1984), um almost, but not quite. Neste caso, uma inversão daquilo que nas fontes coloniais aparece como objecto máximo do desdém: a sempre imperfeita, incompleta, inadequada e deslocada imitação de gestos, roupas, aspirações e atitudes europeias por africanos. Aqui, neste pequeno modelo de hospital, eram os africanos os imitados e os portugueses os imitadores. Fanon às avessas: pele branca, máscaras negras. Também aqui perpassa a dissonância contida na fórmula do almost, but not quite, de fora do lugar, de imitação incompleta, de pegadas à vista – pedindo interpretação, alimentando a especulação.

Estamos portanto em presença da incorporação propositada de formas ditas indígenas na arquitectura de um equipamento colonial, uma “africanização”, obviamente forçada, de um hospital de assistência europeia para africanos. Resta saber a que se deve este “mimetismo colonial”. Acto estético, movido a sensibilidade cultural? Uso pragmático de formas locais para fins governativos? Pantomima materializada, simulacro generalizado a la Baudrillard (1981), hiper-realidade que oculta o quanto o poder colonial no século XX tem de simulacro e fragilidade?

Mais que especular sobre a lógica das formas, impõe-se averiguar em que medida estas construções eram um tipo recorrente no império português; ou, de um modo mais geral, perceber em que medida a incorporação de costumes, formas e materialidades locais é estruturante da governação colonial, e em que circunstâncias aqueles se tornam visíveis, úteis, apoiados, como inscrições assumidas do poder.

Leituras superficiais enformadas numa ideologia que se sustentou oficialmente em Portugal até aos anos 70, e perdurou para além disso, veriam nestas formas um exemplo da apregoada maleabilidade dos portugueses, que supostamente integravam melhor que os outros colonizadores as culturas indígenas e, também melhor que os outros, se integravam nas culturas locais (Freyre 1961). Trata-se de uma ideologia sedimentada à custa de repetição e falta de verificação ou estudos comparados, entranhada no senso comum de muitos portugueses, brasileiros e outros lusófonos, promovida conscientemente no período tardio do colonialismo português, sustentada numa produção doutrinária com pretensões de teoria: o luso-tropicalismo, ou a crença em que os portugueses teriam protagonizado encontros coloniais mais interactivos que os outros colonizadores europeus (Bastos 1998). Mais afáveis que holandeses, ingleses e franceses para com os povos que iam encontrando pelo mundo, os portugueses teriam feito um modo de vida original, adoptando os seus costumes e incorporando-os na sua cultura.[4]

Como veremos mais abaixo, a nossa perspectiva é muito diferente: este modo de promover construções hospitalares não revela um programa generalizado de “fusão” de colonizadores e colonizados, por via mimética, enquanto dispositivo de governação. Pelo contrário, como veremos, é uma modalidade disponível num amplo conjunto de outras formas, hierarquizadas do mais grandioso ao mais precário – hierarquização essa que nos ajudará a alcançar a lógica destas edificações.

Uma diversidade de formas: dos hospitais-palácio às enfermarias-senzala

Para sair da órbita do luso-tropicalismo há que enfrentar o arquivo colonial e averiguar numa base empírica em que medida estas construções existiram como programa, projecto e edificações no terreno. Percorrendo as fontes, encontramos formas muito diferentes de conceber e construir os hospitais, quer nas colónias quer no território nacional. Este modelo de parque com unidades de internamento que se apresentam enquanto réplicas da habitação indígena, ou pelo menos do modo como a habitação indígena era percebida pelas autoridades sanitárias coloniais, está nos antípodas do estilo grandioso que predominava entre as antigas instituições de assistência no império português, desde o icónico hospital renascentista de Todos-os-Santos, na capital do reino (Matoso 2011), ao lendário Hospital Real de Goa (Bastos 2010), sem esquecer as Misericórdias também de Goa, do Rio de Janeiro (A. Porto et al. 2008) e da Baía (Souza e Barreto 2011). Entre construções planeadas de raiz e adaptações de palácios e conventos destinadas a acomodar serviços hospitalares, tudo se queria grande, vistoso, opulento, trazendo como marca distintiva a exibição, pela grandeza, de um poder pretensamente absoluto – fosse em Lisboa, na província ou nas colónias, do Renascimento ao século XX; e o plano eternamente adiado de construir um grande hospital de Todos-os-Santos em Lisboa no século XXI parece confirmar que o passado regressa enquanto farsa.

Como interpretar, então, este modelo de hospital, que em vez da tradicional monumentalidade recorre a formas pouco convencionais de afirmar o poder – que passam, pelo menos no formato, por afirmar similitude, proximidade, quiçá imitação, de algumas componentes da cultura local? Numa primeira fase de análise propus um modelo de leitura que contrastava dois momentos do império com diferentes lógicas de edificação de estruturas de assistência: um momento mais antigo, em que se promoviam os hospitais-palácio e os hospitais-fortaleza, grandes e imponentes, servindo os enclaves brancos e privilegiando os já privilegiados; este momento corresponderia à época moderna e período barroco, imitando-se nas colónias o que se fazia em Lisboa, ou mesmo excedendo-o, como aconteceu com o Hospital Real de Goa e algumas edificações no Brasil. O segundo momento, mais tardio, corresponderia a um esforço de atrair as populações locais recorrendo a alguns engodos – entre os quais o da imitação de algumas das suas práticas e materialidades. Daí o tipo de edificação do hospital, imitando as cubatas e palhotas. Seria este o exemplo máximo da mimese colonial enquanto processo adoptado pelo colonizador, tomando este para si o modo de imperfeito simulacro e artefacto dissonante, o ubíquo almost, but not quite com que a literatura descreve a imitação por parte dos colonizados? E o que explicaria a existência de dois modelos tão diversos?

