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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.25 no.3 Lisboa dez. 2021  Epub 25-Nov-2021

https://doi.org/10.4000/etnografica.10582 

Artigos Originais

Trabalho de campo multissituado e reflexividade em uma etnografia da agência da noção de bullying na contemporaneidade brasileira

Multi-sited fieldwork and reflexivity in an ethnography on the agency of the bullying notion in contemporary Brazil

iUniversidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Brasil bazzojuliane@gmail.com


Resumo

Este artigo discute os aportes teórico-etnográficos empregados para contemplar a natureza multissituada de um estudo antropológico sobre a agência da noção de bullying no contexto brasileiro contemporâneo. Tal empreendimento caracterizou-se por hibridizar distintos contextos - educacional, estatal, científico, midiático e mercadológico -, em escalas micro, intermediárias e macro de pesquisa. Uma arquitetura investigativa nesses moldes não é dada de antemão, mas sim delineada no desenrolar de um percurso etnográfico no qual reflexividade surge maximizada, tendo em vista que o antropólogo não apenas precisa pensar seu objeto de estudo, mas simultaneamente analisar todo o tempo as fronteiras do seu trabalho de campo. Para ilustrar esse processo, o artigo narra eventos etnográficos por meio dos quais se foram estabelecendo, entre os diferentes contextos e escalas, vinculações de ordem holográfica e complexa, a um só tempo significativas à pesquisadora e a seus interlocutores para os fins da investigação.

Palavras-chave: etnografia multissituada; reflexividade; bullying; agência; Brasil contemporâneo

Abstract

This article discusses the theoretical and ethnographic contributions employed to contemplate the multi-sited nature of an anthropological study on the agency of the bullying notion in the contemporary Brazilian context. Such enterprise was characterized by hybridizing different contexts - educational, governmental, scientific, media and market -, at micro, intermediate and macro scales of research. An investigative architecture along these lines is not given beforehand, but outlined in the course of an ethnographic journey in which reflexivity appears maximized, considering that the anthropologist not only needs to think about his object of study, but simultaneously analyze all the time the boundaries of his fieldwork. To illustrate this process, the article narrates ethnographic events through which holographic and complex links between the different contexts and scales have been established, at the same time significant to the researcher and her interlocutors for the purposes of the investigation.

Keywords: multi-sited ethnography; reflexivity; bullying; agency; contemporary Brazil

Introdução

Bullying designa em língua inglesa o ato decorrente do substantivo bully, que significa algo próximo a “brigão” ou “valentão” em português. De autoria atribuída ao sueco Dan Olweus (2006), professor e pesquisador do campo da Psicologia na Universidade de Bergen (Noruega), o bullying é um construto científico da década de 70, que vem se alastrando mundialmente desde então, na função de nomear agressões de natureza intimidante e repetitiva entre pares escolares.

No Brasil, o termo experimentou uma vultosa popularização somente a contar de meados da primeira década dos anos 2000. A essa altura, já havia transcendido, no país e internacionalmente, a aplicação ao universo educacional. Seu mais famoso desdobramento reside no cyberbullying, que constitui, grosso modo, o bullying praticado via meios eletrônicos. Em território brasileiro, o termo bullying não encontrou, entretanto, uma tradução no português nativo e se dispersou tal e qual em língua inglesa.

Minha investigação de doutoramento em Antropologia Social, levada a cabo entre 2014 e 2018, problematizou a agência do conceito de bullying enquanto uma categoria de acusação ativa no cotidiano brasileiro contemporâneo (Bazzo 2018). Para Ortner (2007), a “agência” configura uma “propriedade dos sujeitos sociais”: quaisquer atores a possuem, porém, em graus diferenciados e imprevisíveis, condicionados às circunstâncias de poder operantes em cada universo sócio-histórico. Nesse sentido, ao tratar da agência do bullying, pressupus um construto com potencial de informar singularmente as práticas dos atores, como também atores capazes de desencadear mutações de um construto através de suas práticas, de modo inseparável e concomitante.

As condutas cobertas hoje pela noção de bullying não são, por certo, uma novidade. Contudo, apenas recentemente no mundo, e ainda mais no Brasil, passam a ser condenáveis. Assim, na atualidade, quando alguém proclama “Isso é bullying!” está proferindo uma “acusação”, para usar a terminologia de Velho (2013). Sob essa luz, vê-se o conceito de bullying fincar raízes onde antes havia uma “área de significado aberto” - sob a qual pairavam condutas sem nome, tidas por naturais traquinagens infanto-juvenis -, tornando-a prenhe de “desvio”.

Essa transformação de status não se dá, por conseguinte, porque há um fenômeno inédito de violência. Verifica-se, sim, uma sensibilidade diferenciada em relação a certas práticas ordinárias, que não decorre tão somente da delimitação de um construto científico de identificação ou da sanção de normas de controle ou da susceptibilidade dos indivíduos. Essa percepção nova resulta de um somatório de “situações microscópicas”, desenhadas no interior de dinâmicas de poder próprias das formações coletivas (Velho 2013).

Em busca de compreender esse processo, recorri a uma “análise da política do cotidiano” (Velho 2013) por intermédio de uma “etnografia multissituada” (Marcus 1995) ou, como denominou Maurer (2005) e traduziu Cesarino (2014), uma “etnografia do emergente”. Este último conceito complexifica a abrangência do primeiro, ao contemplar investigações cujas realidades empíricas se desenham como “híbridos complexos”, numa evocação à abordagem de Latour (2008), no âmbito dos estudos sociais da ciência e da técnica. Trata-se de conjunturas que “vazam” e parecem “tocar em tudo”, nas quais o foco de reflexão pendula todo o tempo entre o local e global, o particular e o geral, sendo o conhecimento gerado justamente a partir desse movimento (Maurer 2005).

Dessa forma, uma “etnografia do emergente” situa-se, segundo Maurer (2005), em tudo “performativa”, muito além de “descritiva”. Ao afirmar isso, o autor assinala a reflexividade maximizada envolvida nesse tipo de investida, uma vez que nela o etnógrafo é “pressionado” não apenas a pensar seu objeto de estudo, mas simultaneamente a analisar todo o tempo as fronteiras do seu trabalho de campo, isto é, o “lugar no mundo” que seu esforço de pesquisa pode ocupar. Logo, está-se diante da intensificação de uma característica requerida de qualquer investigação antropológica ao menos desde os anos 80, com a evidência pós-moderna dos limites do “realismo etnográfico”.

“Performativa” por excelência, uma “etnografia do emergente” se presta de imediato, portanto, à “autodocumentação” (Maurer 2005). Esta última acontece de modo simultâneo à confecção do estudo, mas também de forma retrospectiva ou ainda prospectiva, uma vez que, mesmo finalizada, as realidades que abarca permanecem “vazando” continuamente. Esse artigo deriva propriamente desse atributo de “autodocumentação”, posto que analisa como, reflexivamente, costurei o trabalho de campo multissituado que subsidiou minha etnografia da agência do bullying, enquanto uma categoria de acusação presente na contemporaneidade brasileira.

