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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.27 no.1 Lisboa abr. 2023  Epub 28-Abr-2023

https://doi.org/10.4000/etnografica.13314 

Artigo Original

Construindo resistência: etnografia de um centro social autogerido em Lisboa

Building resistance: ethnography of a self-managed social centre in Lisbon

Mateus Sadock1  , Concetualização, Curadoria dos dados, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-0566-7405

1ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Portugal, mateus.sadock@gmail.com


Resumo

O Covil é um centro social autogerido em Lisboa. Anarquista, ligado à cena punk e localizado numa zona da cidade que abriga dinâmicas sociais próprias de resistência coletiva, contrasta com a cidade hegemónica da gentrificação. Polo de resistência, é vivido como um espaço de desenvolvimento e emancipação coletiva e pessoal. Através de pesquisa etnográfica, este artigo analisa o Covil, permitindo compreender e problematizar como nele se entrecruzam anarquismo, punk e gentrificação.

Palavras chave: anarquismo; culturas urbanas; etnografia urbana; gentrificação; política prefigurativa; punk

Abstract

Covil is a self-managed social centre in Lisbon. Anarchist, connected to the punk scene and located in an area of the city that houses specific dynamics of collective resistance, it contrasts with the hegemonic city of gentrification. An epicentre of resistance, it is experienced as a space of collective and personal development and emancipation. Through ethnographic research, this article analyses Covil, enabling us to understand and problematize how anarchism, punk and gentrification intersect in it.

Keywords: anarchism; gentrification; prefigurative politics; punk; urban cultures; urban ethnography

Introdução

Este artigo 1 foca-se num centro social autogerido 2 em Lisboa, o Covil. Trata-se de um espaço que se identifica como anarquista e está fortemente ligado à cena e cultura punk, ainda que seja aberto e diverso. Pretende-se conhecer o que é este centro social, o que ele representa para quem o constrói e como se integra nas dinâmicas que o envolvem, interpretando-o no seu potencial emancipatório e nas suas contradições. Para tal, serão exploradas algumas ideias essenciais: o conceito de gentrificação - processo de mudança e exclusão urbana com base na classe -, a sua complexidade e o seu lugar na Lisboa atual; os centros sociais autogeridos enquanto espaços de política prefigurativa; e o papel do anarquismo e do punk num ambiente alternativo e radical.

Ao abordar etnograficamente um tipo de espaço ainda pouco estudado em Portugal, poderemos ultrapassar uma visão homogénea que observe estes fenómenos simplesmente a partir de fora, revelando com profundidade o Covil concreto, nas suas múltiplas vertentes e nos seus detalhes, e permitindo-nos, à luz do enquadramento conceptual referido, uma interpretação mais fina da complexidade dos fenómenos de transformação urbana e de culturas urbanas tal como confluem no Covil. Trata-se de um centro onde política e cultura se alimentam mutuamente, sendo particularmente privilegiado para compreender diferentes dinâmicas políticas, culturais e sociais que nele se intersetam e fazem dele um local denso e rico. Assim, este artigo pretende situar o Covil no processo de transformação e gentrificação da cidade, analisando ao mesmo tempo o papel que pode ter enquanto espaço de resistência a essa mesma gentrificação e à cultura dominante - hegemónica (Gramsci 1971) - bem como os meios através dos quais essa resistência se dá.

Após a discussão dos conceitos-chave e da metodologia de pesquisa, este artigo contextualizará o Covil no território da cidade de Lisboa. Em seguida, será revelado como é o espaço, física e esteticamente, e o que lá acontece. Finalmente, a partir das entrevistas, olharemos para as pessoas que fazem dele o que é, o que as motiva, o que o Covil representa para elas, que contradições, que objetivos e obstáculos, que potencialidades e perspetivas se lhes colocam.

Entrelaçamentos urbanos: a gentrificação, o anarco-punk e os centros sociais autogeridos

Termo essencial no estudo deste contexto, gentrificação refere-se, de modo geral, ao processo de transformação de uma cidade ou bairro através do afastamento e exclusão de residentes de classes mais baixas - normalmente empurrados para zonas mais periféricas - para dar lugar a residentes de classes mais altas. Com esta rentabilização - a gentrificação ocorre quando há uma discrepância entre o rendimento presente e o rendimento potencial a ser extraído do espaço urbano, o chamado rent gap (Smith 1979) -, o espaço urbano torna-se mais mercantilizado e elitizado.

A gentrificação é um processo complexo e uma expressão da dialética incessante da luta de classes e da apropriação pelo capital do espaço e de diferentes modos de viver a cidade. Harvey (2008) destaca que as cidades se originaram através da concentração e extração de mais-valia, pelo que a própria urbanização é necessariamente um fenómeno de classe, cujo desenvolvimento está intimamente ligado ao desenvolvimento do capitalismo. A urbanização, como nota Junior (2014), envolve a criação de espaços comuns que garantam as condições de produção e reprodução de capital, ao mesmo tempo que envolve a produção e reprodução das relações de produção capitalista - segundo Lefebvre, “o capitalismo mantém-se ao ser estendido a todo o espaço” (Lefebvre 2008: 117).

O conceito de gentrificação generalizou-se nos estudos urbanos críticos, mas tem sido alvo de debate. Lisboa é um dos casos paradigmáticos deste debate e das relações da gentrificação com a turistificação e a financeirização (Tulumello e Allegretti 2020), a par de outras cidades no sul da Europa, como Barcelona, onde a turistificação tem tido um papel preponderante nas dinâmicas de mudança urbana. Cocola-Gant (2016) afirma que o turismo é o novo campo de batalha da gentrificação. Também Mendes liga a gentrificação à turistificação, adotando o conceito de gentrificação turística: “assiste-se agora a uma gentrificação turística, mediante a transformação dos bairros populares e históricos da cidade centro em locais de consumo e turismo” (Mendes 2020: 173). Conecta este conceito com a financeirização, uma noção mais abstrata, referente, nos estudos urbanos, ao uso do património imobiliário como ativo financeiro enquadrado nos fluxos globais de capital, dos quais cada vez mais dependem os processos locais de mudança urbana (Tulumello e Allegretti 2020). Para alguns autores (Lees, Slater e Wyly 2007), a financeirização veio expandir a gentrificação através de novos instrumentos.

