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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.27 no.2 Lisboa ago. 2023  Epub 22-Ago-2023

https://doi.org/10.4000/etnografica.13629 

Artigo original

“Abriu minha mente”: transitando entre a infância e a adolescência

“It opened my mind”: transitioning from childhood to adolescence

Jamile Guimarães1  , conceptualização, análise formal, investigação, metodologia, visualização, redação do rascunho original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-2175-1378

1 Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade, Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Brasil, mile.guimaraes@gmail.com


Resumo

Este artigo analisa os processos de transição da infância para a adolescência. A pesquisa etnográfica foi realizada em um bairro periférico da cidade de São Paulo, Brasil, com adolescentes entre 11 e 16 anos. Os instrumentos metodológicos mobilizados foram observação, conversações etnográficas e entrevistas abertas, individuais e em grupo. O convívio com os adolescentes se deu em espaços de sociabilidade e em uma escola pública. A experiência de transição é alinhavada nos discursos e práticas que cotidianamente vão fundamentando a negociação identitária nos meandros das fronteiras simbólicas, sociais e materiais da adolescência. Apesar da tendência de despadronização do curso da vida, culturalmente, papéis e status ainda são formas socialmente reconhecidas de manifestar as passagens entre fases. O aprendizado social da idade é operacionalizado em relações de poder e nos saberes científicos arraigados no imaginário social que tanto estabelecem normas para a constituição de adolescentes quanto sustentam a reprodução de modelos tradicionais de gênero e sexualidade.

Palavras-chave: adolescência; transição; gênero; sexualidade; geração

Abstract

This article analyses the processes of transition from childhood to adolescence. The ethnographic research was conducted in a peripheral neighbourhood in the city of São Paulo, Brazil, with adolescents between 11 and 16 years old. The methodological instruments used were observation, ethnographic conversations and open interviews. The interaction with the teenagers took place in spaces of youth sociability and a public school. The transition experience is based on the discourses and practices that daily ground the identity negotiation within the intricacies of the symbolic, social and material boundaries of adolescence. Despite the tendency to de-standardize the course of life, culturally, roles and statuses are still socially recognized ways of manifesting passages between phases. The social learning of age is operationalized in power relations and scientific knowledge rooted in the social imaginary that both establishes norms for the constitution of adolescents, and supports the reproduction of traditional models of gender and sexuality.

Keywords: adolescence; transition; gender; sexuality; generation

Introdução

O período inicial da adolescência é marcado por um rápido desenvolvimento ocasionado pelo advento da puberdade, pela participação em redes relacionais mais complexas e pelas primeiras experimentações afetivo-sexuais.1 Essas mudanças físicas, sociais, cognitivas e relacionais originam e consolidam novas representações simbólicas durante essa transição de idade. Nessa perspectiva, a transição entre a infância e a adolescência pode ser compreendida como uma transformação das subjetividades, a fim de constituir-se como “mulher” ou “homem” (Bozon 1997; Renold 2005).

A adolescência se torna objeto de investigação das ciências médicas e psicopedagógicas, na Europa, no final do século XIX e início do século XX. Nessa época, as fases da vida eram concebidas como estágios particulares de progressão do desenvolvimento humano. O paradigma do desenvolvimento linear ganhou força a partir do trabalho de Hall (2016 [1904]), que contribuiu para a associação da adolescência a um inevitável período de “tensão (estresse) e tempestade” determinado por imperativos biológicos e psicológicos. Outro autor fulcral a discorrer sobre isso foi Erikson (1994 [1968]), que caracterizou a adolescência como um período marcado por conflitos “naturais”, pela confusão de papéis e pelas dificuldades em estabelecer uma identidade própria entre a infância e a idade adulta.

Afastando-se dessa noção de ciclo de vida, abordagens mais recentes sobre o curso de vida têm trabalhado as transformações experenciadas como efeitos dos processos e das práticas sociais. Nessa esteira, estudos sobre a transição para a idade adulta têm evidenciado a complexidade das mudanças sociais e dos resultados variáveis. Os “padrões” de transição resultam de processos de reflexividade social entrelaçados com contextos de vida, modelos culturais (de gênero, raça, sexualidades, classe, entre outros) e as redes de apoio de que dispõem indivíduos e grupos (Pais 2016 [2001]; Ferreira et al. 2017; Cardozo e Gonzalez 2020).

Isto é, por sua caracterização, a transição tem como cerne os processos tecidos na participação em novas esferas da experiência em que os sujeitos formam valores e novos sentidos de si e do mundo. Uma abordagem geracional 2 permite explorar as maneiras pelas quais o significado e a experiência da idade são moldados por condições sociais historicamente específicas (Mannheim 1993 [1928]). Assume uma perspectiva de análise dinamizada pelas decorrências de experiências passadas e expectativas futuras sobre o grupo, articuladas aos limites colocados pelo contexto social e cultural e às motivações pessoais.

Neste artigo analiso o processo de tornar-se adolescente, lançando luz sobre o modo como se dá a produção de novas subjetividades a partir do aprendizado de normas, representações e práticas sociais que caracterizam essa fase da vida. A experiência de transição é alinhavada nos discursos que cotidianamente vão produzindo a adolescência na interface com diferenças, semelhanças e desigualdades referenciadas por outras categorias de idade. Tal discussão de base geracional também propiciará vislumbrar a apreensão e significação de convenções e saberes sociais de gênero pelos adolescentes, de modo a acessar as condições materiais e culturais em que eles moldam suas identidades de gênero e sexuais.

Aspectos metodológicos

Este artigo resulta da pesquisa etnográfica que realizei, entre 2018 e 2020, em um bairro periférico na cidade de São Paulo com adolescentes entre 11 e 16 anos. O estudo de pós-doutoramento integrou a investigação multicêntrica internacional Global Early Adolescent Study (GEAS), que visa compreender o aprendizado de normas e comportamentos de gênero no início da adolescência em regiões empobrecidas de diversos contextos culturais.

Até ao princípio da década de 1980, o bairro correspondia à área mais ruralizada cujo baixo valor imobiliário atraía novos moradores, a maioria migrantes da região Nordeste. O crescimento rápido e desordenado se fez visível no aglomerado de favelas constituído na expansão territorial do bairro em uma área de mata atlântica, quase totalmente dizimada. A habitação demarca a heterogeneidade socioeconômica local, divide-se entre conjuntos habitacionais populares (novos ou antigos), grandes sobrados em áreas mais arborizadas, vilas com casas sem revestimento externo e até barracos de madeira.

A entrada na comunidade se deu por meio da observação participante em visitas domiciliares com duas equipes de saúde da família da Unidade Básica de Saúde (UBS) que atende o bairro. Essa etapa propiciou caracterizar o cotidiano compreendendo-o em seus diversos aspectos econômicos, culturais e sociais. A constituição de um grupo de colaboradoras entre as agentes comunitárias foi importante para avançar na observação em espaços de sociabilidade. A minha inserção como “estudante da universidade” que estava ali para “conhecer os adolescentes” nesses ambientes deu-se em companhia da filha de 14 anos de uma das agentes e da sobrinha de 15 anos de outra dessas trabalhadoras. Após um levantamento inicial, selecionei para observação duas praças, lanchonetes no entorno e um campo de futebol que meninos e meninas costumavam frequentar com regularidade, especialmente aos finais de semana.

