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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.10 Coimbra jul. 2013

https://doi.org/10.12707/RIII12137 

Equipe de saúde e familiares cuidadores: atenção ao doente terminal no domicílio

Healthcare team and family caregivers: care for the terminally ill at home

Equipo de salud y cuidadores familiares: atención al enfermo terminal en el domicilio

 

Elisabeta Albertina Nietsche*; Stephanie Cielo Vedoin**; Karla Cristiane de Oliveira Bertolino***; Márcia Gabriela Rodrigues de Lima****; Larice Gonçalves Terra****; Cátia Regina Loureiro Bortoluzzi****

* Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora da Universidade Federal de Santa Maria- UFSM [eanietsche@gmail.com].

** Enfermeira. Santa Maria (RS), Brasil [stephanie.vedoin@hotmail.com].

*** Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora do Centro Universitário Franciscano- UNIFRA- Santa Maria (RS), Brasil [karla.os@live.com].

**** Enfermeira. Mestranda em Enfermagem da UFSM- Santa Maria (RS), Brasil [grlmarcia@yahoo.com.br].

***** Graduanda do 2º semestre do Curso de Graduação em Enfermagem, UFSM- Santa Maria (RS), Brasil [lariceterra@hotmail.com].

****** Enfermeira. Graduanda, Programa Especial de Graduação de Formação de Professores para a Educação Profissional, UFSM- Santa Maria (RS), Brasil [catia.rlb@hotmail.com].

 

Resumo

Objetivou-se identificar a perceção que a equipe de saúde e os familiares cuidadores de doentes terminais em domicílio possuem em relação ao cuidado dispensado a estes durante o processo de morrer e morte.

Trata-se de uma pesquisa exploratória-descritiva, com abordagem qualitativa, realizada com cinco profissionais da saúde e quatro familiares de doentes terminais, vinculados ao Serviço de Internação Domiciliar de um hospital escola no sul Brasil, em 2009. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista semi-estruturada. Para análise dos dados empregou-se a Análise de Conteúdo de Bardin.

O domicílio é percebido como o local ideal à realização do cuidado de doentes terminais, por propiciar maior conforto e proximidade familiar. As ações educativas são fundamentais para assegurar a qualidade do cuidado prestado.

Contudo, a melhor compreensão acerca da morte pode contribuir na implementação de ações humanizadas que visem uma melhor qualidade de vida àqueles que morrem.

Palavras-chave: assistência domiciliar; cuidadores; doente terminal.

 

Abstract

This study aimed to identify the perception that the health care team and family caregivers of terminally ill at home have in relation to the care given to these during the dying and death process.

It is an exploratory-descriptive research with a qualitative approach, realized with five health professionals and four family of terminally ill, involved to the Home Care Service in a teaching school in southern Brazil, in 2009. How instrument for data collection was used the semi-structured interview.For analysis of data was used to Content Analysis of Bardin.

The home is perceived as the ideal place the care of terminally ill, by providing greater comfort and proximity family. The educative actions are fundamental to ensuring the quality of care provided.

However, a better understanding about the death may contribute to the implementation of humanized actions that aim a better quality of life those who die.

Keywords: home nursing; caregivers; terminally ill.

 

Resumen

El objetivo fue identificar la percepción que tienen el equipo de salud y los familiares cuidadores de enfermos terminales en el domicilio en relación al cuidado de estos durante el proceso de morir y la muerte.

Se trata de una investigación exploratoria- descriptiva, con enfoque cualitativo, realizada con cinco profesionales de salud y cuatro familiares de enfermos terminales vinculados al Servicio de Internación a Domicilio de un hospital universitario en el sur del Brasil, en 2009. Como instrumento de recogida de datos se utilizó la entrevista semiestructurada. Para el análisis de los datos se utilizó el Análisis de Contenido de Bardin.

El domicilio se considera el sitio ideal para el cuidado de enfermos terminales, ya que propicia una mayor comodidad y proximidad familiar. Las acciones educativas son fundamentales para garantizar la calidad de la atención prestada.

Sin embargo, una mejor comprensión acerca de la muerte puede contribuir a la realización de acciones humanizadas que apunten a una mejor calidad de vida para aquellos que mueren.

Palabras clave: atención domiciliaria de salud; cuidadores; enfermo terminal.