A vocação disciplinar compeliu-me a moderar a especulação interpretativa e mantê-la apenas enquanto inspiração para formular perguntas à realidade. E assim fui em busca de vestígios, traços, reflexos, teorizações, interpretações, imagens, narrativas relativas a estas construções. Durante muito tempo procurei encontrar edificações correspondentes a este modelo; procurei-as em Angola e em Moçambique, no terreno e nos registos, em fotos e outros apoios de memória. Encontrei testemunhos indirectos, referências vagas, mas nunca os vi, inteiros ou em ruínas; e as fotografias escasseavam. Durante muito tempo não consegui apurar se o modelo representado no fotograma correspondia a uma edificação no terreno ou era apenas um plano que existia enquanto intenção, desejo, formulação que não chegara a alcançar o poder político ou, se o chegara, não tivera ocasião de se efectivar. A escassez de dados levava-me a crer que este não teria sido um modelo programático, uma bandeira de colonização, uma marca de regime. A sê-lo, deveriam existir mais evidências, mais literatura, propaganda, testemunhos materiais, marcas na paisagem – como aconteceu com as típicas escolas primárias de Salazar ou, no Brasil, com os CIEP (“brizolões”), ambos inscrevendo na paisagem rural ou urbana um programa político educativo sob uma forma arquitectónica comum.

Perante tanta escassez, foi com entusiasmo que deparei com fotografias contemporâneas do hospital do Gilé, em Nampula (norte de Moçambique), que em tudo pareciam a actualização realista e a cores do modelo que tinha encontrado no IHMT (ver figura 2). As fotos provinham do blogue “Beijo-da-mulata” (nome de flor local), usado por uma jovem médica portuguesa para reportar as suas experiências na frente de saúde no interior de Moçambique.[5]

 

 

Contactei a autora das fotos e do blogue indagando-a sobre as narrativas locais a respeito daquelas construções – quando teriam sido feitas, como eram interpretadas, apreciadas, por quem, em que ocasiões, que histórias eram ­contadas – com alguma esperança de encontrar dados para a datação de uma das realizações daquilo que poderia ter sido o programa dos hospitais-palhota que conhecia apenas do modelo encontrado no IHMT. Mas não: o que se dizia sobre aquelas casas era que tinham sido um conjunto habitacional originalmente feito para alojar os trabalhadores de uma dada empresa, depois adaptadas para hospital.

Perante esta informação, naturalmente reconfigurei a minha proposta interpretativa. Constatava que se tratava de uma “reciclagem” de edificados, tal como acontecera em Lisboa e em Goa com os edifícios devolutos dos conventos de ordens extintas, entretanto convertidos em hospitais, processo que ocorreu em Portugal e na Índia nos séculos XVIII e XIX (Bastos 2010, 2012). Uma reciclagem mais sustentável e eficiente do que as complexas adaptações de grandes palácios a hospitais. Segundo a médica do Gilé, as enfermarias assim recicladas tinham a vantagem de proporcionar internamentos diferenciados por tipo de doença, evitando as contaminações entre pacientes.[6] Por outro lado, constatava-se também que as palhotas de cimento eram usadas não só nos parques sanitários mas também noutras situações, como no alojamento de trabalhadores em empresas. Tinha observado algo semelhante num parque agrícola angolano agora em ruínas – com cubatas de imitação, circulares, feitas de cimento e com tectos de chapa metálica ondulada, em cujo interior a temperatura se elevava brutalmente, acentuando o carácter dissonante e paradoxal daquelas tentativas de imitação da “habitação indígena”.

Mas nenhuma interpretação é definitiva. Segundo um estudo de arquitectura sanitária colonial em curso, este equipamento poderá ter sido origi­nal­mente edificado enquanto posto de saúde, mais tarde convertido em alojamento de trabalhadores, e finalmente reconvertido em hospital. Mais pesquisa será necessária para podermos fixar a narrativa sustentadamente. Ou não: talvez baste reconhecer que estamos perante um tipo de edificação com uma ampla possibilidade de reciclagem e reconversão, que alguns destes pequenos edifícios, palhotas de imitação, enfermarias em miniatura, casas de trabalhadores, são diferentes coisas em diferentes momentos, vão sendo diferentes coisas consoante os usos, e está no seu devir a possibilidade de se converterem e acomodarem outras versões.[7]

Dados para uma biografia do objecto

Regressemos portanto ao modelo. Há algo de incongruente quando comparamos a sua existência perfeita de objecto bem acabado, guardado numa vitrina, sobrevivente de décadas, e a quase ausência de rastos e traços das edificações que supostamente antecede. A dissonância cognitiva desta contradição ultrapassa-se quando descobrimos que, ao contrário do que pode parecer, e me pareceu durante anos, esta “maquete” não o é propriamente, ou seja: não se trata de um modelo em miniatura feito em antecipação da construção de um edifício. Assim tinha presumido quando, na obscuridade das condições de captação, na falta de legendagem e sobretudo na ausência de estudos, deparei com o modelo pela primeira vez.

