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Etnográfica

Print version ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.26 no.2 Lisboa Sept. 2022  Epub Sep 19, 2022

https://doi.org/10.4000/etnografica.11725 

Artigo original

Morte e vida na colônia: o problema do suicídio entre os colonos alemães do Sul do Brasil

Death and life in Brazilian colônias: some issues about suicide in the German colonies of southern Brazil

Everton de Oliveira1  2 
http://orcid.org/0000-0002-2932-344X

1 Departamento de Ciências Sociais/Universidade Estadual de Maringá (UEM), Brasil

2 Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Brasil, everton.oliveira@cebrap.org.br,


Resumo

Este artigo analisa o problema do suicídio nas colônias alemãs do Sul do Brasil. Trata da relação entre a casa, enquanto um compósito moral e relacional, e o fenômeno do suicídio. Para tanto, a etnografia trata das colônias do Sul do Brasil, região de serras e encostas que há século e meio é habitada por moradores de origem alemã e que apresenta, ano após ano, um número considerado de casos de suicídio. Tratando-se de um problema que vem se tornando central na agenda das políticas de saúde em âmbito nacional e internacional, transitaremos enquadramentos discursivos distintos. Em primeiro lugar, o da casa, enquanto expressão do cotidiano de moradores, propriamente de sua vida moral. Em segundo lugar, o do discurso médico e psicossocial, que entende o suicídio como expressão por excelência de uma desorganização psicossocial. Aposta-se que, entendido em sua perspectiva relacional, o suicídio compõe a lógica da casa, especialmente relacionado a uma vida moral calcada na dor (em sua narrativa, memória partilhada e superação), ainda que seja seu limite categorial, seu esgotamento, mas não sua “desorganização”.

Palavras-chave: suicídio; colonos do Sul; casa; políticas públicas de saúde; governamentalidade

Abstrat

This paper analyzes the suicide problem in German colonies of southern Brazil. It describes the relationship between the house, as a moral and relational composite, and the phenomenon of suicide. To this end, the ethnography deals with the colonies in the south of Brazil, an area of mountains and hillsides that, for a century and a half, has been inhabited by German descendants and presents, year after year, a considerable number of suicide cases. Starting from the presumption that it is also a problem that has become central in the health policies agenda we will move through different discursive frameworks. In one hand, the house framing, as an expression of the everyday life, specifically moral life. In other hand, the medical and psychosocial framing, showing suicide as an expression par excellence of a psychosocial disorganization. This work understands suicide in its relational perspective, composing the house’s logic, especially related to a moral life based on pain (in its narrative, shared memory and overcoming perspectives), even though it is its categorical limit, its exhaustion, but not its “disorganization”.

Keywords: suicide; Germans of Southern Brazil; house; public health policies; governmentality

Apresentação

A morte, afinal, é uma corda que nos amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as pontas da corda, nos estancando pouco a pouco. (Mia Couto, Terra Sonâmbula, 2015 [1992]: 118)

De todas as similaridades das colônias alemãs do Sul com as demais comunidades rurais do Brasil, um fenômeno lhes torna singular: o suicídio. Isto é, a alta taxa de suicídios, assim notificados ou subnotificados pelos serviços de saúde. Mas há muitos problemas nessas notificações, assim como em suas categorizações, tais como a relação entre morte e desorganização social e afetiva. Para colonas e colonos com os quais convivi na região da Encosta da Serra (nordeste do estado do Rio Grande do Sul, Brasil), havia mais do que isso, e da mesma forma um modo mais sutil de lidar com isso. O luto, por conta do suicídio, ou o sofrimento, por conta do convívio com potenciais suicidas, trazia à tona uma moralidade da pessoa que era vinculada a noções relacionais, expressas pelo idioma da casa e do parentesco. Não distante, expressava moralmente um projeto de vida associado ao trabalho e à dedicação aos afazeres cotidianos, a uma rotina, que sustentava moralmente o cotidiano. Acompanhava esse cotidiano um limiar que, quando extrapolado, manifestava-se pelas categorias do nervoso, da depressão ou da loucura, próprios à temporalidade restrita da rotina. Este artigo trata da relação entre suicídio e a centralidade da casa nas colônias alemãs do Sul do Brasil.1 Para tanto, iremos transitar por vilas, rotinas e vidas de São Martinho,2 uma colônia da região da Encosta da Serra, que acompanho desde 2011.

Iniciaremos o artigo apresentando a região das colônias do Sul do Brasil, região tradicionalmente ocupada por imigrantes alemães em meados do século XIX. A seguir, acompanharemos a rotina de uma dessas colônias, São Martinho (que acompanho desde 2011), e, particularmente, de uma de suas vilas, a vila dos Klein, na qual vivi entre 2015 e 2018. Em seguida, descreverei a rotina de uma Unidade de Saúde da Família, um canal de atenção primária à saúde que compõe a porta de entrada ao sistema público de saúde do Brasil, o SUS (Sistema Único de Saúde). A partir de seu contexto, entenderemos um enquadramento discursivo que tenta abordar o suicídio a partir de uma perspectiva médica e psicossocial, distinta daquela do cotidiano de moradoras e moradores, busca traçar um quadro de “desorganização social”. Por fim, argumento que, entendendo a casa como um compósito pelo qual a vida moral da colônia se expressa por excelência, o suicídio não pode ser entendido como um fator “desorganizador”, mas como o limite dessa vida moral, que tem no trabalho e no sofrimento, entendido enquanto narrativas éticas de superação, seu eixo valorativo.

São Martinho

Como grande parte das colônias alemãs do Sul do Brasil, São Martinho surge inicialmente como uma linha, um padrão de loteamento feito pelo Estado Imperial Brasileiro no sul do país, voltado para a ocupação estrangeira, especialmente alemã, no século XIX (Woortmann 1995: 97-100). A Linha de São Martinho era vinculada inicialmente ao município de São Leopoldo (atualmente integrante da região metropolitana de Porto Alegre, capital do estado). Apesar dessa política imperial de imigração, grande parte do aparato administrativo ficava a cargo dos próprios moradores. Funções estratégicas no aparato administrativo municipal valiam-se de aparelhos de gestão previamente existentes, constituídos pelas comunidades e/ou pelas diretorias religiosas. Após a emancipação política, em 1988, alguns serviços permaneceram nas mãos das comunidades religiosas, como a contagem de nascimentos, através dos batizados, já que desde 1991 não existem leitos hospitalares em São Martinho.

