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Etnográfica

Print version ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.18 no.3 Lisboa Oct. 2014

 

ARTIGOS

 

Swing em Portugal: uma interpretação antropológica da troca de casais

 

Swinging in Portugal: an anthropological interpretation

 

 

Maria Silvério1

1Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. E-mail: mariassilverio@hotmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo procura compreender como as identidades de gênero e sexuais são reproduzidas, ressignificadas ou negadas no universo swinger, dando destaque ao que caracteriza a feminilidade e a masculinidade. Busca-se, também, refletir sobre as noções dos casais swingers acerca de monogamia, infidelidade e ciúmes. A análise é feita a partir da experiência e do discurso de seis casais portugueses adeptos do swing, além de etnografia realizada em um clube na região de Lisboa. Em Portugal, não existe nenhum trabalho antropológico ou sociológico sobre o tema, o que faz deste artigo uma investigação pioneira.

Palavras-chave: Swing, troca de casais, Portugal, conjugalidade, sexualidade, gênero


ABSTRACT

This article seeks to understand how gender and sexual identities are reproduced, re-signified or denied in swinging, highlighting what characterizes femininity and masculinity. The swingers’ notions of monogamy, infidelity and jealousy are also analyzed. The reflection is based on the experience and discourse of six Portuguese swinger couples and also on ethnography realized in a swinging club in the Lisbon area. In Portugal, there is no sociological or anthropological work about swinging, which makes this research a pioneering work.

Keywords: swinging, Portugal, conjugality, sexuality, gender


 

 

Introdução

O swing, também conhecido como troca de casais, pode ser definido como uma prática em que casais heterossexuais estáveis mantêm relações sexuais com outros casais ou pessoas solteiras, com o total consentimento do parceiro. Uma das características essenciais é a separação entre sexo e amor, o que faz com que os swingers se considerem amorosamente monogâmicos e sexualmente não monogâmicos.Este artigo procura compreender como as identidades de gênero e sexuais são reproduzidas, ressignificadas ou negadas no swing, destacando o que caracteriza a feminilidade e a masculinidade. Os efeitos do swing na relação conjugal, bem como as noções de monogamia, infidelidade e ciúmes também são analisados. Este trabalho apresenta-se como um ponto de partida para uma reflexão antropológica sobre o swing a partir de casais portugueses adeptos da prática. Não existe no país nenhum estudo sobre a temática na área das ciências sociais.[1]A análise é feita a partir de etnografia em um clube de swing na região de Lisboa e do discurso dos adeptos da prática. A observação aconteceu ao longo de 12 visitas nos meses de outubro e novembro de 2012 e em fevereiro de 2013, e incluiu observação de práticas sexuais nos espaços coletivos do clube. Além disso, foram realizadas entrevistas gravadas com seis casais swingers, com duração aproximada de duas horas cada.[2] As entrevistas continham um roteiro semiestruturado, mas adotaram um caráter de conversa informal, com o objetivo de conhecer a história e o perfil de cada membro do casal, compreender seus valores e ideais acerca do casamento e conhecer sua vivência enquanto swinger. As reflexões feitas neste artigo provêm, sobretudo, da análise dos relatos concedidos nas entrevistas, mas são acrescidas e contrastadas por conversas informais entre investigadora e swingers durante o trabalho de campo e pela observação da dinâmica e das práticas sexuais no clube.

 

Os casais

Eliana e Eustáquio

Eliana: 63 anos, secretária aposentada. Casou-se pela primeira vez aos 18 anos, o relacionamento durou 17, teve um filho e algumas relações extraconjugais para “tentar saber onde é que estava o erro”. Eustáquio: 66 anos, engenheiro e professor aposentado. O primeiro casamento durou 13 anos, dele nasceu uma filha, e traiu a ex-mulher apenas com a Eliana durante um longo período.

Casados há 23 anos, swingers há pouco mais de 20, sem filhos em comum. Entraram para o swing de forma espontânea, “por uma questão unicamente de variar”, após conversas sobre o assunto com alguns amigos. A iniciativa não partiu de nenhum dos dois especificamente.

Marcela e Milton

Marcela: 56 anos, desempregada. O marido foi o único homem com quem teve relações sexuais. Já trocou beijos e carícias com poucas pessoas no swing. Milton: 56 anos, profissional de seguros, traiu a esposa algumas vezes nos primeiros anos de casamento.

Casados há 36 anos, ambos no primeiro casamento, com dois filhos, frequentam clubes de swing há cerca de um ano. Iniciaram devido ao vazio provocado no cotidiano em consequência da saída dos filhos de casa, morte dos pais e do cachorro, etc. A iniciativa partiu de Milton e o principal interesse do casal no swing é a possibilidade de desenvolver novas relações sociais.

Bianca e Bruno

Bianca: 42 anos, secretária. Casou-se pela primeira vez aos 17 anos, o casamento durou 18 e teve dois filhos. Bruno: 46 anos, empresário. O primeiro casamento durou 14 anos e dele teve um filho.

Casados há sete anos, sem filhos em comum, swingers desde o início do relacionamento. Conheceram-se pela Internet porque o ex-marido de Bianca mantinha um perfil de casal em uma comunidade swinger sem o seu conhecimento. Ela descobriu e, por vingança, respondeu a uma mensagem de Bruno, que também estava infeliz com o casamento e tinha criado um perfil de single.[3] Foram amantes por cinco meses antes de terminarem os respectivos casamentos.

Gabriela e Gabriel

Gabriela: 40 anos, advogada, teve um casamento que durou sete anos e do qual nasceram três filhos. Conheceu o meio swinger há cerca de sete anos com o namorado que teve entre os dois casamentos. Gabriel: 46 anos, empresário, está na quarta relação séria, sendo dois casamentos: o primeiro durou seis anos e dele teve uma filha; a segunda relação durou 15 anos, e a terceira, três anos. Foi com esta companheira que entrou para o swing em 2005.

Casados há três anos e meio, sem filhos em comum, swingers desde o início do relacionamento. Conheceram-se em uma comunidade virtual.

Renata e Renato

Renata: 37 anos, médica, teve relações sexuais com apenas mais um homem. Renato: 38 anos, empresário, teve relações sexuais com “uma mulher e meia”.

Casados há 13 anos, swingers há cerca de três, ambos no primeiro casamento, com dois filhos. Nunca fizeram uma troca e tiveram poucos contatos físicos com outros swingers. Afirmam que o sexo é apenas uma das várias possibilidades do meio. Ao fim de dez anos de casamento sentiram necessidade de conhecer coisas novas e mais pessoas, além de se questionarem “se um casal passa o resto da vida a fazer o mesmo”. A iniciativa partiu dele.

Júlia e Júlio

Júlia: 28 anos, auxiliar educativa. Teve um relacionamento de sete anos, do qual tem um filho. Júlio: 28 anos, recepcionista de hotel, está em seu primeiro relacionamento sério.

Moram juntos há quase três anos e começaram a namorar cerca de um ano antes. Júlia entrou para o swing há pouco mais de quatro anos com um ex-namorado. Contou ao Júlio sobre o universo swinger e ele teve interesse em conhecer. Há cerca de três anos frequentam juntos o meio.

 

Swing em Portugal

Para dar início à investigação, optei pelo caminho aparentemente mais fácil e rápido: a Internet. Mas não foi tão simples como imaginei. A comunidade swinger no país ainda é bastante fechada e existem poucas informações oficiais, e extraoficiais, sobre o tema. Após uma exaustiva pesquisa bibliográfica, constatei a inexistência de estudos sobre a temática na área das ciências sociais em Portugal.

