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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. serIII no.4 Coimbra July 2011

 

Informatização da documentação clínica de enfermagem: expectativas das enfermeiras na implementação

 

António Fernandes Costa Lima* ; Talita de Oliveira Melo**

* RN, Ph.D – Docente no Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Área de Administração em Enfermagem [tonifer@usp.br].

** Aluna de Graduação em Enfermagem da EEUSP do 6º Semestre. Bolsista do Programa de Iniciação Científica da Reitoria da Universidade de São Paulo (RUSP/Institucional -2009/2010) [talita.oliveira.melo@usp.br].

 

Resumo

Este estudo objectiva compreender as expectativas de enfermeiras, actuantes em sítios clínico-cirúrgicos de um hospital universitário, relativamente à realização do teste piloto de um sistema electrónico visando a informatização da documentação de enfermagem. Dez enfermeiras, participantes de um programa de capacitação teórico-práctico para uso do sistema eletrónico, foram entrevistadas e os dados obtidos analisados através da Técnica de Análise de Conteúdo. As enfermeiras manifestaram expectativas de que a informatização da documentação venha a conferir maior visibilidade ao seu raciocínio clínico e apoie as tomadas de decisões em relação aos diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem mais apropriadas a cada utente.

Para essas enfermeiras o desafio da informatização é assumido com optimismo, pois esperam, também, que o sistema eletrónico diminua o tempo despendido na documentação e melhore a qualidade das informações registradas na hospitalização dos utentes. As enfermeiras do estudo constituem-se como importantes agentes de transformação da realidade institucional. Face à necessidade de implementação de processos de mudança, torna-se imprescindível que os responsáveis respeitem os valores dos participantes e conheçam suas expectativas, pois estes precisarão modificar sua forma de pensar, sentir e agir, para integrarem esses processos e contribuir para o êxito dos mesmos.

Palavras-chave: enfermagem; sistemas de informação; mudança organizacional.

 

Computerization of nursing clinical documentation: nurses’ expectations concerning the implementation

Abstract

The aim of this study was to understand the expectations of nurses working in the medical-surgical units of a university hospital relating to the pilot test of an electronic system aimed at the documentation of nursing. Ten nurses participating in theoretical-practical training to use the electronic system were interviewed, and data were analyzed using content analysis. Nurses expressed expectations that the computerization of documentation would lead to more visibility of their clinical reasoning and support decisionmaking in relation to the diagnoses, outcomes and nursing interventions most appropriate for each patient. For these nurses, the challenge of computerization of documentation was met with optimism, because they also expected that the electronic system would decrease the time spent on documentation and improve the quality of information recorded during patients hospitalization. The nurses in the study are important agents in the institutional transformation of the situation. Given the need to implement change processes, it is essential that those responsible respect the values of participants and meet their expectations, because they need to change their ways of thinking, feeling and acting in order to integrate these processes and contribute to their success.

Keywords: nursing; nursing information systems; organizational change.

 

Informatización de la documentación clínica de enfermería: expectativas de las enfermeras en su implementación

Resumen

Este estudio objetiva comprender las expectativas de las enfermeras actuantes en unidades clæshy;nico-quirúrgicos de un hospital universitario respecto a la realización del test piloto de un sistema electrónico destinado a la informatización de la documentación de enfermería. Diez enfermeras, participantes en un programa de capacitación teórico-práctico para saber usar el sistema electrónico, fueron entrevistadas y los datos obtenidos fueron analizados mediante la Técnica del Análisis de Contenido. Las enfermeras manifestaron sus expectativas de que la informatización de la documentación confiriese mayor visibilidad a su raciocinio clínico y apoyara las tomadas de decisions en relación a los diagnósticos, resultados e intervenciones de enfermería más apropiadas a cada usuario. Para esas enfermeras, el desafío de la informatización se asume con optimismo, ya que esperan también que el sistema electrónico disminuya el tiempo despendido en la documentación y mejore la calidad de las informaciones registradas en la hospitalización de los usuarios. Las enfermeras del estudio constituyen importantes agentes de transformación de la realidad institucional. Ante la necesidad de implementación de procesos de cambio se hace imprescindible que los responsables respeten los valores de los participantes y conozcan sus expectativas, ya que estos necesitarán modificar su forma de pensar, sentir y actuar, para integrar esos procesos y contribuir al éxito de estos.