A partir de 1978, uma questão de ordem pragmática fez com que novas indústrias calçadistas se insinuassem nesse ambiente das colônias, visto o agravamento da crise do trabalho agrícola na região. Tornando-se a principal fonte de trabalho formal de todo o município, segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Calçadista de São Martinho, as indústrias calçadistas representavam 51,54% dos empregos formais do município (MTE 2016). A partir de então, a comunidade, que historicamente mantinha um senso temporal regido basicamente pelo tempo do trabalho e tempo da comunidade (marcado, desde 1910, pelos sinos da igreja matriz), passou a adequar esse ritmo à vida fabril.

Outro acontecimento significativo neste processo foi a mudança das equipes do sistema de saúde do município. Até 2007, boa parte dos atendimentos eram realizados pelo Ambulatório Municipal, abrigado no antigo Hospital Comunitário, fundado em 1950 pela comunidade católica de São Martinho. Naquele ano é criada a primeira equipe de saúde da família do município. Aos poucos, médicos foram se estabelecendo na comunidade, enfermeiros e auxiliares de enfermagem foram efetivados mediante concurso público. Isso acabou por influenciar na gestão do Conselho Municipal de Saúde, assim como nas políticas e programas municipais defendidos nas Conferências Municipais de Saúde.

Muitas causas, algumas moralidades

Em 2012 e 2013 eu me instalei em um porão de São Martinho. Cômodos comuns na comunidade, por conta das construções nos declives e morros e montanhas, o porão se encontrava na parte mais baixa do terreno, mas ainda ligada à arquitetura da casa. Por vezes fazia a função que se espera de um cômodo como esse, para guardar e estocar material e utensílios da casa e da roça, mas, outras vezes, se transformava em mais uma sala ou um quarto. O porão da casa de Emília, onde eu morava, era grande o suficiente para que ela pudesse alugá-lo, tendo sua própria cozinha e seu próprio banheiro, ainda que em um espaço mínimo. Conversávamos muito, Emília e eu, quando eu saía ou voltava de meu trabalho de campo, majoritariamente nessa época com a equipe de saúde da família de São Martinho. Em 2014 eu voltei para São Martinho, para visitar alguns amigos. Instalei-me novamente no porão de Emília. Então um dia, sem espanto aparente, Emília virou-se e me disse que seu cunhado havia se matado. Uma tristeza, eu lhe disse, mas a história não acabava por aí. Porque, ao informar um suicídio, os alemães costumam informar também os acontecimentos precedentes, suas conjecturas para os motivos do suicida, além de detalhes do acontecido.

O cunhado de Emília havia chegado um dia em casa, do trabalho, da fábrica. Organizara sua casa como sempre o fazia, mas, dessa vez, com um esmero especial, ainda que seja difícil estabelecer esse limite, diante de tamanha dedicação dos alemães às suas casas. Quando tudo estava, enfim, limpo e organizado, vestiu sua melhor roupa e passou a andar pelas suas terras, até que chegasse em um leito de rio. Ali chegando, ajoelhou-se, e com muito cuidado posicionou sua arma contra sua cabeça e atirou. Diziam os especialistas nessas histórias, como Emília, que sua intenção era jogar seu corpo contra o rio com o impacto do tiro, mas dada a posição do braço no momento em que puxou o gatilho, caiu em direção ao leito, vindo a morrer alguns instantes depois do impacto. Briga de casal motivou o acontecido, contava Emília, já que, ao que parecia, seu cunhado, irmão de seu marido, não aguentava mais a esposa, em especial as cobranças que ela lhe fazia. Como sempre havia sido calado e reservado, jamais suspeitaram que algo passasse pela sua cabeça.

Em meus retornos a São Martinho, havia sempre alguma história a ser contada sobre alguém que havia se matado. Quando decidi morar por dois anos em uma das vilas da comunidade, a vila dos Klein, por conta de meu trabalho de campo do doutorado, entre 2015 e 2017, uma de minhas vizinhas me contava sobre o suicídio de um guri, de pouco mais de 20 anos de idade, que havia se matado e, algumas horas antes, anunciado em seu perfil do Facebook, dizendo o que faria, por conta do término de um noivado. Outra vizinha, da mesma vila, anunciava ela mesma, no final de 2016, que pretendia se matar, e para tanto havia deixado preparado tudo em seu porão. De sua parte, um casamento infeliz, acentuado pelo alcoolismo de seu marido, mas também de sua doença (um glaucoma ocular), que a impedia de sair de casa e cuidar de seus afazeres cotidianos. Essa vizinha era Fátima Klein.

Ao nos mudarmos para São Martinho em 2015, eu e minha esposa Carla, tornamo-nos sem saber moradores da vila dos Klein, vizinhos de Fátima. Fátima Klein, que os desavisados poderiam supor ser filha de Noêmia Klein, mas que na verdade era filha dos Lindner da Vila Alta, de outros tempos. Fátima, essa vinda da Vila Alta, era casada com Olavo Klein. Ao lado de nossa casa, mais próxima de Fátima Klein, estava a outra Fátima, Fátima Silva, filha de dona Noêmia Klein, a matriarca da vila, casada com Artur Silva, que era de fora, e havia se mudado para a colônia no início dos anos 1990. Chamada de “vó” por quase todos da vila e mãe de Fátima Silva e Olavo Klein, dona Noêmia Klein morava na primeira casa da vila, próxima ao arroio. Casa de muitos caminhos, da rotina dos moradores da vila que passavam para tomar um chimarrão (um “chima”), das narrativas que trazia de tempos passados.

Dona Noêmia contava-me sobre os famosos ferreiros Hauser da Vila Média. Eram sua família, sua casa. Dona Noêmia havia sido uma Hauser até casar-se com José Klein, quando então fundou suas terras. E nestas, do arroio, já em São Martinho, fez roça quase toda a vida, até tudo ser consumido pelo fogo, no início dos anos 1990. Havia muito sofrimento nessa história, da qual seus filhos e filhas se lembravam bem, já adultos. Um dos mais novos, Guga, resolveu então morar com sua mãe, manter a casa. Os demais seguiam para suas casas, mas por vezes se encontravam, no centro da comunidade. Quase todas e todos eram empregados das fábricas, as indústrias calçadistas de São Martinho, principal fonte de trabalho formal de todo o município. À exceção de Fátima Klein, encostada desde 2008.