A nível internacional, as pesquisas são, de maneira geral, provenientes de análises quantitativas realizadas por sociólogos, particularmente nos Estados Unidos, França e Inglaterra. Os estudos concentram-se em dois momentos distintos: o primeiro na década de 1970, com o objetivo principal de compreender o perfil dos swingers e as razões para a entrada no meio (cf. Denfeld e Gordon 1970; Henshel 1973; Spanier e Cole 1975; Alexander 1976; Biblarz e Biblarz 1980; Duckworth e Levitt 1985). O segundo momento é entre o final dos anos 1990 e a primeira década dos anos 2000; a intenção é perceber as transformações ocorridas, os efeitos do swing no relacionamento, o impacto da aids, o crescimento das conjugalidades não monogâmicas, a vivência das identidades de gênero e sexuais, etc. (cf. Jenks 1998; Bergstrand e Williams 2000; Rubin 2001; Powell 2006; von der Weid 2008; Bergstrand e Sinski 2010).

Conforme a pesquisa se intensificava, mais eu tinha a sensação de estar montando as peças de um quebra-cabeça. Era preciso juntar as informações adquiridas nas diferentes comunidades e blogs pessoais para começar a desvendar o swing em Portugal. Descobri o nome de alguns clubes, mas tinha dificuldade em certificar se eles ainda existiam. Quase nenhum tem página própria na Internet, e os que as possuem exibem informações desatualizadas de eventos. Nenhuma página disponibiliza o endereço dos clubes. A única forma de contato é por celular ou e-mail. Muitas fornecem informações sobre a comunidade swinger internacional, e logo percebi que seria mais fácil ter acesso a este universo em países como o Brasil, França e Espanha, onde muitos clubes disponibilizam não só o endereço, coordenadas de GPS e mapa de localização, como também promoções que possibilitam a entrada de qualquer pessoa interessada.

De acordo com uma história reproduzida em blogs na Internet,[4] o swing teria surgido em Portugal em meados de 1961 através de um imigrante português casado com uma estado-unidense que volta ao país e resolve comprar um pedaço de terra no Alto Minho. Para diminuir o isolamento, o casal se aproxima de dois casais vizinhos e começa a organizar festas em sua casa, onde acontece a primeira troca de casais. Em pouco tempo, os animados encontros se espalham pelo Norte e, após o 25 de Abril, a comunidade swinger se expande por todo o país devido ao deslocamento de mão de obra especializada.

Informações obtidas com os proprietários de clubes,[5] em conversas informais durante a etnografia e em páginas da Internet, indicam que o primeiro clube de swing português surgiu no início da década de 1990 na zona do São Bento, em Lisboa. Atualmente o país possui provavelmente 11 clubes. A região de Lisboa concentra seis: Dívinus; XClube; Lybidus; Glamour; Heaven e Erotikus. Na região central encontram-se o Sensualidades e o 2@2. Já a região do Porto concentra três clubes: Intimidades, Chez Tolib e Private Prestige. O Algarve e a região Sul aparentemente não possuem nenhum clube de swing. Existem, ainda, ambientes alternativos como saunas, bares liberais e espaços alugados esporadicamente para festas.

A etnografia para esta investigação foi realizada no Dívinus Aroeira Liberal, na margem sul do Tejo, a cerca de 27 quilômetros de Lisboa. O clube foi inaugurado em 29 de setembro de 2012 em uma festa com aproximadamente 160 casais. A entrada custa 15 € às quartas e quintas e 25 € às sextas e sábados, por casal, com direito a quatro bebidas. A faixa etária média dos frequentadores é de 40 a 60 anos.

O Dívinus funciona em uma casa com área de 2000 m², estacionamento para 30 carros e piscina na parte externa. Do lado de dentro existe um bar, pista de dança (com um varão de pole dance), recepção, chapelaria e banheiros. Os ambientes destinados às práticas sexuais são divididos em espaços privados e coletivos. Os quatro quartos privados se destinam aos casais que não querem a participação de outras pessoas nas relações sexuais e tampouco pretendem ser espiados, mesmo que a porta não esteja trancada. Já o labirinto é voltado às pessoas que querem ser observadas durante os atos e, inclusive, permitem que outras pessoas se juntem à relação mediante aprovação, mesmo após o seu início. Enquanto pesquisadora, tive liberdade para observar as práticas sexuais decorrentes neste ambiente.

O labirinto é composto por diferentes espaços: um cômodo com dois colchões grandes e um banco individual para observação; um pequeno cômodo dividido por uma parede com glory holes (buracos em formatos e localizações diferentes que permitem que as pessoas se toquem ou pratiquem sexo oral sem saber com quem estão interagindo); um quarto com aberturas na parede; um pequeno corredor sem saída com um “cavalete” (armação que permite diferentes posições sexuais), além de um espaço com quatro chuveiros de água quente.

É extremamente difícil indicar a quantidade de swingers no país, já que os próprios clubes não possuem dados unificados, e muitos casais realizam a troca em outros ambientes. No entanto, dois proprietários arriscam uma estimativa: um disse na ordem dos 5000 a 7500 casais, dos quais cerca de 1000 seriam “ativos” e frequentariam os clubes ao menos uma vez por mês. Na região de Lisboa seriam cerca de 2500, dos quais 500 “ativos”. A outra estimativa indica 2000 casais em Portugal, sendo aproximadamente 400 na região de Lisboa. O XClube, maior do país e, de acordo com um dos proprietários, um dos maiores da Europa, possui 3500 casais membros ao longo de sete anos de funcionamento. Já a SwPt, segundo os moderadores a maior comunidade virtual liberal da Península Ibérica, possui cerca de 3300 membros ativos (perfis com acesso certificado), dos quais 95% são casais, 2,7% singles femininas e 2,3% singles masculinos, não sendo todos necessariamente swingers.

O perfil socioeconômico predominante dos swingers portugueses parece corresponder ao que foi encontrado por pesquisadores nos Estados Unidos: pessoas de classes média e média-alta, com nível de instrução e salarial elevado, posições profissionais estáveis ou em cargos de gerência, casados e brancos (Bergstrand e Sinski 2010; Jenks 1998). Em Portugal, o preço de entrada nos clubes, a localização dos espaços (acessíveis apenas com transporte privado), e a falta de informação sobre a prática possivelmente contribuem para este perfil. Já von der Weid (2008), ao analisar swingers do Rio de Janeiro, ressalta ser difícil falar em um perfil homogêneo entre os que procuram a prática. A faixa etária dos swingers é uma das características mais heterogêneas: as mulheres normalmente têm mais de 30 anos e os homens mais de 35, mas a incidência de jovens parece ser cada vez maior (Bergstrand e Sinski 2010).

Meus informantes comentaram que os swingers portugueses tendem a se relacionar, principalmente, com pessoas da mesma classe social, profissão ou idade. Segundo eles, “é muito comum ver engenheiro só se envolvendo com engenheiro, advogado com advogado. E os mais novos não se ­juntam com os mais velhos”. De acordo com Heilborn (2004), até mesmo na ­contemporaneidade, quando as possibilidades de escolha do parceiro conjugal são muito mais amplas e diversificadas que nos séculos anteriores e não obedecem a regras externas ou leis morais, existe uma tendência estrita não só para a homogamia social, como também para uma equivalência em termos de capital cultural dos membros do casal.