Palabras clave: enfermería; sistemas de información; cambio organizacional.

 

Introdução

O Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP) - Brasil, tem seus objectivos consolidados por meio do ensino, da pesquisa e da extensão de serviços ænbsp; comunidade. Desde a sua inauguração, em 1981, os enfermeiros do Departamento de Enfermagem (DE) fundamentam sua prática profissional no Processo de Enfermagem (PE), composto por três fases: Histórico, Evolução e Prescrição de Enfermagem (Cianciarullo et al., 2001).

Para Kenney (1995) o PE pode ser definido como um instrumento que provê um guia sistematizado para o desenvolvimento de um estilo de pensamento que direciona os julgamentos clínicos necessários para o cuidado de enfermagem. Segundo Cruz (2008) a maior importância do PE consiste em guiar, orientar o pensamento do enfermeiro. Prevê que a assistência de enfermagem seja pautada na avaliação do utente, que fornece os dados para fazer decisões apropriadas sobre quais são as necessidades de cuidados dos utentes (diagnósticos), sobre quais as metas que se quer alcançar (resultados) e sobre quais os melhores cuidados para atender àquelas necessidades frente a esses resultados desejáveis (intervenções) (Cruz, 2008).

A gerência do DE, a partir das necessidades evidenciadas pelos enfermeiros tem desenvolvido, em parceria com docentes da Escola de Enfermagem (EE) da USP, projetos de aperfeiçoamento, inovação e avaliação contínua do PE. Nesta direcção, a datar de Dezembro de 2001, vem envolvendo enfermeiros e docentes da EEUSP no planeamento e realização de mudanças para informatizar a documentação de enfermagem. Nesta época, para viabilizar tais mudanças implementou no PE o sistema de classificação de Diagnósticos de Enfermagem proposto pela North American Nursing Diagnosis Association (NANDA, 2002) e, a partir de 2005, iniciou a incorporação da Nursing Interventions Classification - NIC (Mccloskey e Bulechek, 2004) e da Nursing Outcomes Classification - NOC (Jonhson, Maas e Moorhead, 2004).

Ao longo de sete anos os enfermeiros do HUUSP vivenciaram experiências participativas que permitiram a avaliação e reflexão das acções assistenciais e educacionais, nos respectivos sítios de trabalho, e possibilitaram a construção colectiva de instrumentos impressos para viabilizar a implementação gradativa dos sistemas de classificações de enfermagem no PE (Gaidzinski et al., 2008). Os instrumentos construídos representam a consecução de uma etapa intermediária entre o PE anteriormente desenvolvido e a meta a ser alcançada: a informatização da documentação de enfermagem.

Os investimentos da gerência do DE no desenvolvimento tecnológico da documentação de enfermagem são crescentes, pois as evidências apontam para os sistemas de classificações como elementos fundamentais ao cuidado de enfermagem, com impacto para os profissionais envolvidos, para os resultados em saúde dos utentes e para as próprias organizações ou contextos onde o cuidado, e o ensino do cuidado, se efetivam.

Visando a informatização da documentação de enfermagem constituiu-se, no HU-USP, um grupo gestor composto por enfermeiros actuantes na Instituição, docentes da EEUSP, pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, estudantes de graduação com bolsas de iniciação científica, estudantes de pós-graduação e profissionais de informática contratados pela superintendência do Hospital. O referido grupo produziu um sistema electrónico, denominado Sistema de Documentação Electrónica do Processo de Enfermagem da Universidade de São Paulo (PROCEnf-USP) que permite ao usuário - enfermeiros e estudantes de enfermagem - responder um conjunto de questionários ramificados, com respostas tabuláveis que geram hipóteses diagnósticas. Após a escolha dos diagnósticos que melhor caracterizem a situação do utente o usuário procede a selecção dos respectivos resultados, intervenções e actividades de enfermagem (Peres et al., 2009).