O trabalho e a moralidade: Fátima Klein

A rotina não era exatamente a mesma, não era como uma agenda a ser seguida e checada em cada uma de suas tarefas. A rotina era, mais do que tudo, um arranjo convencional de tempos e lugares, de movimentos e narrativas, em que moradoras e moradores se situavam, se formavam e se relacionavam cada qual com seu dia. Era o previsto, o insistentemente buscado, ainda que frustrado muitas vezes. E aí os nervos tornavam-se a gramática da rotina frustrada, a depressão, a desaceleração do movimento. Dizia-se que essas pessoas, os depressivos mais do que os nervosos, não saíam mais de suas casas, não visitavam seus vizinhos e parentes. Era o que eu dizia sobre Fátima Klein, sobre o fato de estar encostada, desde 2008. Essa era a situação dela. Encostada, depressiva, que não saía mais de sua casa. Todos qualitativos negativos, que tendiam ao negativo em relação ao movimento da rotina, que era positivo. Essas apreciações não eram feitas por pessoas que desdenhavam de sua situação. Muito pelo contrário, expressavam a preocupação de Fátima Silva, de dona Noêmia, de Artur e, claro, de Olavo. Aqueles que a desdenhavam se valiam de um qualitativo particularmente ofensivo na colônia, chamando-a de preguiçosa.

Fátima Klein, como muitos de sua geração (Fátima tinha 46 anos de idade à época da pesquisa), iniciou seu trabalho nas fábricas, aos 14 anos de idade. Isso se dava nos idos dos anos de 1980. Época em que os colonos já estavam “sem roupa decente pra vestir”, dizia-me um primo dos Klein, seu João. Época em que se dava o esgotamento do trabalho agrícola, e que colonos partiam para as fronteiras agrícolas do Norte e Centro-Oeste ou para a ocupação de terras, dizia-nos Ellen Woortmann (1995). Fátima havia passado por várias fábricas, o que era comum acontecer, assim como por várias funções. Inicialmente localizadas nos setores de costura e finalização, as mulheres foram ocupando também, ao longo do tempo, os setores de montagem, o que, quando vivi em São Martinho, parecia por demais estabelecido. E havia sido no setor de montagem que Fátima encerrara sua vida fabril, em 2008, após ser diagnosticada com um glaucoma ocular grave, em seu olho esquerdo.

Uma dessas ironias de uma vida sofrida. Fátima, filha de dona Anna e Nelson Lindner, era natural da Vila Alta. Sua mãe vinha das terras dos Rot,3 seu pai, um Lindner, possuía suas terras para lá do arroio, o mesmo que passava por São Martinho, em uma área distante. Construíram lá sua casa, nas terras dos Lindner, nos anos 60. Em 1982, contudo, um forte temporal assolou toda a Vila Alta, desses que por vezes ainda passavam por São Martinho no tempo da pesquisa. Mas aquele havia sido diferente, garantia-me Fátima Klein, formava um desses redemoinhos no ar, ela dizia, e arrastava tudo. Arrastou fogão a lenha, de ferro fundido, arrancou telhado, levou quase tudo. E então estavam desabrigados, todos. Era maio, chovia e fazia frio, muito frio. Era preciso reerguer a casa. Então um terreno doado pelo irmão de dona Anna foi a solução, e a família Lindner regressava às terras dos Rot. Em 2016 seu Nelson ainda vivia por lá, assim como uma irmã e quatro irmãos solteirões de Fátima. Dona Anna morrera em 2011, tendo enfrentado, nos últimos anos de sua vida, um problema ocular muito parecido com aquele que então afligia Fátima.

Mas essa dor sofrida, de outros tempos, capaz de ser contada, não era exatamente negativa. Esse modo de categorizar o sofrimento, que se partilhava nas conversas da tarde entre chimas e cucas, era aquilo que dava algum sentido moral à vida, era aquilo que, partilhado enquanto enredo de si, permitia a subjetivação moral a partir daquilo que a dor agregava enquanto lugares, tempos e pessoas. Uma conversa iniciada com “eu sofri muito nessa vida” tendia a ser enredo para uma história de superação e, mais do que isso, de adequação às expectativas daquilo que se espera de uma “alemoa” e de um alemão. Mas não encerrava o cotidiano. Era preciso viver mais, sofrer mais, ser até um tanto quanto nervoso, para que esse enredo jamais deixasse de produzir coisas novas, toda uma nova sorte de estórias. Mas havia uma condição básica para tanto: sair de casa. Era o movimento elementar do cotidiano, que permitia conversas, jocosidades e partilhas. Viver esse movimento, sinônimo muitas vezes de angústia e de nervoso para meus vizinhos e conhecidos, era o único modo viável de sofrer nessa vida, de fazer de si uma história. Coisa distinta da depressão, que parecia agarrar Fátima Klein, quando enfim se afastou completamente das fábricas.

Fátima Klein havia rompido uma fronteira, daquelas que podem romper as pessoas encostadas, quando passou a ser considerada como alguém que não saía mais de sua casa. E pouco demorou, na verdade, para que entrasse para o rol das pessoas depressivas de São Martinho. Para os chegados, é claro. Para os menos conhecidos, era preguiçosa, alvo da fofoca da comunidade, questionada em sua honestidade. Fátima Silva viria a lhe tornar mais próxima do que nunca, nesse curto trajeto entre suas casas, que Fátima Klein passou a fazer com mais frequência do que antes. O jardim no verão, a cozinha no inverno. Fátima não era visita, “era de casa”, dessas que se recebe na cozinha, com as coisas no fogão. Por vezes eu estava junto, coincidência, por vezes eu estava em minha casa, que, janela a janela, não havia como não acompanhar a rotina das Fátimas. Outros trajetos possíveis eram aqueles que Fátima Klein fazia até o centro da comunidade para buscar lavagem para seus porcos, ou então até seu quintal para assar pães em seu forno a lenha. Mas eram poucos demais, limitados demais. Fátima dizia como era bonito pelas manhãs, fechar a casa e ir trabalhar. Agora quase não saía de casa e, quando saía, carregava consigo a fofoca, por estar de pé, mas não estar na fábrica. Noção de saúde um tanto quanto sofrida de alemães e “alemoas”, por vezes sequer os acamados escapavam das fofocas.

