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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.26 no.3 Lisboa dez. 2022  Epub 30-Jan-2023

https://doi.org/10.4000/etnografica.12304 

Artigo Original

Escorts brasileiros em um site português de acompanhantes: estratégias, tensionamentos e relações de poder

Brazilian escorts on a Portuguese escort website: strategies, tensions and power relations

Jônatas Stritar Alaman1  , Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Redação do rascunho origina, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-7921-1115

Guilherme R. Passamani2  , Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Aquisição de financiamento, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-5019-0832

Marcelo Victor da Rosa3  , Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Aquisição de financiamento, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-0621-0389

1PPGAS/ UFSC, Brasil, jonatasalaman5@gmail.com

2Núcleo de Estudos Néstor Perlongher/UFMS, CRIA/ISCTE-IUL, PPGAS/UFMS, PPGCult/UFMS, Brasil, guilherme.passamani@ufms.br

3Núcleo de Estudos Néstor Perlongher/UFMS, PPGEdu/UFMS, PPGCult/UFMS, Brasil, marcelo.rosa@ufms.br


Resumo

Esse artigo é parte de um projeto de pesquisa sobre o trabalho sexual de homens brasileiros no contexto transnacional Brasil-Portugal. A partir de um site português de acompanhantes, acessamos os interlocutores da pesquisa a fim de refletir sobre os deslocamentos desses homens brasileiros para/em Portugal, suas estratégias, expectativas e dinâmicas. Além disso, pretendemos analisar as diferentes categorizações sob as quais são inseridos os trabalhadores sexuais do campo investigado. Do ponto de vista teórico, respaldamos a análise a partir de um debate sobre as relações de poder ali presentes, dando destaque aos processos de racialização/exotização/sexualização dos brasileiros, além de possíveis tensionamentos entre marcadores sociais da diferença frente a um mercado do sexo que valoriza as constantes “novidades”.

Palavras-chave: trabalho sexual; escort; Portugal; Brasil; mercado do sexo; homens brasileiros

Abstract

This article takes part in a larger research about Brazilian male sex work in a transnational context Brazil-Portugal. Using an escort website as a base field, we access our interviewees searching for highlights regarding these displacements over to Portugal, their strategies, expectations and dynamics. We also seek to analyze those different categorizations, under which these subjects are subordinated. From a larger theoretical point of view, we rely on debates regarding power relations, highlighting racialization/exotization/sexualization processes, besides several strainings between social markers of difference, surrounded by a sex market that privileges those known as “newcomers”.

Keywords: sex work; escort; Portugal; Brazil; sex market; Brazilian men

Introdução

Pensar o trabalho sexual exercido por homens em contextos transnacionais é uma tarefa que exige levar em consideração as múltiplas configurações locais dos mercados do sexo (Piscitelli 2016) e como elas afetam as experiências dos sujeitos que decidem deslocar-se para lugares que não os seus de origem.1 Quando falamos em mercados do sexo, estamos pensando intercâmbios sexuais e econômicos, ou seja, formas de compreender o fenômeno complexo e variado do trabalho sexual. No Brasil, por exemplo, segundo Adriana Piscitelli (2016), os mercados do sexo estão associados a uma espécie de jogo entre oferta e demanda de sexo e sensualidade.

No caso deste texto, discutiremos algumas trajetórias de escorts brasileiros em Portugal, especificamente em Lisboa. A categoria escort será discutida mais adiante. No entanto, desde já é preciso dizer que este é o termo corrente no campo, que traduzido livremente a partir da língua inglesa, significa acompanhante. Categorias populares no Brasil como “garoto de programa”, “boy”, “prostituto”, “michê”, usadas para se referir aos homens que prestam serviços sexuais não são comuns no âmbito do trabalho sexual de homens em Portugal.

Dessa forma, interessam-nos as experiências de escorts brasileiros em um país europeu que mantém relações históricas com o Brasil (Machado 2004). Em um marco de relações construídas por meio do processo colonial entre Portugal e Brasil, os nossos interlocutores são brasileiros que tensionam características valorizadas nos mercados do sexo. A partir desse vínculo histórico, encontramos o estabelecimento de hierarquias raciais/culturais (Quijano 2005, 2009; Segato 2010)2 que organizam e determinam as particularidades das relações entre brasileiros e portugueses, outrora colonizados e colonizadores. Essas hierarquias servem como referência comum em um universo simbólico e definem algumas experiências e expectativas dos e sobre os brasileiros. Aqui destacaremos as que envolvem o âmbito do desejo erótico e sexual.

O contexto sobre o qual nos debruçamos é marcado por relações de poder entre sujeitos de diferentes nacionalidades, constituindo-se noções de subordinação, processos de hierarquização, como também espaços de agência. Tal percepção tem ganho destaque no debate acadêmico sobre o trabalho sexual (Kempadoo 2000). A natureza destas relações, por sua vez, encontra ressonância e fixidez em categorizações raciais/culturais existentes primordialmente em países da Europa, sendo produto dos processos colonizadores em países do sul. Dados esses processos, noções que circunscrevem a sexualidade dos habitantes desses países são estabelecidas por meio de estereótipos que afirmam a lascividade, dependência do sexo e disponibilidade para os encontros sexuais, não somente entre os próprios “nativos”, mas com os “turistas” estrangeiros, um verdadeiro processo de sexotização (Schaper et al. 2018), ou, conforme Octávio Sacramento (2019), existiriam “metáforas térmicas” opositivas. O Brasil, no caso, visto como quente (no clima, na sociabilidade e na sexualidade) e a Europa (dos turistas) como fria.

O trabalho sexual não está à parte de um processo mais amplo que envolve mobilidade, trânsitos, fluxos e migração entre Brasil e Portugal. Durante muito tempo, Portugal foi um país de emigração. Nas últimas décadas, sobretudo com o advento da democracia, a partir do 25 de Abril de 1974, mas muito especialmente depois da entrada de Portugal na União Europeia e, mais recentemente, no século XXI, é que o país se configura como um destino de imigração (Feldman-Bianco 1995; Togni 2011; Machado 2014). Esse cenário é especialmente atrativo para pessoas das ex-colônias portuguesas. Destacando-se aí os brasileiros. Nesse âmbito mais amplo, Lisboa constitui-se como um destino comum de brasileiros que pretendem “fazer a vida” em Portugal (Machado 2004; Togni 2019) não somente para exercer o trabalho sexual.

Dessa forma, para compreender os tensionamentos, estratégias e relações de poder de escorts brasileiros nos mercados do sexo em Lisboa, dividimos nosso texto em quatro partes. Em um primeiro momento, elencamos produções que investigam o trabalho sexual de homens, mulheres (cis e trans) e pessoas travestis em Portugal, além de apresentar os aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa. Logo depois, problematizamos a categoria escort como uma estratégia no âmbito das relações de poder nos mercados do sexo. Em um terceiro momento, mostramos como o processo de mobilidade não é um recurso utilizado apenas para o trânsito entre Brasil e Portugal, mas tem um uso tático ao construir diferentes circuitos em Portugal e na Europa. Por fim, apresentamos alguns tensionamentos e estratégias dos homens brasileiros na tentativa de alcançarem certo protagonismo como escorts nos mercados do sexo em Portugal.

