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Etnográfica

Print version ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.26 no.2 Lisboa Sept. 2022  Epub Sep 19, 2022

https://doi.org/10.4000/etnografica.11905 

Artigos original

Cultura e saberes dos trabalhadores profissionais-técnicos nas equipes de Saúde da Família

Culture and knowledge of technical workers in Family Health teams

1 Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ramosmn@gmail.com

2 Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz;


Resumo

O artigo apresenta resultados do estudo dos saberes de técnicos de nível médio em saúde de equipes da Saúde da Família em municípios brasileiros. A hipótese central é a existência de uma cultura própria desses trabalhadores no interior da equipe. A construção dos dados partiu da problemática teórica de Caria (2010) sobre a existência de uma dualidade reflexiva no uso do conhecimento no trabalho profissional e, para a análise, utilizamos a teoria da mente dual de Evans (2009), articulada à discussão sobre a performance no trabalho de Eraut e Hirsh (2007). A investigação consistiu na observação do trabalho dos técnicos e realização de entrevistas, enfocando-se as interações entre os trabalhadores e desses com usuários no cotidiano. Como conclusão, indicamos a confirmação da hipótese, compreendendo que a cultura de trabalho própria dos técnicos em saúde no interior da equipe de Saúde da Família é sustentada predominantemente por saberes prático-experienciais desenvolvidos por eles de forma autônoma e partilhada.

Palavras-chave: trabalhadores técnicos da saúde; equipes de Saúde da Família; saberes profissionais; cultura do trabalho em equipe

Abstract

The article presents results of the study of the knowledge of mid-level health technicians from Family Health teams in Brazilian municipalities. The central hypothesis is the existence of a culture of these workers within the team. Data construction was based on Caria’s (2010) theoretical problematic about the existence of a reflexive duality in the use of knowledge in professional work and, for the analysis, we used Evans’s (2009) dual mind theory, articulated to the discussion on performance in the work of Eraut and Hirsh (2007). The investigation consisted of observing the technicians’ work and conducting interviews, focusing on the interactions between workers and those with users in the daily work. In conclusion, we suggest confirming the hypothesis, understanding that the work culture of health technicians within the Family Health team is predominantly supported by practical-experiential knowledge developed by them in an autonomous and shared way.

Keywords: technical health workers; Family Health teams; professional knowledge; teamwork culture

Introdução

As equipes da Saúde da Família (eSF) são o núcleo de organização do trabalho de profissionais da saúde que atuam na atenção básica em saúde no Brasil. Possuem caráter multiprofissional, tendo em sua composição mínima enfermeiro e médico, generalistas ou especialistas em saúde da família, técnico de enfermagem, agentes comunitários de saúde (ACS) e de combate a endemias (ACE) e profissionais de saúde bucal (cirurgião dentista generalista, técnico e/ou auxiliar em saúde bucal) (Brasil 2011). Cada equipe é responsável por usuários residentes de uma área adscrita e, além da assistência prestada diretamente na unidade de saúde, os ACS e ACE atuam na promoção da saúde e na prevenção de doenças na respectiva área.

Essa organização do trabalho em saúde é o meio pelo qual se desenvolveu, no Brasil, o processo de substituição do modelo assistencial hegemônico da medicina científica para outro que incorpora uma abordagem alternativa, conforme Assembleia Mundial de Saúde realizada em 1979. Sua implantação atravessou vários ciclos e se consolidou em 1994, com o Programa de Saúde da Família (PSF). O Sistema Único de Saúde (SUS), aprovado na Constituição Federal de 1988, define este modelo alternativo, de atenção básica em saúde, nos seguintes termos:

“conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações.” (Brasil 2006, apudCorbo, Morosini e Pontes 2007: 76)

Na perspectiva de Paim (2003) os modelos assistenciais ou de atenção em saúde são combinações tecnológicas utilizadas pela organização dos serviços de saúde em determinados espaços-populações, compreendendo-se as tecnologias não somente como equipamentos, mas também como saberes formais e relacionais. Assim, para melhor compreender o modelo implementado torna-se pertinente estudar as equipes de Saúde da Família (eSF) na perspectiva dos saberes profissionais que constituem as culturas do trabalho em saúde.

A revisão bibliográfica sobre o trabalho em equipe na eSF nos mostrou haver certa tradição de estudo sobre o tema: 22 artigos publicados entre 2001 e 2013.1 Verificamos que os enfoques privilegiados estavam centrados nas dinâmicas de trabalho das equipes (funcionamento, interdisciplinaridade, gestão, relações de poder, comunicação e grupos) e nas percepções e representações sociais, principalmente dos médicos, enfermeiras e odontólogos, sobre a integralidade da política de atenção básica em saúde. Há, ainda, estudos centrados no trabalho de profissionais específicos das equipes, como técnicos e auxiliares de enfermagem; enfermeiras e médicos residentes. Um deles privilegia o contexto de trabalho, nomeadamente nas unidades de tratamento intensivo; e outro o trabalho voltado para os usuários portadores do vírus HIV-Aids. Mais recentemente, em 2018, encontramos o artigo de Peruzzo et al. (2018) sobre percepções dos profissionais quanto ao trabalho nas equipes.

Há um artigo que faz uma revisão de literatura sobre o trabalho em equipe entre os anos de 1997 e 2007. Neste âmbito, o estudo de Peduzzi (2001) é uma importante referência, porque elaborou uma definição e uma tipologia sobre o trabalho em equipe. Ele se definiria como “uma modalidade de trabalho coletivo que se configura na relação recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais” (Peduzzi 2001: 108), “através da comunicação, a articulação das ações e a cooperação” (Peduzzi 2009: 423).

Em toda esta literatura científica não se encontra nenhum estudo específico sobre o trabalho e os saberes dos técnicos de nível médio e as interações entre esses técnicos e desses com os usuários, daí a pertinência de serem objeto de estudo neste artigo. Formalmente, estes trabalhadores técnicos têm baixa autonomia e elevada subordinação a todos os profissionais das equipes com nível escolar superior. Mas, em contraponto, são os membros da equipe que têm quase em exclusivo o contato com os usuários, sendo os profissionais mais visíveis a esses usuários, ainda que, aparentemente, sejam menos visíveis às prescrições políticas e aos estudos acadêmicos.