Maloutas (2017) argumenta, porém, que a generalização do conceito de gentrificação faz com que este tenha de ser definido de uma forma muito lata, retirando-lhe o rigor analítico. Outros autores (Sequera e Nofre 2018; Jover e Díaz-Parra 2019) distinguem a gentrificação da turistificação. Para Jover e Díaz-Parra, “touristification […] cannot be strictly understood as gentrification because the tourists do not settle down permanently” (2019: 3013), ainda que os autores reconheçam a relação próxima entre ambos os fenómenos. López-Gay, Cocola-Gant e Russo (2021), por exemplo, consideram que, em última análise, não é possível separá-los, ressalvando as particularidades de cada contexto e os diferentes tipos de gentrificação daí advindos. Assim, e como propõem Tulumello e Allegretti (2020), estes conceitos - gentrificação, financeirização e turistificação - deverão ser compreendidos de forma articulada, e é com essa perspetiva que a gentrificação será aqui invocada.

A luta contra a gentrificação passa pela organização comunitária, que pode tomar diferentes formas. Frequentemente ligados a movimentos sociais radicais (como o anarquista) e a determinadas culturas (como o punk), os centros sociais autogeridos - ou autónomos, outro termo em uso - têm sido um exemplo de construção de resistência urbana nas margens da cidade capitalista elitizada e excludente. São espaços de política prefigurativa: concretizam a ideia de que a experimentação de modos de relação, práticas e espaços igualitários e alternativos é necessária para obter a mudança social desejada (Creasap 2021); de que é preciso pôr em prática, ensaiar, a sociedade que se almeja - com a noção subjacente de que os meios determinam os fins. Espaços físicos como estes providenciam um “espaço emocional partilhado” (Lacey 2005: 286) no qual se comunicam e reproduzem visões de mundo contra-hegemónicas - oásis de interação política em sociedades e cidades profundamente fragmentadas e atomizadas. Promovendo “intimidade social, solidariedade coletiva, diversidade e igualdade” (Verbuč 2017: 286), estabelecem-se como espaços e cenas subversivas e como mundos alternativos.

No caso do Covil, a cultura punk - enquanto produtora de um ideário comum que, conjugado com o anarquismo, se reflete no espaço - é um dos meios pelos quais essa identificação coletiva se dá e reproduz. O punk é uma cultura tipicamente de classe trabalhadora e notoriamente de resistência, ainda que, como produto da cultura popular dominante que é, não esteja isenta de reproduzir as estruturas de poder desta - Traber (2001) caracteriza o punk como “uma crítica feroz à conformidade burguesa e branca articulada num registo profundamente burguês e branco” (Duncombe e Tremblay 2011: 82). Tendo desde os seus primórdios ligações ao anarquismo, existe nos dias de hoje uma grande sobreposição entre os círculos anarquistas e as cenas punk. Apesar de acusações ao punk por parte de alguns anarquistas - de ser um lifestylism facilmente cooptado pela indústria cultural (Bookchin 1995) -, é uma relação mutuamente benéfica. O punk é importante na manutenção do anarquismo como political way of being (Dunn 2012), ou seja, providencia uma forma anarquista de estar na vida, a aplicação prática do anarquismo à vida quotidiana. Além disso, surge frequentemente como a porta de entrada das pessoas no anarquismo. O anarquismo, por sua vez, fornece ao punk uma melhor articulação da crítica ao sistema.

Explorar o Covil permitir-nos-á compreender o papel que este pode desempenhar na luta contra a gentrificação e como através da prefiguração, colocando em prática formas de interação alternativas, e de um ethos horizontal, anarquista e punk, se constrói um espaço radical, compreendendo o seu lugar na cidade.

Metodologia

O trabalho apresentado neste artigo foi realizado através de uma pesquisa etnográfica, com observação participante e entrevistas, e durou aproximadamente três meses, entre o final de 2019 e o início de 2020. Consistiu em estar presente no tempo em que o centro estivesse aberto, bem como noutros momentos, como a confeção dos jantares e, inclusive, em duas reuniões internas da organização do Covil. Habitualmente, ia para lá ao fim da tarde e ajudava a preparar o jantar, a servi-lo, e por vezes depois ficava atrás do balcão do bar a servir bebidas. Assistia também aos eventos, fossem concertos, filmes ou conversas. Ao longo da tarde e da noite, conversava com as mais diversas pessoas, das mais assíduas às menos, sobre assuntos muito variados. Esta rotina ocorria duas ou três vezes por semana, dependendo de quantas vezes o Covil abria. Após o trabalho de campo, realizei entrevistas semiestruturadas com duas pessoas do coletivo da organização do espaço - telematicamente, devido à pandemia de Covid-19, que dificultou a sua marcação -, ambas bastante proveitosas. Também recorri, antes, durante e após o trabalho de campo, à análise documental de sites e redes sociais online para recolher mais informações sobre o Covil e o seu contexto, ainda que muitas informações tenham já advindo da minha própria vivência no território da cidade em foco.

O Covil é um centro social que eu já conhecia, pelo que não foi necessária adaptação para me familiarizar com o espaço e com os tipos de sociabilidade, tampouco com o tipo de atividades que lá se realizam. Ainda assim, a pesquisa permitiu um mergulho muito mais aprofundado no terreno, tendo providenciado a oportunidade - não só a mim, como a outras pessoas, como os entrevistados - para uma reflexão sobre variados temas centrais para a compreensão das dinâmicas que envolvem o espaço. Importou, como é boa prática numa etnografia, produzir um conhecimento a partir de uma perspetiva o mais “de dentro” possível, um conhecimento construído em conjunto e na interação com os atores e que possa ser usado em benefício deste.

Apesar de no geral ter sido uma experiência muito frutífera, houve obstáculos à realização e ao prosseguimento da etnografia. O início da pesquisa de terreno foi negociado numa reunião da organização a que fui, explicando o que pretendia fazer e com que intuito. Consegui obter aceitação da maior parte das pessoas, mas houve duas que, posteriormente, manifestaram ainda a sua reticência quanto ao benefício que uma pesquisa académica, realizada num âmbito institucional e externo ao Covil, poderia trazer. Estas reações deram lugar a uma muito interessante conversa na segunda reunião em que participei, embora o iminente fecho do espaço devido à pandemia tenha forçado a que, de qualquer forma, me voltasse para a fase de realização das entrevistas. De todo o modo, questões como estas são densas de significado e ajudam a compreender o que é este centro e as perspetivas de quem o constrói.