Desta forma, podemos dizer que por mais que os swingers afirmem que o envolvimento com a prática seja motivado, principalmente, pela variedade de experiências e parceiros, e, em seguida, pela busca por prazer e excitação (Jenks 1998), a homogamia é um critério importante na definição dos parceiros swingers em Portugal.

Ao longo da etnografia, ouvi outras críticas acerca do meio. O comentário mais frequente foi “isso aqui não é swing”. As pessoas comparam a dinâmica dos clubes em países como França, Espanha e Brasil, e afirmam que lá fora não se perde tanto tempo conversando, mas sim fazendo sexo. Também ouvi comentários sobre o pudor dos portugueses quanto à nudez, algo que, segundo os informantes, já não é tanto tabu no exterior, onde muitas pessoas andam nuas pelos clubes.

 

Efeitos do swing na relação

A maioria dos estudos (Bergstrand e Sinski 2010; von der Weid 2008; Jenks 1998) ressalta que o swing proporciona mais benefícios do que consequências negativas não só para a relação como para os swingers enquanto indivíduos. As alegações mais comuns são que a atividade fortalece o casamento e aumenta a percepção acerca da qualidade do mesmo; aproxima o casal emocional e sexualmente; melhora a vida sexual e aumenta o desejo pelo parceiro; além de propiciar uma comunicação mais aberta e honesta (Bergstrand e Sinski 2010; Jenks 1998).

Bergstrand e Sinski (2010) detectaram em sua pesquisa, envolvendo 704 homens e 319 mulheres swingers estado-unidenses, que 62,9% dos homens e 62% das mulheres consideram que o casamento ficou mais feliz após a entrada para o swing; 35,8% (homens) e 35,3% (mulheres) alegam que o grau de felicidade se manteve o mesmo; contra 1,3% (homens) e 2,8% (mulheres) que afirmam que a relação ficou menos feliz.

No caso dos meus informantes, as perguntas centrais para apurar esta questão foram: “Como avaliam a relação de vocês antes e depois de entrarem para o swing‌”; “E a nível individual, o que mudou‌” Apenas o casal Renata e Renato respondeu de forma imediata, sem parar para pensar: “Melhorou muito. Muito mesmo. Sem dúvida, sem dúvida. […] Solidifica porque acabamos por conhecer a nós próprios muito mais profundamente, não é‌! Há coisas que… não era por razão nenhuma, mas que não conhecíamos, não sabíamos”.

Apesar da espontaneidade da resposta, percebi que todos os casais, sobretudo o mais velho e também mais antigo no meio, enfatizaram diversas vezes que a relação já era boa e estável. Era como se o mais importante não fosse esclarecer os benefícios da prática, mas sim assegurar que o swing não é o responsável pela satisfação conjugal. Todos os informantes deixaram claro que o swing é aconselhável apenas para casais que possuem uma relação forte, estável e satisfatória. Segundo eles, um erro grave é entrar para o meio com o objetivo de “salvar o casamento” ou “tentar recuperar uma relação já fracassada”. Gabriel resume o assunto da seguinte maneira:

“O swing pode proporcionar ao casal uma descoberta de novas experiências sexuais que pode ser boa ou pode ser má, como todas as coisas. Pode fortalecer ou destruir um casamento. Depende de como as pessoas levam a sua vida para o swing. O swing tem o lado bom e o lado mau, como todas as outras situações.”

Júlia e Júlio afirmam que a intimidade entre eles aumentou muito no aspecto sexual e pessoal, pois passaram a se conhecer melhor. Eles também destacam que ficaram mais unidos e começaram a lidar melhor com a falta de paciência referente a pequenas coisas do cotidiano. Júlio explica que “quando entramos no quarto com um casal… a maneira de conhecer, de explorar, de mexer… isso faz com que a gente seja mais calmo, mais brando com nós próprios… Tem que estar atento ao que se passa”. Júlia acrescenta:

“Sentimos melhor com nós próprios, com nosso corpo, nos sentimos outra vez desejados… É uma sensação… parece de princípio de namoro, quando a gente ainda não conhece… aquele mistério. […] Ajuda na autoestima […] Melhorou também no aspecto de eu ter conseguido me libertar mais da minha timidez, que era muita. Ajudou-me um bocadinho a desabrochar, a conseguir falar melhor com as pessoas. Não ter medo de falar, de agir, da reação da outra pessoa.”

Bianca e Bruno destacam que “como pessoas crescemos, porque desenvolvemos intelectualmente mais, desinibimos mais”. Isso ocorreu sobretudo com a Bianca, pois ela era muito tímida, não tinha autoconfiança e segurança, já que viveu quase 20 anos presa ao núcleo familiar. Bianca explica que as idas aos clubes, o convívio com outros casais, o emprego e o atual casamento ajudaram a transformá-la “sem dúvida em uma outra mulher, que consegue se desenrascar sozinha”.

Outro benefício inesperado do swing parece ser no âmbito profissional. Renata diz que com frequência precisa conversar com os pacientes sobre sexo e eles não se sentem à vontade. O swing ajuda a tratar do assunto com mais ­naturalidade e abertura. Já Gabriela, advogada, afirma que aumentou sua capacidade de avaliar as pessoas e, hoje em dia, consegue perceber a personalidade de alguém apenas pela postura física.

“Torna-te uma pessoa muito mais desinibida em todos os aspectos. Quando tu tens a questão sexual, que é uma questão muito importante na vida do ser humano… e não estou a falar de taradices, nem ninfomaníacos, nem nada disso… quando tu estás bem com a tua sexualidade, tu encaras… mesmo a sua própria vida profissional… e tudo mais… encaras bem, naturalmente, com calma. Até muitas vezes com um sorriso nos lábios… não fazes tragédias de muita coisa que às vezes acontece à tua volta. Reages sempre com alguma calma porque crias outro tipo de maturidade.”

O casal Marcela e Milton foi o que mais abordou os benefícios do swing:

“Nos ajudou porque éramos muito fechados. […] Começou a ficar uma vida vazia […] Temos encontrado casais espetaculares que nos têm tirado da nossa casca, da nossa redoma. […] A gente vinha do emprego, estávamos em casa, víamos televisão, víamos telenovelas… Portanto, era para fugir da rotina do dia a dia, não era para fugir da rotina do casamento. […] Fomos ao Cais do Sodré, ao Bairro Alto, a uma discoteca de lésbicas e gays. Nunca tínhamos ido. […] O swing veio a abrir um bocadinho o nosso horizonte. […] Numa questão sexual mudou mais o atrevimento… Quando estamos no nosso ninho somos um bocadinho feticheiros, fazemos umas fantasias.”

É interessante perceber que as mulheres são as que mais destacam mudanças a nível individual. É como se o swing permitisse a elas ter acesso a uma parte da esfera pública que sempre pertenceu aos homens, ajudando a transformar a sua maneira de lidar com diferentes aspectos da vida. Para Giddens (1996), a separação ou anulação das conexões entre a sexualidade e a reprodução, o parentesco e as gerações é denominada “sexualidade plástica”. Esta seria uma sexualidade descentrada, sem relação com as suas antigas funções e desligada da sua subserviência ao poder diferencial entre os sexos. É uma sexualidade onde o prazer e o gosto sexual são os únicos determinantes.

Segundo o autor, a sexualidade plástica teve origem nas tendências iniciadas nos finais do século XVIII para controlar a dimensão da família, mas só se desenvolveu definitivamente a partir dos métodos contraceptivos e, posteriormente, das novas tecnologias reprodutivas. Neste sentido, o discurso das informantes parece indicar que o swing faz com que a sexualidade feminina se torne propriedade das próprias mulheres, atuando no seu processo de autonomia, reflexão da autoidentidade e na maneira de estar no mundo.