A “relação”

Ao discutir os múltiplos terrenos e níveis abrangidos por sua etnografia multissituada sobre cooperações Sul-Sul entre Brasil e África, Cesarino (2014) realizou o inventário de alguns dos mais profícuos arcabouços teórico-metodológicos existentes hoje para subsidiar a feitura desse tipo de investigação.1 Dentre eles, a autora enfatiza para seu estudo a contribuição de Strathern (2014), segundo Cesarino, “relativamente pouco explorada” para tal fim até então, em comparação às demais.

Strathern vem exercendo expressiva influência no movimento contemporâneo de “virada ontológica” na Antropologia como disciplina (Sztutman 2013). Lastreada por sua etnografia que entrecruza problemáticas dos cenários melanésio e euro-americano para pensar temas candentes como o gênero, a autora ressitua o desafio do etnógrafo de descrever o mundo de outrem tendo apenas seu próprio vocabulário. Essa tarefa deve incluir para ela, na contramão da simples representação, a procura por uma linguagem capaz de acompanhar as maneiras pelas quais esse “outros” articulam seus próprios universos cosmológicos (Strathern 2006 [1988]).

Strathern (2004 [1991]) postula que isso seja alcançado pelo estabelecimento das “conexões parciais” possíveis entre mundos diversos - de etnógrafos e nativos -, universos estes coexistentes, mutantes, não sujeitos a domesticações e, portanto, tampouco a totalizações etnográficas. Está colocada, desse modo, a proposta da autora de uma busca incessante por simetria epistemológica e política na empreitada de exprimir e, sobretudo, aprender com ontologias diferentes, fomentando assim a construção do saber antropológico (Law e Mol 2002).

Para Cesarino (2014: 20), Strathern dá um passo considerável em reflexividade, ao destacar que os sujeitos de pesquisa igualmente “produzem conhecimento através do acionamento de escalas e contextos, em articulação com operações do mesmo tipo realizadas pelo antropólogo”. Estar consciente dessa correspondência implica atentar, ao longo do trabalho de campo, para os contextos e as escalas nativas - nas quais o antropólogo, inclusive, encontra-se enredado -, o que conferiria melhor justeza a análises multilocalizadas.

A exemplo de Cesarino (2014), para minha etnografia multissituada acerca agência do conceito de bullying, os ensinamentos de Strathern (2014) revelaram-se iluminadores, particularmente aquele de abraçar a “Relação” - desse modo, com “R” maiúsculo, num sentido forte - como “entidade” capaz de existir e de transitar entre diferentes contextos e escalas de investigação, algo que indica ter validade tanto para reflexões externas à ontologia ocidental, quanto internas a ela própria.

No momento em que se acalorou na Antropologia o debate acerca do impacto dos trânsitos globais sobre a operacionalidade do conceito de cultura, caro à disciplina e localmente situado, Strathern (1995) advogou que o foco dessa discussão necessitava se deslocar para “outro lugar”, isto é, para as “relações sociais”. Dessa perspectiva, os níveis tanto “local” quanto “global” não poderiam ser entendidos como colados a determinadas suposições espaciais, nem tampouco como realidades passíveis de atomização. Tais noções, para a autora, deveriam surgir na reflexão antropológica como “metáforas” de apoio heurístico ou, em outras palavras, como “coordenadas” para pensar as questões em estudo. Segundo ela, as contribuições analíticas mais interessantes não estariam, assim, ora numa, ora noutra instância, mas sim nas relações tecidas entre elas.

Sob essa lógica, ao falar da “Relação”, Strathern (2014) quer abranger todas as “conexões” estabelecidas entre pessoas e entre pessoas e coisas, sob diversas naturezas: de contiguidade, de semelhança, de causa e efeito, de categorização ou de lógica. Independentemente do tipo, duas “propriedades” afloram em relevo na “Relação” e permitem assim reconhecê-la: a “holografia” (cada uma das partes de uma conexão contém dados do todo e vice-versa) e a “complexidade” (uma relação necessariamente acaba por envolver “entidades” que estão além dela, em seu exterior). A autora aponta que a tessitura das conexões, contudo, demanda “tempo”, “energia” e “cultivo”, por isso, exige dedicado trabalho de campo.

Nessa esteira, abordo adiante os diferentes contextos e escalas empíricos contemplados por minha etnografia multissituada, bem como as repercussões analíticas disso para a investigação. Na sequência, por sua vez, apresento episódios etnográficos ordinários registrados nesses terrenos e níveis diversificados de pesquisa.2

Procuro, nessa exposição, destacar a “Relação”, ou seja, as “conexões” que fui compondo entre essas ocorrências, conforme se aprofundava meu percurso em campo. Logo, os eventos aqui narrados - dentre outros de minha jornada - cristalizaram em seus vínculos mútuos um “efeito holográfico” e, dessa forma, complexo (Strathern 2014). Assim, auxiliaram na certificação de que os contextos e as escalas perseguidos para a etnografia multissituada detinham sentido, para mim e para meus interlocutores, na contextura em análise. Antes de prosseguir, porém, mostra-se bem-vindo um adendo sobre as circunstâncias éticas que cercaram a investigação.

Cautela ética

O projeto da pesquisa em tela aqui não foi submetido no Brasil a comitê universitário de ética, enquanto instância historicamente orientada por critérios avaliativos próprios às ciências biomédicas. O estudo assim solidarizou-se à militância de diversas entidades acadêmicas do país por uma normativa específica para as ciências humanas e sociais, acatada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) somente após boa parte da execução de meu trabalho de campo (Resolução n.º 510/2016).

A opção por não submeter minha proposta de pesquisa à apreciação de comitê de ética sustentou-se, certamente, no fato de nenhuma das instituições em que ingressei para investidas empíricas ter me exigido tal submissão. A decisão política por esse caminho, entretanto, não implicou, em hipótese alguma, qualquer desatenção de princípios e condutas. Muito ao contrário, o estudo cercou-se de cuidados, ciente de que o compromisso ético próprio ao fazer antropológico conta, no contexto brasileiro, com um desenvolvimento avançado, de existência bem anterior ao estabelecimento burocrático de normativas (Schuch 2013).

Dentre tais cuidados, destacam-se os referentes à investigação em instituições de ensino com crianças e adolescentes em situação de menoridade legal. Em ambas as escolas nas quais estive como pesquisadora, prestaram-se esclarecimentos sobre minha atividade a pais e responsáveis, seguidos pela assinatura de termos de consentimento livre e esclarecido. Tal procedimento coadunou-se, em primeira instância, com medidas de proteção e de tutela estabelecidas, respectivamente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8069/1990) e pelo Código Civil brasileiro (Lei n.º 10.406/2002).