Lisboa e o underground da zona da Almirante Reis

Sede de uma área metropolitana com 2,8 milhões de habitantes, o município de Lisboa tem uma população de 500 mil pessoas. Este é um valor em decréscimo desde o início dos anos 1980, quando a cidade registava uma população de 800 mil; desde então, tem-se registado a expansão dos subúrbios e o progressivo esvaziamento do centro. Mais recentemente, tem-se verificado uma viragem neoliberal da política urbana em Portugal (Mendes 2017), criando as condições para um urbanismo “austeritário” - legitimado pelo objetivo, segundo as narrativas políticas hegemónicas, de “tornar Lisboa uma cidade mais competitiva, atraindo investimentos estrangeiros, visitantes e turistas, amarrando os fluxos de capital imobiliário ao seu ambiente construído” (Mendes 2017: 481). Observa-se, pois, como no caso de Lisboa turistificação, financeirização e gentrificação andam de mãos dadas.

Os despejos que proliferam em bairros históricos já alastraram para grande parte do município. Em resposta, existe um movimento social pelo direito à cidade com militância ativa, apoio a quem se encontra a ser despejado e manifestações com alguma adesão.3 Continua ainda assim a não existir, ao contrário de outras cidades no mundo e particularmente na Europa, um movimento de ocupações organizado e forte, o que torna as ações existentes residuais e mais frágeis.4

Paralelamente às dinâmicas de gentrificação pelas quais a cidade tem passado, e intrinsecamente ligado a elas, desenvolveu-se na última década um fenómeno centrado primordialmente nas margens da avenida Almirante Reis - Arroios, Anjos, Intendente, Martim Moniz, Penha de França, Graça. Trata-se de uma zona relativamente central, com uma elevada população imigrante (Arroios é inclusive a freguesia mais multicultural de Portugal, de acordo com a origem dos seus habitantes)5 e que passou por um forte influxo de população jovem, com preços de habitação que, apesar do crescimento, são ainda inferiores aos das zonas mais centrais e tipicamente prestigiosas da cidade. Era, até há alguns anos, uma zona considerada relativamente decadente, contrastante com os padrões estéticos, arquitetónicos e urbanísticos de outros locais mais prestigiosos da cidade, fora das rotas de comércio e lazer da moda, lugar de residência de classe média-baixa, idosos, imigrantes, trabalhadoras sexuais e consumidores de drogas ilegais (Duarte 2019).

Ali se desenvolveu uma extensa rede de modos de viver e fazer política alternativos, contraculturais e underground, expressa em diversos espaços - centros sociais, cantinas populares, associações recreativas, salas de concertos, bares, livrarias, galerias -, constituindo um palco no qual se encenam sociabilidades e estilos de vida que procuram romper com o mainstream, nos quais são criadas e mantidas redes de militância e movimentos sociais, espaços nos quais coletivamente se pensa a cidade e a vida na urbe neoliberal e se põem em prática e constroem visões de mundo e narrativas contra-hegemónicas. Assim, enriquecem-se diferentes esferas da vida coletiva, surgindo potencialidades políticas e culturais emancipatórias - “não foi encontrado apenas um refúgio, mas uma forma diferente de fazer política, onde vida, militância, antagonismo e criatividade deixavam de ser territórios separados, mas campos de potencialidade que se alimentam uns aos outros” (Duarte 2019).

Este processo não é isento de contradições e conflitos. Esta zona e estes espaços situam-se na interseção entre as dinâmicas de gentrificação e as dinâmicas culturais e sociais alternativas, podendo estes atores ser identificados como aquilo a que Rose (1984) chama marginal gentrifiers. Ao mesmo tempo, com a popularização da noção das “cidades criativas” nos discursos hegemónicos e políticas públicas, as próprias dinâmicas culturais alternativas acabam muitas vezes por ser cooptadas - é a criatividade ao serviço do capital. De qualquer modo, existe nos círculos que dinamizam esta zona e estes espaços uma consciência crítica em relação ao seu próprio papel, contribuindo para a organização comunitária politicamente envolvida, procurando envolver os residentes de fora destes círculos e construir dinâmicas de resistência a uma cidade dos ricos. Este envolvimento com a comunidade é essencial para combater os “paradoxos entre um discurso tolerante e localmente empenhado e práticas efetivas menos integradas nas redes sociais locais” (Malheiros, Carvalho e Mendes 2012: 97) que muitas vezes se verificam nos marginal gentrifiers. É também um exemplo das alianças possíveis (Rose 1984) entre estes novos residentes e os antigos.

O Covil

Apresentação e estética

Existente desde 2015 e situado perto da praça do Chile, numa rua relativamente pacata, o espaço do Covil não se destaca particularmente das casas em seu redor - quando muito, por coisas que estejam coladas na porta, como uma folha que em tempos explicitava quem não era bem-vindo ali, incluindo polícias, juízes, deputados, arrivistas e qualquer intolerante ou autoritário. É relativamente grande, com uma cozinha e um bar atrás de um balcão, uma cantina, uma sala para concertos (e ensaios), uma sala para filmes (e serigrafia e, ocasionalmente, ginásio), uma livraria e infoshop, uma biblioteca, um canto com uma loja de roupa livre e uma mercearia livre, uma casa de banho e um quintal. Os debates e conversas ocorrem normalmente na cantina ou na sala de filmes. Não é um espaço ocupado, o que permite uma maior estabilidade, mas implica o pagamento de renda, a grande despesa.

Na cantina, o ambiente é parcamente iluminado e cheio de fumo - e com um frequente aroma a erva -, com confortável mobiliário resgatado da rua, um tabuleiro de xadrez e um ou outro cão a circular. O computador, que está no balcão e serve para passar música, tem sistema operativo Linux. A decoração não deixa dúvidas sobre o tipo de espaço em que se está. Logo na entrada há uma miniatura de esquadra de polícia queimada e destruída. Ao lado, na parede, em letras de espuma, das que se usam como brinquedos infantis, está soletrado “ACAB1312”.6 As paredes estão cobertas com autocolantes, cartazes e dizeres - graffiti ou a caneta - antifascistas, anarquistas, antipolícia e punk em diferentes idiomas, de diferentes lugares. O maior cartaz diz, em letras garrafais, “somos ingovernáveis”. Vê-se um papel afixado que explica o que fazer caso alguém esteja a agir de forma incompatível com os princípios do centro. Outro, enquanto convida as pessoas a participarem mais no Covil, explicita o propósito do centro: “querer criar, em conjunto, um espaço de convívio e partilha de experiências diferente dos locais de ócio da cultura dominante, onde toda a gente possa sentir-se segura, incluída, com vontade de colaborar e, claro, divertir-se”.