O trabalho sexual em Portugal: aspectos teóricos e metodológicos

No contexto europeu existem diferentes abordagens referentes aos homens que exercem o trabalho sexual. Algumas delas estão mais focadas na sociabilidade e nos deslocamentos de homens jovens pelo continente, como as pesquisas de Ellison e Weitzer (2017), de Mai (2014), e de Mai e King (2009) demonstram. Outra abordagem recorrente é aquela que se centra nas especificidades do trabalho sexual na modalidade de rua (Ellison e Weitzer 2018; Kaye 2007). O que sobressai nos estudos é pensar o trabalho sexual em suas configurações socioculturais (Mårdh e Genç 1995) e também nos processos subjetivos destes sujeitos (Earls e David 1989).

É importante frisar, já agora, que o trabalho sexual exercido por homens em Portugal tem merecido uma atenção ainda tímida. Costuma ter alguma visibilidade junto de pesquisas que abordam o trabalho sexual de mulheres cis e trans. O trabalho mais antigo - que conseguimos localizar até agora - foi Prostituição Masculina em Lisboa, de António Duarte e Hermínio Clemente (1982). O texto tem menos um caráter acadêmico e mais o formato de uma “grande reportagem” jornalística sobre “homens afeminados” e “travestis” que se prostituíam em Lisboa, nas imediações do parque Eduardo VII e avenida da Liberdade entre finais dos anos de 1970 e princípio dos anos de 1980.

Já nos anos 2000, uma das únicas pesquisas em que os homens aparecem de forma menos tímida é a de Alexandra Oliveira (2013). Ali, a autora problematiza a prostituição de apartamento em Lisboa. É bom destacar que, mesmo havendo uma visibilidade maior de trabalhadores sexuais homens, eles representam pouco mais de 30% da amostra da investigadora. A grande maioria é composta por mulheres cis e trans. Também é de se destacar a pesquisa de Mariana Rosa Pinto Pereira Melo (2015), que investiga o trabalho sexual indoor de homens no Porto; e a de Henrique Pereira (2008), que destaca a dimensão online do trabalho sexual de homens no país.

Se há muitas questões ainda em aberto no que diz respeito ao trabalho sexual exercido por homens em Portugal, em vista dos poucos estudos realizados, sobre o trabalho sexual exercido por mulheres cis e trans já há um maior acúmulo de investigação. A pesquisa de Francisco Inácio dos Santos Cruz (1984 [1841]) é considerada a primeira sobre a temática em Portugal. Seu trabalho tinha uma preocupação mais sanitária em relação às mulheres trabalhadoras sexuais do período. O texto tem um tom bastante negativo e moralizante em relação a essa atividade desempenhada.

Algumas décadas depois, Alfredo Amorim Pessoa (1887) escreve sobre o trabalho sexual exercido por mulheres e também lança olhares estigmatizantes sobre elas. No entanto, o autor apresenta uma tentativa de planeamento histórico-ocidental desse fenômeno. José Machado Pais (1985), já no final do século XX, lança outro olhar sobre a história do trabalho sexual de mulheres em Lisboa. Ele mostra como o trabalho sexual articula-se a outras dimensões da vida cotidiana, propõe uma reflexão teórica a partir das relações de poder e avança em relação a abordagens estigmatizantes e moralistas recorrentes nos trabalhos realizados no século XIX. Na mesma época, Isabel do Carmo e Fernanda Fráguas (1982) escrevem sobre trabalhadoras sexuais em uma penitenciária do Porto.

Temos ainda Alexandra Oliveira, que realizou uma série de investigações sobre trabalho sexual de mulheres no Porto. A autora pesquisou as modalidades desempenhadas na rua, nos apartamentos, nas casas de alterne e nos bordéis (Manita e Oliveira 2002). Nas investigações de Oliveira (2004, 2011) percebe-se um compromisso ético com as mulheres que participam das suas pesquisas, bem como a aproximação com o método etnográfico para a realização do campo. Nos trabalhos da autora, há um posicionamento acadêmico antiestigmatizante em relação ao trabalho sexual, uma postura política antiabolicionista e o reconhecimento do trabalho sexual como trabalho tão legítimo como qualquer outro.

A seu turno, Manuela Ribeiro et al. (2008) contribuem com o campo do trabalho sexual exercido por mulheres em Portugal ao produzir, com sua equipa, uma investigação em Trás-os-Montes e Beira Interior. Em Lisboa, temos as investigações de Bernardo Coelho (2009, 2019) que abordam o trabalho sexual exercido por mulheres que se apresentam como acompanhantes de luxo e têm sua atuação indoor.

Na esteira das investigações sobre o trabalho sexual exercido por mulheres cis em Portugal, há um crescente número de estudos sobre o trabalho sexual de mulheres trans e pessoas travestis. Fernanda Belizário (2018), por exemplo, destaca travestis brasileiras no sul da Europa. Nelson Ramalho (2019) pessoas travestis em processo de “virar travesti”. Francisco Luís (2015) interroga as questões de identidades e ambiguidades de travestis brasileiras em Portugal. Já Emerson Pessoa (2020) reflete sobre biografias corporais de mulheres trans e travestis que fazem trabalho sexual em Lisboa.

Todos esses trabalhos - e outros que venhamos a ter acesso - servem de base para a nossa reflexão. O nosso estudo, portanto, passa a ser parte desse conjunto, geral e específico, de investigações. Sobre a pesquisa aqui apresentada, o nosso contato com os homens que fazem trabalho sexual ocorreu por intermédio do site viphomens.net.3 O site, de domínio português, exibe, logo quando se acessa pela primeira vez, um texto explicitando as normas de acesso e anúncio. O site adota uma técnica de identificação que consta em carimbar as fotos dos anunciantes com um símbolo de chama (de fogo) para salientar a “novidade”. É comum os homens declararem, já nas primeiras informações, sua nacionalidade. Na maioria dos casos analisados, eles são brasileiros.

Entre os meses de setembro e dezembro de 2019 fizemos um monitoramento diário no site e catalogamos 133 homens se anunciando. Desse total, 107 eram brasileiros, ou seja, em torno de 80% dos perfis ativos naquele período. Eles estavam distribuídos maioritariamente em Lisboa, depois um menor número no Porto. E poucas pessoas em outras cidades do país. A movimentação significativa era em Lisboa e Porto. Do ponto de vista metodológico, tentamos contato com todos os brasileiros que se anunciavam no site no período da pesquisa. Foi possível, no entanto, conversar de forma mais intensiva com quatro deles, que se disponibilizaram a colaborar conosco.

