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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.7 Coimbra jul. 2012

https://doi.org/10.12707/RIII1179 

Úlceras por pressão: perceção dos familiares acerca do impacto emocional e custos intangíveis

Pressure ulcers: relatives’ perceptions of emotional impact and non-material costs

Las úlceras por presión: percepciones de los familiares a cerca del impacto emocional y los costos intangibles

 

Sandra Martins Pereira*; Hélia Maria Soares**

* Enfermeira. Licenciada em Ciências de Educação. Mestre em Bioética. Doutoranda em Bioética. Professora Adjunta Equiparada – Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores [smpereira@uac.pt].

** Enfermeira. Mestre em Ciências de Enfermagem. Doutoranda em Ciências de Enfermagem. Professora Adjunta Equiparada – Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores [hmsoares@uac.pt].

 

Resumo

O presente estudo refere-se à problemática das úlceras por pressão, impacto emocional e custos intangíveis que estas acarretam para a pessoa doente e seus familiares, tendo por objetivo compreender este impacto emocional e determinar os custos intangíveis. Realizado através de uma metodologia qualitativa de cariz fenomenológico, com recurso a entrevistas, permitiu a identificação dos sentimentos/emoções associados às úlceras por pressão na perspetiva dos familiares, bem como as necessidades, recursos e apoio percebidos no que respeita à intervenção dos enfermeiros. Os resultados deste estudo evidenciam a relevância do sofrimento relacionado com as úlceras por pressão e dos custos tangíveis e intangíveis que lhe surgem associados. As principais conclusões vão no sentido de evidenciar que o sofrimento associado às úlceras por pressão se inscreve num contexto global de vida e de doença vivenciado pela pessoa, com custos elevados para si própria e para os seus familiares. Sendo o enfermeiro o profissional de saúde quem acompanha, com maior regularidade e intimidade, estes doentes e famílias, há que enfatizar a relevância que podem assumir no sentido de abordar e ajudar a superar o sofrimento que a vivência desta situação comporta.

Palavras-chave:feridas crónicas; sofrimento; custos e análise de custo

 

Abstract

Pressure ulcers are a problem with great relevance for patients who suffer from them and for their relatives. The emotional impact of pressure ulcers is increased by the associated material and non-material costs. Therefore, the aim of this study was to understand the emotional impact of pressure ulcers for patients and families, and also to determine their non-material costs. A qualitative study was developed within a phenomenological approach; content analysis allowed us to identify emotions and feelings, needs, support resources and perceived care provided by nurses. The results highlight the relevance of suffering due to pressure ulcers and their impact on material and non-material costs. The main conclusions underline that suffering related to pressure ulcers needs to be seen against a more global framework of life and disease, with relevant costs both for the patient and for their relatives. In addition, considering that nurses are the health professionals with and the closest contact with both patients and families, the results emphasize the contribution that nurses can give in order to address and help patients and relatives to overcome the suffering that this kind of situation and human experience entails.

Keywords: pressure ulcer; human suffering; costs and cost analysis

 

Resumen

El presente estudio atañe al problema de las úlceras por presión, el impacto emocional y los costes intangibles que estos implican para los pacientes y sus familias, siendo que su objetivo es el de comprender este impacto emocional y determinar los costes intangibles. Realizado mediante una metodología cualitativa de corte fenomenológico, con recurso a entrevistas, que permitieron la identificación de los sentimientos / emociones asociados con las úlceras por presión desde la perspectiva de las familias, así como las necesidades, recursos y apoyo recibidos en lo que concierne la intervención de las enfermeros. Los resultados de este estudio revelan la importancia del sufrimiento asociado a las úlceras por presión y a los costes tangibles e intangibles que están asociados. Las principales conclusiones destacan que el sufrimiento asociado con las úlceras por presión forma parte de un contexto global de la vida y de la enfermedad vivido por los pacientes, con altos costes para estos y para sus familias. Ya que los enfermeros son los profesionales de salud que proporcionan un acompañamiento más regular y con más intimidad a dichos pacientes y familias, debemos enfatizar la importancia que estos profesionales pueden asumir para afrontar y ayudar a superar el sufrimiento que la experiencia de esta situación conlleva.

Palabras clave: úlceras por presión; sufrimiento; costos y análisis de costo

 

Introdução e enquadramento

As úlceras por pressão podem ser definidas como sendo uma “úlcera: dano, inflamação ou ferida da pele ou estruturas subjacentes como resultado da compressão tecidular e perfusão inadequada” (International Council of Nurses, 2011, p. 79). Incluídas como foco de atenção da prática de enfermagem e reconhecidas como um dos indicadores suscetíveis de indicar ganhos em saúde obtidos a partir das intervenções autónomas dos enfermeiros (Pereira, 2009; Aleixo, 2011), as úlceras por pressão constituem um grave problema de saúde pública, com elevados custos para a pessoa doente, seus familiares, sociedade e instituições de saúde.