A segunda etapa da pesquisa ocorreu em uma escola pública de Ensino Fundamental II (6.º a 9.º ano). Na época da investigação, a escola tinha 579 alunos matriculados nesse ciclo divididos nos turnos matutino e vespertino. Os espaços de observação foram as salas de aula, os corredores, o pátio e o ginásio poliesportivo. O início da aproximação com os adolescentes deu-se com a frequência em aulas das diversas turmas. Com o aumento das interações, a observação foi se concentrando nos amplos corredores, nas salas sem aulas e no pátio. Estar ali para “conhecer os adolescentes de hoje” certamente serviu para flexibilizar barreiras de idade e posicionar-me como adulta aberta e disponível (interessada) a conversar sobre suas experiências e percepções acerca da adolescência.

Foram realizadas entrevistas e conversações etnográficas com 67 adolescentes, sendo 39 meninas e 28 meninos. As interlocuções seguiram um formato fluido, sendo conduzidas informalmente com perguntas abertas baseadas em um roteiro de tópicos relativos aos temas do estudo. As entrevistas iam acontecendo no convívio regular com grupos de amigos ou para aprofundar discussões sobre temas de interesse da pesquisa que surgiam espontaneamente. A cedência de uma sala de reuniões para as atividades da pesquisa pela coordenação assegurou a privacidade dos estudantes. Eles assimilaram essas ocasiões como oportunidades para confidenciar problemas pessoais e familiares e aprofundar questões de sofrimento psicossocial que vivenciavam.

Os adolescentes tinham entre 11 e 16 anos. A heterogeneidade de tonalidades de peles era tão ampla que faculta colocá-los majoritariamente no espectro da categoria pardos.3 Isso pode estar associado ao grande contingente populacional de origem migrante nordestina na região. A maioria dos adolescentes com quem convivi demonstrava vir de famílias com pouco poder aquisitivo e, consequentemente, de consumo. Em geral, os pais eram trabalhadores assalariados subalternos ou desempregados “se virando com bicos” e/ou “lojinhas” improvisadas nas próprias residências. A maior parte dos jovens se identificou como cis e heterossexual, mas havia alguns gays, lésbicas e bissexuais.

Quanto ao método de análise, os dados foram organizados segundo temas, categorias e casos que refletissem padrões homólogos relativos à experiência de transição da infância para a adolescência. O acervo de notas de campo e de transcrições de conversas e entrevistas foi objeto de uma leitura global que gerou a identificação de temas predominantes emergentes do material, os quais, iterativamente, foram sendo consolidados em temas principais organizados em subcategorias que definiam suas conceituações e elementos característicos. Foram delimitados os seguintes tópicos: definições da adolescência; percepções sobre códigos culturais e regras de conduta; percepções sobre feminilidade e masculinidade; relação com pais/família; socialização de gênero promovida pela família, entre pares e na escola; saúde mental e problemas vividos no início da adolescência.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (número CAEE 10382018.7.0000.5421). A pesquisa foi apresentada aos adolescentes nos espaços de sociabilidade nas ruas do bairro e nas salas de aulas na escola. Informações sobre o projeto e os contatos para o consentimento de pais/responsáveis foram mediados pela coordenação da escola via WhatsApp institucional. Os participantes confirmaram o assentimento por escrito antes do início de cada entrevista. O uso de nomes fictícios nos textos produzidos assegura o sigilo das conversas e o anonimato dos sujeitos.

“A criança não faz nada, só brinca e pronto”: mudar é preciso

Tornar-se adolescente deriva de um contínuo trabalho de negociação identitária nos meandros das fronteiras simbólicas, sociais e materiais com outras categorias de idade. Esse período foi considerado pelos alunos uma “fase muito difícil” por provocar uma profunda transformação: “você muda totalmente… o jeito de pensar, de agir, de falar, de se vestir…. vira outra pessoa praticamente” [Irene, 13 anos]. “Deixar de ser criança”, portanto, refere-se a um amplo espectro de alterações relacionais (interpessoais e sociais), atributos e encargos sociais, enquadramentos subjetivos e questões existenciais que trazem a apreensão suscitada pelo desconhecido, desembocando no “mistério” das novidades com as quais eles (ainda) não tinham ferramentas (habilidades e referencial cognitivo e normativo) para lidar.

O delineamento básico desse processo de transição se aproxima da concepção de Derrida (2016 [1969]) sobre o “indecidível”, que esbate as oposições binárias, deslizando por ambos os polos, mas não se encaixa adequadamente em nenhum deles. O indecidível mina a própria premissa do binarismo ao simultaneamente incluir e excluir os princípios de cada um dos flancos da oposição. Para Derrida, o “indecidível” é “o ‘entre’, seja nomeado fusão ou separação, carrega toda a força da operação” (2016: 220) e admite “em seus jogos tanto a contradição quanto a não contradição (e a contradição e não contradição entre contradição e não contradição” (2016: 221, ênfase no original, tradução minha).

Essa posição liminar é acompanhada de uma luta autoconsciente com as novas formas de identidade (Gordan e Lahelma 2004). O estado de ambivalência era verificado entre aqueles que tinham 11 e 12 anos: eles afirmavam se considerar adolescentes, mas ainda apresentavam traços “muito de criança” ou se definiam como “pré-adolescentes” que seria “adolescente, só que ao mesmo tempo uma criança”. A conservação de uma “mente de criança” estava profundamente associada à manutenção da prática do brincar.

Os limites impostos pela idade cronológica baseiam-se justamente na ideia de que determinadas práticas, ao se tornarem dissonantes/obsoletas, acarretavam riscos: “minha mãe achava que eu era muito crianção… ela sempre falou ‘pára de ser crianção, você vai sofrer na vida… Quem é assim muito criançona fica perdido na vida’ ” [Matias, 13]; “Minha mãe, meu irmão sempre fala que se eu continuar sendo do jeito que eu sou hoje, daqui a uns anos eu não vou ter mais nenhum amigo” [Júlia, 12].

Apesar de mencionarem essas repreensões familiares, eles não conseguiam estabelecer uma ligação entre essas “conversas”, “conselhos”, “alertas” e suas percepções do que seja ser adolescente. Os adolescentes afirmavam ter parado de brincar “do nada”, “perde o interesse, perde a graça”. Não obstante, vários deles assinalaram que seguir brincando na nova idade era motivo de “vergonha”. Esse achado converge com a literatura sobre socialização que aponta a introjeção das normas sociais como em grande parte inconsciente, fazendo com que as restrições sociais pareçam óbvias ou fruto de escolhas individuais (Jeffrey 2015; Guimarães 2018).