Estava errada. Este objecto não foi feito para orientar arquitectos ou angariar fundos para a construção: foi feito para uma mostra, uma exposição celebrativa e um momento de viragem na política colonial portuguesa – a “Exposição Documental das Actividades Sanitárias do Ultramar”, organizada no âmbito do Congresso Nacional de Medicina Tropical e comemorativa dos cinquentenários do Instituto de Medicina Tropical e do Hospital do Ultramar, anteriormente conhecido como Hospital Colonial. A mostra teve lugar no Palácio Nacional da Junqueira, também conhecido por Palácio Burnay, vizinho do Instituto de Medicina Tropical, em 1952.[8]

Esta exposição ocorreu num momento de viragem, quando o império estava a ser transformado em “Ultramar”, a lógica de dominação a ser revista, a propaganda colonial a ser redesenhada, e as colónias foram renomeadas “províncias ultramarinas”. Tratou-se de uma autocelebração para consumo interno num momento de reconfiguração política, quando os nacionalismos africanos começavam a fazer-se sentir e os impérios europeus se repensavam – desenhando os termos da sua cessação ou metamorfose neocolonial, ou ainda – como aconteceu em Portugal – inventando ideologias e práticas para se prolongarem. A maquete era, portanto, um objecto de celebração, quiçá uma aposta em originalidades que se tornariam o credo da doutrina do excepcionalismo português e do luso-tropicalismo, desenvolvido nos anos 1950 e oficializado na década seguinte. Foi apresentada juntamente com várias outras, representando tipos diferentes de equipamento de saúde. À variedade de tipos estava subjacente uma hierarquização que, como veremos adiante, nos ajudará a situar e decifrar a forma e razão de ser deste preciso equipamento sanitário.

Uma “sala jubilar” era dedicada ao cinquentenário do Instituto de Medicina Tropical (IMT), plena de gráficos de evolução, desenvolvimento, missões, quadros relativos ao ensino, trabalhos publicados pelos seus professores, missões de estudo de endemias tropicais no Ultramar, fotografias de missões relativas à lepra na Guiné, da Escola das Missões Católicas, um mapa dos “médicos do Ultramar no Mundo Português” e, talvez o ponto alto, a maquete do novo edifício do Instituto, construído a umas centenas de metros do Palácio Burnay. Mais gráficos sobre patologias tropicais e fotografias de missões científicas ou de assistência compunham a galeria de actividades do então IMT.

Uma outra sala era dedicada ao Hospital do Ultramar, também cinquentenário, porque descendente directo do Hospital Colonial de Lisboa, criado em 1902. O Hospital do Ultramar, que a partir de 1974 foi renomeado Hospital Egas Moniz, estava prestes a ser alojado num portentoso e moderno edifício, também na Junqueira, cuja primeira pedra foi lançada em 1951.

Toda uma sequência de salas era dedicada às colónias: duas para Angola, uma para Moçambique, uma para o conjunto Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, outra para o conjunto Índia, Macau e Timor. Completavam a exposição a Estufa do Jardim Tropical, com plantas, e uma sala para as empresas privadas de Angola, com a Diamang em maior destaque.

Nas salas das colónias estavam expostos gráficos, fotografias, painéis alegóricos, motivos etnográficos. Várias das fotografias das salas de Angola eram dedicadas às instalações de assistência médica: Hospital Regional de Sá da Bandeira – Pavilhão dos Europeus; Hospital Indígena de Quibala, Serviços de Saúde de Angola; Hospital Indígena de São Salvador; Hospital Indígena de Caridade de Luanda; Sanzala-Enfermaria do Posto Sanitário (Masseca); Dispensário Municipal Polivalente (Luanda); Pavilhão de Radiologia (Benguela); Dispensário Polivalente (Sá da Bandeira) e Dispensário Polivalente (Benguela); Hospital Indígena no Lobito; Posto Sanitário (Negage); Sanzala-Enfermaria (Vila Salazar); e Hospital Regional de Malange.

A sala de Moçambique tinha, além dos gráficos e fotografias, algo muito particular, que nenhuma das outras tinha, algo que nos remete directamente para o objecto da figura 1: uma série de dez maquetes relativas a várias construções de assistência sanitária. Representavam o pavilhão de isolamento do HCM; o Hospital Central Miguel Bombarda; uma maternidade de tipo “GUC” (Gabinete de Urbanização Colonial); a Formação Sanitária do Maputo; a Maternidade de Marracuene; o Hospital de Moçambique; o Hospital do Bilene; o Hospital de Bolama; o Hospital de Zobué; e a sede da Missão de Combate à Tripanossomíase. Note-se que o Hospital de Moçambique, de grandiosas dimensões, refere o edifício da Ilha de Moçambique, no norte, onde no século XIX se situava a capital. Em Lourenço Marques (hoje Maputo), capital de Moçambique no século XX, existia outro grande hospital, edificado no século passado, com o nome de Hospital Central de Miguel Bombarda.

Os modelos são todos referentes a Moçambique. Para a sua biografia de objectos constará que aí foram produzidos, enviados por barco para Lisboa, onde foram expostos, visitados, comentados, e, nalgum momento depois da exposição, foram fisicamente transferidos para o actual edifício do Instituto de Medicina Tropical. Alguns deles foram restaurados, e estão hoje criadas as condições para serem mais conhecidos e para servirem como fonte de conhecimento sobre a sociedade que os produziu (ver Duarte, Dória e Marto 2012).