No site, ao selecionarmos os perfis desejados, éramos direcionados às páginas dos anunciantes, onde havia descrições mais detalhadas escritas por eles. Além do texto autoral, havia categorias obrigatórias apresentadas pelo próprio site que são igualmente preenchidas pelos escorts: idiomas falados, cor dos olhos e as “deslocações” (onde podem atender). Por fim, encontramos os números de telefone para contato e uma recomendação: “ao ligar, indique em que site viu o anúncio”.

É importante destacar que não procederemos a uma análise do site, pois ele foi um meio para acessarmos os homens brasileiros que ali se anunciam. A opção por esta página da Internet deu-se em razão de ser portuguesa e não internacional. Além disso, não faz restrição de conteúdo em vista de se ser ou não assinante. Todas as informações são públicas, inclusive as “fotos sexuais”, algo que em outras plataformas só é possível acessar mediante assinatura dos portais. Há uma gama de sites em Portugal que oferecem serviços sexuais. Homens cis e trans, mulheres cis e trans e pessoas travestis anunciam-se neles. O VipHomens é considerado pelos escorts com quem conversamos como um “site caro” e de “escorts de luxo”. Os nossos interlocutores apresentam idades entre 26 e 33 anos. Estão dentro da faixa etária média presente no site e seus anúncios estão em consonância com os de outros homens que ali se anunciam. Nossos interlocutores são:

Breno Paiva:4 28 anos, branco, formado em engenharia civil. Durante os quatro meses de mapeamento do site, foi o único que se anunciou todo os dias. Desde o momento em que o contatamos, manteve em seu discurso noções de enriquecimento pessoal através do trabalho sexual. Fazer dinheiro é sua finalidade e possui, inclusive, uma meta que, segundo ele, está prestes a alcançar. Diz-se estritamente ativo, nunca estando aberto a beijos ou carícias, anuncia-se sempre com fotos onde está em relações sexuais com mulheres.

Tales Reis: 27 anos. Não se considera negro, pois tem “sangue de índio”. Reitera classificações de cor/raça em diversos contextos, afirmando: “aqui negro tem outra definição. No Reino Unido, por exemplo, sou considerado latino. Aqui em Portugal, mulato”. À época da pesquisa, vivia em Portugal há sete anos, tendo começado o trabalho sexual há cinco meses, por mostrar-se uma ocupação mais rentável. Afirma que é “completo”, quando perguntado sobre os limites de suas performances sexuais.

Roque Alves: 26 anos, branco. Um dos poucos rapazes que afirma ter começado no trabalho sexual durante a adolescência. Desde os 16 anos conta a mesma história. Ele “interpreta um virgem”, uma vez que dizer-se inexperiente no sexo com homens o ajuda a conseguir mais clientes. Formado em direito, ele costuma voltar ao mercado do sexo porque recebe um melhor retorno ali, além de não precisar de submeter-se a situações de “humilhação” diante de patrões portugueses. Ele se considera um “escort de luxo”.

Fabio Filho: 33 anos, branco. Diz que um dos maiores motivos dos rapazes se mudarem para Portugal é a possibilidade de locomoção entre os países europeus. Percebemos aqui já a necessidade constante de se locomover entre países da Europa, usando Portugal como uma base mais sólida para construir seus projetos, independentemente das oportunidades que possam, ou não, aparecer em solo português.

Do ponto de vista teórico, iremos analisar como diferentes relações de poder presentes no trabalho sexual desses homens em Portugal são operadas. Para tal, é fundamental compreender as relações de poder a partir da ideia de tática e estratégia, pois segundo Foucault,

“Trata-se, em suma, de orientar, para uma concepção do poder que substitua o privilégio da lei pelo ponto de vista do objetivo, o privilégio da interdição pelo ponto de vista da eficácia tática, o privilégio da soberania pela análise de um campo múltiplo e móvel de correlações de força, onde se produzem efeitos globais, mas nunca totalmente estáveis, de dominação. O modelo estratégico, ao invés do modelo do direito.” (1988: 97)

Nesse sentido, percebemos as táticas como estratégias que perfazem economias de poder ao se apresentarem como sutis tecnologias para uma performance mais eficaz como escort. As economias de poder funcionam como estratégias de poder que, para Foucault (1995: 248), são: “[…] conjunto dos meios operados para fazer funcionar ou para manter um dispositivo de poder. Podemos também falar de estratégia própria às relações de poder na medida em que estas constituem modos de ação sobre a ação possível, eventual, suposta dos outros”. Parte da discussão levantada neste texto se sustenta sobre uma concepção particular dos emaranhados das relações desenvolvidas entre brasileiros e portugueses no decorrer de processos migratórios e na inserção nos mercados do sexo em Portugal. Nesse contexto, a agência, como será discutida adiante, se desvela em processos subjetivos e em percepções de ganhos e perdas. A agência estratégica se torna produtiva justamente onde brasileiros são comumente estereotipados e, muitas vezes, vítimas de xenofobia.

Escorts brasileiros nos mercados do sexo portugueses

Observamos desde os primeiros contatos com nossos interlocutores que as categorias “michê”, “prostituto”, “garoto de programa” ou “boy”, populares no contexto, destacadas pela literatura da área no Brasil, não aparecem ou aparecem de forma muito lateral no contexto português. Sem dúvida, a categoria mais popular em Portugal é escort. Foi assim que os nossos interlocutores demandaram ser tratados e era assim que se reconheciam em termos de exercício do trabalho com sexo.

Escort - como dissemos antes - é uma palavra da língua inglesa que, em tradução livre, significa acompanhante. Ela entra na gramática do trabalho sexual justamente pelo caráter transnacional que podemos observar nos mercados do sexo em Portugal. Os fluxos de turistas, os trânsitos dos próprios interlocutores, além de uma comunicação mais globalizada precisa de códigos que facilitem os contatos. Escort parece operar dentro desta lógica, uma vez que o inglês ocupa esse lugar de “idioma transnacional”.

Em relação aos nossos interlocutores, o trato de si como escorts também funciona como uma tentativa de afastamento da carga pejorativa que pode conter em termos como “michê”, “prostituto”, “garoto de programa” e “boy”, que, embora não sejam comuns no contexto europeu, fazem parte da gramática dos brasileiros envolvidos ou com algum conhecimento sobre os mercados do sexo no Brasil.

Portanto, a possibilidade de usar uma palavra diferente para nomear os homens que trabalham com sexo é parte das relações de poder no âmbito desse mercado, pois apresenta-se como a possibilidade de um descolamento de categorias de desprestígio social. Ou seja, não é uma simples mudança de nome, é uma estratégia de poder. Embora isso não se aplique apenas aos brasileiros, nem tenha sido por eles cunhada, escort casa com uma ideia que, de alguma forma, pode ajudar a “limpar” o trabalho sexual de certa “carga negativa” em seu país de origem.