Enfatiza-se, além disso, que há no estudo o resguardo do anonimato de uma série de interlocutores, com quem interagi nas escolas ou em outros lugares da pesquisa, em situação de menoridade legal ou não. Entendeu-se que tal postura seria a mais apropriada para preservar a identidade, a privacidade e a confiança que todos eles depositaram em mim, ao me confidenciarem episódios de vida muitas vezes dolorosos e constrangedores, não apenas a si próprios, mas a terceiros. Trata-se de uma precaução imprescindível em espaços institucionais de convivência intensa, como as escolas, em que não raro o relato de um sujeito implica outros, ainda mais em cidades pequenas, como as contempladas por minha investigação, onde há intensivo grau de conhecimento entre pessoas.

Não obstante, revelou-se critério para prescindir do anonimato de uma gama de outros interlocutores o caráter de domínio público de seus conteúdos, atividades e posicionamentos, acessíveis por direito a quaisquer cidadãos, como também já publicitados na imprensa e/ou na cena editorial, leiga ou acadêmica.

Contextos e escalas

A proposta de Velho (2013) de enquadrar a “acusação” como um problema antropológico norteia-se por transcender tentativas tradicionais de um entendimento psíquico da conduta desviante, para nela valorizar seu fundamento social inextricável. Esse viés interpretativo permitiu-me perceber a noção de bullying agenciada como uma inculpação que se conforma com recorrência em resposta à outra, isto é, como uma contra-acusação. Esse fato se deve à capacidade ímpar do conceito de imantar-se a marcadores de alteridade dos mais diversos - de classe, raça, etnia, gênero, orientação sexual, entre outros -, os quais de longa data mobilizam uma variedade de acusações na profundamente desigual sociedade brasileira.

Segundo a World Wealth and Income Database, o Brasil se encontra entre as nações onde os níveis de desigualdade de renda são “impressionantes”, “altos” e “persistentes” historicamente. Desse modo, o país tem surfado entre as primeiras posições em sucessivos rankings internacionais divulgados nesse quesito (Morgan 2017).3 Contudo, o rendimento, embora relevante, constitui apenas a ponta do iceberg na análise de uma desigualdade multifacetada que, para se perenizar, recruta outros marcadores de diferença, como os outrora mencionados (Souza 2009). Esse quadro tem se agudizado com a adesão do Brasil, a contar dos anos 90, a um modelo de governo neoliberal que, em linhas gerais, promove o desmonte de estruturas públicas de bem-estar social e de promoção da diversidade, já muito parcas no país, em favor da liberalização irrestrita de mercados (Souza 2016).

Considerado esse crítico cenário, na trilha de Foucault (1984: 10), apreendi então o bullying enquanto um “dispositivo”, ou seja, um artefato portador de uma “experiência historicamente singular”, que inclui “a formação dos saberes que a ela se referem, os sistemas de poder que regulam sua prática e as formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeitos” desse construto. “Dispositivos” não são, em essência, genuínos ou falaciosos, mas permeados por “jogos de verdade” que, segundo Foucault, refletem disputas de poder orientadas para resultados.

Nessa trama, reconheceu-se, de saída, que agenciamentos do bullying vinham tomando forma em domínios muito variados no cenário brasileiro: em pesquisas científicas, em programas de prevenção e intervenção, em estratégias de ativismo, em instrumentos legais, em produtos e serviços, em conteúdos noticiosos ou ainda nas “zoeiras”. Com esse termo, aponta Pereira (2010), diferentes grupos juvenis têm definido no Brasil suas relações de “socialidade jocosa”, que incluem, dentre outros elementos, “gozações” de feitio discriminatório, hoje associadas ao bullying, na escola ou fora dela.

Como dito, o debate social em torno do bullying origina-se e se mantém vivo pela identificação de sociabilidades conflituosas como um problema presente nos espaços de educação infanto-juvenil. Desse modo, embora tenha se proposto a analisar a agência desse conceito numa gama de lugares, minha investigação não pode deixar de imprimir preeminência a uma reflexão desde as instituições de ensino. Sob inspiração de Mayer (1987), é possível dizer que, em meio aos contextos e escalas tecidos para a confecção de meu estudo, a escola operou como uma espécie de “ego”, a mobilizar e orientar as ponderações em todos os demais.

Todavia, não restava dúvida de que uma abordagem antropológica da agência do construto do bullying na atualidade brasileira se ampliava em contundência quando considerados outros terrenos de sua circulação, a saber: o científico, o estatal, o midiático e o mercadológico, todos contemplados pela investigação. Logo, nessas esferas, o esforço etnográfico esteve em identificar e problematizar, em linha com Becker (2008), a atuação dos “empreendedores morais”. Estes são indivíduos, instituições, iniciativas e documentos responsáveis hoje por agenciar o conceito de bullying numa variedade de esferas e, dessa maneira, alavancar uma série de filosofias, políticas e práticas, orientadas para fins diversificados.

Colocar-se numa posição atenta e sensível a essa pluralidade de agenciamentos em ação pressupôs se permitir “afetar” (Favret-Saada 2005) por uma atmosfera cotidiana em que o termo bullying literalmente pipocava, enquanto recurso para verbalizar relações e situações das mais variadas, nas quais sujeitos se veem hoje intimidados e agredidos. Em decorrência disso, ouvi de interlocutores, um sem-número de vezes, a exclamação que titulou meu trabalho: “Agora tudo é bullying!”. Com essa frase, eles indicavam o desafio diário de serem politicamente corretos, a fim de lidar com o crescente volume de indivíduos, de todas as idades, designados vítimas de bullying e, consequentemente, demarcadores em seu entorno de agressores para tais ocorrências.

O investimento etnográfico realizado constatou que as mudanças sociológicas desencadeadas pelas políticas inclusivas pioneiras dos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016) no Executivo configuraram combustível essencial à explosão do bullying, enquanto ideia, na cena pública brasileira.4 Tais políticas, importa notar, delimitaram um quadro de “cidadania diferenciada” (Holston 2013) porque, apesar de seus efeitos pragmáticos, ainda mantiveram intactas as históricas desigualdades entre grupos hegemônicos e subalternizados. De qualquer modo, essas iniciativas acirraram tensões sociais, “em face do movimento sutil das placas tectônicas da sociedade de classes brasileira, que [a]ponta para uma leve ruptura entre os limites do apartheid que existia (e que ainda tenta desesperadamente existir).” (Pinheiro-Machado 2014).

Posicionada nesse conflituoso panorama como etnógrafa, mas também como cidadã, precisei “estranhar o familiar” (Velho 2013) para estudá-lo. Isso significou ofertar uma escuta séria e dedicada àquilo que quaisquer interlocutores me falassem sobre bullying, não apenas nas esferas formais arquitetadas para a investigação, mas em todos os momentos de meu dia a dia. Em minha etnografia multissituada, inseri-me, portanto, em “esferas de valor distintas” (Oliveira 1994), com a finalidade de pensar sobre moralidades a gravitar em torno de “manifestações empíricas” da agência do conceito de bullying no cenário brasileiro contemporâneo. Sob tal perspectiva, o estudo abrangeu conjunturas temporais distintas de imersão em campo.