A lógica por detrás do objecto: a legislação sobre assistência, as práticas De imitação e as aldeias-enfermaria

Estando já clarificados alguns elementos da biografia do objecto e das edificações a que se reporta, situado numa hierarquia de modelos de assistência, faltava ainda encontrar dados sobre os procedimentos relativos à sua contrapartida edificada e à lógica e ideário que os concebeu. Uma peça central neste processo é o Gabinete de Urbanização Colonial (GUC), criado pelo decreto-lei n.º 34.173, de 6 de Dezembro de 1944, destinado a melhorar a qualidade das construções nas colónias africanas. O diploma faz referência a uma recente exposição “na capital do Império” em que tinham ficado patentes as vantagens da colaboração entre engenheiros e arquitectos.[9] Futuras construções, incluindo os hospitais, ficariam sob a supervisão do GUC – o mesmo que está referido em pelo menos uma das maquetes de Moçambique expostas na Junqueira em 1952.

Segue-se a completa reorganização do serviços de saúde do “Império Colonial Português”, tal como é referido no decreto n.º 34.417, de 21 de Fevereiro de 1945, assinado pelo Presidente da República, Óscar Carmona, pelo Presidente do Conselho, António Salazar, e pelo Ministro das Colónias, Marcelo Caetano. O diploma refere a importância da acção sanitária no Ultramar como prioridade do governo, invoca a sua importância histórica, menciona os ícones de estimação da medicina em Goa – o Hospital Real e a Escola Médico-Cirúrgica – e argumenta que se impõe a existência de um diploma comum, deixando todavia alguma flexibilidade para a governação local de cada colónia.[10]

O decreto assume-se como instrumento de biopoder colonial: nota que os objectivos são primeiramente “amparar, defender e aumentar a população indígena”, lembrando que só ela pode extrair as riquezas de que a humanidade tanto precisa; em segundo lugar, almeja “facilitar a adaptação dos brancos nas regiões tropicais”. Para o efeito constitui-se uma rede sanitária geral para cada colónia, com hospitais centrais, hospitais regionais, centros de saúde e postos fixos. Há que desenvolver uma justificação para a existência de sistemas paralelos e combinados, sublinhando que não se trataria de um sistema racializado puro, opondo europeus e africanos, ou brancos e pretos. Embora se diga que “nos hospitais coloniais é mester separar as instalações para europeus e assimilados das destinadas aos indígenas”, logo se afirma que não é por preconceito racial, como prova o facto de os nativos assimilados terem lugar junto dos europeus; a justificação aproxima-se do que hoje se chamaria sensibilidade cultural, “para atender às diferenças de mentalidade e hábitos”, onde por vezes apartheid e multiculturalismo se tornam indistinguíveis. A justificação é que “os indígenas só se sentem à vontade, e até moralmente confortados, quando não lhes falte certo ambiente a que estão acostumados”.[11]

E assim se avança com a ideia de, em vez de internar os africanos “não assimilados” em enfermarias hospitalares semelhantes às dos europeus, criar para eles uns equipamentos especiais, permitindo o alojamento da família, imitando as suas habitações. Uma situação de fusão, aparentemente, combinando o que é tomado como costume indígena e o que é explicitamente o propósito colonial. Mas esta é uma fusão controlada: estipula-se que “as casas devem ser construídas segundo o tipo indígena, mas melhorado quanto aos materiais, à capacidade, à orientação, protecção contra os raios solares, conforto e higiene, etc., de modo que sirvam de modelo para a evolução dele”.[12]

Na rubrica de assistência aos indígenas (artigo 61.º) esta argumentação é retomada, indicando-se que a assistência deve ser prestada “com a maior ­tolerância pela sua mentalidade, usos e costumes” e que, na sua “missão ­civilizadora”, o médico deverá “combater, com energia mas sem violência, as práticas supersticiosas e de feitiçaria que atentem contra a saúde e robustez dos indígenas ou contribuam para o definhamento das suas raças”. Como ­complemento (artigo 62.º), decreta-se a construção de “aldeias-albergarias” nas imediações dos hospitais, para os doentes externos, que poderão beneficiar de tratamento e alimentação sem todavia estarem internados.[13]

Temos, portanto, no ano de 1945, a adopção programática e toda uma hierarquia de equipamentos hospitalares, sublinhando-se que naqueles destinados a indígenas deveriam ser utilizados elementos da sua cultura. Por outras palavras, era recomendável imitar as suas casas e construções, desde que adoptando materiais mais higiénicos; assim se chegaria a atraí-los à assistência médica. É o mimetismo colonial em acção, explicitado pela tríade Carmona-Salazar-Caetano.