É assim que, em consonância com Kleber Prado Filho, Janaína Geraldini e Carlos Antônio Cardoso Filho (2014: 126), na tensão das relações de poder nos mercados do sexo percebemos que o uso da categoria escort pode ser parte de uma economia de poder, “indicando regimes e modos de operação de poder”. Dessa forma, ao se afastar de identidades “poluídas” no Brasil para se referir ao sujeito que faz trabalho sexual, escort é importante para tentar não ser estigmatizado, a priori, no universo simbólico do próprio homem brasileiro que entra nesse mercado.

Antes de ser percebido pelos clientes como alguém diferente e que presta um serviço diferenciado, ele, escort, precisa perceber-se como distinto. Por outro lado, a dimensão “acompanhante” do escort é sempre uma possibilidade de mirar em clientes mais sofisticados e, portanto, com diferentes capitais, inclusive econômicos, que podem ensejar ganhos de diferentes montas aos trabalhadores sexuais. Aqui fica evidente que a nossa leitura das relações de poder não passa pela lógica da proibição, uma vez que o poder produz. Com isso emergem relações de positividade, a partir de tais relações, como as aqui mencionadas. Assim, Foucault mostra que

“Trata-se, portanto, de levar a sério esses dispositivos e de inverter a direção da análise: ao invés de partir de uma repressão geralmente aceita e de uma ignorância avaliada de acordo com o que supomos saber, é necessário considerar esses mecanismos positivos, produtores de saber, multiplicadores de discursos, indutores de prazer e geradores de poder. É necessário segui-los nas suas condições de surgimento e de funcionamento e procurar de que maneira se formam, em relação a eles, os fatos de interdição ou de ocultação que lhes são vinculados. Em suma, trata-se de definir as estratégias de poder imanentes a essa vontade de saber. E, no caso específico da sexualidade, constituir a ‘economia política’ de uma vontade de saber.” (Foucault, 1988: 71)

Os escorts sendo acompanhantes são mais do que prostitutos. Isso é mais do que fazer sexo em troca de dinheiro. A ideia de acompanhante pode englobar o sexo, mas deve ir além dele. O homem acompanhante, o escort, precisa dispor de outros capitais, para além do sexual, a fim de conseguir efetivamente “fisgar” os clientes desejados, ou seja, aqueles que pagam mais, justamente porque o serviço se propõe “de luxo” ao oferecer um “cardápio” mais variado ao contratante.

É possível que o mesmo não ocorra em outras modalidades de exercício do trabalho sexual, como aquela oferecida nas ruas. Já observamos isso no Brasil (Lopes, Passamani e Rosa 2019), mas também em trabalhos de investigadores portugueses (Duarte e Clemente 1982; Manita e Oliveira 2002; Belizário 2018; Pessoa 2020). Ainda que não se tratando de homens trabalhadores sexuais, há uma constituição de hierarquia entre estes espaços. As ruas são consideradas “menos luxuosas”, potencialmente “sujas”, “violentas”, “perigosas”. Portanto, não compatíveis com escorts.

Roque Alves, nosso interlocutor, nesse sentido, conta um pouco a associação que se faz entre ser escort, ser de luxo e a complexa engenharia envolvida nesse processo:

“Eu sou da categoria luxo […]. De apartamento são pessoas mais de nível e mais limpas. Na rua se pega qualquer coisa. Trabalhar na rua além de ganhar menos é muito mais perigoso pois muitos casos que eu já vi de garota de programa que não volta mais para casa porque desapareceu depois de entrar no carro de cliente. O que define um garoto de programa de luxo é, por exemplo, valor, localização do imóvel, atendimento para executivos e etc. Ir a hotéis e motéis é mais caro. Um garoto que está ao meio de uma faculdade ou formado em alguma coisa. Garoto de programa que não apenas fodem gostoso, mas que tenham cultura. A localização do apartamento se for em alguma cidade de praia tem que ser mais próximo da praia possível ou numa região bem centralizada de fácil acesso e com estacionamento privativo.”

Essa fala nos revela que as estratégias de poder são múltiplas, pois o que se é e o que não se é, o que se tem e o que não se tem são táticas para se manter como escort. Essas questões precisam aparecer em destaque, desde as primeiras conversas com os clientes, porque elas podem/devem marcar as diferenças entre escorts e outros trabalhadores sexuais e, ao serem estrategicamente conduzidas, criam um contexto confiável e estimulante aos clientes. Há uma série de dicotomias que, em operação, constituem verdadeiros jogos de poder. Alguns exemplos presentes na fala do interlocutor são: perigo/cuidado, limpo/sujo, casa/rua, cultura/ignorância, entre outras.

Nesse sentido, Foucault (1995) nos ajuda a entender esse jogo de poder, entre o que se é e o que não se é quando diz que:

“Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos. Há dois significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a.” (1995: 235)

É nesse contexto que o crédito concedido aos homens “cultos” e “inteligentes” se dá a partir dessas qualidades: ter formação superior; “ser viajado”, ter acessado outras culturas, etc.5 Assim, o luxo é quase inalcançado em absoluto, porque fruto de muitas variantes. No entanto, dizer-se escort “de luxo” é se colocar, mesmo que imageticamente, nesse lugar quase inalcançável, mais exclusivo e dono de uma “carta de serviços” depositária, potencialmente, de maior sofisticação.

Ser escort também fala de marcos do distanciamento entre as classes que podem ou não consumir o que está sendo vendido. A “cultura”, a companhia e o sexo, ao final, fazem parte do conjunto requerido para ser escort em Portugal. Enquanto categoria construída que se atualiza a partir das expectativas, principalmente dos clientes, o luxo pode ser entendido a partir de uma construção sobre si. A “boa companhia” é prezada e vendida como um elemento diferenciador desse tipo de exercício do trabalho sexual, como mostra Bernardo Coelho (2009). Junto a ela, a mobilidade é outro aspecto a ser destacado.

Trânsito e mobilidade no trabalho sexual de escorts brasileiros

Portugal, por diferentes motivos, é considerado entre os nossos interlocutores como a “periferia” da Europa.6 Um desses motivos apontados é refletido no baixo valor conseguido nos “atendimentos”, um desdobramento, na visão deles, dos baixos salários pagos no país. Em vista disso, o exercício do trabalho sexual em Portugal, muitas vezes, não possibilita os ganhos e o sucesso desejados pelos escorts, precisando recorrer à possibilidade tanto de circular entre outras regiões do país à caça dos turistas, ou mesmo por outros países do continente. Fabio Filho, outro de nossos interlocutores, assim nos conta sobre os trânsitos pela Europa:

“[…] dizem que os valores dos programas são melhores. Mas a questão principal é essa: o cara vira escort porque Portugal é a prima pobre da Europa e aqui você não ganha dinheiro para fazer a sua vida ganhando o salário mínimo deles e a galera vendo isso e sabendo que os cara aqui curte dar o cu pagando por sexo.”