O sofrimento, por sua vez, consiste também num foco de atenção da prática de cuidados de enfermagem definido como uma “emoção negativa: sentimentos prolongados de grande pena associados a martírio e à necessidade de tolerar condições devastadoras, isto é, sintomas físicos crónicos como a dor, desconforto ou lesão, stress psicológico crónico (…)” (International Council of Nurses, 2011, p. 76). Efetivamente, a existência de uma úlcera por pressão implica um processo complicado, marcado pela dor, desconforto físico, psicológico e com impacto emocional para o doente e para os seus entes queridos.

Enquadrados no âmbito de um estudo de impacto económico, importa não só determinar os custos diretos e indiretos associados às úlceras por pressão, como também os custos intangíveis. Estes, habitualmente mais difíceis de determinar e pouco explorados nos estudos de cariz económico, correspondem ao impacto da situação de doença na qualidade de vida da pessoa, às perdas associadas (por exemplo, em termos de lazer, de trabalho, de contacto com entes queridos), à presença de dor e sofrimento. É indiscutível o impacto emocional e o sofrimento que a existência de uma úlcera por pressão acarreta, quer para a própria pessoa, quer para as pessoas que lhe são significativas.

A pessoa com úlcera por pressão pode ainda apresentar outros problemas associados, os quais são também focos de atenção da prática dos enfermeiros. Entre estes, destacamos a dor e o sofrimento, comummente associados, pese embora o facto de o primeiro – a dor – assumir um caráter mais físico, mais facilmente controlável, enquanto o segundo – o sofrimento –, atendendo ao seu cariz mais psicológico, emocional e espiritual, adquire maior complexidade, o que se repercute quer na sua avaliação, quer na definição de estratégias para o seu alívio.

É a este nível que emerge a problemática do nosso estudo, a qual versa o tema do impacto emocional e dos custos intangíveis associados às úlceras por pressão, em particular em termos de qualidade de vida e do sofrimento que lhes está associado. Neste sentido, os objetivos que lhe estão subjacentes são: (i) compreender o impacto emocional das úlceras por pressão no doente e família; (ii) compreender a problemática do sofrimento associado às úlceras por pressão no doente e família; (iii) determinar os custos intangíveis associados às úlceras por pressão. Este estudo enquadra-se no âmbito do Projeto ICE 2 – Investigação Científica em Enfermagem – Impacto económico das úlceras por pressão (projeto criado na sequência do Projeto ICE, numa parceria interinstitucional que envolve escolas e departamentos de enfermagem das Universidades dos Açores, Madeira e Canárias), tendo como finalidade dar visibilidade aos custos intangíveis, em particular ao sofrimento, associado às úlceras por pressão, na perspetiva de quem tem de viver com esta realidade.

De uma pesquisa bibliográfica por nós realizada nas diversas bases de dados existentes on-line, a nível nacional e internacional, durante a qual procurámos apreender quais os estudos realizados especificamente neste domínio e recorrendo à pesquisa dos termos pressure ulcer e suffering, pressure ulcer e emotional impact, pressure ulcer e costs, verificámos a sua escassez. Efetivamente, a referência ao sofrimento associado às úlceras por pressão é efetuada pelos diversos autores que se dedicam ao estudo deste foco, embora a existência de estudos especificamente dedicados à exploração desta problemática seja escassa (Baumgarten et al., 2004; Moore e Price, 2004; Tetterton et al., 2004; Clarke et al., 2005; Correa et al., 2006; Wurster, 2007; Bjarnsholt et al., 2008; Elliot, 2011). Não obstante, Hopkins et al. (2006) desenvolveram um estudo piloto de cariz fenomenológico sobre este tema, durante o qual procuraram analisar e compreender as vivências de pessoas com úlceras por pressão, considerando a dor e o sofrimento que provocavam, o seu impacto na vida quotidiana e os mecanismos de coping utilizados para a sua superação.

 

Metodologia

Face à problemática em estudo e objetivos delineados, consideramos que seria oportuno recorrer a uma metodologia de cariz qualitativo, no sentido de melhor aprofundarmos a compreensão relativa ao impacto emocional, sofrimento e custos intangíveis associados às úlceras por pressão. O nosso intuito é o de apreender o modo como as pessoas e os seus familiares vivenciam um processo desta índole, partindo das expressões utilizadas pelos próprios. Neste sentido, o presente estudo assume uma vertente fenomenológica, na medida em que pretendemos compreender o significado atribuído, em termos de impacto emocional e sofrimento, pelos participantes. Segundo Coutinho (2011, p. 305), a abordagem fenomenológica permite, ao investigador, “(…) conhecer e compreender um fenómeno (…) e, para o conseguir, vai reunir um conjunto de «experiências vividas» desse fenómeno, interpretá-las, analisá-las e extrair aquilo a que Husserl chamava a essência do fenómeno (…)”.

Para o efeito, enunciámos um conjunto de questões de investigação:

Qual o impacto emocional das úlceras por pressão sobre o doente, na perspetiva dos familiares?

Quais os sentimentos/emoções experienciados pelos familiares dos doentes com úlceras por pressão?

Quais as necessidades sentidas pelos familiares dos doentes com úlceras por pressão?

Qual o impacto das úlceras por pressão na relação existente entre o doente e o familiar?

Qual o impacto das úlceras por pressão na vida do familiar?