De acordo com Gaidzinski et al. (2008) para implementar o PROCEnf-USP, e avaliar a qualidade da relação usuário/sistema, o grupo gestor planejou a realização de um teste piloto nos sítios de Clínica Médica (Cl Méd) e Clínica Cirúrgica (Cl Cir), onde são internados utentes adultos e realizados processos de trabalho similares aos dos demais sítios de internação, o que facilitará a reprodução dos resultados obtidos com o uso do sistema electrónico em sítios semelhantes no contexto do HU-USP. Para tanto, foi elaborado um programa de capacitação detalhando a forma de navegação e as possibilidades de uso do sistema. O conteúdo do programa foi ministrado a enfermeiros actuantes nesses sítios por meio de exposição dialogada, seguida de exercícios de aplicação práctica dos conteúdos, em seis dias, com duração total de 16 horas. Inicialmente, os enfermeiros desenvolveram actividades supervisionadas em um laboratório de informática do HU-USP. Posteriormente, documentaram no sistema eletrónico estudos de casos referentes a avaliações de utentes fictícios, apresentando-os em reuniões científicas e discutindo as perspectivas, limitações e desafios inerentes ao uso do mesmo.

A participação efectiva dos enfermeiros dos sítios de Cl Méd e Cl Cir é considerada pela gerência do DE como de fundamental importância para que o teste piloto do PROCEnf-USP seja exitoso e, também, para a reprodução dos resultados obtidos para outros sítios do HU-USP. Com essa perspectiva, optamos pela realização do presente estudo.

 

Objetivo

Compreender as expetativas de enfermeiros atuantes nos sítios de Clínica Médica e Clínica Cirúrgica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo com relação a realização do teste piloto do Sistema de Documentação Electrónica do Processo de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

 

Metodologia

Tipo de estudo

O estudo insere-se numa abordagem de natureza qualitativa, do tipo exploratório e descritivo.

 

Contexto de análise

O contexto de análise foi composto pelos sítios de Cl Méd e Cl Cir do HU-USP. O sítio de Cl Méd dispõe de 41 leitos para atender os utentes procedentes dos sítios Pronto-socorro Adulto (PSA), Ambulatório (Amb), Terapia Intensiva Adulto e demais sítios do HU-USP, sendo a maior parte dos utentes idosos e portadores de doenças crônico-degenerativas (Gaidzinski et al., 2008).

O sítio de Cl Cir possui 44 leitos para o atendimento integral, ininterrupto e individualizado do utente, durante o período pré e pós-operatório. A admissão é de utentes de ambos os sexos, a partir de 15 anos de idade caso necessite de cirurgia geral ou ortopédica. Os utentes são procedentes do PSA, de modo geral para realizar cirurgias emergenciais e do Amb para realizar cirurgias eletivas. Os utentes transferidos de outros sítios do HU-USP também são atendidos se necessitarem de procedimentos cirúrgicos (Gaidzinski et al., 2008).

 

Participantes

Participaram do estudo dez enfermeiras que integraram programas de treinamento teóricopráticos, ministrados pelos coordenadores do grupo gestor do sistema eletrónico, visando a capacitação de enfermeiros dos sæshy;tios de de Cl Méd e Cl Cir para o uso do PROCEnf-USP.

 

Considerações formais e éticas

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ensino e Pesquisa e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HU-USP (Protocolo de Registro n. 590/05 -SISNEP CAAE: 0043.0.198.000-09). Foram preservados os aspectos éticos por meio das seguintes abordagens: fornecimento de esclarecimentos sobre a finalidade da pesquisa, garantia de participação espontânea com plena liberdade para desistência, não importando a fase em que a pesquisa se encontrasse, e sem que as enfermeiras sofressem dano ou prejuízo de qualquer ordem; de solicitação de autorização por escrito, em impresso próprio, no qual os pesquisadores se comprometeram a empregar os dados obtidos apenas com a finalidade de estudo.