A primeira delas transcorreu entre os anos de 2014 e 2015. Envolveu o mergulho na cotidianidade de duas escolas, uma pública e outra privada, situadas na região dos municípios de Gramado e Canela, onde à época eu residia, ambos localizados no estado brasileiro do Rio Grande do Sul.5 Além disso, contemplou a investigação em instâncias estatais, redes científicas e organizações da sociedade civil. Para essa parte da empreitada analítica, estabeleci como ponto fixo o estado do Rio Grande do Sul, especialmente sua capital Porto Alegre, de onde o trabalho de campo se irradiou pontualmente a outras localidades do país.

Um segundo momento da jornada de campo foi levado a cabo entre 2016 e 2017. Abarcou o estágio doutoral que realizei por um ano acadêmico nos Estados Unidos onde, na cidade de Nova York, entrei em contato com uma atmosfera recheada de políticas, programas e intervenções antibullying, capitaneados por agentes públicos, grupos acadêmicos e entidades sem fins lucrativos.6 Autores diversos, com maior ou menor criticidade, concordam que hoje os Estados Unidos encontram uma proeminência no debate internacional sobre bullying (Olweus 2013; Derber e Magrass 2016). Dessa forma, os dados coletados nesse país iluminaram comparativamente minha tarefa precípua, que residiu em refletir sobre o quadro brasileiro da agência desse construto.

Em ambas as temporalidades do trabalho de campo, acompanhei sistematicamente uma miríade de conteúdos midiáticos, de produtos e serviços do mercado, bem como de impressos de referência, tanto nacionais quanto internacionais, em que o bullying aparecia como mote. Esses elementos “não humanos”, como adverte Latour (2008), também são revestidos de agência, não só porque fabricados e usados por pessoas, mas porque, socializados, desenham trajetórias agentivas próprias, que escapam ao controle de seus criadores e usuários em particular. Logo, atuam como “produtores de realidade” e constituem “peças etnográficas” tão relevantes quanto quaisquer outras (Vianna 2014).

De modo conclusivo, é possível sintetizar que minha investigação se organizou metodologicamente em duas direções. Uma de feitio horizontal composta por cinco contextos, já aqui introduzidos: o educacional, o estatal, o científico, o midiático e o mercadológico. A segunda orientação, por seu turno, adquiriu uma característica vertical, uma vez que acomodou os contextos antes citados em escalas sociológicas de operação “micro”, “meso” e “macro”, conforme proposta de Oliveira (1994).

Segundo esse autor, o nível “micro” constitui o espaço dominado pela particularidade, de modo que, em meu estudo, abrangeu a pesquisa no contexto educacional, desde um cenário municipal específico, sediado no estado do Rio Grande do Sul. O nível “meso”, por sua vez, configura lugar de mediação e nele se situam instâncias cuja atuação repercute sobre as microrrealidades. Nessa escala, alocaram-se, portanto, os contextos estatal, científico, midiático e mercadológico, considerados em um âmbito brasileiro. Por fim, o nível “macro” é a sede da generalidade e, dessa forma, incluiu o exercício investigativo efetuado no exterior, com suas repercussões nacionais.

Essa ordenação analítica possibilitou pensar - de forma interconectada, mas não necessariamente linear - como conceitos, filosofias e programas internacionais informam uma produção científica nacional. Como esta última, por sua vez, subsidia a elaboração de políticas públicas, a constituição de mercados e a cobertura midiática no país. E, finalmente, como todos esses elementos impactam o cotidiano das instituições de ensino no que tange à agência do bullying como “dispositivo” (Foucault 1984).

Sob essa luz, narro a seguir episódios etnográficos que, enredados em suas propriedades de “holografia” e “complexidade” (Strathern 2014), contribuíram no processo de certificar as “conexões” entre os contextos e as escalas delimitados para minha etnografia multissituada.

Um olhar micro

Um dos ambientes nos quais me introduzi como pesquisadora, na região dos municípios gaúchos de Gramado e Canela, configura-se uma instituição pública de ensino fundamental e médio, além de educação de jovens e adultos. À época, a escola contava com cerca de 70 professores e mil alunos de camadas socioeconômicas médias. Nela, permaneci cotidianamente ao longo de um ano e meio, período no qual realizei observações, ora participantes, ora não, em turmas de diferentes níveis de ensino; efetuei entrevistas com educadores e estudantes; entabulei uma série de conversas formais e informais com esse mesmo público, além de ter feito o escrutínio de materiais didáticos de interesse que me chegaram às mãos.

A esse espaço aliou-se minha inserção em um colégio privado de ensino fundamental, médio e profissionalizante, vinculado a um conglomerado educativo de atuação nacional. A unidade em que o estudo aconteceu, ao longo de um semestre, reunia naquele momento em torno de 50 educadores e 400 alunos. Os estudantes também provinham de classes médias, porém, ocupavam com maior recorrência estratos superiores desse segmento em relação aos discentes da escola pública investigada. No colégio privado, dado o tempo mais circunscrito obtido para a concretização da pesquisa, dediquei-me a promover grupos focais com discentes e entrevistas com docentes.

“Isso é bullying, não é?”: por diversas vezes, indagações nesses moldes se dirigiram a mim na trajetória de investigação em tais universos escolares. Ao proferir esse gênero de interrogação, educadores e estudantes guardavam a expectativa de que, enquanto pesquisadora do tema, eu pudesse ofertar uma espécie de confirmação diagnóstica acerca de episódios por eles descritos. Acredito que minhas réplicas, todavia, eram-lhes um tanto frustrantes. Antropologicamente orientadas, resumiam-se a novas interpelações: por que você acha que teria sido bullying? Ou, ainda, por que você considera que não teria?

Essas minhas perguntas quase sempre abriam espaço a argumentações dos sujeitos de pesquisa. Ao sucessivamente ouvi-las na jornada de campo, algumas constatações surgiram, em direção similar àquelas de Lahire (1997) quando ele, em meio a estratos populares franceses, estudou a percepção de “fracasso escolar”. A exemplo desta última, o bullying constituía, certamente, uma noção difusa em meu cenário de estudo e, ao agenciá-la genericamente, os atores mobilizavam um certo pano de fundo comum.

Porém, à medida que por algum motivo circunstâncias se detalhavam, os discursos de meus interlocutores se matizavam, autorizando - ou não - a aplicação do conceito a comportamentos e ocorrências bastante díspares. Esses encontros e desencontros de significação falavam menos dos contornos do bullying como construto científico e mais das relações tecidas no cotidiano escolar. Logo, verificou-se a existência de uma agência disseminada, mas que, a despeito de determinadas convergências semânticas, não surgia unificada, tampouco transparente.

Agredir, ofender, atacar, maltratar, intimidar, aterrorizar, oprimir, “judiar”, subjugar, humilhar, menosprezar, constranger, caçoar, incomodar, excluir, segregar, magoar, angustiar e entristecer o outro. A todas essas ações, de um modo geral, os atores escolares com quem convivi aplicavam o termo bullying. Este “outro” por eles citado poderia ser qualquer pessoa - colega, professor, parente, etc. - e estar não só na escola, mas em outros ambientes, como o familiar e o laboral. Vê-se, como já mencionado aqui, um agenciamento que claramente ultrapassa os limites da conceituação de Dan Olweus (2006) operada hoje no meio acadêmico brasileiro, a qual circunscreve o bullying a incidentes entre pares em contextos educacionais.