Sobre os motivos que os levam a transitar para outros países, o argumento mais presente refere-se ao salário mínimo do país ser abaixo do necessário para manter uma “vida decente”.7 No entanto, a possibilidade de migrar para um país no continente europeu e todas as facilidades em circular entre estes países, de certa maneira, se apresenta como motivação suficiente para fazer a rota migratória Brasil-Portugal. É isso que Breno Paiva nos conta sobre o seu processo de mobilidade e as razões de estar em Portugal. Ele conta que veio “atrás de ganhar euros”, pois estava com sensíveis “dificuldades financeiras” no Brasil. Para ele, a “dificuldade tanto em outros idiomas quanto na documentação” fez com que optasse por ficar em Portugal, pois, segundo afirma o interlocutor, “outros países são mais fechados e Portugal é o país que nós brasileiros nos sentimos mais à vontade”. Portanto, idioma e documentação foram fatores decisivos no caso de Breno Paiva.

Há uma mobilidade recorrente no trabalho sexual, como podemos ver nas análises de Ellison e Weitzer (2017), Mai (2014) e Mai e King (2009), a respeito de jovens do “leste europeu” para a “Europa Central”. Em nosso campo não foi diferente. A mobilidade aqui parece indicar os modos de se apresentar aos diversos clientes que utilizam o site de acompanhantes. Usando essas lógicas enquanto motor da divulgação online no referido universo, o trânsito entre cidades portuguesas ou países europeus é posto em prática quando, de forma estratégica, é preciso se manter como “novidade”, pois é nesses “pulos entre pontos”, previamente pensados, que o trabalho dos escorts é atualizado. Em uma conversa com Breno Paiva, ele comentou sobre este ponto:

Pesquisador: Nesses meses, dando uma olhada no site, sei que você foi o único que se manteve anunciando todos os dias. Por que acha que os rapazes vêm e vão no site a todo o momento? Breno Paiva: Alugueis de quartos aqui em Lisboa para esse trabalho é muito caro. Quando eles não estão trabalhando bem, então eles viajam para outros países ou outras cidades aqui em Portugal.”

Talvez, por consequência direta, o que parece ocorrer é a desvalorização e a consequente perda de clientes, que acarretam em dificuldades financeiras e na posterior locomoção, que se mantém por determinado período, até à próxima viagem. A rotatividade entre homens no viphomens.net revela a constante exigência de novos rostos no mercado.8 A novidade seria a principal propaganda de que o negócio não pararia. Esse seria um processo de adaptação às exigências naquele contexto, em que os escorts aderem a esses fluxos contínuos que podem ser caracterizados por viagens a outros países da Europa, ou viagens entre as cidades de Portugal, sempre no intuito de ganhar mais dinheiro, conquistar novos clientes ou reencontrar clientes habituais fora da cidade-base.

Precisar de ser sempre novidade não é uma particularidade do trabalho sexual de homens, nem tampouco dos homens brasileiros. Trata-se de uma recorrência no âmbito dos mercados do sexo. Em vista disso, a novidade, enquanto uma tática de poder, não deve ser lida apenas como um regime pensado pelos escorts, mas também como um modo de operação do site no sentido de ambos (escorts e site) conseguirem se manter atrativos aos clientes. A forma como cada escort agencia a economia que o faz parecer novidade é que nos diz das estratégias de poder por eles operadas. Para Prado Filho, Geraldini e Cardoso Filho (2014):

“A genealogia do poder trata, na verdade, de uma diversidade de poderes e nos ensina a tomá-los a partir dos seus efeitos positivos - e não dos destrutivos -, como produção, e não como repressão ou dominação. Ela também nos convida a deslocar o olhar do núcleo monolítico do Estado para a diversidade das relações de poder, as pequenas coerções e enfrentamentos cotidianos que compõem a microfísica, invertendo o eixo de análises de um sentido descendente para uma perspectiva ascendente.” (Prado Filho, Geraldini e Cardoso Filho 2014: 126).

Além das relações de poder mencionadas, existem outras peculiaridades que podem ser esmiuçadas quando articulamos, de forma contextual, sexualidade, gênero e nacionalidade, pois temos de estar atentos às formas sutis como o poder opera nas relações sociais. Para entender as configurações dessa parte do trabalho sexual exercido por homens em Lisboa deve-se atentar ao fato de que as corporalidades brasileiras podem ser ressignificadas em cenários marcados pela sujeição, exotização e sexualização. Os tensionamentos envolvendo libido e desejo dos clientes que procuram o sexo oferecido pelos brasileiros devem ser avaliados nessa via de mão dupla por onde podem se fundir diversas significações e classificações, dando espaço para os possíveis manejos dos brasileiros nessas redes.

Tensionamentos e estratégias de escorts brasileiros em Portugal

Desde o começo do texto, temos feito referência a uma exotização e sexualização dos homens brasileiros no campo do trabalho sexual que estamos analisando. É muito possível que este fenômeno seja parte de outro mais amplo, em que há uma sexualização e exotização das pessoas do Brasil. Esse fenômeno mais amplo não tem que ver apenas com o Brasil, mas com contextos outros que não aqueles de onde partem tais visões. Ulrike Schaper, Magdalena Beljan, Pascal Eitler, Christopher Ewing e Brenno Gammerl (2018) percebem o encontro entre sexualização e exotização a partir do conceito de sexotic.

A partir de nossa pesquisa é interessante, na esteira destes autores, perceber como a exotização, em termos sexuais, vale-se da compreensão de supostas diferenças no impulso sexual, atitudes em relação à sexualidade, comportamentos sexuais, e que isso seria revelador do sujeito como um todo. A sexualização, a seu turno, adensaria o exótico tornando-o sexualmente atraente, desejável, estimulante. Em nosso campo isso fica latente na fetichização da cor da pele, do “país tropical”, das pessoas “quentes”.9

A dimensão do sexotic não é um dado apriorístico. Ele é produzido por um “nós” sobre um “outro”. Esse processo de produção da dimensão sexotic do outro depende de como categorias de diferenciação se articulam em dada conjuntura. Os sujeitos outros “sexóticos” negociam sua “sexotização”. Nossos interlocutores, sujeitos “sexóticos” se apropriam dos imaginários construídos sobre eles e ali, estrategicamente, agenciam formas possíveis de maior sedução. Há um jogo com as expectativas dos clientes a partir da forma como se anunciam, das informações dadas, das palavras usadas, das fotos publicadas. Portanto, nacionalidade, detalhes corporais, atributos e potências são amplamente destacados. Nesta esteira, Octávio Sacramento e Fernando Bessa Ribeiro (2013) definem como “geografias do desejo” o jogo simbólico que entrecruza nações do mundo e suas respectivas representações no que tange ao universo da sexualidade. No caso do Brasil, como já afirmado em outro lugar (Alaman e Passamani 2021), o passado colonial forjou novas subjetividades sensivelmente próximas de uma particularização da sexualidade “nativa”, impingindo uma hierarquia que iria além da relação entre colônias e Europa, mas que também se referia ao nível particular de autorrepresentação e inteligibilidade de “nós” e “eles”.