É destacável a homogeneidade da representação social da adolescência e do adolescente. Mantém-se consolidado no imaginário social o modelo de “adolescência normal” fundamentado por uma concepção construída e situada na modernidade, um tempo histórico no qual o equilíbrio e a ordem, a estabilidade e a coerência se tornaram a norma e o objetivo da sociedade e dos indivíduos (Maldonato 2014). A adolescência seria o momento em que o indivíduo assume para si a responsabilidade por seu projeto existencial e pela definição de si próprio, de sua identidade (Lesko 2012).

Entre os participantes da pesquisa a categoria adolescente foi consistentemente definida como “responsável” e “maduro”, edificada por uma “mudança de mentalidade”. “Amadurecer” corresponde a um movimento reflexivo sobre as próprias atitudes e comportamentos que perfaz a compreensão do que é certo e do que é errado. Converter a introspecção em hábito lhes facultaria “conseguir enxergar, entender melhor as coisas”, de maneira a “começa[rem] a se preparar pro que vem pela frente”, “aprendendo a se desenvolver”.

A formação de uma “noção do perigo” cumpre o abandono de um modo de agir menos impulsivo em favor da maior prudência no enfrentamento de situações/relações vividas. Ultrapassar as “bobagens” infantis também envolve performances de mostrar-se exemplar, nas quais buscavam se colocar como “melhores” perante pares e adultos. Isto porque deixar de ser criança significa começar a cuidar de si, a entender determinadas regras sociais e a participar de um conjunto de repertórios essenciais para viver por si mesmos em sociedade.

A “responsabilidade” era compreendida como sustentáculo da experiência e da própria negociação do ser/tornar-se adolescente. Ter responsabilidade manifesta-se pela assunção de tarefas domésticas e pelo comprometimento com uma conduta mais cordata.4 A relevância atribuída à maturidade é ilustrada nesse trecho de conversa em grupo:

“Jamile: Mas o que é amadurecer? Como é que vocês sentem que estão amadurecendo?

Elisa [14]: Quando você é criança, não ‘tá nem aí pra nada, você faz o que você quiser. Agora, quando você cresce, você evolui, tem que pensar duas vezes pra você fazer aquela coisa. Você tem que parar pra pensar se é realmente aquilo que você vai fazer.

Pedro [15]: É porque a responsabilidade aumenta, as consequências são maiores conforme você vai crescendo. Você vai deixar uma criança de castigo cinco minutinho no cantinho da parede, ela vai correr de novo. Agora, conforme você for crescendo o castigo vai ficando mais longo e até os erro mesmo é maior… Roubar, usar drogas…”

Aprender a controlar e a conduzir a própria conduta incide no desfrute de oportunidades de viver com mais liberdade, com a permissão familiar para circular por outros bairros e passear com grupos de amigos aos finais de semana (a partir dos 14 ou 15 anos). Aflui o uso corriqueiro da expressão “abriu minha mente” para significar a chegada à adolescência sintetizando a noção dessa fase como o prelúdio de produção de uma vida autônoma. O desejo por “ser dono do próprio nariz” concerne ao ímpeto “por descobrir, querer aprender coisas novas, sobretudo, sobre a vida”, por isso eles manifestaram uma apreensão em “ficar preso” e não desenvolverem recursos para cuidarem de si na vida adulta.

A perspectiva de futuro era impulsionada pela emergência da questão “o que que eu vou fazer da minha vida?”, que parecia aguçar esse sentido de premência da ação. O entendimento de que a independência financeira alicerça sua autonomia e liberdade situa o futuro no campo da realização das oportunidades geradas pelo esforço pessoal. Vários dos estudantes dos últimos anos (especialmente do 9.º ano, de 14 e 15 anos) já delineavam um projeto profissional,5 participando de cursos de idiomas (inglês, espanhol) e formação técnica que lhes possibilitassem sobrepujar um mercado de trabalho progressivamente restrito; sobretudo para jovens pobres que possuem condições de educação e possibilidades de trabalho mais precarizadas (Melsert e Bock 2015; Bernardim e Silva 2016).

Assim como mostrado em outros estudos com jovens de segmentos populares (Heilborn e Cabral 2006; Heilborn, Faya e Souza 2014), esses adolescentes trafegavam por um modelo de transição condensada para a vida adulta. Podemos falar de uma compressão do tempo disponível para experimentação de identidades e papéis diversos ou mesmo da obliteração de espaços/condições para o fazer, já que eles não consideravam dispor de muita margem para equivocar-se ou explorar modos de ser. Além do anseio por “ter as próprias coisas”, o direcionamento precoce à integração ao mundo do trabalho pode ser sintetizado em uma frase de André [13]: “é pra gente conseguir se encaixar em algum lugar da sociedade”.

“Adolescência é quando começa a complicar a vida pra você virar adulto”

O advento da adolescência marca uma significativa inflexão no relacionamento com os pais. O redirecionamento nas preocupações e na maneira de cuidar é notado tanto na divergência de concepções, práticas e valores intergeracionais, quanto na própria representação da adolescência como fase de preparação para o futuro a ser conduzida por adultos ou instituições a partir de normas e regras preestabelecidas.

As famílias exercem pressões sociais normativas em prol da realização de certos marcos biográficos convencionados como “normais”, associados a padrões, regras e expectativas sociais convencionadas à idade; tidos como necessários para lograr um curso de vida feliz (Henning 2016). Destaca-se ainda a própria dificuldade dos pais em lidar com as mudanças vividas nessa fase e em criar condições para a aprendizagem de competências que permitirão aos filhos viver de forma independente. A educação baseada na prescrição normativa pouco informa o como fazer, se concentra na explicação acerca da natureza dos riscos e dos perigos.

A “pressão”, a “cobrança” exercida pelos pais era interpretada pelos jovens como incompreensão. Os desafios enfrentados na educação escolar (maior dificuldade e exigência no novo ciclo), no convívio com os pares e no desenvolvimento da sexualidade eram frequentemente minimizados, considerados “frescura”, “coisa de que não tem o que fazer”. Foram escassos os comentários sobre pais perceberem comportamentos “diferentes” e/ou conversarem sobre seu bem-estar e a vida escolar. De modo geral, na descrição da relação com os pais sobressaiu um profundo sentimento de abandono delineado nesse desinvestimento de presença, do afeto e do apoio emocional.6

“Pelo jeito que eles te tratam, você acaba pensando que não pode confiar nem nos seus pais, a ponto de eles te abandonar. Eu tenho esse pensamento de que a qualquer momento minha mãe pode me falar que não me quer ou me mandar embora, e eu estar sozinha no mundo. Então eu sempre penso que eu só tenho eu.” [Diana, 14]

“Meus pais eram legais, só que quando eu viro adolescente e eu faço alguma coisa errada eles brigam e aí eu acabo me sentindo culpado… fico triste, magoado…” [Luís, 11]