Ademais, enquanto o construto científico original abrange também ofensas físicas, aquelas de ordem moral - insultos verbais e exclusões silenciosas - demonstravam reconhecimento coletivo preeminente entre meus sujeitos de pesquisa. Entre eles, a noção de bullying aparecia, com recorrência, como sinonímia de preconceito, discriminação, intolerância e desrespeito de diferenças socioculturais entre indivíduos. O atributo de repetição, por seu turno, essencial ao conceito de Olweus (2006), revelou-se considerado, na medida em que se evidenciou costumeira a vinculação do bullying à perseguição, à implicância e ao “pegar no pé”.

Os agentes ainda lançavam mão do bullying para classificar o que entendiam por gozação, chacota, deboche e “brincadeira maldosa”, bem como atos de atribuir apelidos, efetuar fofocas, fazer piadas, dizer palavrões e “rir da cara” de outrem. Os estudantes sintetizavam tudo isso na prática da “zoeira”, aqui já citada sob análise de Pereira (2010). Esse autor explica que a “zoeira” reflete o espírito da interação juvenil, que mescla elementos lúdicos e cômicos, com diversificados efeitos. De um lado, pode colocar em xeque o controle institucional da escola e inserir o lazer em um ambiente de ensino compreendido como tedioso; de outro, é capaz de atuar como “dispositivo reprodutor” de preconceitos socialmente arraigados. “Zoar”, portanto, inclui tanto a possibilidade de incrementar a reciprocidade entre pares, quanto de conduzir ao conflito, daí sua íntima ligação com o bullying.

Docentes e discentes com quem dialoguei assinalaram, em sua maioria, meados da primeira década dos anos 2000 como marco temporal do primeiro contato estabelecido com a noção de bullying. Parte deles disse que isso se deu de maneira “automática”, posto não se recordarem de um momento qualitativo específico. Outra porção, por sua vez, apontou uma série de mediadores responsáveis pela introdução ao conceito: a televisão, por meio de programas, filmes, séries, reportagens e propagandas; outros veículos de comunicação, como jornais, revistas e a Internet; políticos, policiais e acadêmicos, por intermédio de palestras e campanhas realizadas no espaço escolar; além de produtos gerados pelo mercado em torno do assunto, como livros didáticos e jogos infanto-juvenis.

Ademais, certos educadores citaram a universidade como mediadora, tendo em vista que a formação mais recente deles já incluía o tema no currículo, ao passo que determinados estudantes situaram nessa posição a própria escola e seu corpo funcional, a partir de atividades em sala de aula e da repreensão cotidiana a comportamentos entendidos como bullying. Em meio a essa eclética gama de intermediários, algumas plataformas e conteúdos engajaram de modo ímpar a atenção de professores e alunos no processo de tomada de conhecimento do construto.

Nesse sentido, ocupou lugar de destaque a ampla divulgação midiática de suicídios juvenis e de ataques armados a instituições de ensino supostamente motivados por bullying, a exemplo das tragédias em Columbine High School, nos Estados Unidos no ano de 1999, e na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro carioca de Realengo, em 2011. Aquele país também se sobressaiu em menções a outros recursos imagéticos que ajudaram a tornar o bullying inteligível aos agentes escolares. Nesse âmbito, ocorreram referências variadas a séries e filmes de ficção norte-americanos, assim como a vídeos virais virtuais ambientados nos Estados Unidos, nos quais embates entre estudantes “populares” e “perdedores” determinavam cenas emblemáticas de bullying.

Por fim, os atores relacionaram sua sensibilização ao conceito devido, de um lado, à difusão da prática do cyberbullying e, de outro, à pulverização de depoimentos de vítimas, ambas por intermédio de um mesmo canal: as tecnologias de informação e comunicação, espraiadas nos anos recentes, com uma pluralidade de recursos multimídia e de redes sociais. Na esteira dessa elevação de voz de vitimados, é preciso enfatizar que, para uma dada parcela de informantes, a hostilidade sentida na pele ou vivida de perto configurava a própria explicação para o contato inicial com o bullying. Tais agentes, quando questionados sobre as circunstâncias em que ouviram falar dessa ideia pela primeira vez, ofertavam respostas tais como:

“Foi em um dia comum, mas me cercaram, começaram a me chamar de veado e a me espancar” [estudante, 16 anos].

“Minha primeira turma foi muito difícil. Tinha uma aluna negra, nunca vou me esquecer. Qualquer coisa que acontecia, os colegas falavam ‘isso é coisa de preto’, para atacar essa colega” [professora, 27 anos].

Essa não dissociação - entre o bullying como construto e a experiência propriamente dita de humilhações - ofertou-me uma pista interpretativa: deixava entrever um conceito cujas significações se movimentavam numa corda bamba no cotidiano escolar. Isso que primeiro apareceu como indício tornou-se evidente à medida que aprofundei minha vivência nas rotinas pedagógicas. Dessa forma, pude perceber uma noção que se equilibrava a partir de certas percepções compartilhadas e, ao mesmo tempo, ecoava instabilidades no manejo contingente que os indivíduos imprimiam a ela.

Iniciativas com a proposta de trabalhar o bullying como tema - sejam pesquisas, campanhas, palestras, oficinas, entre outras - recobrem-se, em geral, de uma aura de positividade dentro das instituições de ensino. Esse é, afinal, um problema que as comunidades educativas devem dar conta na atualidade e toda ajuda parece bem-vinda. Todavia, essa atmosfera favorável, apesar de dispersa, não se relevava totalmente acatada em meu universo investigativo. Na jornada de campo, deparei-me com um grupo seleto de docentes e estudantes críticos, que apontavam opacidades no conceito de bullying, para eles um complicador e não um auxílio na dissolução dos conflitos escolares.

Devido a isso, principalmente alguns educadores demonstraram, inicialmente, receio em dialogar comigo, temerosos de que sua postura divergente fosse entendida por mim como depreciativa à investigação em curso. De meu lado, contudo, as investidas para me aproximar deles foram constantes, na expectativa de compreender as instabilidades que a noção de bullying sinalizava ao ser manejada naquele ambiente. Em interlocuções adiante estabelecidas, constatei que esses professores e alunos questionadores empenhavam-se em tecer relações mais complexas entre bullying e tópicos tais como o racismo, as desigualdades socioeconômicas e a judicialização de conflitos escolares por danos morais:

“Pra mim, preconceito não é bullying, embora as pessoas digam que é. Você ofender uma pessoa pela cor não é bullying, é racismo” [estudante, 15 anos].

“[É] muita desigualdade econômica, são poucos com muito. Aqui nós temos alunos que trabalham, chegam na escola exaustos, enquanto outros não, só estudam” [professora, 27 anos].