A argumentação do legislador não foi criada ex-nihilo; há algum tempo vinha a ser pensada. Em algumas ocasiões, a experiência de hospitais-palhota já tinha materialidade – não porque tivesse sido criada em diploma, mas por contingências e circunstâncias locais. Na mais periférica das colónias africanas, a Guiné, existia a figura das “tabancas-enfermarias”.[14]

As “tabancas-enfermarias” aparecem oficialmente referidas na publicação Assistência aos Indígenas da Colónia da Guiné, de 1933, juntamente com o “fundo de assistência médica indígena” – dispositivos criados pelo diploma legislativo n.º 728, de 18 de Dezembro de 1932. A sua razão de ser era fomentar as mutualidades como pilar de previdência social, tanto no campo da saúde como noutras esferas de actividade, à semelhança de medidas adoptadas com sucesso em Angola e Moçambique.[15]

Já aqui se avançava com o argumento de conquistar os africanos e combater a sua elevada mortalidade usando tecnologias de aproximação e imitação parcial dos seus costumes: “é sabido que o nativo africano, refractário à nossa forma de assistência médica, a não procura”; mais se explicita que “os nossos processos normais de tratamento e hospitalização são-lhes odiosos, temem-nos”, nem sequer aceitam os simples curativos, e em consequência de tanta rejeição tendem a esconder as suas doenças e males e a adoecer e morrer em muito maior quantidade. A proposta é, então, aproximar a assistência daquilo que é considerado aceitável pelo africano, dando-lhes “as condições naturais do seu meio normal”, fazendo com que “encontre na casa onde for tratado, condições similares às da sua vida corrente e tenha junto de si os seus parentes mais chegados, para o animarem e criar-lhe confiança” O propósito era, também, o de fazer com que a assistência apertasse o indígena “em malhas tão cerradas, que a ela se não possa esquivar”. Assim é concebida a “tabanca-enfer­maria”, uma “povoação nativa” com salubridade e higiene melhoradas, que “dê ao indígena a ilusão de que não deixou a sua palhota, por se encontrar em lugar em tudo semelhante a ela, até por ter junto de si, os seus parentes, para o cuidarem, tratarem e servi-lo”.[16]

Nas tabancas-enfermarias os africanos encontrariam tratamento gratuito e mais eficaz que o dos seus “empíricos”; mais ainda, acrescenta o legislador, encontrariam “o carinho e o disvelo, com que nós, portugueses, costumamos tratar as raças chamadas inferiores, dentro da civilização”. E assim se descreve:

“Uma tabanca-enfermaria, com o seu corpo central, em pavilhão moderno, ligeiro, sólido, a albergar a casa dos curativos, farmácia, isolamento e enfermaria para doenças graves; constituída por um maior número de palhotas ordenadas, varridas de ar e de luz, de solo impermeável e de fácil higiene, e com certo conforto; tudo isto em recinto cercado, ajardinado, e em lugar salubre, com água própria, potável; além de patentear um título de nobreza na nossa acção colonizadora, daria ao problema de assistência médica indígena na Colónia, a solução que ele melhor poder ter, quanto à sua eficácia, economia e benéficos resultados.”[17]

Teorizações prévias: o Congresso de Medicina Tropical de Luanda

Ficamos perante uma evidência: este tipo de construções, imitando as palhotas, eram destinadas a captar os africanos que menos se queriam aproximar dos portugueses. Postos remotos, tabancas na Guiné, lugares de precaridade e periferia, em contraste com as capitais de província e outros lugares de declamação do poder colonial. Um serviço de saúde colonial a duas velocidades, portanto.

Mas podemos ir ainda mais longe na exploração deste ideário, e encontrar as fontes de pensamento que organizaram, num período anterior, a aproximação aos indígenas pela imitação das suas materialidades. Neste contexto surge-nos como uma chave incontornável o Congresso de Medicina Tropical de Luanda, que ocorreu em 1923. Era um tempo em que o controle dos espaços coloniais em África era incipiente e o governo português, como os de outras nações europeias, procurava e discutia as fórmulas para melhor levar a cabo o empreendimento colonial – no que se incluía a assistência às populações indígenas, até então renitentes e resistentes à medicina europeia e aos  hospitais que funcionavam nos enclaves brancos com o fim de tratar quase exclusivamente os militares ou os colonos europeus residentes ou em trânsito. Nesse congresso são formulados os princípios e enumeradas as vantagens de construir postos de assistência sanitária com a forma das habitações africanas.

Ao Congresso de Medicina Tropical de Luanda acorreram médicos de inúmeras nacionalidades, com vista a discutir patologias tropicais, assistência, saneamento, higiene, e outras coisas de interesse para esta especialidade nascente. Os trabalhos apresentados no congresso foram publicados ao longo dos anos seguintes na Revista Médica de Angola, praticamente criada apenas para esse fim.[18] É nesta publicação que encontramos o corpus de referência para o programa em que se desenvolveram objectos como a maquete da figura 1. Note-se, porém, que a data corresponde a uma era política que foi interrompida; era o tempo da I República, mais cosmopolitas as aspirações, e mais genuína a procura de intensificar os laços entre as potências coloniais europeias para definir as melhores estratégias de colonização e assistência; estava-se ainda longe do excepcionalismo promovido pelas doutrinas luso-tropicalistas e endossado pelo regime de Salazar (Castelo 1999).