A “dor” que emerge desse processo de afastamento foi considerada desencadeadora de problemas de saúde mental, como “ansiedade” e “depressão”, convergindo com discussões desenvolvidas pela literatura especializada da área (Mmari et al. 2018; Blum, Li e Naranjo-Rivera 2019). Para muitos deles, a escola se estabeleceu como espaço de acolhimento:

“Quando a gente fala de mostrar uma coisa na escola e outra em casa, é justamente porque a pessoa dentro de si passa um transtorno: em casa, tem que se mostrar uma pessoa forte, tem que ficar ouvindo calado porque se você falar pode dar muita confusão… e a gente sofre muito isso! E quando a gente vem para escola é até bom. Aqui é mais tranquilo, a gente tem convívio com outras pessoas, tem amigos, tem com quem conversar, trocar uma ideia diferente… e tem gente que não tem nem isso com mãe, com pai, irmão.” [Catarina, 14]

Amigos e colegas de turma consubstanciavam uma rede de solidariedade que fornecia contínuo apoio emocional e afetivo. A “turma” percebia dias de tristeza e desesperança e tentava alegrar o companheiro com conversas e brincadeiras. Esse laço se fortalece à medida que vão se conhecendo com o avançar dos anos escolares. Por vezes, faziam entre eles próprios rodas de conversas sobre problemas familiares, depressão, suicídio. Os momentos de interajuda operavam como espaços de promoção do cuidado, da liberdade e de posicionamento; demonstrando grande relevância educativa ao estimular habilidades sociais e a construção de sentidos acerca de suas crenças, aspirações, medos, ansiedades - sentimentos estreitamente relacionados à construção da identidade (Guimarães e Lima 2012). A importância desse suporte coletivo foi salientada por recém-ingressos na escola que careciam desse apoio e partilha de experiências. “Guardar” para si as adversidades experienciadas exacerbava a desilusão, ideações suicidas, sintomas de depressão e a própria sensação de solidão.

A “ansiedade” que os adolescentes constantemente afirmavam sentir emergia, sobretudo, do peso da complexa empreitada de produzir o “cuidar de mim”, enquanto desfecho da “responsabilidade”. Acresce o sentimento de insegurança advinda da necessidade que se sente em materializar e objetivar o status reivindicado. Como disse Pedro [12]: “Você tá pegando responsabilidade, mas também é que você é cheio de problema. Cai tudo em cima porque você sabe que a partir de sair da adolescência já vai pra fase adulta. E a adolescência também não demora assim muito… e você vai ter que trabalhar, sair de casa…”.

O acúmulo de “estresse”, “nervoso” na transição também foi associado à perda da “inocência” que ocorre quando deixam de “imagina[r] o mundo de uma forma bondosa”, “cor-de-rosa”; é o descortinar das “maldades do mundo”. Além dos problemas familiares, o pouco domínio sobre matérias da adolescência e o bullying na escola apareceram como principais causas da “depressão”; um dos temas mais recorrentes nas conversas mantidas com os adolescentes. Em consonância com uma série de estudos que apontam o aumento de índices de depressão no início da adolescência (Mmari et al. 2018; Blum, Li e Naranjo-Rivera 2019; Gniewosz e Gniewosz 2020).

O bullying foi mencionado como mais frequente e intenso nessa fase. De fato, tais práticas de intimidação/aviltamento passam a ser mais mobilizadas na construção e afirmação da identidade de gênero e da idade entre pares. O bullying mobiliza representações sociais hegemônicas para rechaçar a diferença (etarismo, força física, classe social, gênero, raça), contribuindo para a definição das categorias, posições e fronteiras sociais que estruturam a desigualdade dentro do grupo (Guimarães 2018).

Cabe assinalar o uso corrente de transtornos/doenças mentais como “fobia social”, “depressão”, “ansiedade”, “nervosismo”, “mudanças súbitas de humor” para definir e expressar sentimentos/emoções, atitudes e condutas pessoais. A disseminação de noções e classificações psicológicas e psiquiátricas na sociedade contemporânea desvela novos sentidos do adoecimento mental incorporados na vida cotidiana a partir da naturalização de diagnósticos e da ampliação do espectro da anormalidade, englobando uma categoria extensa de “sofrimento mental” (Fonseca e Jaeger 2012). De igual modo, mantém-se o referencial do modelo de adolescência que a considera uma fase de “crise normal” ou um “estado patológico normal”. A normalidade da instabilidade emocional, das tensões e ansiedades derivaria dos riscos e lutos necessários para que identificações anteriores sejam abandonadas (Lesko 2012; Maldonato 2014). O arraigamento desses saberes no senso comum é perceptível na interpretação que os adolescentes faziam de suas próprias ações e vontades como determinadas pelas mudanças hormonais e fisiológicas da puberdade. O próprio enquadramento que fizeram da adolescência partia da ação dos hormônios enquanto fator de distúrbios comportamentais e desordem emocional.

A culpa é dos hormônios: percepções de gênero no início da adolescência

A adolescência é um período marcado por uma intensa assimilação de representações, valores e expectativas de gênero, rituais de interação e de práticas que modulam as condutas de meninas e meninos (Gagnon e Simon 2017 [1973]; Moreau et al. 2019). A internalização, mais ou menos consciente, de discursos e representações de gênero encerra um processo de sua naturalização como referência, ou mesmo justificativa para comportamentos explícitos dos sujeitos.

Nesta seção, debruço-me sobre o modo como discursos e atos performativos circulam no contexto e contribuem para o processo de construção de identidades de gênero dos adolescentes. Esses discursos atuam na operacionalização da estabilização entre o corpo e a imagem daquilo que se espera desse corpo. Alinho com a concepção de Butler de que o gênero é um elemento definidor de inteligibilidade da cultura, “não se pode dizer que os corpos tenham uma existência significável anterior à marca do seu gênero” (2015 [1990]: 27). Assim, a maneira como os corpos são lidos reflete um aprendizado gradual dos códigos que permeiam a delimitação de fronteiras simbólicas e de distinção entre os gêneros (Heilborn et al. 2006; Cabral e Brandão 2021).

Entre meninas e meninos, experiências de adolescer relacionadas à puberdade foram significadas a partir de uma diferenciação generificada que reproduz narrativas hegemônicas de naturalidade do binário de gênero e de discursos ideológicos sobre como certas práticas e posições seriam inerentes aos homens ou às mulheres. O paradigma biomédico aloca-se no imaginário social em que diferenças sexuais baseadas no organismo biológico (hormônios, fisiologias masculinas e femininas, etc.) referenciam/justificam diferenças sociais produzidas no corpo, tais como variações de habilidades, padrões cognitivos e de sexualidade (Fausto-Sterling 2020 [2000]). Levar os estereótipos de gênero para o nível das células os faz parecer ainda mais naturais.