“[O bullying] É algo típico no ambiente da educação, não é uma nova síndrome. Acredito que não era preciso trocar o nome e sim tratar as causas. […] Antes, conversando, a gente conseguia manter as amizades. Hoje, tudo é bullying e se perde o coleguismo, porque uma criança diz pra outra coisas do tipo ‘minha mãe disse que eu posso processar’ ” [professora, 44 anos].

Os elementos reunidos nesses depoimentos, indubitavelmente, complicam a elaboração de respostas ágeis à pergunta outrora trazida à baila: é bullying ou não é?

Miradas intermediárias

Em agosto do ano de 2015, o escritor gaúcho Fabrício Carpinejar esteve na cidade de Gramado, um dos municípios onde estava meu contexto educacional de pesquisa, para proferir duas palestras sobre bullying escolar, a convite da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores. Uma palestra era voltada a estudantes; a outra, a professores e pais. O acontecimento virou manchete tanto na imprensa local quanto na da região, por se tratar de um escritor altamente midiático, reconhecido nacionalmente.

Fiquei sabendo das palestras porque, como parte de minha investigação, vinha perseguindo uma rota de notícias sobre bullying, sob auxílio da ferramenta de alertas do Google, capaz de enviar, via e-mail, atualizações diárias de conteúdos do buscador que contemplem palavras-chave previamente cadastradas. Dia a dia, esse material coletado era por mim filtrado conforme meus propósitos de análise e, subsequentemente, recebia registro em diários de campo. Essa sistematização foi tornando possível mapear na cobertura da imprensa a regularidade de certos temas, enfoques e personagens, em detrimento de outros.

Graças a isso, tive notícia da vinda do escritor à cidade de Gramado e compareci então às suas palestras. Nelas, percebi imediatamente mobilizados como participantes, em volume expressivo, meus interlocutores nas escolas onde se encontrava em curso parte da etnografia. Para se ter uma ideia, a conversa do escritor com estudantes aconteceu numa manhã em um pavilhão de eventos, cujo estacionamento ficou repleto de ônibus, responsáveis pelo transporte de grupos de alunos e professores. Já a fala dirigida aos adultos ocorreu, no mesmo dia à noite, num auditório de porte médio da Câmara de Vereadores do município.

Logo na entrada de cada uma das palestras, os participantes recebiam como brinde um exemplar do livro Filhote de Cruz-Credo: A Triste História Alegre de Meus Apelidos (Carpinejar 2006). Trata-se de uma obra infanto-juvenil, de caráter autobiográfico, na qual Carpinejar conta experiências de bullying vividas em sua trajetória escolar, pelo fato, segundo ele, de ser considerado um garoto feio.

O livro já era por mim conhecido, visto estar entre os artefatos materiais a atuarem como meus objetos de pesquisa no terreno de estudo que denominei por mercadológico. Nesse domínio, foi alvo de meu exame uma enormidade de produtos e serviços de sucesso comercial a tematizar o bullying na atualidade brasileira: obras de autoajuda, manuais de orientação, cursos de capacitação, palestras informativas, peças de teatro, livros infanto-juvenis, jogos presenciais e online, materiais didáticos, cartilhas pedagógicas e até mesmo apólices de seguros para proteção financeira de instituições de ensino, diante do incremento de processos judiciais motivados por episódios enquadrados como bullying ocorridos em dependências escolares.

A escolha do escritor Fabrício Carpinejar para atuar como palestrante na ocasião aqui narrada não se deveu, entretanto, apenas à sua projeção midiática e ao reconhecimento de seu livro autobiográfico. Um ano antes, em 2014, ele havia percorrido o estado do Rio Grande do Sul com palestras sobre bullying escolar, contratado pelo projeto “Educar sem Discriminar”, encabeçado pela Secretaria de Estado da Justiça e Direitos Humanos, em parceria com a pasta da Educação.

Nesse âmbito, a atenção do Rio Grande do Sul à temática do bullying se resguardava de uma motivação particular em relação a outros estados brasileiros. No momento em que o projeto “Educar sem Discriminar” se desenrolava, estava justamente em fase final de tramitação o Programa Nacional de Combate à Intimidação Sistemática - Bullying (Lei n.º 13.185/2015), cuja proposição legal em 2009 havia sido de iniciativa do deputado gaúcho Carlos Eduardo Vieira da Cunha, na Câmara Federal. Esse parlamentar se tornaria, na sequência, secretário de Estado da Educação (2015-2016).

Os dois órgãos públicos responsáveis pela execução do projeto “Educar sem Discriminar” - a Secretaria de Estado da Justiça e Direitos Humanos e a Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Sul - configuraram meus dois principais territórios de pesquisa no interior do contexto estatal definido para a etnografia multissituada. Dentro desses órgãos de governo, realizei análises de documentos, observações de eventos de interesse, bem como entrevistas com atores-chave.

Nesse decurso, conheci não só gestores públicos, mas também inúmeros educadores, de trajetórias profissionais variadas e com atuações em diferentes cidades do estado. Ao ouvi-los e ao dialogar com eles, pude sistematicamente expandir as reflexões que vinha tecendo a partir da imersão cotidiana em escolas, na instância municipalizada da pesquisa. Procedi, dessa forma, a exercícios comparativos que permitiram visualizar relações, distinções e generalizações.

Logo, meu olhar esteve longe de ser neutro à performance do escritor Fabrício Carpinejar nas palestras que ele realizou no município de Gramado, onde estava meu terreno micro de investigação. Minha percepção recebeu impacto da opinião de certos gestores públicos com quem tinha dialogado, alguns deles também ativistas de direitos humanos, que classificavam Carpinejar como um orador bem-humorado, capaz de empregar uma linguagem jovem, causadora de empatia para com o público escolar. Mas essa não era uma posição unânime.

Outros gestores e ativistas tinham reticências quanto à qualificação do escritor para falar da temática em foco e defendiam a mobilização de palestrantes de notório saber, advindos seja da academia, seja da atuação engajada em movimentos sociais em prol dos direitos humanos. Nessa linha de contrariedade, minha leitura das palestras de Carpinejar informou-se também por conversas travadas com pesquisadores da questão do bullying no meio universitário. Alguns declararam-me ver negativamente a intromissão de um literato num assunto classificado como científico, que deveria reservar-se, para eles, a especialistas acadêmicos.

A rede científica que consultei teceu-se a partir de interlocuções com dois coletivos de pesquisa chancelados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ambos sediados na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS): o grupo Relações Interpessoais e Violência (Rivi), da área de psicologia, e o grupo de estudos e Pesquisa em Violência (Nepevi), do campo do serviço social. Os dois possuem reconhecimento além das fronteiras do estado do Rio Grande do Sul na dedicação a estudos sobre bullying escolar. Do diálogo com cientistas desses agrupamentos, alavanquei a identificação de novos estudiosos de realce, atuantes em outras regiões do país e em campos do saber tão variados como psicologia social, educação, sociologia, direito e saúde coletiva. Entre eles, realizei entrevistas pessoais, observações em eventos científicos e incrementei a pesquisa bibliográfica.