 

Instrumento de colheita de informação

A técnica de eleição para recolha de informação foi a entrevista semi-estruturada. As entrevistas foram realizadas durante os meses de Junho e Outubro de 2009, em sala de reuniões no próprio HU-USP, com tempo de duração de 15 minutos. Cada entrevista foi conduzida a partir da questão norteadora: “Quais são as suas expectativas em relação à realização do teste piloto do PROCEnf-USP?”.

As dez entrevistas foram transcritas, codificadas por siglas (E1, E2... e assim por diante) e analisadas utilizando-se a técnica de análise de conteúdo. Bardin (2007) define a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por meio de procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção destas mensagens. Compreende três fases: pré-análise, exploração do material e interpretação dos conteúdos.

 

Apresentação e discussão dos resultados

Caracterização das enfermeiras

A idade das dez enfermeiras variou entre 26 e 46 anos e o tempo de actuação nos sítios de Cl Méd e Cl Cir variou entre 3 e 19 anos. Em relação à realização de Pós-graduação, uma das participantes era Doutoranda em Cardiologia, duas eram Mestres em Enfermagem, seis possuíam cursos de especialização (uma em Gerontologia, uma em Nefrologia, uma em Gerenciamento de Serviços de Enfermagem, uma em Cardiologia e duas em Enfermagem Clínica-Cirúrgica) e uma não estava cursando Pós-graduação. Todas as participantes desenvolviam actividades assistenciais, de ensino e pesquisa no HU-USP.

 

Expectativas das enfermeiras face ao sistema electrónico: optimização do processamento das informações

As enfermeiras reconhecem que o PROCEnf-USP poderá auxiliá-las melhorando a agilidade, a qualidade das informações obtidas por meio do PE e o tempo consumido na documentação: “O PROCEnf ajudará a diminuir o tempo que gastamos para o registro da documentação de enfermagem” (E1); “A informatização da documentação vai diminuir o tempo para o registro das informações” (E2); “A minha expectativa é que a documentação fique mais rápida, práctica e objectiva” (E4); “A expectativa é que o PROCEnf dinamize a forma de documentação do nosso trabalho e melhore a qualidade das informações obtidas” (E7); “Espero que o uso do sistema eletrónico facilite o nosso trabalho, que a nossa documentação do PE possa ficar bem mais rápida, com melhor qualidade” (E8).

Constatamos que estas são as expectativas iniciais das enfermeiras acerca do uso do PROCEnf-USP, fundamentadas em uma perspectiva muito favorável em relação a proposta de informatização da documentação do PE. Entretanto, elas precisarão conhecê-lo e usá-lo com propriedade a fim de evidenciar os avanços concretos e propor melhorias a partir da realidade vivida.

Segundo Marin (2005) os enfermeiros sempre estiveram voltados a processar a informação em saúde e em enfermagem, como parte integral de seu trabalho, mesmo antes da inserção dos computadores na área da saúde.

Com a introdução dos computadores e graças aos avanços da informática, que permitem lidar com quantias massivas de informações de forma organizada e rápida, a enfermagem encontrará novas oportunidades e desafios contando com recursos que antes não existiam (Marin e Cunha, 2006).

A documentação em saúde é um aspecto que sofrerá importantes mudanças em virtude da informatização nessa área. No Brasil observa-se intenso movimento em direcção ænbsp; adopção de sistemas electrónicos para as diversas atividades administrativas que dão suporte aos processos de trabalho assistenciais. A informatização da documentação dos processos assistenciais propriamente dita exigirá profissionais de saúde preparados para direcionar e acompanhar mudanças que permitam alcançar resultados positivos para os processos de trabalho e também para a saúde das pessoas assistidas (Gaidzinski et al., 2008).

Évora, Melo e Nakao (2004) destacam que nos próximos anos o uso da informática em enfermagem revolucionará os processos em todos os níveis dos serviços de enfermagem, principalmente dos hospitais, proporcionando benefícios operacionais e estratégicos para a organização da profissão.