 

Introdução

O processo de morrer e morte tem se tornado cada vez mais institucionalizado, solitário e mecânico, visto que o medo de morrer ou de perder alguém querido nos leva a procurar os mais variados artifícios a fim de prolongar a vida. Esses artifícios, muitas vezes, se configuram em procedimentos desumanos, descaracterizando totalmente a humanização dessa etapa da vida, a qual deveria acontecer, sempre que possível, na presença das pessoas amadas, envolta de carinho e atenção, em um lugar aconchegante: o ambiente familiar.

 

Quadro teórico

A morte no domicílio é o desejo real de muitos doentes em fase terminal. Estes doentes são caracterizados como aqueles fora de possibilidades terapêuticas de cura, gravemente doentes, numa condição irreversível, os quais contam com alta probabilidade de morrer num período relativamente curto de tempo (Kipper, 2009). São doentes para os quais não há mais tratamento voltado para a eliminação da doença que deteriora o corpo físico, todavia, são pessoas que necessitam de outras demandas de cuidados vinculados às esferas física, psíquica, social e espiritual, com vista a não somente controlar os sintomas da patologia, mas também promover qualidade de vida no fim da vida (Kübler-Ross, 2008).

Nessa perspetiva, existem os serviços de internação domiciliar, onde uma equipe multiprofissional presta cuidados no domicílio do paciente de forma integral e contínua, supervisionando e orientando sobre várias ações, podendo ou não utilizar equipamentos e materiais (Lacerda et al., 2010). O referido serviço acolhe e assiste, dentre outros pacientes, os doentes terminais, no intuito de lhes propiciar medidas de conforto por meio da atuação conjunta com o familiar cuidador no domicílio, fato que reduz o tempo ou a necessidade de internamento hospitalar contínuo.

A equipe de saúde é responsável pela assistência prestada à família com o objetivo de ajudá-la, da melhor forma possível, no desempenho da sua tarefa de cuidar. Sua atividade principal é assistir ao paciente e seus familiares, para que estes possam alcançar independência e administrar os cuidados necessários de acordo com cada situação (Lacerda et al., 2010).

Porém, muitos familiares cuidadores não estão preparados para vivenciar o processo de morrer e morte do seu ente querido, sobretudo dentro das suas casas, uma vez que muitos deles não possuem essa experiência. Temem a morte por medo do sofrimento do familiar e que o ambiente fique impregnado de más lembranças, além de temer possíveis demoras com a remoção do corpo de seu domicílio (Ferreira, Souza e Stuchi, 2008).

Portanto, pode ser difícil assistir à morte de um ser humano, tanto para profissionais de saúde com experiência no cuidado como para os familiares cuidadores, pois envolve sentimentos intensos como tristeza, sofrimento, dor e até mesmo fracasso, quando se trata de um cuidado centrado na conceção curativista. São nessas situações que a própria finitude é percebida, pois a morte é presenciada através da morte do outro, e de modo não raro, projeta-se a mesma para a própria vida (Sapeta e Lopes, 2007).

Tais considerações justificam a importância de se estudar a temática em questão nos mais variados contextos, dentre os quais se destaca, neste momento, o ambiente domiciliar. Portanto, emerge como problema norteador deste estudo: qual a perceção da equipe de saúde e familiares cuidadores de doentes terminais em domicílio em relação ao cuidado dispensado a estes durante o processo de morrer e morte?

Assim, objetivou-se com este estudo identificar as perceções que a equipe de saúde e familiares cuidadores de doentes terminais em domicílio possuem em relação ao cuidado dispensado a estes durante o processo de morrer e morte.

Acredita-se que este artigo poderá auxiliar na reflexão acerca da importância de desinstitucionalizar o morrer e a morte de pacientes, considerando a possibilidade de haver maior aproximação de seu meio social, o domicílio, no último momento de vida, bem como contribuir para uma melhor compreensão do processo de morrer e morte, tanto para o familiar cuidador quanto para a equipe de saúde.

 

Metodologia

Tratou-se de um estudo descritivo-exploratório, com abordagem qualitativa. Os cenários do estudo foram o Serviço de Internação Domiciliar (SID), de um Hospital Universitário localizado numa cidade do interior do Rio Grande do Sul, e a residência de familiares cuidadores de doentes terminais vinculados a este serviço.