As duas palestras do escritor Fabrício Carpinejar na cidade de Gramado delinearam, por conseguinte, um momento crucial de meu trabalho de campo. Em um único evento de natureza local, emergiram conectados, em quase totalidade, os contextos e as escalas estabelecidos para o desenvolvimento da etnografia multissituada. Assim, perante essas duas palestras, encontrava-me diante de um evento de promoção do estado, que havia conquistado espaço na mídia, engajado instituições de ensino municipais e dado vitrine a um produto editorial, isso na contramão da opinião crítica de certos segmentos científicos e ativistas em direitos humanos.

Em suas duas exibições, o escritor argumentou contra o que, nas palavras dele, constitui um “culto ao coitadismo” na atualidade, disseminador do “pior bullying”: o “autobullying”, um termo de sua acepção, sem lastro científico ou militante. Segundo ele, há que se ensinar aos estudantes como se defender de uma ofensa com senso de humor, inteligência e gentileza. Testemunhei uma audiência de professores e pais que recebeu essa mensagem com quase absoluta mudez, exibindo um comportamento esperado perante alguém apresentado pelo promotor do evento como “especialista” no tema.

O contrário, todavia, ocorreu com a plateia infanto-juvenil, que não só interagiu com o escritor, como questionou sua tese, numa conduta que desnudava a flutuação do conceito de bullying em sua ação cotidiana, a exemplo do que eu vinha etnografando na cotidianidade escolar:

“- Você não acha que usando humor a gente banaliza a ofensa e assim ela se torna mais frequente? - questionou um estudante. - Não, tu torna a ofensa mais exigente - respondeu o palestrante, ao que o aluno retrucou: - Mas e se é racismo, por exemplo? - Racismo não é bullying, é crime, como roubar, matar. Bullying é uma brincadeira, tu tá na vida, tem que lidar. - Eu quero saber sua opinião sobre um apelido que tenho na escola: Bombril.7 É por causa do meu cabelo, que agora está raspado - interrogou outro estudante. - Te chamam assim porque tu não gostou do apelido; desse jeito tu vai ser Bombril sempre. Pensa que Bombril é um apelido que pode ser legal.”

Ao apontarem certos limites no agenciamento que Carpinejar conferia à noção de bullying, as falas dos alunos seguramente perturbaram uma atmosfera que se pretendia risível. As interpelações desses jovens sinalizaram que, por detrás do exercício da jocosidade, há sempre um contexto. “Quem pode rir, quando e de quê”, como adverte Lagrou (2009), é algo regrado em cada coletividade e intrinsecamente vinculado a condições estruturais, que mobilizam tanto relações de socialização, quanto de sujeição.

Logo, pressupor que todos numa sociedade são capazes, perante uma ofensa, de lançar mão do cômico em pé de igualdade conduz a um “problema de superinclusão” (Crenshaw 2002). Trata-se de um entrave que transpõe vulnerabilidades de raça, etnia, classe, gênero, orientação sexual, etc., para postular que a totalidade dos indivíduos tem as mesmas chances de se defender e, assim, de evitar a condição de vítimas de escárnio.

Esse mesmo aspecto problemático permeia o Programa Nacional de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), em vigor no Brasil desde 2015, já aqui mencionado. Em concordância com Crenshaw (2002), argumenta-se que a desconsideração de desigualdades cotidianas, especialmente em políticas públicas, configura o perigo de enrijecer “dinâmicas do desempoderamento”, nas quais se veem inevitavelmente envolvidos estratos sociais mais susceptíveis a violações de direitos.

Uma perspectiva macro

Diante de tais questões nevrálgicas, apesar da função à primeira vista “coringa” para a denúncia de segregações, a agência da noção de bullying não aparece plenamente aceita no interior dos movimentos sociais brasileiros, especialmente em meio às lutas de afrodescendentes. Isso fica explícito no título de um livro lançado em 2013, que reúne relatos de mulheres negras sobre experiências de discriminação na escola. Os autores, Brito e Nascimento (2013), chamaram a obra de Negras (in)Confidências: Bullying, Não. Isto É Racismo. Logo, para estratos do ativismo negro, a popularidade do bullying comporta o risco de encobrir o debate mais amplo do racismo como fenômeno opressor secular, discussão esta que ganhou fôlego com as políticas petistas de inclusão dos anos recentes.

Sob tal perspectiva, o emprego indiscriminado do conceito de bullying torna-se um obstáculo a mais na dissolução de uma fabulada percepção de democracia racial. Esse ideário encontra-se entranhado ao “modelo de controle social” brasileiro, presente desde as leis até as práticas cotidianas, o qual advoga pela “igualdade formal”, em detrimento de um olhar a priori para minorias políticas discriminadas (Lima 2001). Tem-se aí um arranjo “piramidal”, em que todos surgem igualados, porém, a partir de lugares hierárquicos diferentes, num quadro em que as desigualdades são naturalizadas e os conflitos evitados a todo custo, vistos como desestruturantes da ordem.

Trata-se, segundo Lima, de um certo inverso do modelo “paralelepípedo” vigente nos Estados Unidos, que convive com um “sistema de segregação dos iguais” (2001, grifo do autor), interessado em prevenir possíveis confrontos aplacando desigualdades, visíveis simplisticamente como diferenças, entretanto. Como assinalado, os Estados Unidos ocupam hoje uma posição de liderança na discussão mundial sobre o bullying, seja em pesquisas, políticas ou na “boca do povo”. Lá, como no Brasil, essa noção ganhou uma vertiginosa popularidade, a contar da repercussão pública do já citado Massacre de Columbine em 1999 (Bazzo 2017). O agenciamento em cenário norte-americano, contudo, conquista feições específicas em conformidade com o seu referido “modelo de controle social” (Lima 2001).

No meio científico estadunidense, por exemplo, trabalha-se com um desdobramento conceitual, o denominado “bullying baseado em preconceitos” (bias-based bullying), preocupado em abordar, objetivamente, a intimidação sistemática entre pares escolares por estigmatizações de fundo social, pautadas por raça, etnia, nacionalidade, religião, gênero, orientação sexual, deficiência e/ou peso (Mulvey et al. 2018; Shramko et al. 2019).

Tais cientistas advogam que esse enfoque precisa ser cada vez mais considerado em estudos e intervenções, ainda deveras concentrados no “bullying não baseado em preconceitos” (nonbias-based bullying) ou no “bullying baseado em preconceitos” de apenas um tipo isolado, sem se levar em conta a intersecção comum entre discriminações (Crenshaw 2002). O “bullying não baseado em preconceitos” seria aquele motivado estritamente por atributos entendidos como individuais, tais como a timidez.