Os trabalhadores de saúde de nível médio nestas equipes correspondem a todos aqueles que têm 12 anos de escolaridade formal (educação básica completa composta por ensinos fundamental e médio), como os técnicos de enfermagem (TE) e de saúde bucal (TSB). Ou que têm oito anos (somente ensino fundamental) e uma formação complementar técnica na área de trabalho, como ocorre com os auxiliares de saúde bucal (ASB)2 e os agentes comunitários de saúde (ACS) e de combate a endemias (ACE). Pode ocorrer que estes últimos obtenham a experiência prática no trabalho antes de realizarem a formação técnica respetiva.

Neste artigo, a nossa hipótese central é a de que as interações entre os trabalhadores técnicos e destes com usuários podem configurar a existência de uma cultura própria no interior da equipe da Saúde da Família.3 Hipoteticamente, tais interações seriam capazes de construir um mundo social próprio, onde o conjunto dos trabalhadores técnicos viveriam e trabalhariam por referência aos limites e aos horizontes de um mundo autorreferenciável (Caria e Ramos 2015). Esta cultura poderia ser gerada pelos saberes e recursos próprios, partilhados no trabalho coletivo destes trabalhadores, tendo em vista o enfrentamento e busca de soluções face aos constrangimentos verticais advindos da relação com profissionais de nível superior e às potenciais relações horizontais e de reciprocidade com os usuários. Cultura que poderia atuar como proteção/defesa desses trabalhadores face à hierarquia das equipes, ao configurar, por hipótese, um poder simbólico diferenciado àquele que é conferido e legitimado formalmente aos profissionais de nível superior.

Os dados aqui analisados têm por base uma pesquisa etnográfica coordenada por Ramos et al. (2017),4 que investigou o trabalho de técnicos em saúde de 20 equipes da Saúde da Família (eSF) localizadas em 17 municípios do território brasileiro.5 Dois pesquisadores acompanharam, por cinco dias, o cotidiano das atividades dos técnicos e realizaram entrevistas individuais semiestruturadas. Os dados da observação foram registrados em diários de campo e reinterpretados em reuniões da equipe de pesquisa. As 133 entrevistas realizadas foram registradas em gravador e posteriormente transcritas. Onze categorias de análise foram construídas 6 a partir dos relatos orais dos pesquisadores no trabalho de campo e agrupadas em temas.7 Neste artigo, com base na hipótese enunciada, enfocaremos predominantemente as interações no interior das equipes e com os usuários.

Dualidades reflexivas: mentes e processamentos sociocognitivos

A possibilidade de os trabalhadores técnicos desenvolverem uma cultura de trabalho relativamente autônoma das hierarquias das equipes e da legitimidade que lhes é conferida pelos conhecimentos formais-abstratos em que se baseia o trabalho profissional de nível superior decorre de uma problemática teórica elaborada por Caria (2010) sobre a existência de uma dualidade reflexiva no uso do conhecimento no trabalho profissional: construção de saberes prático-experienciais no curso da ação cotidiana versus uso de conhecimento formal-abstrato para legitimar ações deliberativas e/ou técnicas. Indica, ainda, a possibilidade de ocorrerem situações de trabalho em que o conhecimento é manipulado no cotidiano sem se convocar formas “legítimas ou técnicas de mobilização do conhecimento” (Caria 2010: 179); ou em que os conhecimentos advindos da experiência são confrontados e, por vezes, podem prevalecer sobre os conhecimentos formais-abstratos. Na mesma linha de pensamento, sobre a possibilidade de prevalência da experiência sobre o conhecimento abstrato, Schwartz (1998) cita os auxiliares de enfermagem inseridos em uma equipe de saúde como aqueles que, em virtude das limitações de sua formação médica, podem dar mostras de competências maiores do ponto de vista experiencial, o que o autor designa como ingrediente 2 da competência: “uma forma específica de armazenamento na forma de saber, tendo até medidas em comum com o ingrediente 1 [os saberes formais], mas que tende a alimentar-se a partir do diálogo com o meio particular de vida e de trabalho”.

A abordagem inicial de Caria a esta problemática partiu dos estudos etnográficos, em antropologia da educação, de Raúl Iturra (1990), onde se conclui sobre a possibilidade de duas mentes sociais - a cultural, ligada aos saberes cotidianos da vida social, e a racional-positiva, ligada à organização do conhecimento formal-abstrato ensinado na escolaridade - se articularem ou se oporem de forma a que, respectivamente, se possa democratizar a aprendizagem do conhecimento ou reproduzir as desigualdades sociais na aprendizagem do conhecimento. Mais recentemente, ( Caria 2017) indicou que a dualidade reflexiva também tem validação nas ciências cognitivas de inspiração fenomenológica por via da “teoria da mente dual” de Evans (2009): o cérebro humano contém dois sistemas paralelos de cognição; ou duas mentes, uma pragmática e outra analítica. Uma mente, a pragmática, opera largamente através dos processos de tipo 1 - rápidos, automáticos, com alta capacidade de processamento a baixo esforço -, desenhando formas de conhecimento que são inerentemente implícitas e por isso facilmente inscritas na organização dos saberes prático-experienciais do cotidiano de vida. Outra mente, a analítica, operaria primariamente através de processos de tipo 2 - lentos, controlados, de capacidade limitada e elevado esforço -, usando conhecimentos explícitos e pessoais, e por isso facilmente inscritos na organização dos saberes formais-abstratos, legitimadores da ação e das desigualdades de poder cultural e simbólico.

O trabalho de campo realizado tornou pertinente articularmos a teoria da mente dual com a abordagem sobre a performance no trabalho proposta por Eraut e Hirsh (2007) no que se refere à extensão do tempo disponível para que a ação resolutiva aconteça, conforme escolha do trabalhador ou constrangimento a que se submete: instantânea, rápida ou deliberativa. Cada uma dessas extensões temporais tende a inscrever-se em modos sociocognitivos específicos:8 respectivamente, automáticos, intuitivos/associativos e analíticos.

Pelo exposto anteriormente, fica claro que o modo sociocognitivo automático resultaria dos processamentos rápidos (tipo 1) típicos da mente pragmática, sendo mais associado a ações rotinizadas, padronizadas e pouco conscientes. O modo sociocognitivo analítico viria dos processamentos lentos (tipo 2) típicos da mente analítica, sendo mais associado às ações de diagnóstico, de avaliação (incluindo metacognição) e de planejamento, com uso consciente de diferentes tipos de conhecimentos prévios e sua aplicação a novas situações. O modo intuitivo-associativo seria uma modalidade sociocognitiva híbrida que resultaria da conjugação atípica dos dois procedimentos com as duas mentes: processamentos rápidos (tipo 1) na mente analítica, relativos à recognição das situações por comparação com situações similares previamente encontradas (associação) ou processamentos lentos (tipo 2) na mente pragmática, relativos à explicitação de saberes validados anteriormente para uso em situações relativamente novas (intuição).