O processo de distinção social produz-se a partir da constituição de corpos femininos e masculinos: se para os rapazes a puberdade é um marco do tornar-se homem e advento da fruição juvenil, para as garotas ela traz um corpo frágil e limitante, essencializado por efeitos da menstruação, da tensão pré-menstrual (TPM) e do desenvolvimento dos seios. Conforme ilustram esses trechos de entrevistas:

“A mulher desde muito nova já tem que passar por várias coisas, que homens não têm que passar. […] É ruim ser mulher porque a gente tem TPM. E quando a gente tá de TPM a única coisa que a gente quer é comer e ficar quieta no canto.” [Gisele, 13]

“Gael [14]: Eu amo ser homem. Graças a Deus. Ainda bem que Deus me fez homem. Porque mulher sofre muito… fica lá ‘ai, eu tô com cólica, ai eu tô com dor’.

Sara [16]: TPM.

Gael: É, esses negócios chato. Mas ser homem é muito da hora, pode curtir um pouco mais! Mulher quando ela tá num momento chato da vida ela não pode sair. Nós não têm momento chato, é só chegar lá e sair. Martim [15]: É, não sente nada [todos riem].”

Os sintomas e sensações desagradáveis provocados pela menstruação (cólica, inchaço, ficar “melada”, manchar a roupa) foram apontados por meninas e meninos como a “parte negativa” de tornar-se adolescente e de ser mulher. Ainda que tenham relatado sentirem-se “confusos” com alterações (hormonais) ocasionadas pela puberdade, os garotos são beneficiados por adquirirem traços que denotam masculinidade, como “força” física, “bigode”.

Sob um prisma simbólico e da linguagem, o determinismo biológico constitui um recurso discursivo e cultural que confere significados às experiências das pessoas. As diferenças sexuais contribuem para a modulação de subjetividades femininas e masculinas configurando o aprendizado de determinadas orientações morais e atributos “típicos”. Esse arcabouço interpretativo ecoa na percepção das desigualdades entre meninas/mulheres e meninos/homens.

Elas não consideravam ter “direitos iguais” aos dos garotos e revelaram uma sensação de impotência associada às escassas oportunidades para desenvolver capacidades diversas. O peso conferido ao “respeito às mulheres” pelos homens referia-se às experiências de rebaixamento moral e de desrespeito que estão na origem da formação distorcida de suas identidades. Ser mulher era percebido como desvantajoso por permanecer imbricado a subjugações, a violências e às restrições culturais que já lhes são impostas:

“Desde criança a mulher já faz um monte de coisa. Quando cresce a mulher tem que, como que fala, tem que resistir aos preconceitos. Porque dizem que mulher não pode ter pelo na perna, a mulher não pode ter pelo aqui [mostra a axila] porque é feio. A mulher tem que se preocupar em cuidar de criança, se preocupar em arrumar a casa, em fazer comida, ela tem que se preocupar com muita coisa. Mulher é mais fácil de pegar doença do que homem. Essas coisa tudo!” [Rita, 13]

Essa discussão é particularmente importante, pois é no início da adolescência que as trajetórias de meninas e meninos começam a divergir mais fortemente em termos de independência, mobilidade, escolaridade e responsabilidades domésticas (Ribeiro 2006; Mmari et al. 2018). Deixar de ser criança retira o privilégio da liberdade e expressividade das garotas, que devem suprimir algumas das características e condutas consideradas masculinas ou mais toleradas aos garotos (Gordan e Lahelma 2004). A “preocupação” dos pais com as filhas inscreve-se no entendimento de que meninas são mais vulneráveis a violências e adversidades. Elas passam a navegar entre representações complexas de idade, feminilidade, sexualidade e classe social, devendo trabalhar em seus corpos e vestimentas em busca de uma ideia de respeitabilidade. Muitas delas expressaram “medo” de circular pela rua “por ser menina”. O receio de sofrer “assédio” e/ou “ser abusada” tem como antecedente os imoderados “olhares” a que são submetidas quando passam a exibir corpos curvilíneos.

“Eu me senti mal, não queria mudar, queria ficar criança pro resto da minha vida. Era muito ótimo, eu podia correr do jeito que quiser, podia andar pelada que ninguém ia olhar pra mim, ‘ah, é criança’. As pessoas vê que a gente mudou e começa a olhar a gente de um jeito diferente, começa a falar coisas que a gente não entende o porquê.” [Yolanda, 13]

O assédio sexual na rua é uma forma de violência de gênero e uma violação dos direitos humanos que limita a mobilidade e o acesso aos espaços públicos. Nessa situação de assédio confunde-se o direito ao espaço público com um privilégio masculino de dispor das mulheres e de seus corpos. A objetificação sexual as expõe a outras formas de controle social como comentários públicos sexistas e a regulamentação de um código de vestimenta estrito (Sola-Morales e Zurbano-Berenguer 2020).

Os códigos de vestimenta, como o vigente na escola pesquisada, integram uma preocupação cultural mais ampla com a definição de sexualidade aceitável (Raby 2010). As meninas percebiam (e questionavam) ter menor controle sobre o próprio corpo do que os rapazes, já que a priori eram impedidas de vestir-se e movimentar-se como queriam. Essas regras também abrangiam as professoras, que costumavam usar um avental por cima da roupa para disfarçar suas formas corporais. A justificativa apresentada pela direção da escola foi a de evitar conflitos, assédios e constrangimentos ocasionados pelo despertar do desejo sexual dos rapazes.

Esse cenário contrasta com a centralidade do corpo na produção da aparência pessoal na contemporaneidade. A exposição contínua a imagens sexualizadas de meninas e mulheres na mídia enseja a introjeção da atratividade sexual como um aspecto da identidade feminina (McKenney e Bigler 2016). A busca pelo padrão de corpo difundido apareceu nas falas de várias das adolescentes. As roupas “justas” (short, top e regata cropped) eram marcadores que as afastavam de uma feminilidade infantil (assexuada). Conforme alguns comentários, a roupa provocante pode remeter ao desfrute de liberdade de expressão, desafio e/ou individualidade. Entretanto, tal posição era minada por discursos de autorrespeito e de feminilidade “normal”. A ênfase na ideia de “respeito próprio” termina por tensionar a produção de identidades de gênero, já que impõe uma disciplina e individualiza os corpos dessas adolescentes.

A persistência da crença cultural de que as mulheres são portadoras da moralidade e a compreensão de que essa moralidade é mantida no corpo feminino, contrapõe-se a sexualidade dos garotos entendida como um impulso incontrolável de ordem hormonal (Heilborn et al. 2006). Os rapazes também beneficiam de uma configuração cultural que concebe a circulação no mundo da rua e o domínio sobre o entorno social como elementos fundamentais na construção da masculinidade, sobretudo no universo das classes populares (Heilborn, Faya e Souza 2014). Isso reflete na assimetria de mobilidade entres os gêneros: as rotinas de meninos e meninas diferiam quanto a extensão de liberdade e obrigações atribuídas pelos pais. Se, de modo geral, ambos ocupavam grande parte de seu cotidiano extraescolar nas tarefas domésticas e “mexendo no celular” (em redes sociais, assistindo séries e filmes), aos garotos era permitida alguma movimentação pela rua, jogando futebol e andando de bicicleta, enquanto as meninas tendiam a ficar restritas aos ambientes domésticos.