Entre os artigos publicados na Revista Médica de Angola contam-se os de F. Ferreira dos Santos, coronel-médico e chefe do serviço de saúde em ­Moçambique, “Assistência médica aos Indígenas e processos práticos da sua hospitalização” (1923); de J. Firmino Sant’Anna, da Escola de Medicina ­Tropical em Lisboa e anterior chefe dos serviços de saúde de Moçambique, “O problema da assistência médico-sanitária ao indígena em África” (1923); de Germano Correia, da Escola Médico Cirúrgica de Nova Goa – com uma passagem por Angola no âmbito da sua carreira de médico colonial, que incluiu também uma passagem pela Escola Médica do Porto e interlocuções com os desenvolvimentos da antropologia física e das teorias da aclimatação –, um artigo sobre “Processos práticos de hospitalização dos indígenas e o problema da sua assistência médica” (1923); e ainda, de Maurice Blanchard, do Instituto Pasteur de Brazzaville (Congo), um ensaio sobre as tácticas a usar para atrair os africanos às consultas médicas coloniais: “Sur quelques facteurs moraux et matériels d’attraction des indigènes dans les centres de consultation” (1923).

Cremos que a reunião destes artigos, a sua articulação numa sessão daquele congresso, e a sua relativa consonância correspondem ao embrião do “programa” que procurei por detrás das maquetes – e do qual encontrei poucas contrapartidas edificadas, memórias ou vestígios. Nos anos 1920 configurou-se, embrionariamente, um programa de assistência que passava por incorporar construções africanas de imitação nos equipamentos hospitalares. A lógica era a de a similitude da forma aumentar a proximidade; imitando os costumes locais – por exemplo na semelhança estético-formal dos equipamentos hospitalares – pretendia-se aumentar a procura de assistência médica por parte das populações locais, que reconhecidamente a rejeitavam e dela fugiam; daí o ar de aldeia indígena de imitação nestas enfermarias.

Uma outra ordem de factores era também tomada em consideração em prol deste tipo de equipamentos: a economia de meios, ou o que hoje chamamos sustentabilidade. Vejamos o que propõem os autores dos artigos seleccionados para a Revista Médica de Angola.

Ferreira dos Santos aponta diversas vantagens do recurso à imitação de habitações indígenas na construção de hospitais e centros de saúde em África. Por um lado, seriam muito mais baratos, recorrendo a meios e métodos locais; o autor podia não conhecer o conceito contemporâneo de sustentabilidade, mas enunciava os seus princípios com clareza. Por outro lado, seriam um modo de atrair os indígenas e fazê-los sentir-se confortáveis e ambientados, ajudando a vencer o conhecido repúdio que mantinham relativamente aos internamentos hospitalares. Diz ele,

“Esta disposição, derivada do que a prática nos tem demonstrado, visa não só a vencer a relutância que o indígena manifesta em se sujeitar ao nosso sistema de hospitalização, mas principalmente a estabelecer um princípio de economia para o Estado, evitando a construção de numerosos hospitais ou enfermarias que, além do seu elevado custo material, acarretariam uma maior despeza com a sua manutenção” (Santos 1923).

Não se sabe qual das motivações era mais importante para o autor: se atrair os indígenas através de práticas arquitectónicas que imitavam os seus lugares de reconhecimento; se, simplesmente, a economia de meios. Ferreira dos ­Santos recorre a ambos os argumentos, enfatizando o baixo custo como meio de persuasão do poder político. Dá-nos mesmo um excelente esboço que intitula “Modelo de posto sanitário de 1.ª classe” (figura 3).

 

 

E não podemos deixar de notar a sua ênfase orgulhosa no “not quite” – palhota indígena sim, mas ao modo europeu, rebocada, caiada, cimentada, com portas e janelas de vidro:

“O tipo das construções destinadas aos indígenas hospitalizados, será o da vulgar palhota de cobertura cónica, de porte um pouco mais elevado, com uma janela de vidraça e respectiva porta, rebocada e caiada interior e exteriormente e de pavimento cimentado. Preferimos o tipo palhota a qualquer outro, porque no género de construções cafreais, é o que se nos afigura de maior resistência às violências de um temporal e o que dá maior escoante às águas pluviais” (Santos 1923).

Somente futuras investigações poderão dizer quando, onde e em que quantidade vieram a ser implementadas estas construções. A escassez de material encontrado leva-nos a acreditar que pouco terá acontecido na sequência imediata da publicação dos artigos; tão- pouco existem dados que indiquem ter esta tipologia integrado um programa de edificações sistemático antes da criação do GUC – e mesmo sob o seu mandato. Haverá que averiguar quantas vezes foram construídos, onde, em que circunstâncias, que posição ocupavam na rede do biopoder colonial português, na teia de malha apertada com a qual o legislador propunha abraçar e capturar as populações locais que se mostravam renitentes aos cuidados médicos e resistentes à administração portuguesa.[19]