A recolha de dados foi efetuada com recurso a entrevistas, tendo por base um guião consistente com o Esquema Cardiff de Impacto da Ferida – versão portuguesa do Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (2003).

Como participantes neste estudo considerámos pessoas com úlceras por pressão a ser acompanhadas nos dois centros de saúde da Ilha Terceira e seus familiares. Os critérios de inclusão foram: apresentar úlcera por pressão; estar inscrito num dos dois referidos centros de saúde; estar a receber acompanhamento dos enfermeiros, no domicílio; apresentar capacidade de discurso oral. Não definimos, a priori, o número de participantes em estudo, dado que pretendíamos atingir a saturação teórica dos dados.

Os possíveis participantes foram indicados pelos enfermeiros dos referidos centros de saúde que procediam à assistência domiciliária de doentes com úlceras por pressão durante o primeiro semestre de 2010. Durante este período, foram realizados contactos telefónicos, no sentido de solicitar a colaboração destes doentes e seus familiares para o estudo. De um total de 23 doentes com úlceras por pressão inscritos nestes centros de saúde, foram entrevistados 7 familiares; no que respeita aos restantes 16 possíveis participantes, estes não foram incluídos por razões distintas (internamento, recusa, óbito). Não foi entrevistado nenhum doente, em virtude de não apresentar status cognitivo que possibilitasse a realização de uma entrevista.

No que respeita aos participantes, os familiares de doentes que participaram neste estudo eram todos do sexo feminino, com uma média de idades de 55 anos. Em termos profissionais, somente uma das participantes estava aposentada, sendo que as restantes seis exerciam profissões diversificadas e tinham níveis de escolaridade que variavam entre o ensino básico e o superior. Quanto aos doentes com úlceras por pressão, todos tinham mais de 60 anos de idade, apresentavam patologias associadas (AVC, Alzheimer, Parkinson), estavam completamente dependentes a nível das Atividades de Vida Diárias e tinham mais do que uma úlcera por pressão com evolução média de 6 meses.

As entrevistas decorreram ao longo do segundo e terceiro trimestres de 2010, tendo sido realizadas no domicílio dos doentes e familiares participantes neste estudo. Tiveram uma duração média de 30 minutos, foram gravadas em suporte áudio e posteriormente transcritas verbatim. O corpus de análise foi constituído pelo conteúdo integral das entrevistas, tendo-se procedido à sua análise de conteúdo numa lógica indutiva, fundamentada no discurso das pessoas entrevistadas.

Salvaguardámos, em todos os momentos deste processo de investigação, os aspetos éticos inerentes a estudos desta natureza, designadamente, a autonomia e consentimento informado e esclarecido dos participantes, assim como a confidencialidade e o anonimato dos dados obtidos. O estudo recebeu a aprovação das duas instituições nas quais os doentes estavam inscritos.

 

Resultados e discussão

No sentido de compreender a perceção dos familiares acerca do impacto emocional das úlceras por pressão e apreender os custos intangíveis que lhes estão associados, procedemos à análise de conteúdo das entrevistas, com base no discurso dos sujeitos. Para o efeito, considerámos as seguintes dimensões de análise: impacto das úlceras por pressão no doente – perceção dos familiares, sentimentos e emoções dos familiares de doentes com úlceras por pressão, necessidades dos familiares, impacto das úlceras por pressão na relação doente – família, impacto das úlceras por pressão na vida do familiares e mecanismos de coping. As categorias foram definidas a posteriori, a partir das palavras expressas pelos participantes (quadro 1).

 

Quadro 1 – Sistematização das dimensões e categorias relativas à perceção dos familiares acerca do impacto das úlceras por pressão.

 

No sentido de compreender o impacto emocional das úlceras por pressão sobre o doente, e atendendo ao facto de nenhum doente participante neste estudo apresentar status cognitivo capaz para responder a uma entrevista, optámos por considerar a perceção dos familiares acerca do referido impacto. Assim, de acordo com estes familiares, existe a noção de que a existência de uma úlcera por pressão gera dor e sofrimento no ente querido, conforme o ilustram os seguintes excertos:

- Dor – «(…) ele, às vezes, queixava-se que lhe doía (…) às vezes “cramava” (…)» (E2); «(…) ele cada vez tem mais dores ou lhe dói (…)» (E3); «(…) ela deve ter dores (…)» (E7).

- Sofrimento – «(…) vejo o sofrimento que ela tem (…)» (E6); «(…) ela sofre de toda a maneira (…)» (E7).