Sistemas de informação computadorizados, como o sistema electrónico em questão, trazem benefícios aos usuários, como por exemplo: melhorando o tempo gasto em documentar as informações do utente, eliminando as redundâncias, melhorando o tempo de comunicação entre a equipa, optimizando o acesso à informação e oferecendo informações à equipa multidisciplinar (Peres e Leite, 2010).

Contudo, concordamos com Peres (2009) quando diz que a rápida evolução tecnológica propicia a assimilação de novas tecnologias, sem que haja a reflexão sobre os valores e a intencionalidade do seu uso, tornando os profissionais de saúde e os utentes vulneráveis a aceitarem e acreditarem que a informática possa resolver os problemas de saúde e melhorar a qualidade da assistência.

Assim, os profissionais de saúde devem reconhecer que as tecnologias não são neutras, precisam ser analisadas em suas intencionalidades e relações de poder relativas ao seu uso na saúde, visando resgatar dimensões éticas e humanas. Dessa forma, tornam-se menos vulneráveis às pressões do mercado, promovem a qualidade da assistência e melhoram as condições de saúde da população (Peres, 2009).

 

Expectativas das enfermeiras face ao sistema electrónico: apoio ao racíocinio clínico e às tomadas de decisão

As enfermeiras deste estudo manifestaram, também, expectativas de que a mudança na forma de documentação, com o uso PROCEnf-USP, contribua para apoiar o raciocínio clínico e as tomadas de decisões em relação aos diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem mais apropriados a cada utente contemplando, ainda mais, as suas necessidades individuais: “Com o sistema daremos visibilidade ao nosso julgamento clínico. Conseguiremos documentar tudo aquilo que fazemos e que não denominamos, como os resultados esperados e as intervenções de enfermagem” (E1); “Teremos um banco de dados importante de todas as hospitalizações dos utentes” (E2); “O sistema eletrónico fornecerá apoio as nossas decisões para o planeamento dos cuidados de enfermagem” (E3); “Ao respondermos os questionários do PROCEnf teremos uma visualização completa do utente, com mais opções do que as que temos ao fazer uma admissão na actualidade” (E4); “Quando usamos o sistema eletrónico para a admissão de um utente temos outras idéias que não teríamos sozinhas, acho que conseguimos raciocinar melhor” (E5); “O sistema será um instrumento facilitador do pensamento, ampliará as possibilidades de elaboração de diagnósticos, intervenções e resultados” (E6); “Com as etapas que o sistema dispõe teremos mais facilidade para estabelecer os cuidados e escolher os melhores resultados esperados para cada utente” (E7); “A forma de documentação melhorará, porque o sistema ampliará a possibilidade de escolhas, aparecem informações mais detalhadas que ajudam na selecção dos diagnósticos, intervenções e resultados” (E8); “Acredito que o sistema vai facilitar bastante o nosso trabalho... por ser mais organizado, posso colocar os dados nele, consultá-los e recuperá-los quando necessário” (E9); “O sistema possui informações que são importantes para ampliar o meu conhecimento e me ajudar a proporcionar o melhor cuidado ao utente ao direccionar para os diagnósticos, resultados e intervenções” (E10).

O uso de um sistema de informação computadorizado, documentando e processando informações no cuidado direto ao utente, é fundamental no contexto do PE que requer a integração e interpretação de complexas informações clínicas para a tomada de decisões acerca do cuidado de enfermagem individualizado (Peres e Leite, 2010).

Nessa direcção, Peres et al. (2009) salientam que a informatização da documentação de enfermagem é o grande desafio enfrentado em várias partes do mundo, porquanto permite a recuperação de dados e informações referentes à tomada de decisão clínica de enfermagem, requisito fundamental para a prática baseada em evidências, e pode contribuir para o desenvolvimento de pesquisas na enfermagem.