A biblioteca já existe há cerca de 70 anos; era originalmente uma biblioteca anarquista e operária em Algés, mas que ia perder o espaço devido ao aumento da renda. Sabendo dessa situação, o grupo que iria fundar o Covil convidou-os para se juntarem e assim aconteceu - mantendo ainda hoje um coletivo próprio, embora com muita sobreposição com o do Covil. Além de biblioteca, funciona como arquivo, edita boletins e disponibiliza acesso à Internet. Conta no espólio com milhares de livros, além de jornais, revistas, cartazes e filmes. A livraria, por sua vez, está recheada de fanzines sobre diversos temas e de diversos países, bem como livros e jornais contraculturais e independentes.

No espaço para concertos há um pequeno palco com alguns centímetros de altura, o teto está pintado de azul e estrelas como o céu, cortiça em algumas paredes e graffiti noutras - com um balão de fala atrás do palco que relembra que “faltam aqui mulheres”. Os concertos começam cedo, depois de jantar, e não se alongam depois da meia-noite, no máximo. Essa é a hora de fecho, ainda que seja costumeiro ficarem grupos a conviver lá dentro depois disso. Lá fora não - há o cuidado de não ficar na rua a conversar e a fazer barulho por essa hora. A sala de filmes é decorada de forma semelhante, além de alguns pufes e cadeiras e um papel de projeção na parede. Finalmente, o pequeno quintal, com umas mesas e cadeiras e um bonito limoeiro, mas menos frequentado à noite por causa do barulho.

Existe a necessidade de negociação e construção de boas relações com a vizinhança, uma questão cara à organização. É uma necessidade prática - quando há algum problema, os vizinhos falam com a organização em vez de telefonarem à polícia - e ideológica de um projeto antigentrificação. É certamente um espaço que leva muitas pessoas de fora do bairro para lá - e pessoas com um estilo a que muitos dos residentes não estariam habituados. Durante a pandemia, porém, o Covil passou a chegar a pessoas diferentes das do costume com a distribuição de refeições gratuitas, em grande parte para pessoas do bairro. Conseguiu-se, tal como em outros espaços que neste período fizeram o mesmo, extrair o melhor de uma situação negativa, que obrigou ao seu fecho e das suas atividades normais, e fortalecer as relações com o bairro, como se verá mais adiante.

Organização

Aquando da realização do trabalho de campo, o coletivo da organização tinha 11 membros, todos voluntários. É um grupo sólido, mas sempre aberto a novas pessoas - quantas mais houver, mais coisas se podem fazer. Estar na organização requer algum grau de compromisso e de tempo, e há diversas pessoas na órbita do espaço e que regularmente ajudam na preparação dos jantares, por exemplo, que optam por não estar na organização. Trata-se de um coletivo algo fluido, considerando que a disponibilidade de cada um vai variando - há quem em determinada altura ande mais afastado por alguma razão. Há um núcleo duro que se mantém mais ativo e está sempre no espaço - por volta de sete ou oito, que são quem assume o grosso das responsabilidades mais práticas da cantina. Além dos elementos da organização propriamente dita, o círculo de pessoas próximas é grande - como nota um dos entrevistados, “às vezes é difícil perceber onde é que o coletivo começa e acaba”, porque existe “um leque de se calhar 50, 60 pessoas em quem confiamos e que estão à vontade no espaço e tratam o espaço como se fosse seu”, e, afirma, isso é exatamente o que sempre foi idealizado.

A organização funciona de forma horizontal e as decisões são tomadas por consenso. As reuniões são realizadas de duas em duas semanas, à noite, e a elas costumam ir todos, mesmo os que possam estar menos presentes. Habitualmente estendem-se das oito horas até por volta das 11 e são passadas quase na totalidade a tratar de assuntos práticos. O clima é descontraído, entre cervejas e algum charro a rodar pela mesa, mas são cansativas, percebendo-se que sejam um compromisso demasiado grande para alguns - e revelando também a importância que o Covil tem para quem faz parte da organização.

Apesar de ser um coletivo e um espaço fortemente politizado, verifica-se um défice de discussão política na organização - devido ao número relativamente pequeno de pessoas e à quantidade de tarefas práticas que têm de ser feitas para mantê-lo a funcionar. Esta é uma lacuna reconhecida pelos próprios membros, que manifestaram vontade de contrariar isso e de ter mais discussão política. Uma tentativa de marcar uma reunião mensal para esse efeito acabou por não ser levada adiante, mas marcou-se a sua retomada. As reuniões políticas, dizem, são as que mais prazer lhes dão, mas requerem um maior envolvimento mental. A maior parte trabalha, e depois de um dia de trabalho é mais fácil vir ao Covil conviver e beber umas cervejas.

De qualquer modo, o coletivo acaba por também funcionar como coletivo político, articulando-se com outros coletivos com princípios partilhados, seja participando em redes intercoletivos para causas específicas ou na organização e participação em manifestações. O cariz contra-hegemónico do espaço está expresso no dia-a-dia, seja na estética, seja nas atividades. Na primeira reunião da organização a que fui, para conversar sobre a etnografia que pretendia realizar, quando explicava o porquê do meu interesse no Covil, disse (em inglês, porque as reuniões decorrem em inglês) entre outras coisas que achava que era um espaço cool - não no sentido de ser da moda, mas de ser interessante. Mesmo assim, alguém, bem-humoradamente, tratou de me corrigir: “Nós não queremos ser um espaço cool, somos um espaço anti-cool”. É fácil estabelecer a ligação entre esta postura e o ethos punk tão central no Covil, que o distingue de outros centros sociais.

Atividades

O Covil está aberto para refeições habitualmente duas vezes por semana, três se houver algum evento especial (como uma angariação de fundos, ou benefit, para algum coletivo, ou uma noite especial de concertos) no fim de semana. A livraria e a biblioteca costumam ambas estar abertas até quatro dias por semana - dois especificamente, mais os dias de eventos, em que normalmente também abrem. Em dias de jantar, a confeção da comida começa por volta das seis horas da tarde. Ao longo do fim da tarde, entre caras mais e menos frequentes, vai crescendo o número de pessoas que prepara a comida - incluindo cortar muitos legumes -, conversa, bebe umas cervejas e fuma uns charros. Muitas vezes há gente a mais para as tarefas necessárias, até que já não haja nada para fazer a não ser esperar a comida sair do forno. O prato custa, dependendo da noite, um donativo entre dois euros e dois euros e meio e a sopa cinquenta cêntimos, mas quem não tiver dinheiro não ficará sem comer.