De acordo com o International Council of Nurses (ICN) e a Ordem dos Enfermeiros (OE) (2011, p. 50), a dor consiste no “(…) aumento da sensação corporal desconfortável, referência subjetiva de sofrimento, expressão facial característica, alteração do tónus muscular, comportamento de autoproteção, limitação do foco de atenção, alteração da perceção do tempo, fuga do contacto social, processo de pensamento comprometido, comportamento de distração, inquietação e perda de apetite”. Por sua vez, conforme já foi referido, o sofrimento é definido, pelas mesmas entidades, como “(…) sentimentos prolongados de grande pena associados a martírio e à necessidade de tolerar condições devastadoras, isto é, sintomas físicos como a dor, desconforto ou lesão, stress psicológico crónico (…)” (ICN, 2011, p.76). Conforme podemos depreender, ambos os conceitos estão interligados, o que reforça a perceção expressa pelos familiares dos doentes com úlceras por pressão acerca da dor e do sofrimento como resultantes do problema vivido. Considerando que a existência de uma úlcera por pressão habitualmente decorre num contexto de vida marcado pela existência de outros problemas e doença(s), esta interligação remete-nos para o conceito de dor total enunciado por Cicely Saunders (1996), enquanto sofrimento global em que todas as dimensões – física, psicológica, social e espiritual – estão associadas e intrinsecamente afetadas pela doença. Assim, cada sintoma que a pessoa experiencia é perspetivado, por si própria, como uma experiência global, que a afeta no seu todo, pelo que, para os próprios familiares, se torna difícil destrinçar a perceção que têm face ao impacto, em termos de dor e sofrimento, que a existência de uma úlcera por pressão tem para o ente querido. Este aspeto fica também visível nas palavras dos participantes, quando se referem ao mal-estar que percebem no seu familiar com úlcera por pressão; vejamos:

- Mal-estar – «(…) ela faz sempre caretas (…) quando se mexe com aquela perna, aquele lado deve ser talvez um dos lados mais sensíveis (…) mas não é dor (…) mas ela tem sempre uma reação naquele perna» (E1); «(…) eu acho-a mais “quebradinha” (…)» (E5).

No que respeita aos sentimentos/emoções experienciados pelos familiares dos doentes com úlceras por pressão, estes emergiram no discurso de todos os participantes, designadamente, a angústia (referida pelos 7 familiares entrevistados), a preocupação (categoria com maior número de unidades de registo e presente nas palavras de 5 dos 7 familiares entrevistados) e o sofrimento (mencionada por 4 dos 7 participantes) Nas suas próprias palavras:

- Angústia – «(…) era uma coisa que me afligia (…)» (E1); «(…) tenho custo de lhe doer» (E2); «(…) para nós, custa-nos ver ele a sofrer com isso (…)» (E3); «É uma angústia terrível» (E4); «A ferida (…) eu por mim, não consigo ver, não tenho coragem (…)» (E5); «(…) custa, custa (…)» (E6); «(…) eu só tenho pena (…) de a ver sofrer daquela forma (…)» (E7).

- Preocupação – «(…) sempre preocupada, com medo (…). Foi isto, foi a preocupação do aparecimento, do medo, o medo de ver» (E1); «Temos medo que ele piore» (E3); «O que me preocupou mais foi aquele no “artelho”» (E4); «(…) preocupava-me as feridas (…)» (E4); «(…) fico preocupada (…)» (E5); «Estou sempre com o ouvido à escuta, se a ouço gemer (…) para ir a ela (…)» (E7).

- Sofrimento – «(…) um mal-estar constante, a gente não se sente bem (…)» (E4); «Muito triste (…)» (E5); «A gente sofre (…)» (E7).

A angústia corresponde aos “(…) sentimentos de dor intensa e forte, pena e aflição” (ICN, 2011, p. 39), estando em estreita ligação com o sofrimento, assumindo ambos uma conotação negativa. Por sua vez, a preocupação é definida como o “(…) dominar e ocupar a mente de forma a excluir outros pensamentos ou a estar mentalmente distraído” (idem, p. 68), referindo-se a um estado de inquietude, de cuidado constante e antecipado. No caso dos familiares dos doentes com úlceras por pressão, denota-se esta (pré)ocupação da mente face ao agravamento da condição das úlceras já existentes, bem como relativamente à possibilidade de desenvolvimento de outras úlceras.

Além destes sentimentos, emergiram outros, também com conotação negativa, designadamente a depressão, a injustiça, a revolta e o cansaço. Vejamos:

- Depressão – «Deu-me uma depressão já há dois anos… uma depressão que não passa… nunca passa a depressão…» (E4); «(…) comecei foi a chorar, chorar, chorar (…)» (E7).

- Injustiça – «Às vezes, é a “sacrificação”, pronto, caramba!, ou chove ou isto ou aquilo e logo nos dias em que a gente pode [sair/realizar atividade de lazer]» (E3); «(…) ela não merecia este sofrimento todo (…)» (E6).

- Revolta – «(…) esta coisa não aceito muito bem (…)» (E5); «(…) a revolta é tanta!» (E7).

- Cansaço – «Cansada… cansada (…)» (E3); «(…) fico muito cansada de lidar com ela (…)» (E7)

De acordo com o ICN (2011, p. 48), a depressão consiste numa “emoção negativa: sentimentos de tristeza a melancolia, com diminuição da concentração, perda de apetite e insónia”. Vivenciar o acompanhamento de um familiar com úlceras por pressão é, na verdade, gerador deste tipo de sentimento, muitas vezes agravado pelo cansaço inerente à prestação de cuidados informais. Este, por sua vez, é definido como uma “emoção negativa: sentimentos de diminuição da força ou resistência, desgaste, cansaço mental ou físico e lassidão, com capacidade reduzida para o trabalho físico ou mental” (ICN, 2011, p. 42).