A representação de si na ordem dos discursos encena um jogo que os escorts jogam cuidadosa, ativa, meticulosa e estrategicamente. Um primeiro exemplo é o fato de divulgar-se ativo do ponto de vista da performance sexual. Vejamos o que conta Breno Paiva:

Pesquisador: As fotos que você escolheu para serem exibidas são todas com mulheres. A clientela do site não seria, em sua maioria, homens? Breno Paiva: Sim, mas mesmo sendo homens os gays dão sempre preferência aos profissionais que gostam de mulheres, pois assim eles sabem que vai encontrar um superativo na relação. [Sou] sempre ativo. Há passivos para todos os lados. Está em extinção no mundo do sexo apenas os ativos. Sou bem resolvido nos termos de trabalho. Em trabalho sou ativo e mantenho essa postura. Isso ajuda a manter meus clientes fixos.”

O caso de Breno Paiva exemplifica como se dá a construção do brasileiro “sexotizado” no imaginário da clientela portuguesa e europeia. Diz-se que a brasilidade dos homens que exercem o trabalho sexual se apresenta enquanto altamente viril, em corpos másculos, com “pegada”. Há aqui uma diferença em relação ao escort de maneira geral. A partir do que nos diz Breno Paiva, “pegada” e “sexo à bruta” podem ser tão, ou mais, valorizados para alguns clientes do que elegância, cultura e sofisticação. Há aí uma margem de variação. Afinal, tais atributos seriam valores de um “nós” genérico e não de um “outro” genérico. O conflito relativo à performance, identidade e sexualidade nesses termos acima relatados revela o jogo tenso entre diferentes características destinadas a homens. Diferentes percepções de masculinidade em contato constante, em relações de poder, intensificam a randomização de atributos que ora são hegemônicos, ora não (Connell e Messerschmidt 2013).

Podemos encontrar legendas provocativas mostrando que os “sexóticos” também tensionam e negociam, jogam, garantindo um bom sexo, ou melhor, garantindo um conhecimento sobre o sexo que pode ser considerado único e exclusivo dos brasileiros. No âmbito da propaganda, um ponto destacável, para esses “superativos” é o tamanho do pênis. Os interlocutores agem quase em uníssono ao garantir um “pênis gg (XXL)”. Sendo considerado como pré-requisito para estar no mercado e ter sucesso, apesar de haver outros tensionamentos possíveis quando nos referimos aos corpos dos escorts. Temos, então, outra importante relação de poder no cenário do trabalho sexual de homens em Portugal, mas que já vem há longo tempo se mostrando importante nas tramas do desejo. Estamos pensando na anátomo-política do corpo.

Conforme Prado Filho e Trisotto (2008), desde o século XVII há diferentes discursos científicos que investem na desnaturalização do corpo. Não se trata de desconsiderar a anatomia do corpo, sua biologia, mas entender que existe uma produção desse corpo. E isso é político. Ter um pênis grande é anatomia, mas ao considerar que 23 centímetros é lucrativo, o seu uso, a sua divulgação em fotos no site passa a produzir um processo de individualização. A questão não é apenas ter pênis, mas agora há uma estratégia valorativa que os diferencia: pênis pequenos, médios, grandes e “gg” (XXL). Esses corpos fragmentados são treinados para uma performance sexual. Os escorts são especializados em sua função e têm em sua anatomia a forma de se manterem no campo do trabalho sexual e, mais do que isso, se valorizarem nos mercados do sexo enquanto um produto desejável pelos clientes e, portanto, mais caro.

Ainda que haja uma variação em termos de oferta de escorts no site, percebemos nos contatos com eles o quanto ser altamente másculos, viris, com discursos fortemente marcados pelo poder de dominação, do sexo estilo favela (hard),10 é fundamental nesse mercado. Seria preciso ter muita “pegada” para fazer o cliente ficar cheio de desejo, com muita vontade de reencontrá-lo e voltar outras vezes. Há uma gramática que precisa ser seguida.

A estratégia utilizada por Breno Paiva denuncia a performatização do sexo heterossexual enquanto intensificador das expectativas sobre os brasileiros nos mercados do sexo em Lisboa. O uso de imagens em que ele está fazendo sexo com mulheres pode ser percebido como uma tática de poder. Aqui, novamente, o corpo aparece como central para a atividade dos escorts. Para Prado Filho (2017), nas análises genealógicas centradas na produção de corpos, temos tanto práticas de objetivação quanto de subjetivação que são emaranhadas em jogos de poder. A exposição dessas fotos é uma prática de objetivação. Afinal, a foto é algo concreto, mas seus efeitos são as práticas de subjetivação. Isso se dá exatamente no instante em que os potenciais clientes procuram homens que fazem sexo com homens, ao aguçar os sentidos e desejos desses quanto às possibilidades de realização do ato sexual com mulheres.

No caso do trabalho sexual de homens em Lisboa, ainda encontramos as velhas dicotomias entre passividade e atividade (Fry 1982), como mostramos acima em termos da enorme valorização do “ser ativo”. Nessas situações, as brechas para demonstrações de afeto, por exemplo, são negociadas sempre em termos monetários, como no campo de Néstor Perlongher (1987). Quando tratamos de liberal/versátil, nesse contexto, estamos lidando com noções que não giram em torno da possibilidade do escort ser ativo e passivo durante o ato sexual, mas sim diz respeito a certas circunstâncias em que existem brechas para demonstração de afeto entre os homens na relação, conforme conta Breno Paiva.

“Quando tem a palavra apenas versátil nos anúncios quer dizer que o homem é ativo e passivo, já no meu caso a uma palavra que diz ativo liberal versátil. Quer dizer que eu sou ativo mas sou liberal na versatilidade de em alguns casos permitir beijos e outras liberações na relação que necessariamente não seja ser passivo.”

Liberal e versátil indicariam, para o interlocutor, dimensões que estavam para além das performances sexuais de ativo e passivo. Ele nos diz que, nos seus serviços prestados, a passividade nem entra em questão. Essa trama complexa organizada por Breno Paiva lembra-nos que Foucault (1987) já mostrara que, quanto mais sutil é o efeito do poder sobre os corpos, mais difícil de se resistir a ele. Quanto mais aberto ao carinho, mais sua heterossexualidade pode ser questionada. Por isso, essa tática de poder é, ao mesmo tempo, uma prática de valorização dos seus serviços, mas também é negada por outros que querem se afastar de uma identidade homossexual. Aqui, novamente, é o sujeito que, em última instância, prepara seu cadafalso. Não no sentido da morte corporal, mas da morte da sua heterossexualidade.