Este serviço foi criado em 2005, no referido hospital, com objetivo de manter a continuidade do tratamento dentro do ambiente familiar, reduzir o tempo e/ou a necessidade deinternamento hospitalar de determinados casos, bem como diminuir o risco de complicações como infeções hospitalares e o desgaste emocional da familia e do paciente (Hospital Universitário de Santa Maria. Serviço de Internação Domiciliar, 2012). A média de atendimento mensal é de 15 pacientes, seja com doenças crónicas ou em tratamento paliativo, que se destina à melhoria da qualidade de vida, diante de uma doença ameaçadora de morte, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, o tratamento da dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais (World Health Organization, 2002).

Os sujeitos da pesquisa compreenderam a equipe multiprofissional do SID, no período da coleta de dados, composta por: duas enfermeiras, uma auxiliar de enfermagem, uma médica e uma nutricionista, bem como quatro familiares cuidadoras de doentes terminais vinculados ao serviço, totalizando nove sujeitos.

A escolha destes profissionais ocorreu devido à sua importância em relação ao tema eleito para a pesquisa, consideradas, desta forma, portadoras de representatividade social numa circunstância específica. Eles possuem um contato mais direto com os pacientes terminais no domicílio, tanto em âmbito hospitalar como domiciliar.

A seleção dos familiares cuidadores ocorreu conforme a demanda do serviço no período em que foi realizado o estudo, utilizando-se os critérios de inclusão: ter idade mínima de 18 anos; estar vinculado ao SID; estar a vivenciar o processo de morte ao mesmo tempo em que presta cuidados domiciliares ao doente terminal. O convite à participação dos sujeitos foi realizado por meio de contacto pessoal com as profissionais e os familiares, momento no qual foram apresentados os objetivos desta investigação e sanadas as dúvidas que, porventura, existissem, a fim de obter a concordância para a participação na pesquisa.

A coleta de dados ocorreu em 2009, após apreciação do projeto pelo Comité de Ética em Pesquisa da universidade, sob o número nº 2308102066/2008-23. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista semi-estruturada, com as seguintes questões: «o que significa para você cuidar de um doente terminal em seu próprio domicílio?» e «qual a sua percepção a respeito do cuidado domiciliar para doentes terminais?». As entrevistas foram realizadas individualmente, em data, local e horários previamente definidos com os participantes.

Para garantir a fidedignidade das informações coletadas, as entrevistas foram gravadas em gravador do tipo mp3 player e transcritas a posteriori. Em seguida, procedeu-se à validação das mesmas, por meio da sua devolução para cada entrevistada a fim de obter a sua ratificação e aprovação quanto ao conteúdo abordado.

Os dados foram analisados e interpretados por meio da Análise de Conteúdo, conforme Bardin. Nessa técnica, considera-se a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou um conjunto de características num determinado fragmento da mensagem. Este tipo de análise é uma técnica que permite, de forma prática e objetiva, produzir inferências do conteúdo da comunicação de um texto, replicáveis ao seu contexto social (Bardin, 2009).

No primeiro momento da análise e interpretação dos dados realizou-se a comparação entre o conteúdo das entrevistas, agrupando quando havia semelhança. Na sequência, esse conteúdo foi articulado com referenciais da área estudada a fim de embasar, comparar e discutir teoricamente os resultados da investigação.

Ainda, assegurou-se a preservação da dignidade, respeito à autonomia e defesa da vulnerabilidade dos seres envolvidos na pesquisa, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde, 1996). A fim de garantir o sigilo da identidade dos sujeitos, foram adotados os códigos “P” (P01, P02...), relativo aos profissionais que integram a equipe do Serviço de Internamento Domiciliar, e “F” (F01, F02,...), referentes aos familiares cuidadores.

 

Resultados

Os participantes do estudo são todos do sexo feminino. Assim, tomando por base as falas das profissionais do SID e das familiares cuidadoras dos doentes terminais em domicílio, emergiram três categorias: o domicílio (espaço destinado ao cuidado focado nas singularidades do doente terminal); A educação e preparação para o cuidado ao doente terminal e as possibilidades do cuidado humanizado.