A revolta, por seu turno, corresponde ao sentimento de raiva e desagrado intenso, resultante da resposta mental ou física a estímulos internos ou externos percebidos como negativos e injustos. Em estreita articulação com este sentimento, encontra-se precisamente o de injustiça, esta entendida como a ocorrência de algo que não é justo e, portanto, é imerecido. Conforme podemos depreender a partir de alguns dos testemunhos dos participantes, o sentimento de injustiça expressa-se em duas vertentes: por um lado, no que respeita à situação do ente querido, e, por outro lado, em relação ao próprio familiar que, de alguma maneira, vê a sua vida condicionada pelo problema do ente querido.

Estes aspetos são também mencionados por Santos (2008) quando identifica a sensação de prisão, não-aceitação da situação de dependência e vulnerabilidade do familiar. Além destes, a autora refere-se à tristeza e ambivalência o que sustenta também os dados obtidos neste estudo.

Outros sentimentos expressos pelos familiares dos doentes com úlceras por pressão referem-se à aceitação e à esperança. Embora estas categorias estejam alicerçadas em somente duas unidades de registo, cada, é significativo notar que emergiram a partir das palavras dos mesmos entrevistados (E4 e E5):

- Aceitação – «(…) como sou cristã, tive que ter paciência, mas, por vezes, falta-me muito (…)» (E4); «(…) tenho que me ir conformando (…)» (E5).

- Esperança – «(…) as feridas (…) é uma coisa que vai curar» (E4); «(…) enquanto ela teve só aquela ferida, aquela principal, uma pessoa estava sempre na esperança» (E5).

A aceitação consiste num “processo de coping: gerir e controlar ao longo do tempo, eliminar ou reduzir sentimentos de apreensão ou tensão, restrição de comportamentos destrutivos” (ICN, 2011, p. 37). No caso dos familiares dos doentes com úlceras por pressão, constata-se, precisamente, este sentimento de resignação e conformação face à situação que vivenciam, o que, num dos casos, surge associado às crenças religiosas. Além disso, estes mesmos familiares experienciam sentimentos de esperança, definida como uma “emoção: sentimento de ter possibilidades, confiança (…) no futuro (…), paz interior, otimismo (…)” (idem, P. 53), nomeadamente quanto à recuperação do ente querido e perspetiva de um desfecho favorável em termos de cicatrização das úlceras por pressão.

Além destes sentimentos, foi possível identificar, no discurso dos familiares dos doentes com úlceras por pressão que participaram neste estudo, algumas necessidades: défice de conhecimento e dificuldades económicas. Nas suas próprias palavras:

- Défice de conhecimento – «(…) eu tinha que ver e depois sempre a perguntar e porque é que é assim, e porque é que está essa cor, e porque é que ontem eu mudei o penso e tinha esta cor, essa “aguadilha”, é bom ou é mau?, o que é que o enfermeiro acha? Sempre imensas perguntas…» (E1).

- Dificuldades económicas – «A única coisa que eles me pediram e que eu não comprei, porque infelizmente não tinha posses já para gastar mais, (…) é o meu marido sozinho a trabalhar… é aquele colchão antiescara, o de luz» (E7).

O défice de conhecimento é considerado como um diagnóstico de enfermagem e, portanto, corresponde a um julgamento clínico a partir do foco «conhecimento» em que se depreende a necessidade, carência ou falta de “(…) conteúdo específico de pensamento baseado na sabedoria adquirida, na informação ou aptidões aprendidas, conhecimento e reconhecimento de informação” (ICN, 2011, p. 45). Por sua vez, as dificuldades económicas podem ser definidas, enquanto diagnóstico de enfermagem, como “rendimento inadequado” (ICN, 2011), na medida em que está deficitário para suprir as necessidades.

É oportuno referir que ambas as necessidades mencionadas emergiram somente a partir de uma única entrevista cada. Todavia, pensamos que o facto de não terem sido expressas pelos restantes participantes, não obsta a relevância que assumem, em particular pelo facto de se constituírem como uma preocupação e custo acrescidos, quer para o doente com úlcera por pressão, quer para os seus familiares.

Um outro aspeto relevante para a compreensão dos custos intangíveis associados às úlceras por pressão refere-se ao impacto que estas têm na própria relação existente entre o doente e o familiar. A este propósito, as respostas dos participantes foram díspares:

- Sem alteração na relação – «Não, não, isso [impacto/alteração na relação com a mãe] não» (E1).

- Mudança na relação – «Mudou, mudou muito (…) agora são muitos mimos, muitos beijos (…)» (E7).

- Reconhecimento por parte do ente querido face aos cuidados prestados – «Ele [pai] mudou… ele era uma pessoa rígida, a impor regras e agora ele mudou totalmente a sua forma de agradecimento. Fica todo contente quando vê a gente, agradece tudo o que a gente faz» (E3).