 

Monogamia, infidelidade e ciúmes

Ao analisar alguns estudos sobre as razões para o divórcio nos Estados Unidos, Bergstrand e Sinski (2010) concluíram que o sexo extraconjugal possui um impacto mais de duas vezes maior que outros problemas citados. Em uma das pesquisas, a infidelidade aparece atrás apenas de abuso físico. Já Goldenberg (2003) constatou em sua pesquisa com 835 mulheres e 444 homens de camadas médias urbanas do Rio de Janeiro que o ciúme é o principal problema vivido nos relacionamentos. A traição aparece em segundo lugar nas respostas femininas e em terceiro nas masculinas, muitas vezes sendo considerada um problema insuperável.

Para os swingers, a infidelidade conjugal adquire outro valor. Eles prezam a exclusividade emocional e defendem a não monogamia sexual. Desta maneira, a infidelidade não está associada a relações afectivo-sexuais fora do casamento, mas sim a sentimentos desenvolvidos por outrem ou omissão de atitudes. Meus informantes explicam:

“Uma traição seria um mentir para o outro ou estarmos com alguém e não contarmos para o outro… Nesse meio não é permitido porque não há razões para isso. […] A pessoa pode estar na rua, até pode sentir uma atração por uma pessoa… Há um telefone… ‘epa, tô aqui com uma pessoa… como é que é… posso ou não posso avançar‌’ […] Ele viaja muito e poucas vezes não vou com ele… quando não vou, digo: ‘se por acaso acontecer, se surgir uma hipótese, eu não digo que não… eu só quero é que me digam’… Porque depois, se a gente vier a saber, também não vai haver perdão” [Bianca].

“Existe a palavra ‘não’ que determina tudo. Se um não estiver a se sentir bem, acaba ali a festa […] Por exemplo, se ela arranjar um homem sem o meu conhecimento e tiver alguma coisa com ele, na sua maioria a nível afetivo, de namoro […] Não faz qualquer sentido ela estar com um outro homem sem eu saber, porque se calhar é porque ela gosta dele. Isso para mim seria uma grande traição, uma facada nas costas que eu nunca aceitaria […] Se ela fosse honesta comigo e dissesse ‘olha, tô fisicamente atraída por aquele homem’… Aí, se acontecer qualquer coisa, pelo menos já estava preparado. Não posso dizer que fui traído porque fui avisado” [Júlio].

Nota-se que a infidelidade para os swingers seria o rompimento com o pacto de confiança, consentimento e abertura comunicacional. E se isso ocorre, eles consideram ainda mais grave do que a infidelidade na relação monogâmica. Todos os informantes destacam que a confiança e o respeito são os pilares de uma relação e que um casal swinger precisa ter abertura para conversar sobre todo tipo de assunto, sem medos ou tabus.

É interessante que respeito, sinceridade, honestidade, amizade e confiança também se destacam como ideais conjugais no estudo de Goldenberg (2003). Porém, uma diferença crucial parece ser que o princípio da monogamia exige não somente que as pessoas não façam, como também não mencionem que têm vontade de fazer, tornando a infidelidade e a falta de sinceridade um problema recorrente para os casais exclusivos. Segundo Goldenberg (2003), 60% dos homens e 47% das mulheres afirmam que já foram infiéis.

Para minha informante Júlia, “tem que haver um escape. Ou eles se separam porque não aguentam ou então têm que arranjar uma alternativa. E na nossa maneira de ver, a melhor é mesmo essa. É a gente decidir os dois, aceitarmos os dois. E viver os dois, e não cada um para o seu lado e às escondidas”.

Outro assunto interessante para ser analisado a partir da conjugalidade swinger é o sentimento de ciúme. O’Neill e O’Neill (1972) defendem que o ciúme é sobretudo uma resposta que nos é ensinada a partir de atitudes culturais. Para os autores, trata-se de uma consequência de nossas inseguranças e dependências geradas pelos sentimentos de posse e exclusividade criados pela união monogâmica.

Durante a etnografia ouvi inúmeras vezes que no swing não existe ciúmes ou, pelo menos, não deve haver. Mas dos seis casais de informantes, apenas dois afirmam não ter esse sentimento. Os outros enfatizam, no entanto, que isso não é um problema incontornável. Gabriel afirma que “o ciúme vem quando há falta de confiança de uma das partes ou entre as partes… Mas acho que é conversar e se consegue ultrapassar esta questão dos ciúmes e dar confiança aos dois lados”. Marcela e Milton fazem a seguinte declaração:

“[Marcela] – Quando vejo meu marido com outra mulher, não me sinto muito bem. Sinto ciúmes… Quer dizer… não sei se é bem ciúmes, porque sei que ele não vai me trocar por outra mulher… Mas não sei explicar o que sinto.

[Milton] – No fundo poderá ser aquilo que acontece com muita gente… É ter que estar a partilhar uma coisa que é nossa. Eu sou da Marcela e a Marcela é minha. Nós vivemos um para o outro. Temos a nossa casa, nossos sofás, nossa roupa, nosso carro… É o nosso mundo… E de um minuto para outro há uma parte desse mundo que é um bocadinho partilhada com o outro […] Mas o que nós temos conversado é que é uma coisa consentida e com regras. Ou seja, não será no fundo estar a dar… é realmente partilhar um bocadinho, mas sabendo de antemão que no fim desta partilha tudo volta outra vez à nossa posse…”

Bianca e Bruno explicam:

“[Bruno] – É controlado… Controladíssimo. Por exemplo… estamos dois casais. Eu estou com ela e depois trocamos. No momento que sinto que ela está a ter mais prazer, é quando eu começo a sentir também mais prazer. Portanto, funciona ao contrário… Quando ela está sozinha com um homem eu sinto ciúmes. Mas é aquele ciúme tão excitante que eu não me importo em passar por ele.

[Bianca] – No meu caso, eu sou ciumenta todos os dias. Mas quando entro num clube de swing, costumo dizer que os meus ciúmes ficam à porta porque ali é o espaço em que mais coisas são permitidas. Portanto tem que se dar um desconto… E a partir dali, quando saio para fora, para o mundo real… aí o ciúme volta […] Do lado de fora nós nos sentimos mais ameaçados. Lá dentro não.”

É interessante que os dois casais que não sentem ciúmes são exatamente o casal mais velho (na faixa dos 65 anos) e mais antigo no meio swinger (cerca de 20 anos); e o casal mais jovem (faixa dos 30) e swingers há três anos. De um lado, um homem e uma mulher que cresceram sob a influência do complexo do amor romântico que exprime “no outro” a sensação de totalidade e complementaridade, e apresenta como características as noções de “para sempre, único e exclusivo” (Giddens 1996). De outro, um casal nascido na contemporaneidade em que o próprio amor representa a sensação de totalidade, possibilita abertura em relação ao outro e presume igualdade na dádiva e contradádiva emocional, sendo denominado por Giddens (1996) de “amor confluente”.