Mas uma casa não pode isentar-se ao movimento. Ela se entende melhor do que tudo pelos seus movimentos, em especial o do trabalho e o das visitas.4 Nesse aspecto, cabe mesmo a expressão de Marcelin (1999) de configuração de casas, porque, na verdade, uma casa da vila se fazia por todas as outras, fosse nas visitas esporádicas de parentes e conhecidos distantes, visitas cerimoniosas, portanto, fosse na passagem cotidiana da família e dos vizinhos. E cada casa habitava as demais. Na oferta de um “chima”, de uma schimier (geleia), que partia em um pote cheio e retornava ainda mais cheio, de outra delícia, doce, geralmente. Nas conversas, na própria disposição corporal de postar-se no jardim do vizinho e ouvir suas estórias, por vezes mais jocosas do que sofridas. Era a casa, enquanto esse ambiente figurado da vida, que trazia consigo cotidiano e passado, roça e rotina, pessoas e relações, que se partilhava o cotidiano, o sofrimento, a vila.

E se havia um enredo da vida, que era o enredo de si, esse também era o enredo da casa, ou melhor dizendo, a casa era sua trama. Já após o final de meu trabalho de campo, daquele momento em que eu havia decidido não tomar mais notas e me dedicar à escrita da tese, Carla foi convidada para um café com Fátima Klein. Apenas Carla. Ela não ficara surpresa com o convite. Tornara-se muito próxima de Fátima Klein, o que, na verdade, também nos aproximou, algo que talvez não teria ocorrido sem Carla, tamanhas as restrições de gênero para o convívio cotidiano em São Martinho, especialmente aos mais velhos, nossa categoria de pessoas. Fátima queria falar com Carla sobre sua depressão. Eu já ouvira dizer sobre isso, em uma ocasião na companhia de Fátima Silva, em outra, de Carla. Jamais sozinho. Na primeira, Fátima dizia que não “pegava uma estrada só de ida” por causa de seus filhos, na segunda que entendia as pessoas que se matam, “porque tem horas que você não aguenta”. Para Carla, então, Fátima dizia dessa vez que “tudo estava preparado”. Havia uma corda, uma árvore escolhida e um nó preparado, restava o ato que, para nosso alívio, não chegou a ocorrer. Mas tudo estava lá, de fato. Lembro-me de Carla nesse dia, de sua tristeza, do sentimento de incapacidade, de seu espanto. Era muito tarde quando voltou, e morávamos apenas a alguns passos de Fátima. Havia uma corda ali, preparada. Causava muita a dor aos Klein essa situação, muita angústia. Mas causava também espanto? Tudo levava a crer que não.

Sobre a moralidade de estado e a morte

É necessário um breve intervalo para entendermos o absurdo que essa diluição do suicídio no cotidiano representará aos serviços públicos de saúde. Emile Durkheim talvez tenha sido o autor que notou de maneira mais perspicaz a incompatibilidade entre o fenômeno generalizado - e possivelmente incontrolado - do suicídio e a vida social, ou, ao menos, uma vida social passível de ser organizada. O suicídio era, para o autor, o fato social que expressaria por excelência sua tese fundamental, a realidade sui generis da sociedade em relação aos indivíduos que a compõem. Um tema complexo, mas de extrema perspicácia, já que do ato que poderia ser considerado o mais individualizado de todos, Durkheim retirava sua tese mestra, a de que, de um ano para outro, de uma região para outra, a taxa social de suicídios (mortos voluntários por um milhão de habitantes) se mantinha na Europa - isto é, constituía-se em um fenômeno “normal”. A não constância, nesse caso, do final do século XIX, seu crescimento fora da curva da “normalidade”, era o problema em si do livro. Para entendê-lo, Durkheim formula os três tipos puros de suicídio: o egoísta, o altruísta, e o anômico - além de um quarto tipo, explorado apenas em nota de rodapé, o suicídio fatalista (Durkheim 2002 [1897]: 353). A corrente suicidógena do final do século seria decorrente, explicava Durkheim, de uma transição sensível de uma sociedade fundada na moral e na religião para outra fundada no capitalismo e no lucro. Isso causava uma ausência de valores e regras, de referências sociais, justamente um estado anômico de coisas. Apesar de uma determinada taxa social de suicídios ser “normal” em toda a sociedade, Durkheim considerava que essa corrente suicidógena era “anormal”.

Mais de 100 anos se passaram desde a original análise de Durkheim até o “novo” problema do suicídio do século XXI. Apesar de as taxas sociais aumentarem gradativamente nos últimos anos, a aura da anormalidade parece retornar ao debate público de tempos em tempos. Além das publicações na área da saúde coletiva, da psiquiatria e da medicina de família e comunidade, cresceram também o número de publicações na área das ciências humanas. Especialmente na antropologia, o número de pesquisas em torno do suicídio atesta seu retorno ao debate também das ciências humanas, após um hiato entre a publicação de Durkheim e a produção recente. A sociologia francesa problematizou o suicídio durante o século passado, especialmente em torno de um debate privilegiado em relação à interpretação do clássico durkheimiano, no qual a obra Maurice Halbwachs é a mais expressiva (Halbwachs 2002 [1930]). O que já era possível observar na obra de Durkheim, e que parece se apresentar com o retorno do debate, é que o suicídio, que vem deixando de ser crime passível de punição na maioria dos Estados ao longo dos últimos 50 anos (OMS 2014: 51),5 ainda habita o crime em seu nível moral, como uma ofensa ao funcionamento “normal” da sociedade, e de seu fundamento ético, no modo como Hegel (1991 [1802]) definia o crime, como um ato que rompia com um sistema de vida ética estabelecido, de reconhecimento mútuo.

Moralmente, portanto, atentar contra a vida, contra o corpo, mas especialmente contra o social, foi associado a um crime. No suicídio, nessa leitura, não é exatamente o corpo que morre: é o corpo que atenta, é o corpo que leva consigo o ordenamento ético, moral e social, sendo o autor do crime também sua vítima, ao mesmo tempo. Vale lembrar aqui a aposta de Foucault (2008: 155-331) de que o Estado e o espaço público seriam, no momento de seu nascimento, uma “ideia reguladora” (2008: 384-285), uma noção operacionalizada por uma série de teóricos morais envolvidos na reforma dos espaços de gestão entre os séculos XVI e XVII, que, na elaboração de uma “razão de Estado”, buscaram definir o que era o Estado, quais eram seus limites, e o que certamente lhe caberia para a sua própria conservação. A consolidação de uma razão de Estado, defende Foucault (2008: 331), foi parte de um processo maior, o da incorporação da lógica de governo nos espaços de soberania, lógica que derivaria sua formulação ao sistema pastoral católico, institucionalizado desde os séculos IV-V.