Pudemos observar no trabalho de campo que a redução do tempo de trabalho força as equipes a adotarem uma abordagem mais intuitiva-associativa das situações e dos usuários, ao passo que a rotinização capacita as equipes a pensarem cada vez mais rapidamente, acabando por gerar automatismos de pensamento e ação. Com mais tempo disponível, a abordagem das equipes torna-se mais analítica, reconhecendo-se mais complexidade nas situações e nos usuários e permitindo-se maior autoconsciência, maior consciência sobre como ocorrem os processos deliberativos e procura mais sistemática de conhecimento relevante.

No âmbito do trabalho realizado pelos trabalhadores técnicos pudemos verificar que estes estavam continuadamente implicados na avaliação de usuários e de situações e nas consequentes tomadas de decisão, evidenciando para o efeito modos sociocognitivos quase sempre automáticos e intuitivos-associativos, através da rotinização de ações com os usuários, da explicitação e da comparação de saberes anteriormente usados (pouco conscientes) relevantes para as decisões do presente. Podem mesmo ser colocados perante dilemas, cujas decisões por vezes escapam aos protocolos de trabalho, como evidencia a descrição a seguir:

“Tem horas que eu tenho que tomar posições… Tinha uma senhora […] ela tinha lúpus, tinha isso, tinha aquilo… Os vizinhos não gostavam dela. E assim… Eu tive que procurar um carro para levar ela no [hospital] Pedro II e ninguém queria. Ligamos para unidade [de saúde], a unidade ligou para a ambulância, ambulância não chegava e começou o tiroteio… E eu falei assim: ‘Só tem uma solução, vou lá na Boca’.9 Fui lá na Boca e pedi um carro para levar a mulher. Se você não tem autonomia…” [ACS2]10 

Deste modo, tornou-se evidente que o foco central da construção e uso de saberes (experienciais ou formais-abstratos) estava subordinado à lógica da mente pragmática, gerando uma cultura de trabalho orientada pela eficácia possível, na continuada premência de se melhorarem os resultados obtidos com os usuários. Para este efeito, compartilhar uma linguagem comum e simples parece ser decisivo, como mostra a descrição a seguir:

“É transmitir a informação da maneira que eles entendam, no combate à esquistossomose a gente não pode utilizar a água no lugar que a água tá quente… É mais cuidadoso, né. No barbeiro, também, ter cuidado com entulho, madeira, tijolo, telha. Essas coisas, né. É simples, depois que faz a capacitação, que sabe o que tem que fazer, que conhece o sistema inteiro, quando vai pra campo, é basicamente isso: transmissão de conhecimentos do que aprendeu na linguagem popular e cuidados, a prevenção em saúde.” [ACE2]

As atividades de maior cunho analítico ocorriam, predominantemente, nas reuniões de equipe que, sem deixarem de envolver os trabalhadores técnicos, eram dominadas pelos profissionais de nível superior, sempre que o foco central da construção e uso de saberes (experienciais ou formais-abstratos) estava na procura de introduzir acréscimos de legitimidade, de coerência e de sistematicidade no uso do conhecimento, tendo em vista conseguir uma melhor fundamentação do diagnóstico e do planejamento, através de uma complexificação da reavaliação das situações.

O lugar dos trabalhadores técnicos nas equipes e a formação da sua cultura de trabalho

Os agentes comunitários de saúde (ACS) são responsáveis pela captação das demandas no território, pela transferência destas demandas à eSF e pelo retorno das respostas da equipe à comunidade. O técnico de enfermagem, pela realização de procedimentos voltados aos usuários (aplicação de vacinas, curativos, etc.). O auxiliar de saúde bucal, pelo suporte aos atendimentos dos técnicos de saúde bucal e dos dentistas. O técnico em saúde bucal, pela higiene bucal, preparação do paciente para a intervenção do cirurgião dentista, dentre outras ações de apoio. Enquanto as atividades realizadas pelos ACS e pelos técnicos em enfermagem são supervisionadas pelo enfermeiro, os trabalhadores da saúde bucal são tutelados pelo dentista. Finalmente, os agentes de combate a endemias (ACE) são responsáveis pelo controle, identificação e tratamento de focos de zoonoses no território e são supervisionados por profissional específico da área.

As visitas domiciliares (VD), as atividades e campanhas de promoção e de educação em saúde com a comunidade, os grupos de acompanhamento de doenças crônicas e de gestantes são formalmente apresentadas como multiprofissionais. No entanto, como tais atividades são realizadas fora do espaço habitual da unidade, a divisão hierárquica tende a ser enfraquecida. E tratando-se de respostas a demandas do território e da comunidade, são os trabalhadores técnicos que mais facilmente se mobilizam para este efeito.

Quando diretamente questionados, os trabalhadores técnicos reconhecem usarem conhecimentos abstratos provenientes da formação inicial ou continuada diretamente ligados, ou não, à sua especialidade (cursos de educação básica, cursos técnicos, treinamentos específicos coletivos ou individuais, estágio). Também se referem à existência de aprendizagens formalmente orientadas pelos profissionais de nível superior ou hierárquico ou de orientações destes por via das reuniões de equipe. Dizem, ainda, que desenvolvem aprendizagens autodidatas, resultantes da consulta de fontes bibliográficas, incluindo as disponíveis na Internet.

No entanto, o mais frequente é indicarem a construção de saberes prático-experienciais, ocorridas tanto no processo de trabalho, quanto em outras experiências da vida cotidiana em família e comunidade; ou resultantes da inserção em movimentos sociais, políticos, sindicais, religiosos, culturais, etc.

Você fica mais esperto, mais safo, é na prática. A prática realmente, se for analisar bem, pesa mais. De repente tu vai lá com aquela teoria. Tu vai ter que realizar a teoria? Vai. Mas às vezes a prática te pede além daquela teoria, ou a menos do que aquelas teorias. Então realmente é o dia a dia que faz você ficar mais esperto, mais atento. Porque, de repente, tem imóveis que ali eu não vou usar o larvicida. Mas vou usar: ‘minha senhora, tem muita coisa aqui’ (às vezes não tem foco nenhum, não tem nada) ‘mas vamos abaixar essas vasilhinhas aí, vamos deixar emborcadas, vamos tampar essa caixa, vamos fazer assim’. E eu não usei aquela teoria de tratamento, até porque o tratamento não é a solução. A gente realiza ali aquele possível foco, trata, tal, mas não é a resolução da questão em si, da endemia da doença em si.” [ACE1]

Os agentes comunitários de saúde (ACS) valorizam seus aprendizados sobre acolhimento, humanização e vínculo usados na relação com os usuários dos serviços de saúde, assim como a experiência adquirida no cotidiano de trabalho e na vivência do território.