A crescente pressão para que se adaptem aos “papéis” de gênero é pronunciadamente situada no advento da menarca.7 Percebida como uma passagem do status de criança para o de moça, a menstruação irrompe a tomada de consciência do corpo e da sexualidade feminina. De modo prático, ela significa um chamamento à adoção de um comportamento mais recatado e responsável e, portanto, assinala alguma abertura das mães para prestar informações e trocar experiências sobre contracepção, relacionamentos amorosos e regras de conduta feminina com as filhas. As limitações de mobilidade, de vestimenta e do gestual são contextualizadas por discursos sobre o ardil (“golpe”, “traição”) masculino, os efeitos perniciosos da maternidade adolescente na trajetória de vida 8 e a valorização da virgindade como virtude - bem precioso da mulher -, que suscitam à contenção do desejo sexual (Pacheco et al. 2007; Hallman et al. 2015).

Os meninos não contam com um marcador da transição tão “tangível”. A maioria deles identificou a iniciação sexual como um marco de transição entre a infância e a vida adulta. Tal noção deriva da afirmação da própria identidade de gênero e sexual: “começar a descobrir o que é o sexo”, incluindo o corpo como fonte de desejo e prazer e o despertar para o interesse amoroso/erótico (Rebello e Gomes 2009).

Eles pareciam menos informados sobre conteúdos relacionados com a sexualidade. O cariz tradicionalista da educação sexual familiar é observado na divisão sexual estabelecida: a priori, a instrução dos garotos era de incumbência paterna. Entretanto, o relativo alheamento do pai da educação familiar - ainda um encargo feminino - resultava em uma comunicação mais escassa e superficial (sem partilhas de experiências). Essa lacuna de orientação não chegava a ser atenuada pelos “conselhos” prestados pela mãe, já que se circunscreviam a “trata[-los] como um risco de sair engravidando todo mundo” [Inácio, 15]. Assim, em comparação com as meninas, as narrativas dos garotos pontuavam um maior estranhamento e “confusão” com a semenarca:

“Fernando [14]: [ejaculação] comigo foi estranho… eu falei pra minha mãe, aí ela falou que era normal… quando aconteceu. Jamile: Ela lhe orientou de alguma forma? Fernando: Só falou que tinha que tomar cuidado [para não engravidar alguém], mas eu não sabia o que era. Sabia mais ou menos, mas não sabia que podia engravidar aquilo… Jamile: Ela disse a você que aquilo era ejaculação? Fernando: Não, só disse pra tomar cuidado. Eu queria falar algumas coisas, mas sei que ela não vai entender, então… queria que meu pai fosse presente do meu lado pra eu falar dessas coisas com ele, mas…”

Apesar das modificações físicas serem bastante aguardadas (especialmente o crescimento peniano), para muitos deles, o rápido desenvolvimento corporal e a emergência da dimensão erótica trouxeram uma sensação de perda de controlo sobre o corpo:

“[…] na puberdade, você fica do nada pensando em coisas erradas [sexo] [risos] e mesmo que você não pense, vai ficar meio disperso e vai do nada pensar. É muito ruim isso.” [Gael, 14]

“[…] às vezes cê acorda com o pênis [ereto]. Aí cê fica bravo porque tenta mijar, mas não consegue. Não dá! E o homem ele é ansioso, não consegue frear. Se a menina chega em você, encosta mais em você, o homem já fica com tesão. Aí é muito ruim porque… num tá na hora certa.” [Rui, 13]

A ausência de uma vocalidade sobre a própria sexualidade reflete na dificuldade expressa em falar sobre si e de refletirem sobre suas experiências sem a mediação do objeto “menina”. Muitos dos ritos de iniciação sexual e jogos entre meninos consistem em relatar façanhas sexuais (não importa serem reais ou não), performando uma disputa de poder, reconhecimento e popularidade (Jeffrey 2015; Gaussel 2016). A objetificação das meninas igualmente apareceu associada ao consumo de pornografia como fonte de letramento em relação às práticas sexuais pelos rapazes. Segundo Poulin (2000), a pornografia informa “o que é” e “o como fazer” em meio a celebração da mulher disponível e do sexo sem a perspectiva relacional, isto é, do prazer do outro. Tradicionalmente voltada ao público masculino, a pornografia evoca o controle e a dominação que introjetam um senso de superioridade sobre as mulheres, configurando uma ode à virilidade, isto é, à força física e à rudeza.

Neste trecho de entrevista, vemos como a “chacota”, “zoação” e/ou reprovação escamoteiam desdobramentos de um ideal de masculinidade “tradicional” que referencia “dureza de espírito” e “ausência de hesitação”. Esse significado do ser homem traz no âmago uma recusa sistemática de profundidade (Almeida 1996). Nessa perspectiva, o par conceitual honra-vergonha aparece como componente importante na construção social da masculinidade:

“Jamile: Mas vocês falam muito entre si, né? [meninos negam] Pedro [15]: Chegar lá ‘hoje eu acordei e o bagulho tava assim?’. Os cara vai te tirar como putão. Jamile: O que é putão? [risos] Nuno [14]: É safado. Jamile: Essas coisas não fazem parte da vida? Pedro: Faz parte, mas… É pessoal. Homem não vai falar de homem pra homem. […] Jamile: Vocês não compartilham com os amigos as próprias experiências? Pedro: É, nóis tá aqui numa roda de meninos e fala de [meninas] quem vai e quem vem. Tipo, ‘já peguei a Larissa’, ou ‘que menina feia, jesus amado, se bater a cara no poste ela melhora’. É essas coisas… Jamile: Por quê? Pedro: Se eu dizer… ‘pô mano, peguei uma menina outro dia e tá coçando até hoje… Será que ela não tinha bicheira?’, os cara fica rindo de nóis, nóis faz piada… Jamile: Com quem que vocês conversam? Como é que vocês têm informação? Pedro: De algum jeito nóis passa por cima e fala com os cara! Eu não vou chegar na minha mãe e falar ‘peguei uma menina e nasceu umas bolhinhas no meu pênis’. Não dá certo! É a minha mãe! Nuno: Colocar camisinha eu aprendi sozinho porque eu vi pelo [folheto] do posto… Pedro: Cara, tem um buraco no bagulho… Nuno: [risos] Não, eu sei, tem segredo, às vezes, você pode colocar ao contrário.”

Se nos espaços de homossociabilidade a virilidade é exibida, corrigida e modelizada (Welzer-Lang 2001), foi possível observar que o sentimento de “confusão”, citado por muitos dos meninos, costumava ser atenuado pela participação em grupos mistos de amizade. Esse grupo de amigos atuava como importante recurso para aprender a lidar melhor com a atração, experimentação e relacionamentos afetivo-sexuais; para conhecer esse “novo” outro tanto excitante quanto desconcertante. A fluência relacional proporcionava certa leveza no trato da sexualidade, promovendo espaços seguros e redes de apoio que ascenderam, inclusive, à não conformidade e à abertura de gênero.