Concluindo: aproximações miméticas em contextos coloniais

Revisitemos brevemente os argumentos sobre mimetismos coloniais. Citado quase ad nauseam nos estudos de colonialismo e pós-colonialismo, o pequeno ensaio de Homi Bhabha “Of mimicry and man” (1984) sintetiza os incómodos da condição colonial e sinaliza os aspectos “miméticos” que nela se inscrevem. Tornou-se uma citação ubíqua, descolada das intertextualidades implícitas – e.g. Mimic Men, de Naipaul (1967) –, um pronto-a-usar disponível mesmo para quem não tenha trilhado as circunvoluções analíticas da condição colonial, os dispositivos de desdém, hierarquia, hegemonia, agonia, contra-hegemonia e crítica com potencial teórico (Balandier 1951; Fanon 1952; Memmi 1973; Cooper 2005). Para além de Bhabha, e relativamente ausente que está, na antropologia e estudos coloniais, a formulação original de Gabriel Tarde sobre “leis da imitação” (1890), são as propostas de Michael Taussig (1993) e de Paul Stoller (1995) que mais mobilizam os autores rendidos ao poder analítico da “mimese”. Dele fazem uso, por exemplo, a exploração do arquivo colonial português do século XIX por Ricardo Roque (2010, 2011), que mostra como a administração portuguesa em Timor adopta símbolos e costumes locais enquanto linguagem de poder e suporte da tutela, ou, para citar apenas um exemplo etnográfico, o artigo de Jean Langford (1999) combinando ­Taussig, Baudrillard e Bhabha para analisar o modo como os práticos ayurvédicos não ortodoxos procedem a uma apropriação mimética de elementos soltos que seleccionam, baralham, misturam e fundem num produto compósito e melhor descrito como simulacro. No extremo oposto, temos a crítica de Wilson ­Trajano Filho (2011) à “obesidade” do conceito. Não faltam os argumentos e contra-argumentos relativos à mimese enquanto dispositivo do poder colonial.

A opção tomada neste artigo é conciliatória, moderada e situada. A partir de um objecto que suscita muitas reflexões e perguntas, que, ao representar um equipamento sanitário com palhotas de imitação, traz inscrita em si a fórmula dos mimetismos coloniais, procurei saber em que circunstâncias foi produzida esta tipologia, quando foi adoptada por oposição a outros modos conhecidos de exibir o poder na arquitectura sanitária colonial, e que razões presidiram à sua formulação. Percorrendo um caminho do presente para o passado, encontramos nos anos 1920 uma clara racionalização das vantagens das técnicas imitativas como forma de atrair indígenas renitentes aos propósitos da administração colonial. As técnicas são extensíveis às plantas arquitectónicas mas também à própria clínica. Muito antes de Lévi-Strauss ter tematizado a eficácia simbólica do xamã (1958), já muitos médicos e outros práticos de saúde pelo mundo fora tinham um conhecimento empírico do processo, adoptavam-no instrumentalmente e até dissertavam sobre ele. É o caso de alguns dos agentes coloniais que encontramos nos arquivos portugueses, médicos e não médicos, que em certos casos tentavam instrumentalizar esse princípio para efectivar a cura. Para Firmino de Sant’Anna, também presente no citado congresso de Luanda, era aceitável que médicos coloniais europeus em África, com vista a aumentar a eficácia do acto médico, pudessem incorporar, tomar emprestado e imitar algumas práticas e elementos indígenas associados à cura, como pantomimas, gestos, bastões e outros instrumentos, formas coloridas e enfáticas de produzir efeito. Partindo do princípio de que este autor só avançaria com estas afirmações num congresso de medicina se encontrasse ambiente propício para o fazer, é de acreditar que tais práticas não fossem de todo desconhecidas entre os médicos coloniais, e, pelo contrário, fossem adoptadas por alguns e toleradas por alguns outros, mesmo que reprovadas por outros mais.[20]

Acrescente-se aqui que no arquivo colonial, onde o discurso está condicionado a constrangimentos políticos explícitos, a adopção de costumes e formatos indígenas aparece muitas vezes acompanhada de uma retórica de distanciamento, como que justificações pedindo absolvição. Não vão terceiros pensar que estes europeus andam, como sugerem outros europeus, a cafrealizar-se; há uma hierarquia que precisa de ser explicitada, face ao perigo de equidade, igualdade, indigenização, nivelamento, simpatia que decorre da assimilação de práticas locais. Esse medo é exorcizado pelo riso, pela caricatura, pela explicitação do preconceito. Por outras palavras, o processo mimético e a incorporação de simulacros de outros não implicava equidade cognitiva ou cultural; tratava-se de um processo hierarquizado em que um dos lados parece controlar tudo. É de perguntar que fragilidades e inseguranças subjazem a essas afirmações, que jogo de espelhos se desenha quando os médicos europeus vão buscar magia e eficácia simbólica a costumes africanos.

A popularidade da noção de “hibridismo médico” chegou aos estudos de medicina colonial (e.g. Walker 2003; Bastos 2007b), reportando um cenário de empréstimos e transacções entre sistemas diferentes, de formação de híbridos e compósitos que atendiam a necessidades terapêuticas e a razões práticas, quiçá lógicas do comércio, sujeitas finalmente aos processos políticos de ratificação. A essa análise se presta o estudo das farmácias coloniais, das hortas híbridas dos conventos, das transacções de Garcia de Orta, dos militares usando os remédios da terra; das enfermarias dos hospitais de Goa, cozinhando soluções terapêuticas; do desespero dos físicos-mores portugueses na Índia do século XIX perante a pecha mezinheira dos seus colegas médicos indianos (Bastos 2004, 2007a). Mas o poder analítico da análise de sistemas médicos foi erodindo face ao acumular de empiria sobre a sua instabilidade e falta de coerência interna; em contrapartida, ganhou densidade a evidência dos processos que articulam várias instâncias, actores e poderes que se transformam e transmutam. Assim ocorre com os processos designados miméticos em contexto colonial – que aqui revelamos operarem nos dois sentidos, e sempre tangencialmente, num modo de quase, de incompletude, de recriação da realidade, de consagração do simulacro. Convém todavia não suspender da análise as relações de poder que lhes subjazem, mesmo que se imaginem em fantásticas grandezas e se actualizem em indigentes e indizíveis fragilidades. Foi nessas relações de desigualdade, coexistindo, também, com esforços de humanização e mitigação dos seus desumanos efeitos, que se constituiu o colonialismo e se desenvolveu a medicina colonial.