“Hoje eu tava no acolhimento, quando sexta-feira agora a mãe veio falar comigo que a filha tava com 12 anos tentando ter relação sexual. Aí eu conversei com ela, orientei a mãe. Perguntei: ‘Cadê ela?’. Eu sei que ela precisa ir na unidade de saúde, sei que ela tem que fazer planejamento familiar, porque ela precisa saber como é que funcionam os métodos contraceptivos, entendeu? […] Então eu falei: ‘Pede a ela pra ir lá’. Aí hoje veio. […] Eu, como já sabia o caso, chamei ela pra conversar.” [ACS1]

A participação em Igreja, a convivência familiar e o cotidiano de práticas são citados como experiências significativas. Há referências ao seu papel de mobilizador e liderança em questões que dizem respeito à garantia de direitos e acesso a serviços e programas das distintas esferas do governo para a população.

“Eu sou da Igreja, sou evangélica. E geralmente a gente faz mais questão voltada a parte espiritual. Ou assim, nós enquanto ACS, temos um bom relacionamento com a associação [de moradores do local]. Se precisarmos, eles são nossos parceiros. […] Antigamente, quando não tinha isso [asfalto e saneamento básico], era uma caixa de fossa pra três, quatro casas. Aí quando entupia, quem vai desentupir? A gente ia na associação. Aí a associação entrava em contato com o caminhão que vinha pra desentupir e pra dar uma qualidade melhor para os pacientes. Aí a gente sempre teve essa parceria.” [ACS1]

Enquanto os ACS e os ACE valorizam mais os saberes prático-experienciais, dada a sua relevância relacional (tanto dentro quanto para fora da equipe). Comparativamente, os técnicos em enfermagem (TE) parecem dar mais ênfase aos conhecimentos formais aprendidos no curso técnico: indicar medicação, usar soro, preparar medicação no soro, colher sangue, vacinação, curativo, etc. No entanto, não deixam de valorizar o aprendizado que ocorre na prática: “no curso a gente não aprende, no curso a gente aprende só com… no curso a gente aprende só na teoria. Aí quando a gente vai pro campo, a gente fica mais…” (TE1).

Os saberes prático-experienciais também estão associados à geração de uma cultura de autonomia, inclusive para avaliar gravidade de algumas situações e tomar decisões em conformidade. Mesmo podendo infringir a hierarquia, estes saberes permitem aos trabalhadores técnicos serem autorizados a intervir no trabalho de seus superiores:

“Se eu sei que é uma reação alérgica de um medicamento que eu fiz que é normal, mas ele precisa ser avaliado pelo médico pra mim notificar, então eu já pegava o cartão, eu mesmo ia lá pegar o prontuário e vou direto pro médico, entre um paciente e outro: doutor aconteceu isso e isso. […] Então chega uma mordida de cachorro, eu não vou mandar o paciente pra sala de curativo pra depois do médico ir lá; deixa ele lá, abro a porta do consultório: ‘Doutor você vai ali e avalia uma mordida de cachorro pra mim?’ ” [TE2]

Os técnicos de saúde bucal (TSB) também reconhecem a construção de saberes prático-experienciais com os usuários tanto no consultório, quanto na educação em saúde, referindo-se também à sua autonomia na execução de procedimentos:

“Eu posso fazer essa limpeza do dente, sem ter que passar pelo dentista. Eu posso, na necessidade, por flúor na boca, eu posso. Eu posso trabalhar na prevenção. Penápolis11  foi sempre um exemplo na prevenção, tem uma equipe que vai de escola em escola. Eles levam todo o ano, no início do ano, uma escova de dentes e essa equipe vai de uma em uma semana ou a cada 15 dias na escola trabalhar as crianças. Faz uma escovação e é colocado flúor na boca das crianças.” [TSB1]

Em outra situação de trabalho que acompanhamos, uma ACS procura encontrar melhor solução dialogando com a enfermeira hierarquicamente superior, explicitando assim certa autonomia que os trabalhadores têm para falar e fazer diferente:

“ ‘Priscila, não está dando certo, vamos fazer desse jeito?’. Esse grupo de TB…12 marcamos um grupo de TB aqui e não deu certo, aí conversamos… ‘Vamos fazer na Igreja?’. Foi mais gente, deu certo. A gente tem essa abertura.

Tem, tem. A gente fala. Nossa equipe não tem isso…” [ACS2]

Julgamos que o desenvolvimento desta cultura de autonomia dentro das equipes pode ser em grande parte explicado pela avaliação positiva que os trabalhadores técnicos fazem sobre o ambiente relacional dentro delas e pelo espaço que reconhecem existir para desentendimentos e divergências:

“Bem boa, tranquila. Quando ela [a enfermeira] necessita de alguma atividade específica, ela nos comunica. A gente vai lá: ‘É pra fazer assim’. É de integração também.” [ACE1]

“A equipe eu já falei, a equipe é bem unida. Não tem essa questão de problema, de atrito de confusão não. Porque quando começa alguma coisa, a gente já tem o direito de pedir uma reunião, entendeu, se tem algo incomodando a gente já…” [TE3]

“Aí a gente, de vez em quando, quando tá pesado, no colegiado 13 a gente briga [risos]. Fala. Aí começam as discussões pra tentar resolver a situação. No dia do colegiado, primeiro geralmente tem a reunião de equipe. Mas a gente tem reunião com a enfermeira, aí a enfermeira passa as coisas pra gente, e aí a gente pode falar se concorda, se não concorda, se aceita, se não aceita, como a gente vai fazer pra resolver a situação, ‘o que vocês sugerem?’, qual é a melhor forma. Aí a gente discute entre si, pra resolver a questão do processo de trabalho. Sempre visando na melhoria, né. Porque tem coisas que dá pra gente viabilizar de uma forma melhor pro paciente. Sim, somos [ouvidos pelos colegas e superiores].” [ACS1]