O jantar é supostamente servido pelas 20h - é comum haver atrasos -, e por essa hora já começam a chegar algumas pessoas para comer. Dali a pouco é a hora de pico, com uma extensa fila que a partir do balcão segue ziguezagueante até praticamente à rua. A comida é preparada para 80 pessoas; por vezes falta um pouco, outras sobra um pouco. Na hora da maior afluência, forma-se atrás do balcão da cozinha uma verdadeira e eficiente linha de montagem, com cada voluntário a servir uma parte da refeição. Depois de comer, cada um lava a sua própria louça e coloca-a no escorredor. Há dois lava-louças, um encostado à parede perto das mesas e outro atrás do balcão, na cozinha. Este último tem escrito ao lado, em cima do escorredor: “pratos, pratinhos e patrões separados por classe”.

Não raramente, após o jantar, há algum concerto - muitas vezes de punk, mas também de outros géneros, como hip-hop, stoner ou noise (que são também alguns dos géneros que mais passam nas colunas de som). Frequentemente, há bandas e artistas internacionais e também várias de outras partes de Portugal. Excetuando os casos de noites de concertos organizados por outros coletivos, que procuram o Covil para lá os realizar, são os artistas que o procuram para tocar. Frequentemente, são bandas que estão em digressão e que gostam ou querem conhecer o centro. Há imensas propostas de concertos, mais do que as datas disponíveis. A identificação com o espaço e a sua ética é, então, um fator na decisão de os realizar ou não. De acordo com uma das pessoas que entrevistei, entre ter um concerto de uma banda de cumbia, por exemplo, que partilhe dos ideais do espaço e uma banda de punk que não tenha nenhuma mensagem interessante, a preferência recairá sobre a banda de cumbia. É, de qualquer forma, um espaço central no punk lisboeta.

Noutras ocasiões, ao invés de concertos há projeções de filmes ou documentários - que têm como temas exemplos de resistência -, muitas vezes seguidas por uma conversa. Por vezes também há conversas ou debates sem filme, quiçá com algum convidado diretamente envolvido no tema. Ocasionalmente, há eventos especiais organizados em conjunto com outros coletivos de diversos movimentos e cujo dinheiro pode reverter para estes ou para alguma causa ou campanha específica. Os coletivos asseguram a organização das atividades e do jantar, com ajuda do Covil no que for preciso. Nestas ocasiões, é costume haver mais atividades do que o usual. Além do jantar, pode haver concertos em simultâneo com - ou consecutivamente a - filme (que pode também ser projetado na zona de refeições), debate e workshop. Há conversas sobre autocuidados e sobre saúde antiautoritária (mental e ginecológica, por exemplo) dinamizadas por um grupo do qual faz parte uma pessoa do Covil.7 O Covil estava também a tentar organizar um evento em conjunto com uma associação que trabalha com drogas e redução de riscos. A biblioteca organiza eventos de apresentação e debate acerca dos boletins que ocasionalmente publica. Há também coletivos que o usam para fazer as suas reuniões ou workshops. Devido a dispor de um espaço físico, do qual tantos grupos necessitam, o Covil vê-se numa ótima posição de apoio aos movimentos sociais radicais. Torna-se assim um ponto de encontro de diferentes pessoas, diferentes movimentos, diferentes grupos - embora mantenha, no geral, uma considerável regularidade de frequentadores.

O principal meio de divulgação das atividades no centro é o Facebook, reconhecido pela organização como não sendo desejável. Estavam, por isso, a desenvolver um site com um calendário de eventos atualizado e, além disso, um acervo online de fanzines existentes na livraria. Possui ainda uma página numa plataforma internacional online de ocupações, divulgando os eventos. A ideia de criar Instagram já foi rejeitada, pois pretende-se depender o menos possível de redes sociais comerciais. Os eventos no Facebook, de qualquer forma - sejam as imagens ou o texto -, têm uma estética pouco polida, condizente com a do espaço. Os textos de descrição variam - em comum têm frequentemente uma mensagem no fim a explicar que atitudes e pessoas discriminatórias e autoritárias não são toleradas. Em certo evento, por exemplo, escreveu-se: “come os ricos e cospe as suas entranhas na cara de todos os polícias (ou vice-versa)!”.

Pessoas

Das 11 pessoas da organização, cinco são estrangeiras, entre as quais dois casais - um de suecos e um de neozelandeses. Entendem algum português, mas o grosso da comunicação nas reuniões ocorre em inglês. Também nos frequentadores em geral há muitos originários de outros países (e até continentes) - quiçá quase metade, sendo o inglês uma língua franca amplamente usada no Covil. Alguns vivem em Portugal - mais ou menos definitivamente, como é o caso dos punks que vão viajando por diferentes países e ficando por uns tempos em alguma ocupação e integrando-se na cena anarco-punk local - e outros estão apenas de visita - em vários casos já nos seus locais de residência sabem de espaços como o Covil e estando em Lisboa queriam conhecê-lo. Há também bastantes estudantes em Erasmus. Duas pessoas da organização fazem parte de uma banda punk que foi, durante umas semanas e em conjunto com outros membros do Covil, em digressão internacional, ficando em diferentes okupas. Existem de facto muitas pessoas com estilo punk no Covil, mas também com outros estilos bastante diversos.

A grande maioria dos que frequentam este centro, no entanto, tem alguma proximidade com círculos mais alternativos ao nível político ou cultural. Ainda que nem toda a gente seja necessariamente politizada, pode-se afirmar que existe uma identificação coletiva entre o grosso das pessoas presentes no Covil; que é um espaço aberto a quem partilhe um certo ideário e certas referências, e fechado a quem tenha ideias incompatíveis com esse ideário.

Na organização, durante o tempo da etnografia, contavam-se quatro mulheres e sete homens, dez pessoas brancas e uma negra. Três são estudantes e o resto trabalha. Há idades diversas - tal como nos frequentadores do espaço, embora a preponderância dos mais jovens seja maior -, desde os 20 e poucos anos até pessoas na casa dos 30, ou a rondar os 40. Em 11, contam-se quatro casais. Demograficamente, um dos aspetos que salta mais à vista é a pouca diversidade étnica, apesar da proximidade do Covil com coletivos antirracistas e da sua localização na zona mais multicultural de Lisboa. Este é um facto transversal a espaços e círculos de militância do centro da cidade, mesmo com um movimento antirracista crescente.