 

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NOTAS

[1]       Este artigo resulta de uma apresentação feita no seminário “Mimetismos Coloniais no Império Português” (25 de Março de 2011), no âmbito do projeto “Mimetismo Colonial na Ásia e África Lusófonas”, apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PTDC / CS-ANT / 101064 / 2008). Agradeço a Ricardo Roque, coordenador do projecto, e aos restantes membros da equipa, Tiago Saraiva, Ângela Xavier, Carmo Daun e José Moura Ferreira, bem como aos demais presentes no seminário, os comentários e contribuições dadas. Os materiais apresentados foram recolhidos em projectos anteriores e alvo de discussões em diversos contextos, tendo todos eles contribuído para a análise apresentada neste artigo.

[2]      O tema das continuidades colonialismo-cooperação mobiliza-me desde os anos 1980, quando estudava a epidemia de sida e me dei conta do modo como as linhas de assistência e vigilância sanitária em África se sobrepunham aos elos da antiga assistência colonial (Bastos 1999); a questão era ao tempo pouco popular nas ciências sociais, mas desde então tem vindo a espalhar-se o interesse nos nexos entre os circuitos coloniais e os circuitos da assistência internacional.

[3]      Várias peças do espólio do IHMT, incluindo as maquetes, foram objecto de uma exposição muito visitada no decorrer do seu 110.º aniversário e do primeiro “Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical”, que ocorreu entre 21 e 24 de Abril de 2012 e cujo tema era “A medicina tropical nos espaços nacionais, coloniais e pós-coloniais (sécs. XIX e XX)”.

[4]      A literatura crítica sobre a obra de Freyre é quase tão ampla como a própria obra; para uma análise da adopção das doutrinas de Freyre pelo regime português, veja-se Castelo (1999); para uma leitura crítica do conjunto da obra, veja-se Castelo e Cardão (2014).

[5]      Agradeço a Carmo Daun, então bolseira do projecto, a chamada de atenção para o blogue.

[6]      Dr.ª Patricia Lopes, comunicação pessoal.

[7]      Devo ao arquitecto João Couto Duarte uma preciosa troca de informações a este respeito.

[8]      Esta exposição e em particular as maquetes são neste momento alvo de estudo pormenorizado no âmbito do doutoramento do arquitecto João Couto Duarte; o seu resgate faz parte de um esforço e empenhamento no estudo e conservação por parte do Dr. José Luis Dória e do artista e restaurador Luís Marto (ver Duarte, Dória e Marto 2012).

[9]      Diário do Governo, 6 de Fevereiro de 1944, p. 1167. Trata-se de um exposição ocorrida no Instituto Superior Técnico, sobre a qual existe muito pouca documentação. Agradeço ao arquitecto João Couto Duarte esta informação, que faz parte da sua pesquisa de doutoramento.

[10]     Diário do Governo, I série, n.º 38, de 21 de Fevereiro de 1945, p. 95.

[11]      Diário do Governo, I série, n.º 38, de 21 de Fevereiro de 1945, p. 96.

[12]     Diário do Governo, I série, n.º 38, de 21 de Fevereiro de 1945, p. 97.

[13]     Diário do Governo, I série, n.º 38, de 21 de Fevereiro de 1945, p. 103.

[14]     Agradeço aos colegas Philip Havik, do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), e Wilson Trajano Filho, da Universidade de Brasília (UnB), a troca de impressões a este respeito.

[15]     Assistência aos Indígenas da Colónia da Guiné, Imprensa Nacional da Guiné, 1933, pp. 4-5.

[16]     Assistência aos Indígenas da Colónia da Guiné, Imprensa Nacional da Guiné, 1933, p. 6.

[17]     Assistência aos Indígenas da Colónia da Guiné, Imprensa Nacional da Guiné, 1933, pp. 6-7.

[18]     Agradeço às colegas M. de Fátima Nunes, da Universidade de Évora, e Madalena Esperança Pina, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, a troca de impressões sobre este assunto.

[19]     Nos estudos entretanto iniciados, Duarte, Dória e Marto (2012) abordam esta questão e anotam que, segundo o próprio Ferreira dos Santos, em 1931 existiam 42 enfermarias regionais, 28 postos sanitários de 1.ª (com enfermeiro europeu) e 35 de 2.ª (com enfermeiro africano). Não se sabe ainda quantos se configuravam com este modelo, mas numa primeira fase muitos o seguiram. Poucos, todavia, chegaram aos dias de hoje.

[20]     Se recuarmos um pouco mais no tempo e nos deslocarmos entre ambientes coloniais, damo-nos conta que os jesuítas da Índia no século XVII descritos por Ines Županov (2008) eram adeptos destes métodos e, como eles, também o eram muitos outros missionários e agentes do poder em deslocação por mundos com materialidades e significados diferentes daquele de onde provinham. A imitação de práticas, símbolos e elementos da cultura local é um velho mecanismo de comunicação e tem sido usado em diferentes contextos e diferentes relações de poder.

 

[Nota] Por opção da autora, o artigo é publicado usando a ortografia anterior à estabelecida pelo Acordo Ortográfico de 1990.

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