 

O domicílio: espaço destinado ao cuidado focado nas singularidades do doente terminal

A perceção das entrevistadas acerca do local ideal para a realização do cuidado aos doentes terminais apresenta divergências entre o ambiente domiciliar e o ambiente hospitalar. Algumas preferem cuidar no domicílio por haver maior familiaridade do local entre pacientes e familiares, como descrito nas falas abaixo:

“O cuidado de um paciente terminal no domicílio é uma evolução na medicina e cuidados paliativos em geral, porque o paciente tem o conforto do lar, próximo à família e consegue se manter mais aconchegante, mais tranquilo do que se estivesse num hospital, cuidado por pessoas estranhas (...). Isso melhora o tratamento (...) no fim da vida” (P01).

“Acredito que quando cuidamos de uma pessoa na própria casa dela, ela estando no ambiente onde está acostumada, ela tem mais privacidade (...), escolhe o jeito que pretende morrer porque pode se cercar de toda a família, se quiser, ou pode escolher só um familiar para ficar junto com ela” (P02).

Os profissionais asseguram que a escolha pelo cuidado no domicílio justifica-se porque ele propicia maior convívio entre o enfermo e a sua família, pela possibilidade de desfrutar do conforto do lar, mas também permite aos familiares cuidadores o retorno das atividades rotineiras. Além disso, o ato de cuidar no ambiente domiciliar possibilita uma maior perceção das legítimas necessidades do paciente, de acordo com a realidade das pessoas que vivem e convivem nesse ambiente, possibilitando uma assistência mais humanizada, focada no indivíduo, de acordo com o relato a seguir:

“Na casa, a gente está perto de tudo aquilo que constitui a vida que está terminando, das coisas dele [paciente] (...), relações pessoais, pequenas perceções, animais de estimação. Eu acho que o fato de estar ali possibilita que a gente possa ter um olhar diferenciado e mais voltado para o que ele realmente precisa, o que ele realmente espera de nós. (...) Ali [domicílio] você está diante de toda uma situação de vida que no hospital você não consegue dimensionar porque não conhece a realidade da vida das pessoas” (P03).

Por outro lado, este depoimento evidencia que a preferência pelo cuidado no ambiente hospitalar se dá pela presença dos profissionais da saúde, uma vez que a residência do doente não apresenta todo o suporte hospitalar, no tocante a tecnologia, profissionais tecnicamente especializados e assistência ininterrupta diária. Estes fatores geram um sentimento de segurança para os familiares, somados ao fato de que no domicílio eles são os responsáveis pelo cuidado, ainda que não se sintam preparados para tal. Tal questão é apontada nas falas a seguir:

“[A paciente] prefere até, às vezes, estar no hospital, porque ela se sente mais segura. É porque tem as enfermeiras ali (...). Mas os medicamentos os mesmos que ela recebe em casa, recebe no hospital” (F01).

“Estando num hospital (...), a visão é que tu ainda está fazendo alguma coisa. (...) Ainda existe possibilidade. (...) Claro que reanimar uma pessoa quando está no estágio terminal não teria possibilidade, não seria ético (...) tu estás indo pro hospital é porque ainda há alternativas” (F04).

Como apontam esses familiares, a assistência domiciliar para pacientes em fase final de vida enfoca basicamente as medidas de conforto, como, por exemplo, o alívio da dor e do sofrimento. Mesmo sendo de grande importância, este serviço ainda não apresenta muita visibilidade, pois os seus resultados consistem em pequenas manifestações que interferem na qualidade de vida e morte do doente, mas que não alteram seu prognóstico. Entretanto, a despeito disso, a internação hospitalar é percebida como uma nova hipótese, uma nova possibilidade de tratamento, independentemente do estado do doente.

 

A educação e preparação para o cuidado ao doente terminal

O papel desenvolvido pela equipe multiprofissional do SID é percebido, em síntese, pela preparação e orientação da família para receber e assistir o doente no domicílio, o que objetiva proporcionar, além de outros fatores, segurança e tranquilidade para os cuidadores, além de ser interpretado como uma continuação do tratamento dadono ambiente hospitalar. Percebe-se isso na fala abaixo:

“Os profissionais de saúde têm que trabalhar e ajudar eles (os familiares) a se organizarem, dar o melhor atendimento, segurança e tranquilidade pra que eles tenham aquele atendimento, mas sempre respeitar o desejo, a vontade do doente, enquanto ele puder verbalizar. Mas a gente consegue trabalhar desde que as pessoas estejam abertas e dispostas a (...) lidar com aquilo” (P05).