Além da disparidade existente no modo como os familiares dos doentes com úlceras por pressão se referem à relação que passaram a estabelecer com o ente querido, denota-se que este aspeto não foi o que mais se evidenciou ao longo das entrevistas. Com efeito, cada um dos participantes somente se referiu a estes aspetos quando questionado diretamente. Não obstante a aparente irrelevância que este aspeto parece merecer por parte dos mesmos, há que considerar que a existência de uma doença grave, associada ao desenvolvimento de úlceras por pressão, contribui para um aumento da vulnerabilidade do doente e do próprio familiar. A par deste aumento da vulnerabilidade de ambos, ocorre, frequentemente, uma alteração de papéis, em que a pessoa com úlcera por pressão passa da condição de marido, pai, mãe, sogro ou sogra, para a condição de doente. Tal pode gerar um conflito/tensão na imagem que a pessoa tem de si própria, na imagem que o familiar tem também de si próprio e na imagem que ambos têm um face ao outro. Além disso, há ainda a considerar as expectativas sociais e representações culturais face ao que é expectável por parte dos familiares que, agora, se vêm confrontados com a necessidade de assumirem o papel de cuidadores.

Quanto ao impacto das úlceras por pressão na vida do familiar, este traduz-se em dois grandes aspetos: por um lado, nas restrições e perdas associadas à condição de vida pessoal e familiar anterior à doença e desenvolvimento de úlceras por pressão do ente querido; por outro lado, nos mecanismos de coping desenvolvidos a nível individual e familiar.

No que respeita às restrições e perdas associadas face à condição de vida anterior, estas referem-se aos seguintes aspetos: restrições nas atividades quotidianas, restrições nas atividades de lazer e perda da vida anterior. Vejamos:

- Restrições

* Restrições nas atividades quotidianas – «(…) no princípio, tinha de estar sempre dependente de outra pessoa ao fim de semana que era um grande aborrecimento. O meu marido não podia sair» (E1); «(…) temos que ficar em casa (…)» (E3).

* Restrições nas atividades de lazer – «Mudou porque nós geralmente, eu tenho vários amigos, tenho irmãos, a gente juntava-se fins de semana e isso já não podemos fazer nada disso» (E3); «(…) a gente saía muito, tinha o carro (…) tudo isso parou» (E4).

- Perda da vida anterior – «(…) quando a gente saía, saía os dois; quando não saía os dois, eu saía e ele depois ia ter comigo para a gente dar uma volta na avenida (…) a tal volta que eu precisava dar, íamos à missa e depois íamos para casa. A nossa vida era assim, era linda, era linda (…)» (E4); «Eu tinha uma vida sem preocupação nenhuma (…) ia ali á baixa, à avenida, estávamos na marina a tomar o nosso café, vínhamos para casa quando apetecia (…) Há dois anos que eu posso contar as vezes que saí para ir ali à avenida tomar um café (…)» (E7).

No que respeita às restrições sentidas pelos familiares de doentes com úlceras por pressão, estas verificam-se quer no quotidiano, quer nas atividades de lazer, em que estes familiares veem a sua vida condicionada, sentindo-se impossibilitados ou constrangidos na satisfação das mesmas. Não obstante, estas restrições estão para além da existência das úlceras, na medida em que estão associadas a toda a condição global da pessoa doente, à sua dependência física e emocional relativamente ao familiar que, frequentemente, assume também o papel de cuidador informal. Este aspeto é também relatado por Fonseca et al. (2010) que se referem ao facto de o acompanhamento e cuidado de um ente querido com dependência se repercutir, quer em termos emocionais, quer na motivação do familiar para o trabalho, quer, ainda, a nível da sua vida social. No seu conjunto, estes aspetos contribuem para um acréscimo da vulnerabilidade do próprio familiar.

Quanto aos mecanismos de coping, os participantes referiram-se sobretudo à definição e implementação de estratégias familiares e à adaptação propriamente dita, conforme podemos depreender a partir dos seguintes excertos das entrevistas:

- Estratégias familiares – «(…) ela está um mês comigo, um mês com o meu irmão (…)» (E1); «(…) com o meu irmão é dia sim / dia não, temos de vir, ao fim de semana é um, outro fim de semana é outro. Portanto, se eu tiver qualquer coisa num fim de semana, eu troco com o meu irmão. Se o meu irmão não pode trocar, às vezes pede-se à senhora só para dar o almoço e depois eu faço o que tenho a fazer e depois venho» (E3).

- Adaptação – «Tive que me adaptar àquilo e tive que ver aquilo e fazer por vezes (…) tinha que fazer o curativo (…) tive que aprender como é que se fazia aquilo (…)» (E1); «(…) a gente foi-se habituando e agora já faz parte do nosso dia-a-dia» (E3).

A definição de estratégias familiares consiste na reorganização do sistema familiar, de modo a suprir, essencialmente, as necessidades do familiar mais próximo do doente com úlcera por pressão e, simultaneamente, assegurar a realização das atividades pessoais e familiares. Assim, a partir do discurso dos participantes, denota-se que estas estratégias familiares são, sobretudo, de cariz funcional e não tanto dirigidas para a dimensão emocional e sofrimento associado à vivência desta situação.