As marcas da heteronormatividade: os (des)caminhos da (homo)sexualidade

Os pressupostos acionados pelas interpelações cotidianas da sexualidade atribuem à heterossexualidade um caráter natural e evidente. A heteronormatividade torna a heterossexualidade compulsória e normatiza o comportamento humano segundo uma concepção de gênero restrita, fixa e binária. Assim, a heteronormatividade expressa as expectativas, demandas e incumbências sociais em um conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controlo, como forma de manter a ordem heterossexual (Miskolci 2009).

De modo geral, os adolescentes mostraram-se divididos quanto à percepção da naturalidade da heterossexualidade. Principalmente as meninas apontaram um cenário contemporâneo de fluidez das práticas sexuais, colocando em xeque a estabilidade da norma gênero-sexualidade-desejo na definição do que é ou não “normal”. Já os garotos - especialmente os de 14 e 15 anos - mostraram-se mais alinhados ao ideal normativo de sexualidade, com evidente desconforto e objeção moral à homossexualidade. Este trecho de entrevista com um grupo de amizade misto exemplifica ambas as percepções:

“Felipe [15]: Interagir até que é normal, mas é meio chato ver duas pessoas se esfregando assim na sua frente. Matias [14]: Eu acho que tem que ter respeito com todo mundo. Eu mesmo tenho um amigo gay, mas tiro foto [com ele], tudo normal. Não sou preconceituoso. [mas] Às vezes, nóis faz umas brincadeiras, eu mesmo já fiz brincadeira de mau gosto pros outros. Elisa [14]: Acho normal, até eu já beijei mulher… [risos] Júlia [14]: A vida é da pessoa e a pessoa faz o que ela quiser. Agora não tem mais ‘regras’, antes era bem rígido isso, era o que tava na Bíblia. Agora não existe mais isso de ‘é mulher com homem e homem com mulher’, as pessoas são mais livres pra seguir o desejo.”

Ainda que a rejeição à homossexualidade seja culturalmente preconizada para ambos os gêneros, são esperadas atitudes distintas para homens e mulheres. A interface da homossocialidade na produção da identidade masculina, em menor ou maior grau, torna imperativo negar aproximações de características femininas e afastar qualquer traço de atração homossexual (Louro 2000; Butler 2015 [1990]). Muitos dos relatos dos garotos informavam incompreensão e intolerância relativa às práticas homoafetivas (condicionada ao ocultamento de expressões de afeto e traços de homossexualidade). O estranhamento e o desconforto relatados “com dois homens se beijando” era colocado no plano da antinaturalidade (abjeção) daquele ato.

Entre os sujeitos LGBTQIA+, o bullying homofóbico foi sistematicamente citado como impulsionador de sofrimento psíquico (“tristeza”, “baixa estima”, isolamento), mas também de determinação de uma posição social marginal na ordem do precário e do desprezível (Pocahy e Nardi 2007). A desqualificação e a violência ocorriam por meio da ridicularização, por apelidos e estórias depreciativas. O criticado silêncio da escola sobre a questão da diversidade sexual está alinhado com a persistência de uma educação sexual restrita à disciplina de “ciências”, que foca nos aspectos biológicos e reprodutivos com o ensino do corpo humano.

No ambiente familiar, os pais costumam considerar a sexualidade algo ensinável e modelável. Desde a infância socializam os filhos para adequação a um molde heterossexual rígido (Solebello e Elliott 2011; Soliva e Silva Júnior 2014). A violência verbal e o assédio psicológico eram mobilizados como estratégias para difundir visões de mundo, representações e sentimentos negativos em relação à homossexualidade, fixando-a como errada. As marcas de gênero imputadas na infância transmutam-se em memórias traumáticas que guiam experiências de desenvolvimento da sexualidade mais contingentes. Esse processo gerou trajetórias diferenciadas conforme a repressão ou a revelação da homossexualidade. De modo geral, os primeiros movimentos de descobrir-se homossexual ocorreram por meio do silêncio e da vergonha. O “armário” se constitui como estrutura definidora da opressão homossexual implicando uma forma singular de experienciar o mundo por meio de um intrincado esquema de cálculos e levantamento de possibilidades de viver (Sedgwick 2008 [1990]). A supressão do desejo afetivo-sexual culmina na produção de identidades de gênero “incertas”, como alguns pontuaram:

“A pessoa desde nova já começa a demonstrar aquilo que ela vai ser, só que quando os pais não aceitam alguma coisa, tentam mudar de todas as formas. Eles brigam com a criança. Isso aconteceu muito comigo. Eu sempre gostei mais de ficar com os meninos do que com as meninas porque elas só queriam brincar de boneca, ficar dentro de casa, escrevendo cartinha de amor, falando de menino e eu odiava brincar isso. Eu queria jogar bola, brincar de pega-pega e só os meninos que queriam brincar disso. Aí ela parou de deixar eu ficar junto com os meninos. […] minha mãe sempre quis que eu fosse uma menina muito delicada. Só que eu não era assim e ela ficava supernervosa e isso vai criando um trauma na criança porque ela acha que aquilo é errado… Ela brigava muito comigo, era muito, muito agressiva. Ela falava que as professoras na escola falavam que eu parecia um menino, que tinha que mudar e isso foi me deixando muito chateada e por um tempo eu falava que não precisava de ninguém, que só precisava de mim mesma, que eu não ia ligar pra opinião dos outros, mas falava isso porque a opinião de algumas pessoas tinham me afetado muito. […] Desde pequena minha mãe já forçava muito essa barra de gostar de menino… Eu reprimi tanto [o desejo por menina] que hoje em dia eu nem sei… [se sinto mais]. Isso se passa até a pessoa conseguir ir embora de casa e se envolver com outras pessoas que ajudem se abrir. É por isso que quando as pessoas começam a se desenvolver mais na adolescência ou realmente se fecham ou resolvem se abrir totalmente e ser aquilo que elas quiserem.” [Luzia, 13]

Para aqueles que terminaram por “reprimir” o interesse por pessoas do mesmo sexo este ainda figura como uma possibilidade futura, cuja confirmação está condicionada à experimentação homoerótica. Grande parte deles afirmou que a dissolução dos laços familiares lhes parecia muito mais dolorosa do que a manutenção de uma relação marcada pela desconfiança e pela censura. O depauperamento da descoberta de si e da experimentação colide com a importância que a identidade sexual e de gênero tem assumido na percepção de si dos jovens na contemporaneidade (Mora e Monteiro 2013). A “interrogação” torna-se parte integrante de sua constituição como sujeito. Enquanto para os adolescentes que já haviam se assumido homossexuais a adolescência representa um período de construção de sua identidade sexual.