Há no Covil - não na organização, mas muito próximas - pessoas envolvidas em ocupações habitacionais. Duas vivem numa que já dura há bastantes anos, apesar da desorganização e desunião e de a polícia já ter ido lá várias vezes. Uma outra rapariga frequentadora do centro e muito próxima da organização, francesa, estava com algumas pessoas a ocupar um edifício não muito longe do Covil que iria ser despejado, estando ela a juntar um grupo, do qual fiz parte, para ir defender a okupa. Chegando lá no dia e hora que haviam sido marcados pela polícia, afinal já não ia haver defesa alguma, porque os outros participantes da okupa já tinham ido embora antes de a polícia chegar - ocupavam não por necessidade, mas por estilo de vida, ao contrário da francesa, que precisava. Esta situação é bem exemplificativa de como o perfil de classe dos envolvidos tem consequências concretas na luta política - quem ocupa por estilo de vida não tem o mesmo nível de comprometimento do que quem ocupa por não ter outra opção (ver Velho 2013, a respeito da tensão entre posição de classe e estilos de vida alternativos).

Representações e perspetivas

Sendo o Covil dependente das pessoas que se dedicam a construí-lo, debrucemo-nos agora sobre a relação destas com o espaço - motivações, representações, perspetivas e significados -, focando-nos particularmente nas duas entrevistas realizadas com elementos do coletivo da organização, Freja e Rodrigo. Rodrigo, português, está no Covil desde o início, fazendo parte do grupo que teve a ideia de abrir e construir o espaço e o levou a cabo. Freja estava, aquando da etnografia, há dois anos, desde que se mudou - com o namorado, que também faz parte da organização - para Lisboa, vinda da Suécia, de onde é originária. Ambos são punks e tinham, à data da entrevista, 28 anos.

Como conta Rodrigo, o Covil foi criado em 2015, tendo a ideia surgido de um grupo de amigos de cerca de meia dúzia. Alguns, incluindo ele, já tinham experiência em organizar concertos punk politizados, com zines, livros e comida vegetariana, mas por não terem um espaço próprio estavam sempre dependentes de terceiros - tendo de pagar - e chegaram a ter concertos interrompidos pela polícia por causa do barulho. Assim, decidiram abrir um espaço. Alguns tinham experiências em ocupações, mas em geral não eram de longa duração. Como queriam algo mais permanente, abdicaram do princípio ideológico de ocupar e arrendaram um espaço, organizando angariações de fundos para financiar os custos iniciais.

Para estas pessoas, o punk e o anarquismo sempre estiveram interligados; o punk faz parte de como vivem e teorizam o anarquismo - o political way of being (Dunn 2012) que já foi aqui referido -, servindo como uma eficaz ferramenta de comunicação de ideias. O que almejavam e, segundo Rodrigo, conseguiram, era criar “um espaço de consciência e produção coletiva e desenvolvimento individual”. Ainda que a estética seja punk - como diz Freja, “we’re interested in punk and […] we want the rough” -, não é definido como tal, mas antes como um espaço antiautoritário e horizontal, procurando manter abertura a grupos diferentes (e, como já vimos, a fluidez de estilos nas sociedades contemporâneas por si só dificultaria que o fosse homogéneo). Rodrigo nota que, em comparação com outros centros sociais autogeridos na Europa, o Covil é mais diverso ao nível dos frequentadores.

Podemos relacionar a questão estética com a problemática da gentrificação. Esta costumeiramente traz uma estética mais sanitizada e polida, hegemónica, em reação à qual a estética punk se constrói, colocando-se nos seus antípodas. No entanto, e apesar de o Covil se professar anti-cool, o underground é muitas vezes, como previamente abordado, cooptado pelo capital. Freja dá o exemplo do centro social do qual fazia parte na Suécia: a zona em redor estava a ser gentrificada apropriando-se da sua vibe alternativa, com negócios “where people can enjoy the cool culture” mas sem a sujidade, por assim dizer, do punk - colocando de outra forma, “the capitalist uses us and then doesn’t want us because we are dirty”. O Covil, diz, será também afetado e eventualmente afastado pela gentrificação, as pessoas mover-se-ão para outras zonas e o processo seguirá, repetindo-se. O melhor que podem fazer, defende, é envolver o bairro o máximo possível e fortalecer as ligações com a vizinhança para que quando os capitalistas (como ela disse) os tentarem afastar possam contar com o apoio dos vizinhos e juntos resistirem e lutarem.

Os entrevistados reconhecem o papel gentrificador que sítios como o Covil podem desempenhar, enquanto espaços relativamente novos no bairro, que levam para lá pessoas de fora - os marginal gentrifiers (Rose 1984). Mas esperam ser uma força positiva, contrapondo quaisquer efeitos negativos que possam ter. Como discorre Rodrigo: “gentrificação acaba que é qualquer mudança que vai desestabilizar o que […] os bairros foram até à altura […]. Comparando o que o Covil é com, por exemplo, um café todo fancy ou um barzinho de gin […] com cocktails a 7 euros, é uma coisa completamente diferente. Porque nós estamos ali exatamente para o contrário, estamos ali para tentar eliminar essa vivência comercial que as pessoas têm de si e tentar fazer as coisas coletivamente, em vez de ser aquela dinâmica de cliente e vendedor. […] E nesse aspeto eu acho que é […] uma ferramenta também importante para combater a gentrificação nos bairros”, dando ferramentas e um espaço às pessoas para construir estratégias coletivas de resistência, indo contra a “máquina gentrificadora”.

Nesse sentido, manter uma lógica política nas atividades realizadas no Covil é visto como fulcral. Essa vontade embate, porém, num dos principais obstáculos encontrados pelo coletivo: se é facto que não ser um espaço ocupado tem certas vantagens, o outro lado da moeda é o esforço necessário para pagar a renda, que faz com que organizar jantares regularmente seja uma necessidade - “nesse aspeto é não só um obstáculo como um peso”, afetando também o tempo mental disponível para pensar em outras coisas. Caso não houvesse renda, afirma Rodrigo, poderia estar aberto menos vezes - ainda que vinque a importância de o encarar como estando aberto à comunidade sempre que está lá alguém -, mas para ocasiões e eventos que realmente os entusiasmassem mais do que simplesmente cozinhar. Se por um lado isso poderia reduzir a quantidade de pessoas que lá vão, por outro conseguiriam aprofundar melhor as relações com elas, “conseguias construir uma comunicação um bocado mais eficaz, uma troca de ideias um bocado mais eficaz do que consegues num jantar para tanta gente” - “às vezes menos pode ser mais em termos de qualidade do que podes construir com as pessoas”.