Nesse processo de vinculação do sujeito e de sua vida à constituição moral do Estado, a dimensão da dor é nodal para um esquema avaliativo da morte, para sua leitura enquanto inevitável ou doentia (em relação ao social). Mas, por ambíguo que possa parecer, aqui as coisas se invertem. A morte é justificada para o corpo que sofre, mas jamais para o sofrimento afetivo e social. Essa é a proposta de Gandsman (2018a; 2018b), que problematiza, a partir de sua pesquisa com ativistas pelo direito de morrer (right-to-die activists) na América do Norte e na Austrália, a diferença qualitativa que há, nesse ativismo, entre morte assistida e suicídio. Enquanto a morte assistida é vista enquanto um ato autônomo e controlado por uma equipe multiprofissional, o suicídio é visto enquanto um ato de descontrole, uma “morte ruim”. Os paradoxos desse processo são inúmeros, como a relação entre autonomia e controle, escolha e falta de escolha (os casos aceitos são os de doenças terminais, “onde não há mais escolha”), passagem natural e assistência técnica e assim por diante.

O trabalho de Rachel Menezes (2004) explora igualmente esse paradoxo, ao apresentar como a ideia da “boa morte” passou a habitar o discurso “bio-psico-social-espiritual” de uma vertente da medicina (como a medicina de família). A boa morte é considerada um direito pelos profissionais paliativistas, que defendem uma passagem “natural” ao final de uma “boa vida”, isto é, a morte assistida em um ambiente controlado, especialmente em casos terminais.

Tanto Menezes quanto Gandsman apontam a capilarização do controle da vida até o momento da morte, valendo-se da proposta que Foucault (1988) havia feito a respeito do dispositivo da sexualidade. Foucault (1995: 243-244) propunha uma definição de governo que abarcava, antes de tudo, o governo estratégico das condutas, como o poder de estruturar a ação dos outros e, neste processo, implicar resultados de governo, como a subjetivação de corpos (Foucault 2008: 242-243), a comensuração de aglomerações, a sujeição, assim como a identificação analítica de cada uma de suas partes. A governamentalidade, enfim. O resultado deste poder de governo era a produção de “população” e “sujeitos”. Um controle que pode se estender até os processos de fazer morrer, enquanto o ato deliberado de tirar a própria vida, o suicídio, permanece sendo visto como uma “morte ruim”, um ato irracional em relação ao tempo de vida. Tudo leva a crer que o suicídio, enquanto um problema de saúde pública, esteja ancorado em um enquadramento discursivo, que permite a inteligibilidade de problemas distintos, de dimensões igualmente distintas.

A epidemia de suicídios: um novo enquadramento discursivo

Há pelo menos duas décadas, os casos de lesões autoprovocadas não são mais encarados, no plano das políticas de saúde pública, como um ato egoísta e mesquinho, indigno de atendimento médico, como assim o era há pouco tempo (cf.Machin 2009). Diferentemente, esses casos passam a ser associados a um universo de sofrimento profundo, relacionado a um quadro clínico de depressão, desordem social, desarranjo relacional ou mesmo crise identitária, como resumido pelo relatório de 2014 da Organização Mundial da Saúde, Preventing Suicide: a Global Imperative (OMS 2014). Essa mudança valorativa caminha lado a lado com uma transição tênue de uma atenção a um corpo biomédico, um sistema de órgãos e funções restrito a si mesmo, para uma atenção a um corpo biopsicossocial, expressão das relações afetivas, familiares e sociais nos quais está inserido.

Isso não implica que o fenômeno do suicídio, enquanto um acontecimento de interesse sociológico, não existisse no âmbito da vida social, conquanto que sua existência não era enquadrada como um problema de saúde pública. Enquadramento, nesse sentido, entendido a partir da definição Butler (2015: 12-51) como a condição de reconhecimento e inteligibilidade de qualquer aspecto da vida social. Enquadramento discursivo, no modo como Foucault (2006: 253-254) definia o discurso, como um elemento de um dispositivo estratégico das relações de poder, como o governo que desempenha um papel no qual o poder está implicado e pelo qual o poder funciona.

Em 2014, a Organização Mundial da Saúde notava que em grande parte dos 28 países que então mantinham alguma estratégia nacional de prevenção ao suicídio esses programas haviam se desenvolvido após os anos 2000 (OMS 2014: 51). No mesmo documento, nota-se que o reconhecimento internacional do suicídio enquanto um problema de saúde foi acentuado com a criação do Dia Internacional de Prevenção ao Suicídio, em 2003, celebrado em 10 de setembro. No Brasil, inspirada no dia internacional de prevenção ao suicídio e sob iniciativa do Conselho Federal de Medicina e da Associação Brasileira de Psiquiatria, é criada, em 2013, a campanha do Setembro Amarelo, como o mês de conscientização e prevenção do suicídio. Como mostram diversos autores (Estévez 2018; Mbembe 2016; Butler 2015; Foucault 2008, 1988), o contexto de inteligibilidade de qualquer acontecimento depende do enquadramento discursivo que delimita suas possibilidades de interpretação. Nesse sentido, a inteligibilidade do suicídio enquanto problema social não pode ser apartada da construção de um quadro favorável para sua delimitação.

Nesse quadro, os casos de suicídio passam a ser relacionados a casos de desorganização social, cultural ou afetiva, diminuindo drasticamente a ênfase no que toca os transtornos psíquicos e/ou mentais. A ênfase da OMS para desfazer a relação causal entre quadros de transtornos mentais e a ideação suicida é notada em todo o documento Preventing Suicide, no qual, numa comparação entre “mitos” e “fatos” sobre o suicídio, descarta-se a relação entre a presença de distúrbios mentais e a ideação suicida (OMS 2014: 53). Do mesmo modo, examinando-se os fatores de risco, condicionantes como o acesso aos meios para cometer suicídio, propaganda inapropriada, estigma, discriminação, estresse, abuso, inadequação cultural, relações pessoais conflituosas, isolamento social, crises financeiras, sofrimento, entre outras, ganham destaque em relação aos distúrbios mentais (OMS 2014: 31). Três anos após essa publicação, é interessante notar como o sofrimento, em seu sentido ampliado, ganha destaque como uma dos principais condicionantes da incapacidade laboral no planeta, sendo que, no que toca à depressão e à ansiedade, diretamente relacionadas aos casos de suicídio (OMS 2017: 14). Nesse novo enquadramento, os casos de suicídio colocam em questão, desde que encarados sob a magnitude de um problema de saúde pública, duas ordens de fatores correlatas: uma morte autoprovocada, de um lado, e um problema de magnitude social, de outro.