“Preparar os cuidadores é preparar uma pessoa para o resto da vida e ela vai reproduzir isso (...) na relação familiar que ela tem, na sociedade, na vizinhança. Enfim, tu estás construindo, de uma forma até não intencional, a educação em saúde” (P03).

Tais depoimentos indicam que a equipe de saúde necessita conhecer a real situação desse doente no intuito de aproximar os seus familiares, proporcionar conforto e tranquilidade a todos os envolvidos e esclarecer todas as possíveis dúvidas que vierem a existir. Visto que a atuação dos familiares no contexto da finitude humana está associada, principalmente, ao subjetivo e à doação de sentimentos, além da reprodução consciente das informações técnicas ensinadas pela equipe do SID. Isso é abordado na fala do cuidador a seguir:

“Desejamos proporcionar ao doenteo conforto, o amor, o carinho (...), o conforto da alma. (...) O tratamento vem da parte do hospital e a gente tenta, da melhor forma, seguir o que eles pedem. Claro que a gente precisa deles (equipe) para continuar esse tratamento. A gente sozinha não faz, não está acostumado, tenta fazer o melhor possível. E quando a gente precisa de ajuda, eles prontamente ajudam” (F04).

Em outros trechos, alguns cuidadores e profissionais asseguram que a atenção no domicílio, muitas vezes, não ocorre por falta de prepararação do familiar, ou pouca compreensão e incapacidade para identificar as necessidades do paciente. Isso é dito a seguir:

“É triste de ver. (...) A mãe faz seis meses que está na cama, não fala nada. É bravo pra mim. Não saber o que a pessoa quer (...). A gente que não compreende essas coisas” (F03).

“A grande maioria deixa de cuidar porque não quer, (...) então rejeitam, (...) não sabem o que fazer com aquele doente que está terminal em casa” (P03).

“Tem alguns que a gente percebe que querem realizar aquela atividade porque estão dispostos a cuidar daquele doente. Tem outros que (...) nitidamente não gostariam e estão fazendo aquilo porque não têm outra pessoa que faça. E, às vezes, a gente percebe que fica só uma pessoa. (...) É difícil mesmo pensar que a qualquer momento aquela pessoa vai morrer e tu vais estar sozinha” (P05).

Essas falas apontam que, além do fato de saber ou não saber como cuidar e da vontade de querer ou não quere ser cuidador, o familiar que assiste ao paciente terminal, com frequência, é visto como um obstáculo na realização do cuidado, muitas vezes agravado pela falta de apoio da própria família, a qual, comumente, sobrecarrega um dos seus membros.

No tocante ao preparo dos profissionais da saúde para trabalhar com essa clientela em processo de morrer e morte, alguns deles relataram que não tiveram preparação adequada, durante o período de formação académica, para lidar em seu quotidiano de serviço com os doentes terminais, como salienta a seguinte entrevistada:

“Na minha formação, eu nunca tive nenhuma aula que trabalhasse essa temática. A gente trabalhou um pouco sobre conceitos de morte, essas coisas. E fora isso ficou bem no raso. (...) Eu, quando me vi diante da primeira situação de morte, não sabia o que fazer, como 100% das pessoas” (P03).

Portanto, esta profissional assegura que a falta de prepararação para o cuidado do doente terminal não é exclusividade dos profissionais da área da saúde, mas, de certa forma, é um problema que rodeia o ser humano de forma geral, o qual evita qualquer lembrança que remeta à sua própria finitude.

 

Possibilidades do cuidado humanizado

Mesmo estando fora de possibilidades de cura, ainda existe muito a ser feito pelo doente terminal. Aliada a parte clínica e técnica, tem-se a parte relacional do cuidado, que é de extrema importância nesta etapa, como tratado nessas falas:

“Acho que é uma grande oportunidade da gente exercitar a chamada humanização, o respeito ao outro, enfim, valores que parecem tão básicos e tão simples, ainda mais em um ambiente externo e até hostil como é o hospital. (...) Não se consegue ter um cuidado com esses valores, com essas singularidades do indivíduo. Então, pra mim, o cuidado domiciliar ao paciente terminal significa basicamente isso: respeito à individualidade das pessoas, o exercício maior de compaixão humana. (...) É a possibilidade de ser mais humano e menos intervencionista” (P03).