“A reunião é feita semanalmente. […] Nessas reuniões a gente coloca assim tudo, é o dia que a gente tenta resolver os problemas que a gente tem com as armas que tem também. A gente coloca tudo ali em cima da mesa, os agentes expõem os problemas que têm, as dificuldades que estão enfrentando, a enfermeira, na medida do possível, tenta resolver o que pode e o que não pode ela já fala também que não é da competência dela ‘eu vou lá e vou expor também o que é que eu preciso deles’; é o dia de colocar tudo em pratos limpos mesmo. Sempre dá certo. A gente registra tudo em ata e fica tudo, na próxima semana se já tiver resolvido parte dos problemas a gente registra também e vai eliminando os problemas através desta reunião.” [TE2]

Tão importantes quanto os saberes prático-experienciais específicos a cada função, são os saberes partilhados entre os trabalhadores, tornando possível a construção de uma cultura de trabalho comum. Assim pudemos observar numa VD na qual o ACS preenchia a ficha de dentição enquanto o TSB examinava a boca de uma criança e ditava ao ACS os dentes, com os devidos nomes, que apresentavam problemas. Ainda que o procedimento do TSB pareça ser rotineiro, ele, por um lado, permitiu ao colega que manipulasse um conhecimento que, em princípio, é exclusividade sua (a ficha de dentição); por outro lado, é provável que o ACS já tenha aprendido esse conhecimento com outro técnico ao compartilhar, no passado, a experiência de exame da dentição com outros TSB, podendo por esta via ajudar a tornar mais eficaz a ação do TSB no presente. Verificamos que esta ajuda é essencial à eficácia da ação, porque, como o exame ocorre no ambiente domiciliar, sem as restrições do consultório dentário, a conduta da criança torna-se mais arisca. Assim, o trabalho do TSB passou a exigir uma concentração permanente na boca da criança, obrigando em consequência que a ajuda do ACS se tornasse parte integrante da sua rotina.

O desenvolvimento de uma cultura de trabalho comum entre os trabalhadores técnicos pode implicar outras especialidades e de uma forma diversificada, tal como surgiram nos dois exemplos que se seguem:

“As meninas se desdobram, as agentes [comunitárias] de saúde. Eu faço minha parte. Então nós temos uma relação tranquila quanto ao atendimento público; assim, a gente costuma sempre entrosar quando tem que passar alguma coisa tipo: ‘Ah tem tantas crianças que estão com a vacina atrasada’, que é feito um controle mensalmente de crianças em atraso com vacina, aí eu faço uma listinha e já procuro favorecer.” [TE2]

“A gente tem um colega que trabalha aqui que […] veio pra prefeitura. E ele já está há muito tempo, tem mais de 20 anos. Então ele é o cara que tá safo. ‘Olha Flávio, me ajuda assim, assim’, ‘Não Adriana, assim, assim’. ‘Ah Adriana, preciso que tu vá naquela casa ali comigo’ […] Ou: ‘Vamos te ajudar porque você tá com muita coisa’, por exemplo, ‘tem muitos sintomáticos de zika aí, ou dengue, chikungunya’. Vamos lá, a gente ajuda. Na verdade, assim. Me organizei hoje pra ir lá na rua G. De repente a menina: ‘Adriana, tem alguma coisa lá na Vila Verde’. ‘Vamos fazer o seguinte: eu vou na rua G hoje, amanhã eu vou contigo lá. Amanhã acerta a hora e a gente vai’.” [ACE1]

O desenvolvimento desta cultura de trabalho comum não se apresenta como divorciada da chefia das equipes, podendo mesmo ocorrer de uma forma paralela. Por exemplo, na passagem a seguir, a enfermeira, profissional de nível superior e coordenadora da eSF, figura mais como uma intermediária da comunicação entre os trabalhadores técnicos do que como uma superior hierárquica.

“Dependendo da situação, às vezes eles [ACS] têm a liberdade de vir falar pessoalmente com a gente, ou às vezes a gente vai falar com eles em determinadas situações. É uma parceria, acontece uma troca. De repente ela não me viu, deixa recado com a enfermeira. E aí a enfermeira passa pra mim, ou passa pra outro colega. E na própria reunião também.” [ACE2]

Em conclusão, mesmo que a divisão técnica do trabalho persista e que as hierarquias das equipes sejam atuantes, isso não impede que se possam desenvolver de forma autônoma e partilhada os saberes prático-experienciais dos trabalhadores técnicos que constituem a base da sua cultura de trabalho. Uma cultura própria que, hipoteticamente, é reforçada pelo fato de serem saberes que, como vimos, se inscrevem predominantemente nos modos sociocognitivos automáticos e intuitivos-associativos do agir profissional, onde tende a prevalecer a lógica pragmática dos resultados possíveis com os usuários. Aliás, valerá a pena mencionar que o principal instrumento de controle externo sobre o trabalho das equipes faz-se pela obrigação de atingir metas de desempenho, sendo particularmente relevante para o efeito o grau de abertura dos usuários para com a atividade e contatos com a equipe.

Nesse contexto, o trabalho de campo desenvolvido indica-nos que os agentes comunitários de saúde (ACS) podem adquirir um lugar central na constituição desta cultura. É comum outros técnicos se manifestarem sobre o poder simbólico desses agentes, devido ao seu vínculo com o território e por sua presença significativa nas reuniões de equipe.

“É só o agente [comunitário de saúde]. Da visita mesmo domiciliar é só do agente. E tem essa visita, uma vez por semana por cada agente, para os acamados. Isso aí funciona, mas os outros…” [ACS3]

“Aí no outro ciclo eu vou lá pro outro bairro… Isso aí nunca ninguém vai conhecer ninguém, já diferente do agente [comunitário] de saúde. O agente de saúde ele tá ali no posto, aí ele trabalha aqui na região do posto. Sempre vai ser ali naquele…” [ACE3]

“Os agentes [comunitários] de saúde, apesar de serem só três, acaba que o argumento deles sobressai.” [TE2]

Por hipótese, parecem ser os saberes práticos-experienciais da cultura dos trabalhadores técnicos que mais tendem a influenciar o conteúdo do trabalho das equipes, mais do que os protocolos, documentos e cartilhas que contêm as orientações gerais para a realização do trabalho. Estas prescrições formais estão presentes e são reconhecidas, mas não são mobilizadas cotidianamente na realização das atividades, dado que, quando citadas, são usadas de uma forma superficial. Assim, não há nas equipes um material escrito que discorra sobre a especificidade do trabalho na atenção básica em saúde que seja tomado como referencial fundamental para todos os profissionais.