Em vários dos lares, a manifestação pelo filho de traços associados à homossexualidade chegou a provocar uma fissura na dinâmica da família. Assumir a homossexualidade acarretou maior precarização de vínculos familiares, convergindo numa experiência de solidão e de incompreensão enquanto ser abjeto (Lionço e Diniz 2008; Solebello e Elliott 2011). Além disso, alguns deles ainda padeciam com agressões verbais e/ou físicas de pais que não os aceitavam. Apenas um estudante afirmou ter aceitação e viver uma relação harmônica com “certa cumplicidade” com os pais [Marcelo, 14]. O “medo de apanhar” e/ou ser “expulso/a de casa” gerava “ansiedade”, “raiva”, “depressão”, “vontade de se matar” e/ou “de se cortar”:

“Eu sofro muito com isso [ser gay]. Tem dias que dá vontade de não levantar da cama, tem dia que dá vontade não fazer nada, só ficar dentro do quarto escuro. […] Agora já me aceitei, mas tinha um tempo que eu não falava [se algum colega perguntasse]. Eu fugia muito da minha sexualidade, das pessoas. Ainda fujo de algumas pessoas porque é motivo pra virar chacota […]. Eu tenho que sentir atração por meninas porque o contrário é algo errado, totalmente abominável, eu sou um monstro pra sociedade. A aceitação da sociedade é muito complicada. A aceitação tá indo, não totalmente, mas agora tem lei. Agora tem gente que olha os exemplos por fora e fala ‘eu posso também’.” [Miguel, 15]

Ainda que a pluralidade de maneiras de fazer-se “mulher” ou “homem” aponte novas perspectivas de prazeres e desejos, formas de relacionamento e estilo de vida, o conjunto de convenções e saberes sociais que ensinam modos de ser e disseminam normalizações e padronizações de sujeitos e condutas ainda produz um certo lapso referencial para aqueles que escapam às normatizações hegemônicas, o que traz desorientações e sofrimentos nas relações com os pares e com adultos. Por isso, esses adolescentes expressaram a necessidade de confrontação de crenças familiares, especialmente religiosas, que consideram “preconceituosas”, “hipócritas” e divergentes da realidade contemporânea. Trata-se de buscar desconstruir a ainda vigente associação da homossexualidade a noções de desvios e perversões que supostamente implicam riscos à normalidade social.

Considerações finais

Neste artigo lanço um olhar transversalizado para a fase de transição da infância para a adolescência. Observo que a predominância de uma visão naturalista e universalizante da adolescência nesse contexto tem importantes implicações nos comportamentos e no imaginário que sustentam o ser “adolescente”. A tensão é instaurada pela assimilação do paradoxo de construir uma identidade coerente em uma fase socialmente definida por turbulências e crises.

A constituição da definição de si e do projeto existencial é permeada pela internalização das pressões sociais normativas associadas à complexa empreitada do cuidar de si. Mais do que encaixar-se em um padrão de comportamento socialmente desejável, cuidar de si é suportado pelo desenvolvimento de um conjunto de características e competências que definem o ser “adulto”. Esse processo de preparação e de construção da adultez é experienciado precocemente e percorrido individualmente.

Ainda que contassem com o apoio emocional e afetivo de amigos e colegas, essa rede não possui o lastro necessário para suprir a estrutura de promoção de cuidado, educação e afeto proveniente da família e da escola. O referido sentimento de “confusão” emerge da falta de referenciais e conhecimentos acerca dos processos dessa transição de idade, uma fase marcada por uma insegurança ontológica. Há de se salientar a associação que faziam entre a “pressão”, a “cobrança” familiar para que atendessem a requisitos que os distanciavam das próprias experiências normatizadas como de adolescentes, e questões de saúde mental, como ansiedade e depressão. Essa problemática é reforçada pela disseminação de noções e classificações psicopatologizantes na sociedade contemporânea, que parece ocasionar uma naturalização de estados de sofrimento mental e de instabilidade emocional, assinalando-os como parte da constituição da subjetividade desses jovens. Acresce os sentimentos evocados pela oposição entre o ideal de família, compreendida como a principal fonte de apoio e o primeiro núcleo social para a construção afetiva e formativa do indivíduo, e trajetórias familiares marcadas por violências.

A partir da questão “o que você acha que é ser menina e ser menino?”, este estudo desvelou o caráter constitutivo das construções discursivas de gênero. As narrativas dos jovens pontuavam como os discursos biologizantes fundamentavam as condições sob as quais os corpos materiais, sexuados, iam tomando forma e produzindo sua existência. A reprodução de tais noções de corpo e gênero mostrou que há um processo de perpetuação de ideias deterministas e da ideia de que algumas características são inatas aos homens e às mulheres. Ainda que os adolescentes tecessem críticas ao machismo e desigualdades de gênero e articulassem o papel dessas concepções no desrespeito e na inferiorização social de meninas e pessoas LGBTQIA+, tendiam a ratificar os padrões sexuais, ao invés de focar os efeitos dos discursos de gênero naturalizados. As contradições e os valores conflitantes indicam a coexistência de códigos contraditórios gerados no processo de modernização da sociedade, que (ainda) não chegaram a subverter certas noções de gênero muito enraizadas nos sujeitos: o moderno e o tradicional convivem em níveis dissociados.

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1 Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na modalidade pós-doutorado júnior (processo 154037/2018-4).

2Refere ao compartilhamento de um conjunto de experiências formativas e ao desenvolvimento de modos comuns de comportamento, sentimento e pensamento por grupos de pessoas que crescem em um determinado tempo-espaço, não se circunscrevendo às variações de atitudes e comportamentos ao longo do curso de vida (Mannheim 1993 [1928]).

3O IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022) define a categoria “parda” como um dos cinco grupos de cor ou raça que compõem a população brasileira. Refere-se a pessoas com uma mistura de duas ou mais opções de cor ou raça, incluindo branca, preta, amarela, parda e indígena.

4Essa referenciação inicial de responsabilidade para meninas e meninos parece associada à supressão do extemporâneo trabalho adolescente entre os garotos desse grupo, conforme assinalado por vários deles: “Hoje em dia a gente tem tudo na mão, não é igual a nossos pais, avôs que na nossa idade já precisava trabalhar. Nós ganha tudo de nossos pais” [Ernesto, 15].

5Nas camadas populares do Brasil, o trabalho não costuma ser entendido como uma forma de opressão, pois é traduzido como parte da reprodução social desses segmentos (Pantoja 2007).

6A literatura sobre violência doméstica e violência contra adolescentes aponta a negligência como a forma mais frequente de maus-tratos contra crianças e adolescentes no Brasil (Mata, Silveira e Deslandes 2017).

7Para grande parte das participantes da pesquisa a menarca ocorreu aos 11 anos.

8Importa observar a diversidade de situações de ocorrência da gravidez. Em cenários de oportunidades de vida restritas e de interrupções na trajetória escolar, a maternidade pode adquirir centralidade. Na pesquisa de Pantoja (2007), as adolescentes consideravam a gravidez/maternidade como parte de um projeto de vida, uma passagem para a vida “adulta” e ser reconhecida pela família e pelos pares como tal.

Recebido: 17 de Março de 2021; Revisado: 15 de Outubro de 2022; Aceito: 22 de Dezembro de 2022

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