Estas diferenças na forma de amar, bem como os depoimentos dos informantes acerca do ciúme, evidenciam que não só o comportamento, como também o desenvolvimento de sentimentos humanos são influenciados por fatores socioculturais. Bianca, por exemplo, esclarece que “no mundo real” é ciumenta porque o risco de perder o companheiro é muito maior do que no ambiente swinger. Neste, todos sabem que o ciúme prejudica a dinâmica e pode ser destrutivo para a relação. Além disso, existe um acordo explícito entre todas as partes de que a “posse” de um pode ser usufruída por outros sem qualquer prejuízo. Os swingers mostram, assim, que é possível anular ou adaptar os sentimentos de maneira a condizer com o contexto em que se está inserido. Outra prova disso é o fato de eles transformarem receio, medo e insegurança, sentimentos que nos foram ensinados como negativos para uma relação, em algo positivo, fonte de prazer e excitação.

 

Feminilidade e masculinidade

O que caracteriza ser mulher ou ser homem no swing‌ O caráter liberal da prática influencia rupturas ou ressignificações das identidades de gênero‌ Em meados dos anos 1970 houve uma explosão de estudos antropológicos sobre a sexualidade que buscavam uma definição para o gênero a partir do construcionismo social e não do determinismo biológico.

Um dos marcos iniciais desta abordagem foi o conceito de “sistema sexo/gênero” desenvolvido por Gayle Rubin: “conjunto de medidas mediante o qual a sociedade transforma a sexualidade biológica em produto da atividade humana e essas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas” (cit. em Vance 1995: 11). Desta forma, Rubin estabelece que o sexo (masculino/feminino) seria natural, biológico, enquanto o gênero (homem/mulher) seria uma elaboração sociocultural. A antropóloga analisa como uma matéria-prima (sexo) é transformada em um produto (gênero) pelo aparato social e de que maneira isso contribui para a domesticação e submissão das mulheres.

Posteriormente, a própria Rubin (cit. em Vance 1995) sugere a desconstrução do sistema sexo/gênero considerando que ambos correspondem a domínios distintos e, portanto, necessitam de estruturas explicativas independentes. O construcionismo social que havia desafiado os modelos antropológicos tradicionais passa a ser questionado por aparentemente pressupor uma dicotomia de gênero incontornável que se estabelece a partir de diferenças biológicas de tipos essencialistas (Almeida 2003).

Butler (1990) baseia sua abordagem em duas críticas à teoria feminista: a primeira diz respeito à utilização inapropriada do termo “mulher” por considerá-lo uma ficção regulatória e não uma unidade natural, além de produzir uma falsa ideia de estabilidade; a segunda rejeita as categorias binárias por serem conceitos que pensam as identidades como fixas. Butler propõe o repensar das noções de sexo e gênero já que, para ela, ambos são construídos discursiva e culturalmente.

Adicionalmente, Butler (1990) defende que o gênero não é reflexo do sexo e que estes não necessariamente possuem uma ligação direta entre si. Para ela, o gênero é derivado de significados culturais assumidos pelo corpo sexuado, é proveniente de uma sequência de atos e gestos performáticos que originam significados. Ele é, portanto, algo produzido, móvel e que se transforma em um “artifício de livre flutuação com a consequência de que homem e masculino podem, tão facilmente, significar um corpo feminino como um masculino, e mulher e feminino podem com a mesma facilidade significar tanto um corpo masculino como um feminino” (Butler 1990: 6).

Durante a etnografia e as entrevistas, percebi que a estrutura binária do gênero é prevalecente no meio swinger, e, com frequência, atua como um fator proibitivo para determinadas rupturas. Outras vezes, no entanto, esta fronteira é ultrapassada fazendo com que mulheres e homens adotem comportamentos, práticas e valores relacionados socioculturalmente ao universo “do outro”. Bianca explica a dificuldade enfrentada para aceitar o swing:

“Não é aceito socialmente […] Ninguém dá a sua mulher… a mulher que ama, para outro homem ter sexo. A nossa sociedade pensa assim, não é‌! […] Isso foi uma das coisas que eu pensei muitas vezes no início: ‘se nós não fôssemos swingers, será que estávamos juntos‌’… ‘não estás comigo só porque aceito esse mundo‌’… E vindo eu de uma família tão conservadora… Teve um bocado de confusão na minha cabeça… ‘Eu vou meter-me nisso aqui‌!’… ‘Se ele realmente gostasse de mim, não me pedia para vir para aqui’ […] Mas isso foi só no início. Depois de entrar, de conhecer e ver como é que isso realmente funciona, as coisas mudaram.”

Já Gabriel acredita que a comunidade swinger poderia ser muito maior se as mulheres tivessem socialmente a mesma liberdade que os homens em demonstrar interesse por esse tipo de atividade. Segundo ele, uma das razões para a iniciativa ser quase sempre do homem (Bergstrand e Sinski 2010; von der Weid 2008; Jenks 1998) é o fato de ele não ficar mal visto ao fazer tal proposta, já que para a sociedade “a mulher que tem vários homens é uma puta e o homem que tem várias mulheres é um mulherengo”.

Um casal de informantes mostra que romper os vínculos com os papéis tipicamente femininos ou masculinos pode ser muito mais complicado do que se pensa. O marido diz que se descobriu cuckold (homem que sente prazer ao ver a sua mulher com outro homem) e explica que imaginar isso o faz sentir ciúmes e medo que atuam como adrenalina excitante. No entanto, ele ainda não sabe se está preparado para isso acontecer e refere a seu fetiche como algo “esquisito”, “difícil de explicar”, “que eu próprio não compreendo”. Segundo ele, possivelmente seria muito mais fácil se o desejo fosse ver a esposa com outra mulher, pois é isso que acontece com a maioria dos homens.

A dificuldade de meu informante pode ser explicada a partir do significado de “ser homem” na interação social. De acordo com Almeida (1995), isso não se reduz apenas aos caracteres sexuais, mas a um conjunto de atributos morais de comportamento que é socialmente sancionado. Este conjunto é constantemente negociado, reavaliado e relembrado, fazendo com que “ser homem” seja um processo contínuo de construção. Neste sentido, “ser homem” na nossa cultura ainda está associado a ser dominador e ter várias parceiras sexuais, fazendo com que a figura do cuckold seja uma ameaça a este processo.

Paralelamente, a esposa deste informante diz que se sente mal em se envolver sexualmente com outros homens e que seria mais fácil ter relações com mulheres no swing, mesmo sendo heterossexual. Ela então explica: “eu não sei muito bem porquê… talvez o modelo de minha mãe. Ela sempre foi uma pessoa perfeitamente dedicada ao meu pai […] Eu não sei de onde isso vem… Talvez tenha a ver com essa história de religião… pelo meu corpo… a minha intimidade não é para qualquer pessoa… é uma coisa sagrada para mim…” Assim como o marido, a esposa mostra que também não conseguiu romper com papéis tradicionais de gênero que esperam devoção feminina e atribuem às mulheres a função social de esposa e mãe.

Por outro lado, também é possível perceber que alguns comportamentos e características atribuídos a determinado gênero são ressignificados ou negados no meio swinger. Dos doze informantes, dez acreditam que homens e mulheres possuem os mesmos instintos e impulsos sexuais. Somente o casal descrito acima atribui ao sexo masculino mais apetite sexual. Outro aspecto diz respeito à emotividade. Como enfatiza Almeida (1995), as sociedades ocidentais pós-iluministas têm associado a emoção à feminilidade e a razão à masculinidade de maneira quase taxativa.