Gaidzinski et al. (2008) destacam que as decisões de três etapas do PE devem figurar nos registros de saúde: os diagnósticos de enfermagem identificados, as intervenções realizadas e os resultados alcançados. Esses autores reconhecem que os processos de implementação de classificações têm alto custo e requerem o direccionamento de esforços concentrados que envolvem diversas variáveis estruturais e processuais. Assim, cada vez mais, muito se tem a discutir sobre os efeitos que a introdução de sistemas de classificações, para esses três elementos fundamentais do cuidado de enfermagem, pode ter para os profissionais envolvidos, para os resultados em saúde dos utentes e para as próprias organizações e contextos onde o cuidado se efectiva.

 

Enfrentando os desafios da mudança para a documentação electrónica do PE

Cunha, Ferreira e Rodrigues (2010, p.8) destacam que a mudança nos sistemas de informação, para os profissionais de enfermagem que assistem diretamente o utente, é um meio estratégico para gerir a informação gerada no seio da equipa e converter linguagens, permitindo criar alternativas aos tradicionais sistemas em suporte de papel.

As enfermeiras entrevistadas reconheceram os desafios referentes ao processo de informatização da documentação de enfermagem, contudo, expressaram na dimensão pessoal, bem como, na dimensão colectiva, encarar de maneira pró-activa a insegurança e as possíveis manifestações de resistência em relação a este processo, conforme as falas a seguir: “Tudo que é novo requer empenho, não será fácil, mas espero que futuramente o PROCEnf nos ajude bastante. Assumiremos o grande desafio do teste piloto, ele representa uma mudança na forma de documentação” (E1) ; “Tudo que se inicia é trabalhoso, causa um pouco de insegurança e resistência, mais para algumas enfermeiras menos para outras. Contudo, estamos interessadas e envolvidas com essa proposta de mudança” (E2); “Não será fácil, o sistema representa uma mudança no nosso processo de trabalho” (E6); “Essa mudança na forma de documentação actual para a eletrónica é desafiadora ” (E7); “A proposta é uma novidade, no início pode causar certa resistência em algumas enfermeiras” (E10).

Para Chiavenato (2002) toda mudança em uma organização representa alguma transformação nas atitudes cotidianas, nas relações de trabalho, nas responsabilidades, nos hábitos e comportamentos das pessoas que a compõem. Do mesmo modo, para que qualquer mudança organizacional ocorra, de facto, cada pessoa envolvida deve pensar, sentir e fazer algo diferente.

Nessa perspectiva, Motta (1998) afirma que a resistência à mudança é aceite como algo tão natural quanto a própria mudança. O autor acredita que grande parte das manifestações de resistência à mudança são originadas nas percepções individuais dos envolvidos sobre a novidade. Tais percepções estão relacionadas com a imaginação a respeito do futuro, com experiências passadas e com o ónus do próprio processo de mudança.

Ressalta, ainda, que para se compreender os comportamentos de restrição à mudança torna-se necessário, além do exame das atitudes individuais face à novidade, a análise dos comportamentos que poderão variar desde a indiferença e formas perspicazes de contrariedade, até ações radicais de oposição.

Vale lembrar que os processos de mudança são diretamente influenciados pela cultura organizacional, que pode ser definida como uma cultura própria, que representa a moldura pela qual os fatos, os objetos e as pessoas são interpretados e avaliados num determinado contexto (Maximiano, 2002).

Sabe-se que para alcançar o propósito de se tornar mais competitiva e ajustada às realidades do mercado, uma organização necessita alterar sua estrutura e sua forma de funcionamento (Camara, Guerra e Rodrigues, 2007). Nessa direcção, os coordenadores do grupo gestor do PROCEnf-USP ao conduzirem a informatização da documentação de enfermagem no HU-USP, mantendo a gestão participativa preconizada pela gerência do DE, obtiveram contributos para lidar com as possíveis manifestações de resistência das enfermeiras. Isso porque quando há um clima de confiança mútua entre as partes, as pessoas -ao terem a liberdade de questionar, discutir, sugerir, modificar, alterar uma decisão, um projecto ou uma simples proposta - são envolvidas, estimuladas e tornam-se desejosas de contribuir (Chiavenato, 2002).