A outra grande limitação mencionada é a falta de pessoas dispostas a assumir responsabilidades organizativas, levando a que os membros da organização fiquem mais cansados. Rodrigo nota que, apesar de em cinco anos já ter havido bastante renovação, esperava que já houvesse mais pessoas com disponibilidade. Se a quantidade dos que regularmente vão lá ajudar é positiva, por outro lado são necessárias mais na organização para que “ninguém seja indispensável” nem ninguém se sinta de alguma forma preso ao espaço - “o pior que pode acontecer a um projeto destes é tu sentires-te preso”. Aponta a maior familiaridade dos grupos de amigos que formaram o Covil como uma possível razão para que mais pessoas não se tenham sentido confortáveis a juntar-se, mas afirma que, para combater isso, devem ser mais pró-ativos a encorajar aqueles que já sejam próximos do espaço a assumir mais responsabilidades. Freja admite que o cansaço por vezes impede que isso aconteça como deveria: “we don’t have the time to invite more people […]. I love to meet other people and invite them to Covil to do stuff, but you are so fucking tired that it’s much easier to just sit with friends that you know”, uma tendência que procura contrariar.

O contínuo crescimento, apesar de desejado, não é encarado como algo que deva ser alcançado a qualquer custo, pois também pode ter consequências adversas, como a sua descaracterização. Freja argumenta que “it needs to be done slowly and smartly”, porque se se crescer rápido demais e sem sustentação para tal, as coisas podem desmoronar-se rapidamente e deixar as pessoas assoberbadas com os problemas que possam surgir; abrir-se mais para a comunidade, diz, traz muitas consequências positivas, mas implica mais trabalho. De todo o modo, vê-o como uma construção permanentemente inacabada: “I think a social centre or a cultural centre or a place like this should never be done. Because then it’s not what it is anymore, it’s institutional. So as long as we work to be better and always make a progress […]”. Este tema ajuda a perceber como o coletivo se define. Para Rodrigo, o que o espaço é dependerá sempre de quem estiver no coletivo em determinado momento e o Covil define-se, no fundo, por aquilo que escolhem lá fazer.

Uma das principais vias de crescimento e fortalecimento passa pela vizinhança. Como já notado, é atribuída importância ao envolvimento e construção de boas relações com os vizinhos, de forma a combater o paradoxo já mencionado (Malheiros, Carvalho e Mendes 2012) que muitas vezes se verifica entre um discurso politizado e práticas pouco integradas nas redes previamente existentes no bairro, o que não significa que não haja dificuldades pelo caminho. No início, diz Rodrigo, houve uma maior estranheza e incompreensão da vizinhança em relação aos que iam ao espaço e ao que lá se fazia. Mas com diálogo e abertura foram sempre conseguindo resolver os problemas que apareciam e hoje têm uma boa relação com a generalidade dos vizinhos.

Sair do nicho, da bolha, e envolver mais moradores do bairro - sem ser com uma perspetiva assistencialista - sempre foi algo que valorizaram. Durante a pandemia da Covid-19, o espaço abriu uma cantina comunitária que distribuía refeições gratuitas, bem como uma mercearia livre. Esta experiência, advinda de um contexto complicado, acabou por ser bastante positiva para o Covil, permitindo o fortalecimento de relações com os vizinhos, incluindo alguns que anteriormente não gostavam do centro. Num momento em que muitos se viram isolados, em que os locais de encontro do costume fecharam, em que o isolamento em casa agudizou a atomização, o Covil também proporcionou, mais do que apoio alimentar, um apoio psicológico, um local para conversar, adquirindo uma importância acrescida na vida do bairro em tempos adversos.

Atentemos agora em outras pessoas que são parte considerável dos frequentadores do Covil: os estrangeiros residentes em Portugal, os estudantes internacionais e os turistas. É certo que estes grupos têm grandes diferenças entre si, mas não deixa de saltar à vista o facto de haver uma proporção tão alta de frequentadores do espaço que não sejam portuguesas, embora não surpreenda, dado o contexto já abordado de massificação do turismo em Lisboa e a sua popularização enquanto destino internacional, que necessariamente atrai para a cidade pessoas muito diferentes entre si - quer turistas, quer imigrantes, mais ou menos temporários - que irão vivenciá-la de formas também muito diferentes. Sobre os estudantes em Erasmus e os turistas, Freja aponta o facto de ser um espaço “cool, underground” como atrativos, bem como a comida vegan relativamente barata, notando que o tipo de estudante de Erasmus ou turista que vai ao Covil será provavelmente mais politizado e de esquerda do que a média.

O Covil tem uma preponderância acrescida para muitos estrangeiros residentes em Portugal que o frequentam, podendo tornar-se central na sua vida social e permitindo-lhes conhecer pessoas com interesses semelhantes numa cidade nova, na qual não tinham contactos nem referências. Freja comentou que se não fosse pelo Covil teria tido mais dificuldades para se integrar na vida lisboeta, embora ainda assim relate que se sente um pouco numa bolha, algo que está a tentar combater ao aperfeiçoar o seu português. Pessoas mais velhas veem o Covil com especial importância - como me questionou retoricamente uma delas, da organização, “how do you meet people at my age?”.

Aprofundemos então as motivações das pessoas da organização, estrangeiras ou não, para se dedicarem ao Covil, bem como o que significa para elas. A dedicação é considerável - tanto Freja como Rodrigo relataram que gastam a maior parte do seu tempo livre com o Covil. Para Freja, “it’s a home, it’s friends, it’s a reminder that another world is possible […]. It’s not a safe space, but it’s a safer space […]. It’s more free than the outside world and it’s a space to breathe”. Rodrigo indica que se não fosse pelo Covil, possivelmente já não estaria a viver em Lisboa. Motivou-se para começar o espaço ao viajar para fora de Portugal, conhecendo centros sociais autogeridos noutros países e percebendo que em Lisboa faltava algo assim. Continua envolvido, afirma, pela filosofia de “construir espaços coletivos para que consigamos dar ferramentas às pessoas para se liberarem”.

Algo semelhante pensa Freja. Falando sobre como há imensas pessoas descontentes com a vida sob o capitalismo, mas que não conseguem articular esse descontentamento porque a hegemonia cultural as condiciona a pensar que não há alternativa possível, e por isso não têm as ferramentas para combater o capitalismo, discorre: “[people are told that] ‘yeah this is how society is organized, […] we should not do anything to protest, […] we should just be happy and free’, but we are not. […] So yeah, what’s most important to me is to grow […] and to open up another world for the most people as possible, but without forcing it. […] I think that’s the answer to why I’m doing this, because […] I love the way I live, I hate the way I live in the capitalist system and as I get out of it more and more, I also want to invite more and more people in […] and show them that another world is actually possible. But it’s tough work and you need to start small. […] But it’s also amazing, you can start very small and make a big difference. And if it starts small everywhere then it’s all over the world. And it already is but it needs to grow stronger, and it does all the time. But they’re a big force, the capitalists, to work against, because they have all the resources”.