Temos, então, um quadro de interessante inflexão, que pode ser balizado pelo trabalho de Rosana Machin (2009: 1741-1750), publicado há dez anos, sobre o atendimento de “lesões autoprovocadas” em um pronto-atendimento na cidade de São Paulo. Entendidos como causadores da própria dor, esses casos eram valorados enquanto inferiores aos casos de doentes que “realmente” necessitavam de ajuda. Mas, desde a consolidação do modelo da Atenção Primária à Saúde (APS),6 e especialmente na esteira da consolidação da Estratégia Saúde da Família (ESF) como o principal modelo de APS do SUS (já são mais de 42.000 equipes, segundo os dados atualizados de 2018 - DAB 2018), o modelo biomédico foi encarado de frente por uma nova percepção das condicionantes do processo saúde/doença. Trata-se, sobretudo, da consolidação do modelo biopsicossocial.

O modelo biopsicossocial de etiologia leva em conta a interseção de causas biológicas, psicológicas e sociais para a determinação da sensação da doença, e estimula que todos estes fatores sejam trazidos à tona pela anamnese realizada com o paciente (De Marco 2006). A adoção do modelo biopsicossocial está entre os princípios da Medicina de Família e Comunidade, que preza por ações coordenadas de proteção, promoção e recuperação da saúde, em nível individual e coletivo, assim como prioriza a prática médica centrada na pessoa, na relação médico/paciente, com foco na família e na comunidade, buscando desenvolver uma prática médica humanizada. No modelo biopsicossocial, o corpo expressa os determinantes sociais dos processos de saúde e doença, sem desvencilhar-se das dinâmicas sociais e afetivas nas quais está inserido. Isso exige das equipes “competência cultural” para tanto (Giovanella e Mendonça 2008: 583), além de uma programação de atividades com a comunidade, e realização de ações intersetoriais, que devem ter fins educativos, mais do que preventivos.

É nesse contexto, consolidado após os anos 2000, que a Organização Mundial da Saúde eleva a depressão e o suicídio como grandes temas de enfrentamento e problematização pelos sistemas nacionais de saúde. Na publicação de 2017 (OMS 2017: 18), o Brasil aparece como o país com maior taxa de pessoas vivenciando transtorno de ansiedade no mundo, com 9,3% de sua população podendo ser agrupada nesse quadro, isto é, aproximadamente 18,6 milhões de pessoas. Já na publicação anterior (OMS 2014: 81) foi notado o aumento de 8,2% do número de suicídios entre 2000 e 2012 no Brasil, sendo que, entre as mulheres, o aumento chegou a 17,8 % (enquanto, entre os homens, notou-se um aumento de 10,4%). Na esteira desses resultados, um artigo publicado no The Lancet afirmava que, apesar da quantidade crescente de ações de prevenção ao suicídio juvenil, poucos são realizados em países de renda per capita média ou baixa, assim como no nível da atenção primária, de modo geral (Robinson et al., 2018).

A taxa de suicídios no Sul do Brasil e, em especial, no Rio Grande do Sul, saltou de 9,79 (por 100.000 habitantes) em 1996, para 11,95 em 2017, comparando-se os dados brutos de morte por lesão autoprovocada (CID-10, X60-X84), disponibilizada pelo Serviço de Informática do SUS (Datasus 2020), com os dados da população geral do estado, disponibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (IBGE 1996) e pela Fundação Estadual de Estatística do Rio Grande do Sul (FEE 2017). Ainda que se note o aumento, as taxas permaneceram altas, o que por si só não parece justificar o crescimento do número de publicações ao suicídio no Brasil, em especial focando na construção de sua realidade enquanto de interesse à saúde pública. Pelo contrário, essas publicações parecem responder a um novo enquadramento da questão, apresentado na seção anterior.

Em 2006, um famoso artigo organizado por Giovanni Lovisi abriria caminho para publicações no mesmo sentido, comparando, em série histórica, o aumento da taxa de suicídios no Brasil, além de chamar a atenção para o suicídio como uma das formas de morte violenta, em um país consumido pelo alto índice de homicídios. O autor mostra que, entre 1980 e 2006, o número de suicídios notificados ao Sistema Único de Saúde havia crescido de 4,4 para 5,7 mortes para cada 100.000 habitantes no Brasil, sendo que, no Rio Grande do Sul, o índice havia chegado a 9,7, o maior do país (Lovisi et al. 2009). No centro-sul do estado, entretanto, estavam os municípios com os maiores índices, com mais de 100 casos de suicídio para 100.000 habitantes, considerando-se apenas as pessoas maiores de 60 anos de idade (Pinto, Assis e Pires 2012). Região de colonização alemã, o centro-sul compõe a região fumageira, onde foi implementada a indústria do tabaco a partir da década de 1970. Meneghel e Moura (2018), pesquisando um de seus municípios, Santa Cruz do Sul, chegaram a propor que a indústria tabagista tinha uma relação direta com os casos de suicídio, especialmente pela subordinação da cultura local pelo capitalismo agrário, configurando um universo social em crise. O perfil predominante nesses casos era o homem, entre 40 e 60 anos de idade, agricultor, em dívida, conforme apresentam as autoras, por conta de algum investimento realizado.

A epidemia em São Martinho

Entre 2011 e 2013, quando acompanhei a rotina da Clínica da Família São Martinho, a Unidade de Saúde da Família (USF) do centro do município, assim como entre 2015 e 2018, quando vivi em uma das vilas da comunidade, os dados oficiais sobre “lesões autoprovocadas intencionalmente” (CID-10, X60-X84) eram extremamente baixos para São Martinho. Isso ocorria a despeito dos inúmeros relatos de moradoras e moradores sobre suicídios, e apesar de eu mesmo ter intervindo em ao menos duas situações de suicídio (cf.Oliveira 2016, 2018b), uma explícita, a outra não. Calcadas nos dados oficiais, seria difícil pensar em uma política voltada para os casos de suicídio em São Martinho, visto que, tomando os três últimos anos (com dados disponibilizados pelo Serviço de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil, o Datasus), nota-se um número extremamente baixo de casos notificados como “lesão autoprovocada”: em 2015, nenhum caso; em 2016, quatro casos; em 2017, um caso. Disso para uma epidemia, a mudança tendeu a ser mais valorativa e discursiva do que quantitativa.