Não obstante, esta possibilidade de organização interna, assegurada através de estratégias familiares, contribui para uma sensação de preservação da vida pessoal e familiar quotidiana, o que concorre, consequentemente, para um maior bem-estar emocional e adaptação à situação. A adaptação consiste, de facto, num processo de coping, caracterizado precisamente pela assunção de uma “atitude: gerir o stress e ter uma sensação de controlo e de maior conforto psicológico” (ICN, 2011, p. 46).

Num estudo realizado por Santos (2008) acerca do cuidado assumido por familiares relativamente a idosos com situação de dependência no domicílio, estes aspetos foram também enunciados. Para esta autora, reportando-se a Augusto (1994), “a capacidade da família para alterar os papéis, os poderes e as regras de relacionamento entre os seus membros, determina a sua adaptabilidade para (…) ultrapassar dificuldades” (Santos, 2008, p. 189). Embora o presente estudo aborde a problemática do sofrimento associado às úlceras por pressão, há que considerar que, os doentes com úlceras por pressão que participaram no mesmo, assumem algumas das características dos idosos mencionados no estudo de Santos (2008), designadamente no que concerne ao grau de dependência e ao seu status físico e mental. Além disso, conforme já referimos, a existência de uma úlcera por pressão não é vivida de modo isolado, estando inerente à condição integral do doente e repercute-se, de modo também integral, na vida dos seus familiares.

Conquanto não constasse das questões de investigação, os participantes referiram-se ainda a dois aspetos que, em nosso entender, contribuem para uma melhor compreensão dos custos intangíveis associados às úlceras por pressão: os recursos e o papel do enfermeiro (quadro 2).

 

Quadro 2 – Sistematização das dimensões, categorias e subcategorias relativas à perceção dos familiares acerca dos recursos e papel do enfermeiro no acompanhamento de pessoas com úlceras por pressão.

 

A maioria dos entrevistados aludiu aos recursos que costuma utilizar para lidar com a situação que vivenciam, assim como mencionaram o contributo dado pelos enfermeiros. Assim, considerando que os custos intangíveis se referem às perdas que não são suscetíveis de serem quantificadas, e atendendo a que este estudo se inscreve no âmbito de um projeto mais vasto relativo ao impacto económico das úlceras por pressão (ICE2), julgamos oportuno refletir acerca dos recursos usados pelos familiares dos doentes com úlceras por pressão, bem como sobre o papel do enfermeiro.

Quanto aos recursos, estes são sobretudo os seguintes:

- Recursos pessoais

* Recursos pessoais externos

Apoio de familiares – «(…) o meu marido toma bastante conta dele. É bastante atencioso. Vai ver a ferida…» (E3).

Apoio de cuidadora – «(…) tem uma senhora aqui todo o dia com ela (…)» (E7).

Apoio de outros profissionais de saúde – «(…) a médica de família dela agora vem cá sempre que é preciso» (E5).

* Recursos pessoais internos

Características pessoais – «(…) sou uma pessoa que em adapto a coisas complicadas (…)» (E1).

Crenças – «Demoramos quatro meses para arranjar a senhora. A gente procurava mas, é assim, havia duas, três, quatro senhoras, mas como era homem, elas não queriam. Depois, esta senhora já tinha trabalhado num lar e indicaram-ma e foi Nosso Senhor que pôs a mão» (E3).

- Recursos materiais – «(…) comprou-se uma bota para proteger» (E4).

- Recursos informativos

* Livros – «(…) eu também depois fui para os livros (…) ver aquilo o que é que poderia degenerar (…)» (E1).

Os recursos referidos, embora, na sua maioria, sejam tangíveis e, portanto, quantificáveis, são suportados pelos familiares dos doentes com úlceras por pressão. Logo, não costumam ser contabilizados nos orçamentos e relatórios financeiros produzidos pelas entidades e instituições de saúde. Além disso, há que considerar que estes recursos, não só implicam custos económicos diretos, como contribuem para um aumento das preocupações dos familiares e, consequentemente, determinam e exacerbam o sofrimento experienciado pelos mesmos.

No que concerne aos recursos propriamente ditos, estes convergem com os que foram enunciados por Santos (2008) que se refere, precisamente, à aceitação interna da situação, ao apoio informal e ajuda através da religião. Por sua vez, Petronilho (2007, p. 159) salienta a importância da informação escrita para o cuidado informal à pessoa doente no domicílio, considerando-a como “(…) um recurso valioso para clarificar algumas dúvidas que possam surgir enquanto estão sozinhos”.

Relativamente ao apoio dos enfermeiros, este foi considerado pelos familiares dos doentes com úlceras por pressão nos seguintes termos:

- Tratar a úlcera por pressão – «As enfermeiras vêm cá e fazem o tratamento» (E5).

- Apoiar – «Apoiavam, apoiavam (…) apoiavam qualquer coisa (…) com o tempo, uma pessoa, já a confiança é outra [Referindo-se ao enfermeiro]» (E1).

- Informar – «As enfermeiras diziam assim: se carregar (…) e ficar a marca não era bom sinal (…)» (E1).

- Demonstrar – «(…) ir vendo, aprendendo com vocês [Enfermeiros], eu cá aprendi foi com vocês» (E1).

- Determinar – «(…) as enfermeiras (…) perguntam sempre se ela teve febre» (E7).