Ampliação da cultura de trabalho na interação com os usuários e comunidades

Face à necessidade de enfrentar os constrangimentos impostos pelas prescrições e normas dessa política de saúde e de responder adequadamente às metas de controle externo existentes, pode-se afirmar ser essencial que o trabalho de equipe esteja focado na satisfação das expectativas dos usuários. Assim, a lógica pragmática de procura continuada dos resultados possíveis, em que se baseia a cultura dos trabalhadores técnicos, é decisiva para que se consigam criar cumplicidades mútuas entre as equipes e as comunidades de usuários.

Neste contexto é particularmente importante atender à componente relacional e comunicacional dos saberes prático-experienciais, tal como é referido em seguida:

“Tem todo um trabalho que você tem que fazer ali pra tentar convencer e orientar a maneira correta, né. Porque, a pessoa aprendeu com o pai, aprendeu com a mãe, aprendeu com a vó, com o bisavô.” [ACS3]

“[…] É saber escutar o outro né, porque as vezes a pessoa vem tão armada14  pra cima da gente, então se a pessoa que vem chegando vem tão atribulada e se eu não tiver a capacidade de escutar e tentar explicar pra ela e ser uma pessoa educada […]” [TE3]

“Na saída [de uma casa] ela identifica um pote de sorvete com água e sujo nos cantos e constata ser um recipiente onde a moradora, uma senhora idosa, coloca água para um cachorro supostamente abandonado ou vadio, que vive na rua. A ACE solicita à senhora que peça ao seu marido que lave e faça a higienização do recipiente. A senhora diz que o marido não vai fazê-lo. A técnica pede, então, pra que ela mesma o faça. A senhora diz que não vai fazê-lo devido à sua dificuldade de locomoção. A técnica (ACE) orienta então que aquele recipiente seja retirado do local pois, tal como ele se encontra, torna-se um depósito de ovos do mosquito.15 A senhora diz que não vai retirar e ainda argui a ACE, se ela não tem pena do cachorro ficar com sede. A técnica esclarece que é melhor o cachorro ficar com sede - pois ele vai buscar outras maneiras para matar sua sede - do que a comunidade, as pessoas, a família ficarem doentes. E explica à senhora que ela seria responsável por essa contaminação. Nenhum argumento resultou eficaz e a técnica desiste: ‘Tá bem, tá bem’ e passa para a segunda casa. Nesta, ela solicita à senhora que nos atende, que faça, por favor, a limpeza daquele recipiente, e explica que é para ajudar a outra senhora. Esta então, se compromete a se responsabilizar pela assepsia daquele recipiente.” [Diário de campo de acompanhamento de visitas domiciliares da ACE1]

Mas como evidencia a descrição desta última situação, a componente relacional dos saberes de ação é muitas vezes apenas um meio para se chegar ao uso de conhecimento para a resolução de problemas. Assim, como mostram as descrições seguintes, estes saberes relacionais são decisivos para melhor se conseguir identificar os conhecimentos formais e abstratos que mais são necessários à resolução de problemas:

“Vamos supor: tem doenças que eles falam que eu não sei. Eu digo: ‘Ó gente, eu não sei que doença é essa não’. Vou perguntar ao médico, se ele não tiver na hora, lá na casa deles: ‘Deixa eu entrar no Google pra saber do que vocês estão falando’. Aí olho rapidinho, falo: ‘Ó, não sei não, vou perguntar à enfermeira, vou perguntar ao doutor Davi, depois eu te falo o que é isso’. Porque eu não posso orientar o paciente errado.” [ACS1]

“Quando ocorre algum caso de eu não conseguir resolver na hora, eu oriento o paciente… É que às vezes eles fazem umas perguntas, eles acham que a gente é médica, mas a gente não é, infelizmente não somos. Algumas coisas que eu tenho dúvida, eu pesquiso.” [ACS4]

O trabalho de campo de acompanhamento das visitas domiciliares nos mostrou, de fato, situações em que ACS telefonavam para o médico, buscando esclarecer dúvidas e, em seguida, orientavam o usuário. Ao mesmo tempo, chega a impressionar, em alguns momentos, o domínio conceitual de alguns técnicos, ao orientar os usuários quanto à prevenção em saúde; assim como fazem os ACE, sobre procedimentos sanitários domésticos, especialmente vinculados a doenças transmitidas por animais (zoonoses). E, ainda, os técnicos em saúde bucal (TSB), quanto a procedimentos adequados aos cuidados da dentição.

Ao lado dos agentes de combate a endemias, como vimos, é o agente comunitário de saúde que mais interage com os usuários em seus domicílios, sendo suas funções primordiais à orientação e à educação em saúde. Mas é frequente que os usuários lhes solicitem a realização de procedimentos que não são de sua competência, como curativos e aferição de pressão. Alguns acabam realizando e se justificam pela ausência de profissionais de enfermagem frente à necessidade de assistência dos usuários nos momentos em que eles não estão disponíveis (nos fins de semana, em dias de folga, por sobrecarga de trabalho ou por dificuldade de acesso ao território em situações de conflitos armados). Não se trata de uma situação típica. Ao contrário, o mais comum é o ACS recorrer ao técnico de enfermagem (TE) de sua equipe, numa interação que, novamente, é de ajuda mútua e mantém a coesão desses trabalhadores, visando o melhor resultado e a maior satisfação dos usuários:

“ACS não faz procedimento… Quando eu preciso de alguma coisa vou a eles [técnicos de enfermagem]… Eles precisam fazer um curativo que não seja na minha área, ‘Fulana, vamos lá?’, ‘Vamos’. Eu não tenho esse problema.” [ACS2]

“É o do técnico, auxiliar, […] quando necessário, ir até a visita domiciliar também. Fazer curativo, temos um colega que faz curativos domiciliares, se precisar.” [ACS5]

“Os itens que ficam faltando pra bater meta, alcançar meta. ‘Ah, precisa de muitas VD, verificar pressão, coleta de sangue, vacina’. Então bate. Elas [ACS] precisam de mim pra essas coisas, porque sem o técnico [de enfermagem] não realiza vacina, não realiza pressão, nada disso. Então é fundamental o técnico [de enfermagem] pra isso.” [TE1]

Outras formas de os ACS superarem as limitações das suas competências específicas, está no desdobramento de responsabilidades para outros membros da eSF, tanto os de nível médio quanto os de nível superior.

“Porque o ACS é tudo. Ele é psicólogo. Ele é amigo, ele é parceiro. O ACS é tudo. Às vezes, o que você precisa não é de um remédio, é de uma conversa.”