Para o grupo de enfermeiras que participaram do teste piloto do sistema eletrónico nos sítios de Cl Méd e Cl Cir o desafio da informatização é assumido com otimismo.

Algumas enfermeiras explicitaram a importância atribuída aos investimentos realizados pela gerência do DE e coordenadores do grupo gestor na obtenção de recursos visando propiciar condições adequadas à realização do teste piloto, favorecendo o alcance dos resultados esperados: “...o acesso ao sistema tornou-se mais rápido com a aquisição dos notebooks para realizarmos o teste piloto” (E1); “Os notebooks facilitarão o teste do sistema eletrónico, pois serão de uso exclusivo das enfermeiras” (E3); “Com os notebooks o sistema ficará mais ágil, conseguiremos passar de uma tela para outra rapidamente” (E5); “Com os notebooks a nossa disposição o sistema ficará mais rápido para salvarmos os dados colectados junto aos utentes” (E9).

Finalizando, observa-se que as enfermeiras expressaram expectativas positivas em relação à implementação do PROCEnf-USP, nos sítios de Cl Méd e Cl Cir. Porém, deve-se levar em consideração que em qualquer tipo de actividade humana as pessoas tendem a fazer aquilo que sabem e não o que seria preciso que elas fizessem, por medo de mudar e correr riscos. Por isso, dentre as condições imprescindíveis para que uma mudança organizacional seja êxitosa Lacombe e Heilborn (2003) destacam a importância da administração superior fornecer forte apoio para sua implantação, como se observa no HU-USP. O PROCEnf-USP deverá ser testado criteriosamente, avaliado continuamente e modificado de acordo com as necessidades evidenciadas pelas enfermeiras usuárias considerando os recursos humanos, técnicos e tecnológicos disponíveis.

Actualmente, diversas instituições de saúde no Brasil preocupam-se com a informatização da documentação, inclusive no que se refere aos aspectos clínicos de seus serviços. Os serviços de enfermagem têm enfrentado o desafio de implementar sistemas de classificações de diagnósticos, intervenções e resultados. Esse desafio exige mais do que instituir uma lista de termos que os enfermeiros passem a utilizar em seus registros (Gaidzinski et al., 2008), pois a implementação desses sistemas envolve a alteração de certos comportamentos, crenças, valores e depende da atitude de cada enfermeiro frente a estes novos conceitos.

 

Conclusão

As enfermeiras, apesar de reconhecerem os desafios da mudança na forma de documentação, manifestaram somente expectativas positivas em relação à realização do teste piloto com o uso do PROCEnf-USP nos sítios de Cl Méd e Cl Cir do HU-USP.

Com esta perspectiva, ressaltamos a importância da gerência do DE e dos coordenadores do grupo gestor estarem sensíveis e disponíveis às solicitações das enfermeiras, a fim de facilitar o uso do PROCEnf-USP, possibilitando a incorporação de modificações contínuas que contribuam para o aprimoramento do sistema electrónico e para o êxito da informatização da documentação de enfermagem no HU-USP.

Os resultados obtidos neste estudo permitem afirmar que mudar não é algo fácil, pois requer que os envolvidos na mudança deixem de lado aquilo que é conhecido e vivenciem novos caminhos que podem transformar-se em fontes de incertezas. Então, os responsáveis pelo processo de mudança devem planejar cuidadosamente as acções, estar alerta para atitudes e comportamentos de todos os envolvidos, avaliar continuamente o processo e nele intervir quando e onde necessário.

As pessoas são importantes agentes de transformação da realidade. Portanto, torna-se fundamental respeitar seus valores e conhecer suas percepções e expectativas, pois elas terão que modificar sua forma de pensar, sentir e agir, para se tornarem integrantes dos processos de mudança, independentemente da sua magnitude, e assegurar que os mesmos tenham êxito.

 

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Recebido para publicação em: 24.11.10

Aceite para publicação em: 04.04.11

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