Esta última frase relaciona-se com a perceção que Rodrigo tem do propósito e da importância do Covil, e que revela como as perspetivas de ambos sobre isto, embora obviamente semelhantes, colocam a tónica em aspetos diferentes - ainda que ambos partilhem de perspetivas futuras que passam pelo crescimento do espaço e do coletivo. Para Freja, a ênfase é mais externa: “Covil is just a tool to reach people”. Para Rodrigo, não tem “um potencial super-revolucionário em termos de ataque, não é um espaço de ofensiva, mas sim um espaço onde as pessoas podem-se encontrar, discutir coisas e ter ferramentas para as fazer sem terem que gastar um montão de dinheiro, ou com um monte de entraves”. Em relação à parte pessoal, sumariza: “acho que é muito importante a cena prática de construirmos um espaço onde as pessoas podem-se fazer diferente do que é mostrado lá fora que a vida tem que ser assim. E eu acho que temos oportunidade de construir outro tipo de relações com as pessoas que podem depois empoderá-las para as suas próprias lutas pessoais ou coletivas”.

Considerações finais

Este artigo permitiu conhecer de perto um polo de resistência urbana, cultural e política em Lisboa, contribuindo para uma melhor compreensão dessa resistência, com as diferentes dinâmicas que lhe são subjacentes. O Covil é um centro social autogerido com relevância política e cultural, ainda que com limitações e contradições de forma geral inerentes ao contexto no qual está inserido.

Para contextualizar o Covil, foi necessário olhar para a região circundante da avenida Almirante Reis em que ele se situa, na qual se tem desenvolvido há anos um circuito político e cultural alternativo em reação à gentrificação, mas também necessariamente fruto dela. Através da turistificação e da financeirização, a gentrificação tem marcado Lisboa e é uma face determinante do processo hegemónico de urbanização que um espaço como o Covil pretende combater. Ao mesmo tempo, ele está necessariamente integrado nessas dinâmicas de transformação que a cidade tem vivido. A elevada proporção de estrangeiros presentes é um exemplo de como as redes sociais que nele se reforçam são relativamente novas no bairro.

Ao mesmo tempo, o cariz político anarquista, a estética punk e as atividades, com foco abertamente anti-mainstream, fazem com que seja um espaço de nicho e que a maior parte das pessoas que o frequentam, independentemente do seu perfil demográfico, sejam as que se identificam com o seu ideário e procuram conhecer e conviver com pessoas com princípios semelhantes. Essa função de “espaço emocional partilhado” (Lacey 2005) e comunitário numa sociedade atomizada é, pois, uma das principais do Covil. De todo o modo, a organização procura fortalecer a ligação com o bairro e os residentes de fora destes círculos sociais, algo considerado imperativo para um projeto antigentrificação.

Os entrevistados partilham perspetivas ligeiramente diferentes sobre o potencial e função do Covil: por um lado, um espaço de ofensiva ideológica para angariar pessoas para a luta anticapitalista, por outro, sobretudo de retaguarda, de apoio a movimentos sociais, à organização de atividades alternativas. Comum a ambas as perspetivas é a ideia da prática de formas alternativas e não mercantilizadas de interação como passo para a emancipação pessoal e coletiva.

Em investigações futuras, seria interessante aprofundar o perfil sociodemográfico, tanto dos organizadores como dos frequentadores, o que ajudaria a ter uma visão mais clara sobre algumas questões que aqui se colocam. A questão de classe, por exemplo, tem vastas consequências na forma como as pessoas participam - tanto ao nível de dedicação como de disponibilidade. E se neste artigo a tónica esteve nos organizadores, seria igualmente interessante fazer um estudo mais focado nas motivações e representações dos frequentadores.

Centro social anarquista pelas suas práticas e pelos valores que promove, e articulando essas práticas e valores com a cultura e ética punk, o Covil prefigura (Creasap 2021) formas de organização coletiva e interação antiautoritárias, promovendo pensamento, discussão e cultura contra-hegemónica, apoiando e fortalecendo coletivos e movimentos sociais e providenciando um sítio para se construírem e reforçarem laços. Perante os obstáculos, o que se alcança é significativo: um espaço para experimentar, para lutar e para sonhar.

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1 Este artigo é baseado na dissertação que realizei no âmbito do mestrado em sociologia no ISCTE (Sadock 2020). Deixo um agradecimento especial ao meu orientador, Otávio Raposo, bem como a todas as pessoas que fizeram parte desta pesquisa, particularmente os entrevistados.

2Termo associado ao anarquismo e usado no Covil, entendido aqui como um espaço comunitário sem fins lucrativos organizado horizontalmente, com princípios e atividades de cariz antiautoritário.

3Exemplos de manifestações, antes da pandemia de Covid-19, foram o Rock in Riot, em 2018, e a HabitAcção, em 2019. A STOP Despejos e a Habita são os dois coletivos que mais se têm destacado neste movimento.

4As últimas ações de maior destaque foram num prédio nos Anjos, com atividades e uma assembleia de ocupação aberta, durante cinco meses, do final de 2017 ao início de 2018, quando foi despejado; em 2020, durante a pandemia, foi ocupado um prédio também nos Anjos, que providenciava apoio e teto a pessoas em situação de sem-abrigo, também com uma assembleia de ocupação aberta, tendo sido despejado em junho (durou cerca de três meses) por uma empresa de segurança privada com o apoio da polícia.

5“Arroios, um mundo de 92 nacionalidades”, RTP (2017).

6Famoso slogan político, acrónimo de “all cops are bastards”. Os algarismos correspondem à posição das letras no alfabeto.

7No site do coletivo que organiza estas conversas escreve-se, entre outras coisas, que “a saúde antiautoritária compreende o corpo como um território de resistência que (re)aprende de um modo singular e coletivo inúmeras fórmulas para uma maior autossuficiência”, e “existe realmente uma vontade de criar uma outra forma de saúde física-mental/emocional, não apenas como uma reação ao sistema vigente, mas sim como resposta às nossas necessidades e vontades individuais e coletivas”.

Recebido: 31 de Janeiro de 2022; Revisado: 03 de Fevereiro de 2023; Aceito: 07 de Fevereiro de 2023

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