“Se eu tenho um problema, ‘Doutora, estou com essa mulher aqui que precisa de um dentista urgente, faz uma forcinha?’.” [ACS2]

Em conclusão, os tipos de conhecimentos e saberes que constituem a cultura de trabalho dos técnicos se misturam, embora quase sempre estejam inscritos, como dissemos atrás, na lógica pragmática dos resultados. Verificamos, também, que o uso de conhecimento formal-abstrato e de saberes prático-experienciais não é apenas um aprendizado individual ou uma imposição institucional. É uma construção interacional entre os técnicos e destes com os usuários, daí serem constitutivos de uma cultura.

Afirmamos que esta cultura se desenvolve também com os usuários porque os saberes que são construídos não dependem apenas de vínculos comunicacionais, abertos e amplos. Dependem ademais de cumplicidades e de um sentido de responsabilidade que cria laços de confiança mútua, que não são dependentes apenas do sucesso na resolução de problemas. De fato, pudemos verificar que os trabalhadores técnicos não se conformam em não realizar atividades que são de sua competência, por falta de condições materiais, infraestruturais ou até mesmo sociais. O impedimento da realização da sua atividade devido a conflitos armados nos territórios das comunidades de usuários é motivo de preocupação, não porque seus vínculos empregatícios podem ser comprometidos, mas porque os usuários não teriam acesso aos cuidados, muitos deles dependentes das visitas para receberem medicação.

“Pego os cartões de vacina, vou para rua, fazer visita da criança, porque eu gosto de ser assim. Pego o dia do hipertenso, eu gosto de ter um dia de hipertenso para conversar com eles… Porque, assim… Tem que ser assim. Tem que ser planejado… Mas aqui não deixa você se planejar. Por exemplo, hoje vou visitar as crianças, começa o tiroteio, você não pode sair da comunidade… Aí tem que correr… Mas, assim… Eu tento planejar hipertenso, diabético, criança, tento ser sempre direitinha.” [ACS2]

Apesar de o tráfico de drogas ilícitas e da ação das milícias muitas vezes colocarem restrições ao acesso às unidades de saúde e à realização de visitas domiciliares, pela conflagração de conflitos armados, a assistência a esses usuários é prestada incondicionalmente:

“Porque são humanos [os criminosos], seres humanos. Mas esses seres humanos matam sua família, matam trabalhador. Mas eu gosto deles, consegui gostar deles. Me chamam de tia, mas eu sei que eles são… Que eles matam, que eles fazem toda coisa que você imaginar. Mas eu gosto deles. Porque pra mim é indiferente… De nada, eu tô ali como profissional.” [TE1]

No quadro desses tipos de impedimentos, os laços de confiança mútua dos ACS com os territórios das comunidades de usuários, os levam a se interessarem pelo aprendizado de procedimentos restritos ao trabalho dos técnicos em enfermagem, para que, na impossibilidade de esses últimos prestarem a assistência, os próprios ACS possam fazê-lo.

Pelo que pudemos perceber ao longo do trabalho de campo,16 a ação dos trabalhadores técnicos em contextos potencialmente violentos provoca o seu envolvimento em procedimentos sociocognitivos de cariz analítico, dado que os obrigam a desenvolver entre si uma maior competência autorreflexiva e de avaliação de grupo durante o exercício do seu trabalho; e não exclusivamente em reuniões de equipe na dependência e subordinação aos profissionais de nível superior.

A geração de laços de confiança mútua com os usuários, no quadro da cultura de trabalho em análise, também parece resultar do fato de as ações dos trabalhadores técnicos, muitas vezes, terem relevância na assistência social e não apenas na saúde. É exemplo disto o seguinte depoimento:

“Nas minhas visitas junto com o ACS, eu consigo diagnosticar casos onde um idoso é vítima de violência; e quando aquela família tá muito, como se diz, prendendo seu idoso em casa, entendeu? Onde são os netos que comandam seu benefício. Então, tudo isso eu trago pro PSF [Programa Saúde da Família],17 e eu avalio. E mesmo eu não exercendo a função de assistência social, eu trago, eu comunico à enfermeira chefe e através da enfermeira chefe a gente aciona o conselho do idoso, que a gente já acionou várias vezes e conseguiu resolver alguns problemas.” [TE3]

Para este efeito, os trabalhadores técnicos fazem referência à existência de contatos continuados com profissionais dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),18 da rede de assistência social, da gestão municipal de saúde e com familiares, apoio comunitário e instituições do território.

Conclusões

Os estudos nos possibilitam indicar a confirmação da hipótese de haver uma cultura de trabalho própria dos técnicos em saúde no interior da equipe de Saúde da Família, que lhes confere poder frente aos constrangimentos verticais - relação com profissionais de nível superior - e às relações horizontais e recíprocas com os usuários. A base dessa cultura são os saberes prático-experienciais desenvolvidos por eles de forma autônoma e partilhada.

Pode-se dizer, portanto, que a dualidade reflexiva no uso do conhecimento no trabalho profissional enunciada por Caria (2010), problemática da qual partiu o presente estudo, se resolve no trabalho dos técnicos das eSF pela subordinação dos conhecimentos à mente pragmática com vistas aos resultados possíveis frente às expectativas dos usuários e da equipe, fazendo prevalecer os saberes prático-experienciais na ação cotidiana. Essa conclusão é sustentada pelo fato de esses saberes se inscreverem predominantemente nos modos sociocognitivos automáticos e intuitivos-associativos do agir profissional, os quais foram constatados com frequência na avaliação de usuários e de situações e nas consequentes tomadas de decisão que implicam os trabalhadores técnicos dessas equipes.

Os modos sociocognitivos analíticos se manifestam menos frequentemente, em especial em reuniões de equipe e em contextos de trabalho potencialmente violentos. Em ambos os casos, as situações precisam ser tratadas de forma reflexiva e por avaliação em grupo. Nas reuniões de equipe, a presença e liderança de profissionais de nível superior influenciam o uso de conhecimentos formais-abstratos que se prestam ao tratamento analítico dos casos. Já em contexto de eminente violência, são os próprios técnicos que recorrem a procedimentos engajados de autorreflexão, como meio de proteção deles próprios, bem como em busca de recursos para garantir a assistência aos usuários.

Duas constatações pontuais parecem-nos interessantes e mereceriam ser estudadas de forma mais aprofundada. A primeira delas é o lugar central que os ACS podem adquirir na constituição da cultura do trabalho dos técnicos em saúde nas eSF. A segunda é que os protocolos, documentos e cartilhas que contêm as orientações gerais para a realização do trabalho têm menos influência no conteúdo e na forma do trabalho dos técnicos do que os saberes prático-experienciais partilhados.