De acordo com o ICN (2011, p. 100) tratar consiste numa ação do tipo “atender: cuidar, aliviando, terminando, removendo ou resguardando alguma coisa”, referindo-se, no caso dos participantes, ao conjunto de cuidados prestados à úlcera por pressão. Por sua vez, apoiar define-se como “assistir: ajudar social ou psicologicamente alguém a ser bem sucedido, a evitar que alguém ou alguma coisa fracasse, a suportar o peso (…) a aguentar” uma situação considerada difícil (ICN, 2011, p. 95). Informar é a ação de “comunicar: alguma coisa a alguém” (idem, p. 97) e, neste caso, diz respeito ao ato de transmitir informação no sentido de aumentar o conhecimento dos familiares relativamente às úlceras por pressão, quer em termos de tratamento, quer de prevenção. A este nível, também se reflete a ação de demonstrar, esta definida como “executar: mostrar (…) um comportamento observável” (idem, p. 96), que visa a aquisição e desenvolvimento de capacidades por parte do familiar para tratar uma úlcera por pressão no domicílio, caso tal se revele necessário. Por último, determinar consiste na “ação: encontrar ou estabelecer algo de modo preciso” (idem, p. 96) e, de acordo com o participante que se referiu a esta intervenção do enfermeiro, tal está associado ao ato de determinar sintomas que a pessoa com úlcera por pressão possa ter evidenciado.

Face ao exposto, denota-se a primazia percebida pelos entrevistados quanto às intervenções de cariz mais instrumental, cujo objetivo se dirige, sobretudo, para os conhecimentos e capacidades do familiar no sentido de lidar com a presença duma úlcera por pressão. Estes resultados, ainda que indiretamente, vêm ao encontro dos referidos por Petronilho (2008, p. 20) que, reportando-se a Coleman et al. (2004), afirma que “a ação dos profissionais de saúde na ajuda aos doentes e respetivos familiares cuidadores (…) no regresso a casa (…) reportam-se a informação importante sobre dimensões dos cuidados de saúde como: a gestão do regime terapêutico, a gestão da sua condição de saúde, o reconhecimento de sinais e sintomas de agravamento (…)”. Embora uma das intervenções enunciadas tenha sido o apoiar, não se evidenciou a valorização e consequente intervenção dos enfermeiros a nível do impacto emocional e do sofrimento experienciado pelo doente e familiares, devido precisamente às úlceras por pressão.

 

Conclusão

Os resultados deste estudo contribuem para uma melhor compreensão acerca do modo como os familiares vivenciam o processo de acompanhamento de um ente querido com úlceras por pressão. Tendo como objetivo determinar os custos intangíveis das úlceras por pressão, verificamos que, no âmbito do presente estudo, estes estão essencialmente associados a sentimentos de angústia, preocupação, revolta, injustiça, depressão e cansaço, os quais concorrem para a existência de sofrimento. Pese embora a limitação inerente ao facto de não ter sido possível compreender o impacto emocional das úlceras por pressão no próprio doente, constatámos que, sob o ponto de vista dos familiares, este consideram que o ente querido vivencia um processo marcado pela dor, mal-estar e sofrimento. As necessidades de informação e de cariz económico também emergiram como aspetos a considerar que, por sua vez, comportam custos, na medida em que implicam uma resposta adequada por parte dos serviços de saúde e sociais (custos tangíveis) e exacerbam o sofrimento já experienciado pelo doente e família (custos intangíveis).

Além disso, percebe-se que as úlceras por pressão têm implicações na relação existente entre a pessoa doente e o familiar, bem como na vida pessoal, familiar e social deste. Com efeito, os próprios recursos internos e externos do familiar passam a ser mobilizados em torno do ente querido e das necessidades que este possa apresentar, designadamente em termos de adaptação à situação e de definição de estratégias pessoais e familiares que lhes deem resposta.

Não obstante a relevância que as úlceras por pressão têm, há que salientar o facto de, segundo os resultados deste estudo, estas serem consideradas, pelos familiares, como mais um problema a ter em conta dentro de um quadro mais vasto inerente à condição global do doente e, portanto, como fator acrescido e exacerbante do sofrimento que está associado a esta vivência. Embora tal não seja quantificável e objetivável em termos monetários, constatamos, pois, que o sofrimento associado às úlceras por pressão comporta custos intangíveis que exigem uma atenção e intervenção privilegiada por parte dos serviços de saúde. A este propósito, e considerando que é o enfermeiro o profissional de saúde quem habitualmente se desloca com regularidade a casa dos doentes com úlceras por pressão e que lida com os familiares deste, entendemos que se encontram numa posição privilegiada na equipa de saúde no sentido de abordar e ajudar a superar o sofrimento associado a esta problemática.

 

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Estudo integrado no âmbito do Projecto ICE 2 – Investigação Científica em Enfermagem “Estudo do Impacto Económico e Social das UPP na MAC” (MAC/1/A029) – iniciativa comunitária, programa de cooperação transnacional MAC 2007-2013.

 

Recebido para publicação em: 04.08.11

Aceite para publicação em: 21.02.12

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