“Ela (paciente) precisa de cuidados especiais e, não mais daqueles cuidados de fazer o curativo, instrumental, de fazer uma técnica. Isso é necessário, mas ela precisa de algo mais. Assim, dessa coisa da relação, de dar espaço para ouvir ela. (...) Para conseguir conversar, demonstrar que a gente está ali. (...) Acho que a gente tem que conseguir oferecer outras formas de cuidado como (...) afeto, escuta, presença” (P05).

Conforme exposto nas falas acima, percebe-se a necessidade de haver o resgate do aspeto humano do cuidado profissional, que muitas vezes, é esquecido e, até mesmo, banalizado, em detrimento de cuidados curativistas e tecnicistas. Desta forma, torna-se importante que pacientes e profissionais estabeleçam uma relação de respeito ao próximo, pautada no diálogo e na compreensão.

 

Discussão

No Brasil, os serviços de internamento domiciliar organizam-se desde 2002. Entretanto, o processo de internamento domiciliar do doente terminal exige da família que um dos seus membros assuma a responsabilidade pelos cuidados (Oliveira et al., 2012).

A permanência no domicílio permite ao paciente terminal manter por mais tempo a sua funcionalidade e o controle sobre si mesmo, bem como proporcionar a continuidade das suas relações familiares e sociais (Inocenti, Rodrigues e Miasso, 2009). Além disso, a Medicina Paliativa aponta como prioridade a manutenção do paciente em sua casa, para que o mesmo desfrute de maior qualidade de vida, carinho e atenção daqueles que o cercam, podendo ter minimizado, o seu medo de morrer (Oliveira, Bretas e Yamaguti, 2007).

Assim, como lembra Figueiredo e Figueiredo (2007) o ambiente hospitalar não seria o mais desejável quando se pensa na finalidade dos cuidados paliativos. Pois, nesse espaço convive-se com ruídos excessivos, ausência demasiada de privacidade e conforto, o emprego de inúmeras rotinas e procedimentos desgastantes, a comida é padronizada e, comumente, pouco atraente ao paladar.

Entretanto, o internamento hospitalar do paciente terminal pode ser confundido pelo familiar cuidador como possibilidade de cura, o que evidencia a substituição da condição de morte pelo conceito de doença grave. Essa tentativa de fazer mais alguma coisa pode ser remetida ao desejo de não ficar com culpa por não ter tomado atitude diante da morte do paciente, e, simplesmente, deixá-lo morrer. Outro ponto, nesta oscilação de consciência por parte do cuidador, refere-se à constante busca de algo a mais para fazer, a fim de obter a cura do paciente (Hoye e Severinsson, 2010).

Isso acontece porque as relações que as pessoas estabelecem, sobre a terminalidade, são permeadas de diversas formas de enfrentamento, representando alguns desafios para cuidador familiar e para o paciente terminal, pois implica a observação e acompanhamento da finitude do ser humano (Oliveira et al., 2012).

O cuidador, independentemente das possibilidades terapêuticas, altera a dinâmica familiar, redimensiona a sua vida para conviver com a doença e as implicações dela consequentes. Tal situação pode acarretar na sua sobrecarga, já que, geralmente, assume sozinho a responsabilidade pelos cuidados, pois a maior parte dos membros da família não participa dessa rotina ou, quando se faz presente, é de forma esporádica e fragmentada. Neste contexto, pode haver perda progressiva de energia, fadiga e esgotamento emocional do cuidador, bem como comprometer a qualidade do cuidado prestado (Ribeiro, 2010).

Sob outro enfoque, a equipe do SID desempenha um atendimento interdisciplinar fundamental para o estímulo e acompanhamento da família, durante o processo de recuperação ou em tratamento paliativo, por meio de orientações na atividade de cuidar no domicílio. Essas ações educativas permitem que o familiar seja imbuído de autonomia, tanto para o cuidado do paciente quanto para os cuidados consigo mesmo (Oliveita et al., 2012).