Desta forma, se as mulheres fossem “naturalmente” mais emotivas, sentimentais e afetuosas que os homens, as swingers teriam extrema dificuldade em ser adeptas da prática já que uma de suas características principais é a separação entre sexo e amor. Não é exatamente isso que os informantes mostram. Das doze pessoas, somente uma mulher e dois homens comentam que têm dificuldade em fazer esta separação. Um destes homens explica:

“Eu tenho uma ideia muito particular que julgo que seja 50% e 50%. E eu pertenço àqueles 50% que não consigo ter nada com ninguém se não sentir um carinho, se não sentir nenhum afeto… sim, ok… um afeto. Portanto, se não sentir e não tiver nada dentro desses parâmetros, dessas coisas… não se consegue ter nada com uma outra pessoa que seja útil para nós. Útil no sentido de gostarmos ou transmitirmos também algum carinho, algum afeto à outra pessoa, não é‌! Há pessoas que utilizam a outra pessoa no swing como um objeto… eu acho errado…”

Já sua esposa afirma:

“Para mim, com o devido respeito, tudo que entra em um casal tem que entrar como um objeto… se cria-se laços, o casamento vai ruir. […] Mas isso porque eu ponho a razão por cima da emoção… também sou diferente, não é‌! O grande problema que sempre tive com ele é exatamente este… É que ele tem que ter ligação, já eu não… nem quero. […] E com quem eu tenho ligação, nunca tenho nada. […] Ele é dos seres humanos mais bonzinhos que já conheci na minha vida. Não há maldade naquilo… e ele entende que o ser humano deve ser tratado com respeito, com sentimento, com aquilo tudo… Tudo bem, eu concordo com isso… (não fiques agora a pensar que sou uma cabra!)… Mas, para mim, nestes meios, não.”

Outro casal explica:

“[Ela] – Eu sou muito fria. Eu não gosto, por exemplo, quando a gente está em um clube de swing e vai para um privado… o que acontece no privado não tem que vir cá para fora. Aqueles beijos… aqueles… para mim é muito… A gente só está ali por sexo… não estamos ali por carinho porque carinho eu tenho em casa, não é‌! Então é por sexo, mais nada… É chegar ali e arrumou e vem embora… e se for preciso, eu nem sequer conheço o homem mais. É por sexo. […]

[Ele] – Mas foi complicado porque como ela é muito mais fria do que eu neste aspecto… eu preciso de aquecer… Não é chegar ali e… ‘bora‌!’… Tem que haver uma sedução, tem que haver antes alguma coisa… E era complicado porque se não havia esses espaços todos, o mais certo era eu entrar dentro do local onde fôssemos fazer sexo e não conseguir excitar-me… Mas pronto… Eu hoje acho que já não sou tão quente como era… não preciso aquecer tanto, mas ela também já não é tão fria, tão pragmática como antes.”

Estes depoimentos deixam claro que os maridos não associam emoção ao domínio feminino e, inclusive, não veem muito sentido em um ato sexual que não envolva carinho e afeto. Os informantes, assim, incorporam o universo do amor romântico introduzido na nossa cultura na era industrial que, segundo Luhmann (1991 [1982]), consagra a interdependência entre sexualidade e amor.

Para Giddens (1996), o amor romântico é totalmente assimétrico em termos de poder e corresponde ao amor no feminino, já que o seu lugar é em casa e o espaço doméstico pertence às mulheres. Estas swingers, no entanto, parecem não ter qualquer dificuldade em romper com este ideal e “usar” os outros somente para satisfazer os seus desejos sexuais, algo tradicionalmente associado ao universo masculino.

Exatamente estes dois casais em que os homens têm dificuldade em separar sexo e amor enfrentaram uma consequência indesejada no swing. Eles se envolveram com uma single feminina por um período mais prolongado e as singles, bem como um dos informantes, desenvolveram laços emocionais. Um dos casais diz que a situação foi rapidamente resolvida, e a outra esposa explica que saiu “psicologicamente maltratada do episódio” e, por isso, o casal ainda não voltou a se envolver com uma single. Ela garante, no entanto, que isso não ameaçou o casamento.

Durante a etnografia, um swinger explicou que considera mais provável e comum as pessoas se apaixonarem no ambiente de trabalho do que no swing, pois elas convivem juntas por muito mais tempo, se conhecem melhor e não conseguem controlar os desejos proibidos. Outra estratégia para evitar este tipo de problema, segundo um casal de informantes que estabelece laços de amizade com outros casais, é escolher bem com quem se envolver. Eles explicam que utilizam critérios como casais maduros que estão juntos há muitos anos, que têm filhos, que possuem sintonia, etc.

Esta preocupação pode ser analisada a partir do que Heilborn (2004) ­chamou de “feminização” do relacionamento. Segundo a autora, a regra ­sociológica da conjugalidade contemporânea é a mutualidade, ou seja, ao invés da noção de complementaridade, o casal é regido por princípios de igualdade e simetria, por um tipo de trocas em que a mesma dádiva dada é também recebida. Este casal é denominado pela autora de “casal igualitário”, e isso implica a rejeição da demarcação de papéis de gênero. Neste sentido, Heilborn (2004) explica que a conjugalidade igualitária exige que os homens se aproximem de dois domínios conjugais considerados como estritamente femininos na conjugalidade patriarcal: o trabalho doméstico e o investimento emocional na relação.

Nos meus informantes, este investimento é notório por parte de ambos os cônjuges. Um dos homens explica que é necessário ter muito cuidado com o outro e com a relação, pois esta “é uma permuta constante… uma ajuda constante e precisa ser alimentada todos os dias e nas coisas mais insignificantes […] Não é porque fazemos anos que devemos oferecer uma coisa ao outro. Não… façamos todos os dias”. Um outro marido conta que, quando o casal se desentende, “os dois não querem dar o braço a torcer” e ele toma a iniciativa de conversar com a esposa e tentar resolver a situação em nove de cada dez vezes.

O próprio swing parece ser o ponto crucial de investimento e cuidado por parte de ambos na relação. A prática é encarada como uma maneira de aproximar e fortalecer ainda mais o casal e só existe através de consentimento. Portanto, exige diálogo, negociação constante, confiança e respeito mútuos. Além disso, existem riscos que exigem igual dedicação dos dois companheiros a fim de preservar o relacionamento.

 

Heterossexualidade, bissexualidade e homossexualidade

“Onde tudo é permitido e nada é obrigatório”. Este lema internacional do swing é utilizado para mostrar o caráter liberal e hedonista da prática, o que não significa um universo sem regras. O lema, no entanto, é questionável no que diz respeito à bissexualidade masculina, prática sobre a qual não existe uma norma proibitiva explícita, mas parece estar claramente definida no imaginário dos swingers. Todos sabem que somente a bissexualidade feminina é aceita e bem-vinda nos clubes, ao menos na frente dos outros.

Durante a etnografia e as entrevistas, ouvi diversas explicações para isso que podem ser agrupadas da seguinte maneira: os que dizem não saber a razão, mas saberem apenas que é assim; os que afirmam que provavelmente é porque é feio e agressivo ver dois homens juntos enquanto duas mulheres é delicado e bonito; e, por fim, os que consideram ser um reflexo dos valores culturais do “macho”, caracterizando-se como uma contradição e hipocrisia do swing.

Para Almeida (1995), assim como a fissura entre as categorias de homem e mulher é central para a dinâmica do poder patriarcal, a divisão primordial no caso dos homens é entre masculinidade hegemônica e várias outras ­masculinidades subordinadas. Neste sentido, o autor explica que o que está em jogo não é o papel masculino, mas sim uma variedade específica de masculinidade que se sobrepõe a outras variedades.