Em 2018, combinavam-se algumas possibilidades de enfrentamento do quadro chamado de “epidemia de suicídios” nas colônias alemãs por parte dos agentes de saúde de São Martinho. A primeira delas era justamente a existência de um quadro suscetível de ser enfrentado. Sem possibilidade de destinação de verba para a realização de um programa específico sobre o tema, foi discutida a possibilidade de uma campanha a partir do Programa Saúde na Escola (PSE), já existente em São Martinho, ainda que sem qualquer projeto específico em execução. O PSE, voltado para crianças e adolescentes, fez com que os interessados por uma campanha para a prevenção ao suicídio adequassem suas diretrizes para esse público. Isso ia ao encontro de uma ação possível em relação ao suicídio, de uma perspectiva moral, pois as ações voltadas para crianças e adolescentes em São Martinho sempre foram a tônica das preocupações por parte do poder público (cf.Oliveira 2018b: 268-273).

Formou-se então uma equipe multiprofissional, para a qual eu fui convidado a tomar parte, que reunia atores distintos entre si. Como recomendado pelo documento de 2014 da OMS (OMS 2014: 09-13), o trabalho de prevenção foi levado a cabo em conjunto com a coleta de dados. A pesquisa, que partia da premissa que a ideação suicida se relacionaria, como atestado pelas publicações das últimas décadas, especialmente a fatores relacionais, sociais e afetivos, valeu-se de um conjunto de documentos elaborados pela Universidade de Columbia e licenciados pela gigante farmacêutica Pfizer, que eram os Patient Health Questionnaires. Um deles, o Patient Health Questionnaire 9 (PHQ-9) foi formulado para o diagnóstico da ideação suicida a partir de uma série de questões na escala Likert, que aferiam a proximidade do entrevistado ao quadro maior de depressão presente no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). O que se prevenia? As mortes decorrentes de “lesão autoprovocada intencionalmente”, presentes nos capítulos X60 a X84 do CID-10, mais comumente conhecidos como suicídios. A questão é que, em São Martinho, isso tudo, toda essa ação, todo esse programa e todos os seus objetivos, dependiam das notificações ao SUS dos casos de suicídio. E isso não ocorria. Esse era um dos problemas de toda a equipe, um dos desafios do programa, de fazer com que os suicídios que ocorriam em São Martinho e que moradoras e moradores sabiam e comentavam entre seus vizinhos e parentes chegassem, ao menos, às estatísticas oficiais.

O reconhecimento da morte, portanto, depende sobretudo de um enquadramento discursivo para que se efetive e, mais do que isso, para que receba, em contrapartida, produções técnicas e políticas públicas a respeito da mitigação e/ou prevenção dessas mortes. O Programa Saúde na Escola em São Martinho apresenta como nessa controvérsia política as produções científicas, já abordadas nas seções precedentes, atuam igualmente na construção da justificativa moral para as políticas de prevenção ao suicídio, assim como permitem o enquadramento dos casos de morte por lesão autoprovocada como um quadro epidêmico, generalizado e transversal, o que leva políticas locais a dialogarem com estratégias globais. Contudo, por não partirem de dados oriundos da própria população assistida, justamente porque esses dados são subnotificados ao sistema de saúde, as políticas de prevenção tendem a se sobrepor discursivamente ao universo social que atravessa o suicídio na comunidade, em especial as casas, e a moralidade que lhe é correlata, em especial o trabalho.

Voltar à casa: questões sobre a vida

Entender esse universo social é retornar à casa, a essa configuração relacional que agregava os tempos e os lugares, as pessoas e suas vidas. Porque a casa jamais era apenas uma. A casa era sua partilha, a performance dessa partilha, sua história visível, singularizada na rotina de cada morador e moradora da vila. As partilhas, as trocas e a vida fora de casa eram, talvez, o melhor índice alemão de percepção de que havia, ou não, ganhado uma depressão.

A casa é propriamente o terreno da partilha. Como nos lembra Janet Carsten (2004: 31-56), a casa comporta, em muitos lugares, as relações sociais estabelecidas sob seu signo. Muito além de sua estrutura arquitetônica, a casa perpassa memórias, entendimentos partilhados, práticas corporais para aqueles que vivem junto. Os exemplos trazidos pela autora, como sua própria experiência de pesquisa, em Langkawi, Malásia, apresentam como o parentesco se fazia nas casas e pelas casas, especialmente a partir da partilha do espaço vivido, da comida (o que inclui a comensalidade) e da nutrição dos corresidentes. Essas partilhas aconteciam especialmente no espaço doméstico, ainda que a partir de relacionalidades que a “jogavam para fora da janela” (Carsten 2004: 43). Esse é o caso da casa alemã, como em grande parte do mundo rural no Brasil, em que a casa se constitui na relação com o fora.

Na relação com a vida, esses limites (entre dentro e fora) não se assumem enquanto espaços intersticiais, mas enquanto lugares constituídos pela narrativa e pela performance, e, enquanto tais, podem existir também no trânsito e na memória das pessoas que a partilham. Dizer isso é evitar o que Ingold (2011: 145) chamou de “lógica da inversão”, que basicamente transforma os caminhos vividos que constituem a vida em fronteiras intransponíveis que passam a enclausurá-la. A ideia de espaço, defende Ingold (2011: 147-149), provém dessa inversão, constituindo o lugar (ou o local) como oposto ao espaço inabitado, sendo que o lugar existe justamente pelos rastros de vida de quem o perpassa, narrativamente ou relacionalmente, aproximando o ambiente de seus habitantes. O lugar, assim, não tem como existir independentemente, mas apenas enquanto um nó. Uma casa, exemplo que o próprio autor traz, existe enquanto um nó fortemente atado de linhas de vida de seus moradores, mas essas linhas não estão mais contidas na casa do que aquelas em um nó. Em vez disso, elas se arrastam para além desses nós, se envolvendo com outros ainda, formando aquilo que Ingold havia chamado de meshwork (Ingold 2011: 63-88).