Todavia, para que isso ocorra é essencial que o cuidador realmente tenha interesse e esteja disposto a desempenhar tal função. Assim, Gargiulo et al. (2007) assegura a necessidade do estímulo para os diálogos, as reflexões e os questionamentos, ao passo que as pessoas tem a opção de aceitar ou rejeitar, adotar ou não novos conhecimentos.

Por consequência, a equipe de saúde do SID deve apresentar conhecimentos científicos e competência técnica para fornecer orientações de cuidado, além de habilidade nas relações interpessoais, para lidar com questões emocionais, tanto do paciente que morre, quanto do cuidador que assiste o definhamento do seu ente querido. Para Galvão e Pinochet (2009), a educação, nesse processo, é de grande importância para que se alcancem os objetivos propostos, possibilitando uma maior integração equipe-família-paciente.

Em virtude disso, os cursos de formação académica devem oferecer maior espaço para trabalhar com a relação profissional - paciente e o contato com as emoções e sentimentos, que as relações com os doentes e familiares provocam, e que também fazem parte do seu quotidiano. Segundo Junqueira e Kóvacs (2008), atualmente, as questões sobre a terminalidade humana e a morte propriamente dita recebem, geralmente, um enfoque superficial e simplista (quando não técnica) de ensino, com ênfase na preservação da vida e na busca da cura, tornando banalizado um conteúdo complexo que desperta sentimentos e emoções naqueles que vivenciam a sua ocorrência.

Contudo, a prestação do cuidado ao paciente terminal no domicílio, para ser considerada de forma efetiva, requer do profissional da saúde não só o conhecimento da patologia em si, mas a perceção para identificar as necessidades não ditas, para compreender o que se oculta atrás das palavras, para entender o processo de morrer e morte e auxiliar o paciente, cuidador e demais familiares (Porto e Lustosa, 2010).

Há que se resgatar o humanismo perdido nas modernas “ações da saúde, cheias de tecnologia e de eficácia curativa, mas tristemente sem significado no que diz respeito à empatia, ao amor, à afetividade, ao calor humano e, portanto, incapazes de eficácia integral no consolo ao sofrimento do indivíduo” (Porto, Lustosa, 2010, p. 78).

Assim, o processo de humanização em saúde deve resgatar a singularidade e integralidade no cuidado ao paciente em fase terminal, considerando que ele, muitas vezes, apresenta-se frágil e com limitações de natureza psicossocial, espiritual e física (Oliveira et al., 2011).

Em síntese, o cuidado ao doente terminal em domicílio possibilita um olhar direto ao paciente, sujeito de uma vida e história e não como prisioneiro de uma doença em fase final, talvez esse seja o componente mais importante das práticas de saúde. Pois, mesmo que a presença da morte seja eminente, sempre haverá possibilidade de resgate, adaptação e de manutenção da dignidade e qualidade de vida.

 

Conclusão

A presente pesquisa estudou as vivências da equipe de saúde e familiares cuidadores de doentes terminais no domicílio. Neste contexto, o domicílio é relatado como local ideal para a realização do cuidado de doentes terminais, pois este propicia conforto, privacidade, liberdade além da proximidade com a família, o que vem ao encontro dos preceitos da paliação. O hospital, por sua vez, oferece maior segurança uma vez que disponibiliza de todo um aparato tecnológico e assistência diária de profissionais da saúde.

O trabalho da equipe do serviço de internação domiciliar consiste principalmente na preparação e orientação da família para receber o paciente no domicílio, além do suporte assistencial, sendo percebido também como a continuidade do tratamento oferecido pelo hospital. Além disso, evidenciou-se a importância de uma escuta e de um olhar diferenciado nesta etapa da vida, somado à falta de preparação para lidar com a morte proveniente de uma educação académica insipiente e do despreparo emocional-pessoal.

A partir do presente estudo, observa-se a necessidade de se trabalhar a questão da morte nos mais variados contextos, não somente nos cursos de graduação, que ajudaria num melhor preparo dos profissionais da saúde refletindo numa melhor assistência aos pacientes em fase terminal e aos seus familiares, mas no quotidiano, com o objetivo de atingir as pessoas em geral, para que tenham uma melhor compreensão a respeito desta fase da vida que implicaria, de certa forma, uma melhoria da qualidade de vida e morte da população.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 27.09.12

Aceite para publicação em: 15.05.13

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