É preciso ainda compor outra dimensão relevante na constituição dos escorts brasileiros nos mercados do sexo em Lisboa. Como afirmado, a maioria dos nossos interlocutores tem a pele clara, portanto há poucos rapazes negros/pardos. Entretanto, o desejo pelo brasileiro “miscigenado”, independentemente da cor, está presente,11 pois este é um elemento fundamental no imaginário sexotic. Por se tratar de relações que ocorrem em contextos em que são perceptíveis as hierarquizações sobre as nacionalidades que estão em interação, a racialização, que leva à “sexotização”, age sob quem quer que se defina enquanto brasileiro. O que basta, a princípio, e isto é primordial, é anunciar sua nacionalidade e se atentar para a forma como constrói discursivamente seu corpo, suas atribuições e as suas potencialidades. Segundo Tales Reis, outro interlocutor:

“[…] eles não me consideram negro! Aqui negro tem outra definição. Negro aqui é africano. No Reino Unido por exemplo sou considerado latino. Aqui em Portugal mulato. Lá fora latino. Ou brasileiro mesmo.”

A ideia do “mulato” ou “mestiço” pode ser interpretada como uma categoria percebida como produto da colonização portuguesa e dos contatos promovidos entre as diferentes raças no Brasil (Stolke 2006). Contatos estes, à época colonial, perpetuadores de crimes e extrema violência, na maior parte das vezes (Conceição 2020).

Como nos lembra Igor Machado, os brasileiros seriam fruto do impacto causado a partir de políticas de expansão, dominação e constituição das hierarquias raciais portuguesas, ou seja, quase como um legado histórico destes mesmos mecanismos de expansão deste país (Machado 2004). O sexotic, por meio da naturalização da sexualidade de determinadas cores/raças, é muito comum em sujeitos de países outrora colonizados. Mara Viveros Vigoya, por exemplo, diz como isso é especialmente relevante na América Latina a partir da categoria mestiçagem, segundo ela uma “ ‘ficción fundacional’ del imaginario de la nación en gran parte de la región” (Vigoya 2008: 176).

A mestiçagem visibilizada em categorias como mulata/o, morena/o, no Brasil, associa-se ao processo de branqueamento da população. Pondera-se que, em determinados contextos, possa funcionar como uma estratégia na tentativa de afastar-se da pesada carga negativa, muitas vezes ainda associada às pessoas negras (pretas e pardas). Segundo a crítica de Abdias Nascimento, a categoria mulato, na perspectiva do branqueamento do Brasil, funcionaria como uma espécie de ponte entre um passado (negro e negativo) e um outro projeto de país (branco, europeu e evoluído) (Nascimento 1978: 69). Nos chamou a atenção a afirmação do interlocutor Tales Reis. Ele nos contou que por ser negro e, nesse caso, isso se aproximar de um imaginário sexotic do ser brasileiro com a pele escura, conseguiria fazer com que se mantivesse como novidade por mais tempo.

“[…] eu tenho privilégio por causa da minha cor. Os ‘negros’ prevalecem. A maioria tem 🍆 [figura de uma berinjela]12 grande. Não menosprezando os brancos! Falo relatos dos próprios clientes. Os clientes preferem os negros.”

É interessante percebermos que mulato e moreno associam-se à cor.13 Cor aqui deve ser entendida como a tonalidade da pele. No entanto, essa cor, que é mais social, também se constitui por meio de traços fenotípicos. Isso tudo, quando articulado, produz experiências “sexóticas” que, mais do que se impõem aos escorts brasileiros, são por eles agenciadas. No contexto de nossa pesquisa, nos mercados do sexo de Lisboa, o escort mulato ou moreno visibiliza-se como muito sensual e com mais “pegada” (elementos de um sexotic já presente no imaginário europeu) supostamente “naturais” em sua cor para diferenciar-se, ser “novidade”, ter alguma “vantagem” frente a seus colegas de profissão.

Aqui, a ambiguidade, talvez, revele mais sobre os tensionamentos existentes em processos de subjetivação/identificação do que uma simples matemática de positivo/negativo. A marginalização de pessoas, principalmente negras, ocorre indiferente de processos de “sexotização”, por mais que estes últimos possam conduzir a circunstâncias de opressão ou julgamento. Tais pontos nodais servem, justamente, para lançar luz sobre as complexidades em que tais relações raciais, e em última análise de poder, se desenrolam em contextos diferentes do brasileiro, entretanto com proximidade o suficiente para particularizar categorias e identidades. Breno Paiva conta que:

“O problema é que apenas nós brasileiros somos requisitados. Há uma química diferente no sexo. Em tudo. Somos vistos pela sensualidade apurada na voz, nas curvas corporais e uma essência e sensibilidade no sexo que não se encontram tão apuradas em outros povos.”

Essa é a última tática de poder que apresentaremos: ser brasileiro parece gerar efeitos positivos quanto se trata de ser escort em Portugal. Porque o brasileiro compõe esse combo sexotic. Nunca bastará ser brasileiro. Mas sempre será fundamental ser brasileiro. Parece uma contradição em termos, mas é um jogo de palavras decisivo pois, ao final, trata-se de um mercado visivelmente marcado pela “sexotização”, que permite aberturas e trânsitos entre diversos contextos e ser brasileiro se mostrou como um efeito positivo de poder nesse cenário transnacional. São itinerários viabilizados pelos tensionamentos de marcadores como nacionalidade e cor/raça em um contexto em que as diferentes relações de poder são uma chave importante para entender o trabalho sexual exercido por esses escorts brasileiros.

Considerações finais

As estratégias de trânsito dos homens brasileiros que fazem trabalho sexual em Portugal seguem diretrizes que dizem respeito não somente às necessidades financeiras, mas também às próprias lógicas dos mercados do sexo local. Vimos que em Lisboa ocorrem processos que dizem respeito a diversos movimentos dos escorts quando eles estão passando pela diminuição do número de clientes. Os movimentos aqui tratados referem-se às viagens pontuais que eles fazem durante o momento de saturação em que é comum ir a outras cidades do país, bem como a outros países.

O período que um escort se mantém como novidade é definido pelos meandros dos mercados do sexo local, em que as marcas conferidas aos interlocutores são manejadas por eles, com maior ou menor grau de agência (Ortner 2007). Estes processos de atribuição de marcas relativas, principalmente, à nacionalidade e cor/raça dos trabalhadores sexuais revelam sistematizações que nos levam a pensar os limites dos trânsitos de brasileiros pelos países da Europa. O que fica claro são as diversas possibilidades de movimentação entre as fronteiras nacionais e/ou regiões de Portugal, que, em última instância, organizam as performances dos escorts no exercício do trabalho sexual nos mercados do sexo no país.