Vimos que a relação frequente e próxima com os usuários e comunidades é um diferencial do trabalho dos técnicos nas equipes, caracterizando seu cotidiano em comum. Dessa forma, a pragmática relacional é um meio pelo qual se visa satisfazer suas expectativas, criando cumplicidades mútuas entre trabalhadores e usuários. Essas expectativas se articulam, por convergência ou divergência, com prescrições e normas das políticas de saúde, incluindo os parâmetros de controle do trabalho pelos órgãos gestores, que são as metas a serem atingidas, além de restrições ao seu trabalho por vezes impostas por poderes paralelos no território.

Constatamos, assim, a importância da componente relacional e comunicacional nos saberes dos técnicos para conseguir a referida cumplicidade dos usuários, inclusive porque esta pode ser fundamental para que os técnicos consigam realizar suas funções com efetividade mediante o uso de conhecimentos. Sua proximidade das necessidades de saúde dos usuários e a consciência de limites para satisfazê-las os movem em busca de meios para consegui-lo, ajudando-os na obtenção dessa cumplicidade. Essa componente interfere também na interação entre os próprios técnicos, o que nos permite concluir que ela se mistura com os saberes em uso diretamente nas ações.

Portanto, o uso de conhecimento formal-abstrato e de saberes prático-experienciais em trabalho com importante componente relacional não é apenas um aprendizado individual ou uma imposição institucional, mas sim uma construção interacional entre os trabalhadores e destes com os usuários em condições reais. O estudo nos indica que assim se constitui a cultura do trabalho dos técnicos das equipes da Saúde da Família, fortemente sustentada pelos saberes prático-experienciais. Esses atuam na efetividade de suas ações, as quais parecem contribuir para a resolutividade da equipe como um todo, inclusive mantendo-a com alguma coesão.

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1 Levantamento de artigos, dissertações e teses acadêmicas, mediante consulta nas bases de dados indexadas na biblioteca virtual em saúde e no Google acadêmico. Quadro síntese dessas referências está disponível em Ramos et al. (2017).

2Os trabalhadores de saúde bucal serão tratados indistintamente como tal, independentemente de serem TSB ou ASB. Quando nominados, a referência será exclusiva aos TSB.

3Outra diferença de nossa abordagem é a abrangência do campo empírico, por serem frequentes os estudos de caso, enquanto nossa amostragem procurou expressar alguma representatividade territorial e temporal.

4A pesquisa foi desenvolvida no período de 2015 a 2017, cujo relatório é base do presente artigo. Recebeu financiamento da Organização Panamericana de Saúde e do Ministério da Saúde do Brasil.

5Os municípios selecionados tinham médio ou grande porte (mais de 100.000 habitantes), apresentavam proporção de cobertura populacional pelas eSF maior ou igual à proporção de cobertura nacional (60,17%), possuíam equipe de Saúde da Família (eSF) integrada por profissionais da saúde bucal e agente de combate a endemias/visitador sanitário/agente de saúde pública. No município, selecionou-se a equipe mais antiga e com composição completa.

6Utilizou-se a técnica de codificação de (Bardin 2007), que corresponde à transformação dos dados em bruto do texto que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da sua expressão suscetível de esclarecer o analista acerca das características do texto.

7Os temas foram os seguintes: formação; interações no interior das equipes; práticas, saberes e competências profissionais.

8Tratando-se de modalidades de cognição que ocorrem na interação social, elas são designadas de “modos sociocognitivos”.

9Termo utilizado para nomear um local sob domínio de traficantes de drogas ilícitas.

10A fim de preservar o anonimato dos informantes, os diferentes trabalhadores citados são identificados pela sigla de sua especialidade técnica e um número (atribuído pela ordem de registro dos dados nos documentos da pesquisa).

11Cidade do Estado de São Paulo, Brasil.

12TB é a sigla utilizada para a doença “tuberculose”, assistida pela eSF individualmente (nas visitas em domicílios de pacientes com esse agravo os técnicos são responsáveis por administrar o DOTS - Observed Treatment of Tuberculosis, ou Tratamento Diretamente Supervisionado de Curto Prazo, lançado pela OMS em 1993 e implantado no Brasil, na atenção primária, em 1998). A assistência é feita também coletivamente, com caráter de orientação e educação em saúde, por meio de atividades grupais realizadas pelas eSF.

13A organização do trabalho das eSF prevê dois tipos de reunião, a saber: a reunião dos membros da respectiva equipe (a reunião de equipe); e o colegiado. Nesta, que ocorre com menos frequência, participam as diversas equipes da unidade, membros do NASF - Núcleo de Apoio à Saúde da Família, composta por outros profissionais, como psicólogos, nutricionistas e educadores físicos - o gestor da unidade e, eventualmente, um representante do órgão municipal da saúde.

14A palavra “armada” nesse caso quer dizer simbolicamente agressiva, postura eventual de usuários dos serviços de saúde. É diferente do que nos referimos como “conflitos armados”, em que há uso de armas de fogo, por criminosos e policiais. Trata-se de um fenômeno que ocorre em comunidades pobres conhecidas como “favelas”, aglomerados habitacionais que caracterizam vários territórios no Brasil.

15Refere-se ao mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão das doenças dengue, zika e chicungunya.

16Chegamos a transitar, em companhia de ACS, entre pessoas armadas em alguns pontos de territórios. Também vivenciamos um “clima” de possível confronto armado - helicópteros policiais voando muito baixo sobre comunidades é um indício de tal possibilidade - quando acompanhávamos uma agente comunitária de saúde e uma técnica de saúde bucal em visitas domiciliares.

17Outra forma como se referem à equipe da Saúde da Família, pelo fato de o programa ser anterior à implementação da Saúde da Família como estratégica, conforme esclarecimentos introdutórios.

18Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foram criados em 2002, no contexto da reforma psiquiátrica no Brasil, em substituição dos hospitais psiquiátricos. Eles são pontos de atenção estratégicos da Rede de Apoio Psicossocial (RAPS): serviços de saúde de caráter aberto e comunitário constituídos por equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar e realiza prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, em sua área territorial, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial e são substitutivos ao modelo asilar. Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/caps (última consulta em maio de 2022).

Recebido: 12 de Julho de 2020; Revisado: 30 de Novembro de 2021; Aceito: 17 de Janeiro de 2022

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