O autor afirma que a masculinidade hegemônica exige um autocontrole ou vigilância elevado, aplicando-se ao modo de falar e de usar o corpo, ao que se diz, à roupa, dentre outros domínios de interação. Almeida (1995) acrescenta que ser homem é sobretudo algo do nível discursivo e do discurso enquanto prática, existindo uma longa distância entre o que se diz e o que se faz. Além disso, a masculinidade assenta-se fortemente nos aspectos sexuais, fazendo com que a associação à homossexualidade seja uma das ameaças mais comuns a esta hegemonia. O depoimento de um dos meus informantes ilustra bem esta questão:

“Eu sou tarado! Uma coisa que me satisfaz é a parte do sexo. De qualquer maneira que seja… Hétero… [a palavra é pronunciada com ênfase] Gosto de me informar, de saber posições… Eu tenho interesse por uma série de coisas, mas o único tema que me levou sequer a querer pesquisar sobre o assunto foi o tema do sexo… Querer saber sempre mais e fazer mais… de maneira variada […] Por isso é que sempre fui naquela de nunca dizer não a uma ciência que inicialmente desconheço… Só há uma coisa que estou seguro e sei que não hei de querer… É a parte do homo… Porque estou seguro daquilo que eu gosto e… ver homens juntos não me excita… Ver duas mulheres juntas excita-me. E me ver com uma mulher me excita ainda mais… Logo, sei que à partida… em partes assim mais para o bi, comigo não funciona. O interesse termina por ali… Não tenho qualquer problema em ver dois homens juntos […] Simplesmente a este nível eu preferia manter-me à parte.”

Um pouco mais adiante na entrevista, o informante conta que ele e a parceira estiveram com um casal em que o homem disse que “virou bi” porque teve dificuldades em ter ereção em uma determinada situação e foi o outro homem que conseguiu excitá-lo. “Ele teve uma experiência e gostou. Foi basicamente isso. E aí apercebeu-se… ‘olha, afinal eu até gosto’. Portanto, antes não sabia porque nunca tinha experimentado”. Mesmo assim, o informante garante que sabe muito bem do que gosta e não tem interesse em experimentar. Ele e a parceira, assim como todos os swingers que conheci, disseram que a bissexualidade masculina é comum no swing, mas somente às escondidas e com pessoas de confiança. É interessante observar, também, que somente “os outros” são bissexuais.

Apenas um dos informantes admitiu já ter se envolvido com outros homens. Na opinião dele, é normal existir curiosidade em relação ao mesmo sexo tanto para homens quanto para mulheres, e o meio swinger deveria ser o local onde isso poderia acontecer sem problemas. No entanto, “nós os homens desde miúdos somos os machos, não é‌! Fica mal ser… ‘aquele é paneleiro, aquele é maricas’… É depreciativo”. Ele explica que tinha esta curiosidade mesmo antes de ser swinger e foi um momento de insegurança, dúvidas e vergonha de contar à companheira. Esta, por sua vez, “no início ficou um pouco chocada, mas depois passou da fase… talvez por ter visto que eu tinha essa curiosidade, ela passou a excitar-se com isso também”. O casal então explica:

“[Ele] – Realmente o que nos atrai é o sexo oposto. Ponto. Pode haver no meio daquele calor todo um toque, pode haver…

[Ela] – Pode haver um beijo…

[Ele] – Beijo‌!… eu nunca beijei um homem na vida… Isso é por acaso…

[Ela] – Está fora de questão… também acho que é uma coisa que… já vimos em Espanha, mas não…

[Ele] – Mas isso não… Mas já fiz sexo oral e já gostei… mas também já fiz sem gostar. Portanto… cheguei à conclusão que é um bocado aquilo que ela está a dizer…

[Ela] – Tem que haver qualquer coisa, tem que haver a tal química, não é‌! Não havendo, não faz sentido sequer […]

[Ele] – Se tiver aí um homem eu não tenho desejo nenhum de estar com ele, de trocar carícias, por exemplo… É mesmo só sexo.

[Ela] – Uma coisa não tem nada a ver com outra. É totalmente diferente.”

Esta questão pode estar começando a mudar no meio swinger português. Um casal de informantes afirma que a bissexualidade masculina está ganhando espaço nas saunas, já que muitos singles masculinos frequentam o ambiente e possibilitam aos casais realizarem esta fantasia. Os informantes explicam, no entanto, que ainda assim a bissexualidade masculina só ocorre entre portas fechadas e os homens casados “não confessam a bissexualidade deles. Para eles, eles são só machos” e utilizam “a capa” de que vão às saunas para satisfazer a fantasia da esposa de estar com um single. Na etnografia, não presenciei nenhum envolvimento, insinuação ou demonstração de desejo entre dois homens. Já as mulheres dançam agarradas, trocam carícias, beijos e se masturbam nos espaços coletivos.

Alguns swingers afirmam que isso vem acontecendo somente de alguns anos para cá. Um dos informantes comenta que “até se põe a questão que se as mulheres não são bissexuais, não têm muito sucesso no swing”. Pergunto se ele concorda, e ele responde que “é verdade… Não é 100%, mas corresponde à verdade. Quando o membro feminino não é bissexual, não consegue desenvolver um swing nem a 75%”.

Na minha pesquisa, no entanto, apenas uma informante se diz bissexual, uma se considera “bi-curiosa” (segundo ela, quando existe a vontade de ­experimentar atos sexuais, mas não há a probabilidade de amar outra mulher) e quatro afirmam ser heterossexuais. Mas é interessante perceber que a orientação sexual das mulheres swingers não é tão rígida quanto essas categorias designam. A única informante bissexual, por exemplo, repetiu diversas vezes durante a etnografia que era “bi” e com frequência ressaltou o tipo físico feminino que mais lhe agrada. Na entrevista, precisei confirmar esta alegação e obtive como resposta:

“[Ela] – Não… Eu antes achava que era. Vamos ver se consigo explicar isso… se calhar até sou, pronto. Eu não me importo de estar com uma mulher, mas essa mulher tem que me dizer algo… Não tem a ver com grandes mamas… não tem nada a ver com isso. Tem a ver com empatias… Ao fim e a cabo, com empatias… Não me custa rigorosamente nada estar com uma mulher […] Eu oiço tanto as pessoas falarem da bissexualidade que… se eu for analisar as coisas bem friamente… Ora, se não me importo de estar com uma mulher, então eu sou bissexual, certo‌! Mas vou mais além disso. Eu penso assim… se eu tivesse que definir… homem ou mulher… eu preferiria logo o homem… sem dúvida.

[Pesquisadora] – E você acha que conseguiria se apaixonar por uma mulher ou é só uma questão sexual‌

[Ela] – É só uma questão sexual. Sem dúvida nenhuma. Certeza plena.”

Já no caso das quatro informantes heterossexuais, somente uma diz que é exclusivamente heterossexual e enfatiza que para ela “está fora de questão” se relacionar sexualmente com outras mulheres. As outras três não têm problemas com isso. Este aspecto do meio swinger suscita um debate interessante sobre identidade, desejo e prática sexuais.

Butler (1990) afirma que nas nossas sociedades a heterossexualidade é entendida como um sistema total e fechado, excluindo a possibilidade de sua ressignificação. Para ela, existe uma ordem heterossexual compulsória que impõe uma coerência absoluta entre sexo, gênero e desejo, fazendo com que a heterossexualidade seja assumida como presumida. A autora defende, no entanto, que já que o sexo e o gênero são construídos culturalmente, não há qualquer razão para uma relação necessária entre o gênero e o corpo. Deste modo, podemos dizer que identidade, desejo e prática sexuais não precisam ser fixos, rígidos e radicalmente determinados.