Discutir aspectos negativos ou positivos referentes à migração, exercício do trabalho sexual e estratégias de agenciamento de estereótipos não deve se limitar a definir polos excludentes de comportamentos e situações ideais onde ora sujeitos podem circular livremente, sem empecilhos, ora são submetidos a processos de exclusão e marginalização. A modulagem da lente pela qual olhamos tais realidades não desfoca, ou negligencia, a recorrência de processos de hierarquização. Ao contrário, buscamos justamente entender as ações realizadas por sujeitos que, em maior ou menor grau, possuem táticas exclusivas para atuação nos mercados do sexo portugueses, articulando estratégias identitárias, circunstâncias externas e contextos que interferem na própria definição dos projetos de tais sujeitos.

As relações de poder que mapeamos são ambíguas. Os tensionamentos envolvendo não somente uma categoria identitária, que toma a nacionalidade brasileira e os percalços históricos envolvendo cor/raça, mas também a sexualidade, e a consequente ambivalência entre desejo e perigo, definem parte importante de processos de subjetivação destes sujeitos. Os limites entre autodefinições, estereótipos europeus e lógicas dos mercados do sexo interferem na delimitação de projetos individuais, mas também abrem caminhos para estratégias que dizem muito mais sobre negociações com diferentes margens de agência frente às possibilidades de atuação e circulação de brasileiros no contexto europeu.

A exacerbação da brasilidade, por exemplo, do jeito “sexotizado” de fazer sexo, se mostra como sendo a principal estratégia dessa relação de poder. Existem outras estratégias/regimes do poder que também são evidenciados nesse jogo, pois o serviço de acompanhante de luxo, como vimos, não se limita ao sexo, apesar da recorrente presença dele nos discursos. Escolaridade, local onde se realiza os programas, capacidade de manter uma aparência sofisticada (com roupas, acessórios, etc.) também fazem parte do que seria exigido para um escort em Portugal.

Todas essas especificidades foram lidas por nós como relações de poder. Elas se constituem no trabalho sexual de escorts brasileiros em Lisboa como diferentes regimes e também diferentes modos de operação do poder. As caracterizamos inicialmente com o uso da palavra escort; a ideia de ser e se manter como novidade; da constituição de uma anátomo-política dos corpos dos brasileiros; da performance sexual dos brasileiros associada ao “sexo heterossexual”; da aproximação negociada com o afeto, por meio de uma compreensão muito particular de versatilidade; além da valorização da “mestiçagem” e do entendimento da brasilidade como uma credencial positiva e estimulante do desejo no âmbito dos mercados do sexo em Lisboa.

Nesse sentido, o trabalho sexual de homens brasileiros em Lisboa/Portugal, como podemos ver, se estabelece no âmago de diversos outros deslocamentos existentes e possíveis. O deslocamento dos brasileiros que transitaram, e ainda transitam, entre países para se incorporar a uma economia sexual que opera em diferentes mercados se apresenta como um fenômeno passível de ser esmiuçado à luz da literatura acadêmica que se debruça sobre gênero e sexualidade. Destacamos, assim, os movimentos dos escorts em um contexto circunscrito por noções relacionadas às performances de gênero e às sexualidades de brasileiros, com o intuito de produzir um panorama maior das relações de poder estabelecidas entre sujeitos de distintas nacionalidades, bem como as brechas para a manipulação de signos que constituem a dinâmica dos contatos estabelecidos entre esses sujeitos.

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1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - código de financiamento 001.

2Aníbal Quijano (2005, 2009) e Rita Segato (2010) discutem sobre os impactos, entre os países latino-americanos, da invasão colonial e subordinação de sociedades aqui já existentes. A discussão permeia, entre outros temas, a questão racial, destacando o “mestiço”, bem como os processos que o hiperssexualizam. Os autores também refletem sobre a categoria raça enquanto mecanismo de controle e como argumento para as desigualdades que articulavam as relações sociais / culturais / econômicas da época.

3Disponível em http://viphomens.net/ (última consulta em outubro de 2022).

4Os nomes dos interlocutores são fictícios.

5Sobre as diferenças entre erudição, “cultura” e cultura, ver Manuela Carneiro da Cunha (2017).

6António Barreto (1995) levanta uma discussão sobre a evolução das políticas públicas portuguesas e o alcance do “Estado-providência” nos limites do país que permite vislumbrar as transformações sociais e econômicas de Portugal durante a segunda metade do século XX.

7Em uma pesquisa rápida, temos a informação de que o salário mínimo no país, no ano de 2020, era em torno de 665€, apesar de ter sido afirmado em campo por um dos nossos interlocutores que se fazia 800€, trabalhando 12 horas em “restauração”.

8“O mercado pede”, como afirmou um interlocutor. Pertinente notar que, no marco da transnacionalização do trabalho sexual a diversidade é sempre uma demanda, como é possível observar nos contextos estudados por Adriana Piscitelli (2013), Larissa Pelúcio (2011) e Octávio Sacramento (2019).

9Sobre estas metáforas térmicas opositivas entre o “Brasil quente” e a “Europa fria” no campo do afetivo, do erótico e do sexual é muito oportuno e elucidativo o trabalho de Octávio Sacramento, citado anteriormente (2019).

10O sexo estilo favela (Hard) era título de um dos anúncios presentes no site. Esta modalidade de sexo intercepta, para além do marcador gênero, algumas outras categorias de articulação, tais como território, classe, cor/raça e nacionalidade. O anúncio, potencialmente, nos remete, assim, a uma noção que sexualiza e exotiza as masculinidades faveladas, ou as masculinidades que podem passar por faveladas. Além disso, demarca certo tipo de performance sexual como pertencente a um território e contexto específico, bem como só poderia ser realizada com sujeitos, escorts, favelados, mesmo que transitando por outros lugares. Ainda assim, em tese, marcados pela origem na favela. Ser da favela deixa de ser apenas um código de pertencimento, um lugar de origem, um ponto geográfico de onde se parte, mas passa a ser um aguçador do desejo. A favela, aqui, produz um imaginário.

11Breno Paiva chamou nossa atenção para o fato de os rapazes brasileiros serem considerados dotados, naturalmente, devido à dita miscigenação.

12O símbolo da berinjela em contextos online, neste caso em aplicativo de troca de mensagens WhatsApp, faz referência ao tamanho do pênis dos rapazes, e, como já mencionamos, uma valorização do pênis tipo gg.

13Para aprofundar a reflexão sobre as classificações referentes à cor e à cor da pele, ver Antonio Guimarães (2011).

Recebido: 21 de Julho de 2020; Revisado: 30 de Dezembro de 2021; Aceito: 11 de Março de 2022

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