Durante minha pesquisa de campo sediada na cidade de Nova York, dediquei-me a etnografar uma série de workshops antibullying, dirigidos a docentes e discentes, sob promoção de entes do governo, da academia ou da sociedade civil. Um deles é chamado DASA Training, uma formação obrigatória demandada pelo estado de Nova York a todos os seus educadores, em cumprimento ao Dignity for All Students - DASA Act, aparato legal em efeito desde 2012. Na edição que acompanhei, em 2017, a ministrante enfatizou aos participantes que a citada legislação condena o bullying por discriminações sociais tanto alicerçadas em atributos reais, quanto percebidos. Mencionou um exemplo pessoal: “Por conta de meu sobrenome, já ouvi muitas vezes considerações pejorativas acerca do caráter de italianos. Esse é um entendimento percebido sobre minha identidade porque, apesar do meu sobrenome, não me reconheço como descendente de italianos”.

A ministrante destacou que a lei estadual nova-iorquina abarca, assim, um amplo espectro de possibilidades de “bullying baseado em preconceitos”, afinada ao espírito progressista das unidades da federação das costas estadunidenses. Essa não é, todavia, uma realidade em todos os estados norte-americanos que, embora possuam em sua integralidade legislações antibullying, não necessariamente incluíram nelas tópicos como intimidações por orientação sexual ou identidade de gênero, em virtude de posicionamentos conservadores.8

Dessa forma, nos Estados Unidos, ainda que se perceba um esforço de contemplar, com franqueza, vulnerabilidades de minorias políticas, seja em pesquisas, leis ou intervenções, este não se coloca como uma empreitada pacífica. Trata-se de uma diligência que emerge em constante luta com abordagens mais genéricas do bullying, alinhadas àquelas típicas do “modelo de controle social” (Lima 2001) existente no Brasil.

Tal quadro ecoa um ponto de contato entre os modelos vigorantes nos dois países, a cercear os efeitos das políticas de ambos: embora seus arranjos de pacificação se oponham e seus estágios de desenvolvimento econômico se distingam, ambos cultivam um montante vultoso de desigualdades em meio às suas populações. Esse volume não dá sinais de decréscimo. Ao contrário, tem experimentado um crescente radical, diante da posição dos Estados Unidos como “laboratório” do modo neoliberal de governo, fonte de inspiração para diversas nações, inclusas as latino-americanas (Wacquant 2007).

Considerações finais

Em continuidade à trilha aberta por Cesarino (2014), este artigo procurou explorar contribuições do pensamento de Strathern (2014) no desenvolvimento de minha etnografia multissituada, acerca da agência da noção de bullying na contemporaneidade brasileira. De modo especial, servi-me da proposta teórico-metodológica de Strathern de lançar mão da “Relação”, como recurso com capacidade de atestar a interconexão entre domínios e níveis de pesquisa diversificados.

Tal aporte conduziu-me a mapear, em minha jornada de campo, eventos etnográficos que reverberassem “conexões” (Strathern 2014) entre os diferentes contextos e escalas pensados para a etnografia. Procurei assim, paulatinamente, certificar essa arquitetura investigativa e assegurar um percurso crível de pesquisa. Exemplos oriundos desse processo foram aqui ofertados, na narrativa de ocorrências etnográficas sob um olhar micro, por miradas intermediárias e também em uma perspectiva macro.

Nesses relatos, procurei demonstrar como acontecimentos ordinários interconectavam os terrenos da pesquisa denominados de educacional, estatal, científico, midiático e mercadológico, distribuídos entre escalas menores, medianas e maiores de investigação. Tais eventos, por conseguinte, apresentaram em si próprios características de “holografia” e “complexidade” (Strathern 2014) no âmbito de meu panorama de estudo, evidenciando “conexões” dotadas de sentido a mim como etnógrafa, como também aos meus interlocutores.

A etnografia realizada concluiu, portanto, que ora os agenciamentos do bullying lançam luz sobre um quadro secular de segregação e violência existente no Brasil, mas ora também o embaralham e o ocultam. Logo, apesar de trazer à tona uma gama de discriminações e de se ofertar como ferramenta de denúncia delas, o conceito agenciado tensiona, mas não solapa uma estrutura bem estabelecida de desigualdades.

A consideração dessa dupla faceta própria ao construto do bullying - que denuncia e age sobre iniquidades, ao mesmo tempo em que as mantém - revela-se, assim, fundamental para pensar produções acadêmicas, políticas públicas, programas escolares de intervenção, produtos e serviços, bem como coberturas noticiosas, em favor dos direitos humanos e da justiça social.

Tal constatação não assinala, de modo algum, uma ineficiência intrínseca ao construto do bullying. Pelo contrário, antropologicamente, entende-se que essa noção produz eficácia, uma vez que os agentes lhe dão uso e produzem com isso efeitos de realidade. Dessa forma, trata-se, sim, de atentar para as disputas de “verdade” e de “poder” (Foucault 1984) que o conceito permanece mobilizando, na esteira de uma “antropologia do emergente” (Maurer 2005).

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1 Nesse sentido, cf. Latour (2008) e Collier e Ong (2005), por exemplo.

2Em outro lugar (Bazzo 2017), dediquei-me a pensar, considerados esses mesmos variados contextos e escalas de estudo, acontecimentos extraordinários - “eventos críticos”, nos termos de Das (2007) -, materializados em ataques armados a espaços escolares, cuja motivação, segundo uma opinião pública difusa, teria advindo de intenso bullying sofrido pelos perpetradores.

3De acordo com um relatório dessa base de dados que compreende o intervalo entre 2000 e 2015, os 10% mais ricos da população brasileira, ao final desse período, angariavam 55% do rendimento nacional. Apenas 1% desse grupo detinha, por sua vez, 28% do todo. A título comparativo, o documento aponta que a concentração de renda entre os 10% mais ricos se encontrava, em igual momento, no patamar de 45% nos Estados Unidos, 42% na China e em 33% na França. Nesses mesmos países, o montante possuído pelo 1% mais abastado estava, respectivamente, em 18%, 14% e 11%.

4São exemplos emblemáticos de tais iniciativas governamentais: o Programa Bolsa Família (Lei n.º 10.836/2004); as cotas étnico-raciais de ingresso no ensino universitário federal (Lei n.º 12.711/2012); o Programa Brasil sem Homofobia lançado em 2004; além da Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, datada de 2008.

5As cidades de Gramado e Canela, cuja principal atividade econômica é o turismo de eventos, distam cerca de 9 quilômetros entre si. Graças a essa proximidade, moradores e visitantes usufruem da estrutura urbana de ambos os municípios. Em 2017, momento de finalização de meu estudo, a população estimada em cada um deles não ultrapassava a marca de 45 mil habitantes (Fonte: www.ibge.gov.br).

6O período no exterior se deu sob os auspícios de bolsa de estudos do convênio Capes/Fulbright, como pesquisadora visitante na City University of New York - CUNY.

7Nome comercial fartamente conhecido no Brasil de uma variedade de lã de aço, usada como recurso de limpeza, especialmente para panelas. Seu emprego como apelido é, reconhecidamente, um pejorativo racista.

8Para um panorama desse arcabouço jurídico, cf. www.stopbullying.gov/resources/laws.

Recebido: 20 de Março de 2019; Aceito: 27 de Agosto de 2020

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