No caso dos meus informantes, o único homem que já se envolveu com outros homens, a mulher que tem dúvidas se é bissexual, a que se considera bi-curiosa e as três heterossexuais sustentam exatamente a mesma posição: envolvem-se no swing em atos homossexuais em busca de mais prazer, mas não conseguem desenvolver uma relação amorosa com alguém do mesmo sexo.

Neste contexto, a heterossexualidade compulsória alegada por Butler (1990) parece atuar com muito mais força sobre os homens do que sobre as mulheres. A bissexualidade feminina no swing aparenta estar associada ao desejo e à prática, e não à identidade sexual. O fato de desejar outras mulheres ou se envolver em atos homossexuais não significa uma ameaça à heterossexualidade ou à feminilidade, demonstrando a flexibilidade e fluidez das categorias.

Já no caso dos homens, a correlação entre sexo, gênero, desejo e prática é evidente, e a ruptura em público com esta ligação leva apenas a uma possibilidade: a identidade homossexual. Em âmbito privado, no entanto, esta rigidez pode ser rompida demonstrando a busca de alguns homens swingers por contornar a norma compulsória e os ideais masculinos hegemônicos, a fim de atender a seus desejos individuais.

Das minhas seis informantes, cinco dizem não ter problemas em se envolver com outras mulheres. Uma questão importante é saber se o desejo parte delas ou dos maridos, algo que poderia indicar a submissão feminina. Somente uma mulher diz abertamente que o marido sempre teve essa fantasia, e ela quis dar esse prazer a ele. Segundo ela, o desejo dele é anterior à entrada deles no swing e neste universo ela experimentou, “pois quis ver se realmente é bom… Há quem diga que é uma maravilha e eu quis ver, quis experimentar […] E sinceramente, não senti prazer nenhum […] Experimentei uma e não gostei… ‘se calhar é a pessoa que não diz nada’… Fui experimentar outra. A sensação foi a mesma”.

Já no caso das outras quatro mulheres, duas não especificaram se iniciaram atividades homossexuais por vontade do marido ou por conta própria. As outras duas afirmam que o interesse parte delas, e um dos companheiros até brinca que “volta e meia estou a olhar para a rapariga que está a passar e eu olho para ela [a esposa] e ela também está a olhar… fico com medo de ela gostar demais!”

Alguns estudos (Bergstrand e Sinski 2010; von der Weid 2008) detectaram que o alto índice de bissexualidade feminina no swing ocorre, na maioria das vezes, devido à vontade ou incentivo do marido. Durante a etnografia, alguns dos informantes disseram concordar com esta afirmação. Esta questão propicia uma análise interessante sobre o meio.

Por mais que as mulheres inicialmente se envolvam homossexualmente por incentivo do marido, ou muitas vezes do próprio ambiente, os relatos das swingers nos estudos citados anteriormente e na minha pesquisa demonstram que elas continuam com estas práticas porque gostam e sentem prazer. Neste sentido, o swing possibilita às mulheres descobrirem alguns aspectos de sua sexualidade e maneiras diferentes de obter prazer. A minha informante que assumiu ter experimentado atos homossexuais para atender ao desejo do marido, por exemplo, afirma que ainda pretende se envolver com outras mulheres para ter a certeza que de fato não sente prazer neste tipo de experiência ou verificar se foi apenas uma questão de incompatibilidade.

Já a única informante exclusivamente heterossexual diz que ela e o marido não têm relações com outros casais há muito tempo porque a maioria espera um envolvimento entre as mulheres. O casal, então, optou por frequentar as saunas para que ela possa ter relações sexuais com singles masculinos, “às vezes oito, dez… doze ao mesmo tempo”.

O ambiente swinger, portanto, permite que as mulheres vivenciem a sexualidade de forma mais livre e propicia a experimentação de práticas sexuais que fora daquele contexto ainda são uma ameaça à reputação feminina. No swing, a respeitabilidade e virtuosidade que ainda são socialmente esperadas das mulheres são deixadas de lado, e elas passam a desfrutar da permissividade que sempre foi dada aos homens. E se, do lado de fora, o marido em muitos casos é o principal interessado em uma “mulher respeitável”, no swing ele é o principal incentivador e cúmplice.

Ao contrário das mulheres, os homens swingers ainda precisam reafirmar a sua masculinidade para si próprios, para as respectivas companheiras e para os outros. O fato de estarem com a esposa não significa que são “homens de verdade” e, portanto, uma série de fantasias, curiosidades e possibilidades são aniquiladas ou vivenciadas às escondidas. Segundo Giddens, na contemporaneidade “a ‘sexualidade’ foi descoberta, exposta e tornada acessível ao desenvolvimento de diferentes estilos de vida. É algo que cada um de nós ‘tem’ ou cultiva e deixou de ser uma condição natural adquirida” (1996: 11). No contexto swinger, esta sexualidade parece ser uma realidade atingível para as mulheres, enquanto os homens aparentam ser as principais vítimas da masculinidade hegemônica no que diz respeito à identidade, ao desejo e à prática.

 

Considerações finais

O swing é uma prática socialmente marginalizada por desafiar os valores conjugais e sexuais predominantes nas sociedades ocidentais contemporâneas. Embora o lema deste estilo de vida seja “onde tudo é permitido e nada é obrigatório”, considero que o swing pode ser visto como um meio onde prevalece a “heteronormatividade liberal”. Por um lado, práticas homossexuais femininas são aceitas; por outro, as masculinas são tabus. A iniciativa é majoritariamente masculina, e muitas mulheres ainda aderem por pressão do marido e se envolvem sexualmente com outras mulheres por incentivo do mesmo. Muitas, no entanto, entram para o swing por vontade própria e têm possibilidade de vivenciar a sexualidade de forma mais livre e experimental que os homens, que ainda estão presos aos preceitos da masculinidade hegemônica.

Diante destas ambiguidades, é possível afirmar que os casais que se orientam por valores conjugais hierárquicos encontram no swing uma maneira de reproduzir e perpetuar estes princípios. Já os casais guiados por preceitos contemporâneos como igualdade, liberdade, reciprocidade, respeito e comunicação aberta (Heilborn 2004; Giddens 1996) podem usufruir desta prática de forma equilibrada.

O discurso e a experiência dos swingers apontam para uma aproximação aos ideais contemporâneos de conjugalidade e sexualidade, sem no entanto abandonar por completo papéis de gênero e valores socioculturais tradicionais. O swing revela-se, portanto, como um universo paradoxal e antagônico onde homens e mulheres dispostos a adotar um estilo de vida mais hedonista conflituam-se com princípios tradicionais adquiridos ao longo da vida.

 

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NOTAS

[1] Existem em Portugal alguns poucos trabalhos de outras áreas ou produzidos por swingers. Ver mais em: Bértolo (2009), SW-Team (2009), Morgado (2006).

[2] Todos os nomes utilizados neste artigo são fictícios, para preservar a identidade dos informantes.

[3] O termo single é usado no swing para designar homens e mulheres solteiros adeptos da prática.

[4] Ver “História do swing em Portugal”, <http://www.fantasiaeluxuria.com/ blogs/entry/Hist-ria-do-Swing-em-Portugal> (acesso em 15/02/2014, última consulta em setembro de 2014).

[5] Enviei mensagens de e-mail e Facebook para todos os clubes do país disponíveis na Internet. Obtive respostas dos proprietários do Dívinus e do Glamour, do XClube e do Lybidus, e ainda dos moderadores da comunidade virtual SwPt.

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