É preciso lembrar que Carsten (2004: 33-44) afirmava algo muito similar em relação às casas. Em primeiro lugar, a casa não se apresenta como uma experiência partilhada entre seus habitantes. Longe disso, a relação com as memórias e o universo simbólico que a casa pode trazer se multiplica entre seus habitantes, assim como cada lugar da casa atua como um idioma específico na ativação de memórias, restritas ou não, à casa. Além disso, a casa não apenas oferece um idioma para a cognação de seus habitantes, atando laços de parentesco entre quem a partilha, mas estabelece uma relação simbiótica e corporal com cada um de seus habitantes. Uma casa se tornava viva com o nascimento do primeiro filho do novo casal, mas longe de ser uma metáfora, isso era performado, correlativamente, na casa e no corpo: uma pessoa era gerada na partilha da substância, assim como uma casa adquiria seus ossos, isto é, era constantemente remodelada e reconstruída, na interação e no viver de seus habitantes.

Considerações finais: a morte, o luto e os alicerces da casa

Muitas causas eram associadas ao suicídio. Muitas relacionadas ao cotidiano da casa, especialmente à vida moral que parecia sustentá-la, como o trabalho, os afazeres, a conjugalidade ou seu projeto futuro, que incluía o noivado, o casamento e sua construção propriamente dita. Em abril de 2016, em uma das tardes de outono, quando retornávamos do centro da comunidade, um odor característico nos chamava a atenção. Lá estava feito o fogo, que vinha do forno a lenha de Fátima Klein. Mais próximos de sua casa, outro odor se combinava ao de lenha: Fátima estava assando pães, coisa que há tempos não fazia. Esses pães eram para casa, para sua casa, mas também para serem partilhados, de duas formas: um ou dois deles com vizinhos mais próximos, e nós ganhamos um, e os demais com as visitas que chegariam à sua garagem. E as visitas chegavam, em um dos períodos mais movimentados da casa de Olavo e Fátima Klein, naquele inverno que viria nos próximos meses.

Foi no final de 2016, após eu ter cessado de tomar notas de campo, que Fátima Klein convidara Carla a sua casa para lhe falar sobre a corda em seu porão. Tudo, na verdade, havia cessado. O forno havia se apagado, as visitas não mais chegavam ao portão. Fátima Silva retomava a preparação dos pastéis, enquanto Fátima Klein tornava a não sair de casa. Os julgamentos morais que lhe eram dirigidos voltavam a circular. Depressiva, por parte daqueles e daquelas que lhe queriam bem. Preguiçosa, por parte das fofocas de pessoas que mal a conheciam. Sua casa tornava a se afastar da vida, ao menos enquanto Fátima. Performance das dores de uma vida, dessa que todos partilhavam ao sair de casa, a casa e pessoa expressavam concomitantemente sua história, suas relações.

Nas colônias do Sul do Brasil, voltar às casas para entender o acontecimento do suicídio significa, portanto, situar esse acontecimento no nível de suas justificativas relacionais, mais apropriadas do que a justificativa moral das políticas de prevenção, que o tomam por causa única, como efeito de uma desagregação afetiva ou social, que se manifesta em casos de depressão ou ansiedade. As casas alemãs não se desagregam para o acontecimento do suicídio. Sua própria existência, suas demandas morais, suas frustrações em expectativas, assim como todo o universo social que lhe é correlato, como trabalho, parentesco, corpos e memórias, lutos e perdas, compõem com a narrativa do suicídio e, por vezes, sua efetivação. Mas isso não implica que as casas estejam desagregadas: longe disso, implica que, enquanto existências morais, trazem consigo o suicídio, mas também a vida cotidiana, suas relacionalidades, como contrapesos de uma mesma lógica da vida em comum.

As múltiplas causas associadas ao suicídio se associam justamente à igual variedade da composição de uma casa. Memórias, narrativas, dores, pessoas, cultivos e passagens, todas essas dimensões são casa em sua expressão situacional, uma performance da casa acessível a trânsitos e pessoas igualmente variáveis. Certamente o suicídio atingia o limite desse ideal relacional, dessa vida moral calcada na dor partilhada entre vizinhos e parentes. Assim como os loucos e os depressivos, os suicidas, os potenciais suicidas ou as histórias sobre o suicídio o situavam em uma dimensão substancializada da dor, na qual o aspecto relacional parecia perdido. No entanto, justamente pelas histórias que se acumulavam no período do luto - ou da intensa tarefa de persuadir um parente a não cometer suicídio -, essa relacionalidade retornava nas memórias e nas narrativas da casa, como justificativas para a permanência na vida, ou como lembranças de uma vida perdida. Se o discurso médico o enquadrava também no eixo substancializador da perturbação psicossocial, era justamente porque esse eixo lhe era acessível ao tratamento, assim como era embasado nas publicações que davam o norte à ação. No entanto, retornando à casa, o suicídio era como seu limite moral, esgotamento e demasia de um universo relacional calcado na dor enquanto valoração moral da vida.

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1 Uma versão deste trabalho foi apresentada e debatida na XIII Reunião de Antropologia do Mercosul, realizada em 2019, em Porto Alegre. Deixo aqui meu agradecimento aos comentários e sugestões fundamentais para a revisão do trabalho.

2Nome fictício. Todos os nomes de pessoas (assim como seus sobrenomes), lugares, cidades, bairros, fábricas ou comunidades, diretamente envolvidos na pesquisa, foram alterados.

3Sobre a noção de terra se sua associação com o parentesco em São Martinho, ver Oliveira (2018b).

4Para mais sobre isso, ver o capítulo 1 de minha tese (Oliveira 2018a).

5Vale notar que, apesar de o suicídio não ser legalmente um crime no Brasil, a participação ou incentivo ao seu ato o é, previsto no artigo 122.º do Código Penal Brasileiro (Decreto Lei n.º 2848/1940).

6No Sistema Único de Saúde (SUS), a APS é chamada de Atenção Básica à Saúde, nível de atenção onde se situam, por exemplo, as Unidades Básicas de Saúde (UBS), assim como as Unidades de Saúde da Família (USF).

Recebido: 26 de Agosto de 2019; Revisado: 18 de Novembro de 2020; Aceito: 10 de Fevereiro de 2021

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