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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.3 Coimbra dez. 2014

https://doi.org/10.12707/RIII1293 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Análise microbiológica de superfícies inanimadas de uma Unidade de Terapia Intensiva e a segurança do paciente

Microbiological analysis of inanimate surfaces in an Intensive Care Unit and patient safety

Análisis microbiológico de superficies inanimadas en una Unidad de Cuidados Intensivos y la seguridad del paciente

 

Vanessa Maria Sales*; Elizandra Oliveira**; Regina Célia***; Fernando Ramos Gonçalves****; Camylla Carvalho de Melo*****

* Enfermeira Terapia Intensiva do Hospital da Restauração-Secretaria Estadual de Saúde, Recife (PE), Brasil [elizandra.cassia@bol.com.br]. Morada para Correspondência: Estrada do Arraial, 2495, apto 502 -Tamarineira, CEP: 52051-380 – Recife (PE), Brasil.

** Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pelo Programa Associado de Pós-graduação em Enfermagem UPE/UEPB (PAPEnf UPE/UEPB). Recife, Pernambuco, Brasil. Coordenador de Enfermagem da Terapia Intensiva do Hospital da Restauração--Secretaria Estadual de Saúde, Recife (PE), Brasil.

*** Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo/Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (USP/EERP). Docente do PAPGEnfUPE/UEPB, Recife, Pernambuco, Brasil.

**** Enfermeiro. Mestre, Docente da FENSG/UPE. Doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento-CCS/UFPE.

***** MeSc., Ciências pela Fiocruz. Especialista em Microbiologia. Microbiologista do Hospital da Restauração, Departamento de Biomédica, 50800070, Recife-Pe, Brasil [camyllacm@gmail.com].

 

RESUMO

Enquadramento: O ambiente hospitalar tem estreita ligação com as infeções hospitalares devido ao fato das superfícies inanimadas poderem abrigar micro-organismos de importância epidemiológica.

Objetivos: Analisar microbiologicamente as superfícies inanimadas numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI), bem como o padrão de resistência e sensibilidade de bactérias Gram-Negativas encontradas nessas superfícies.

Metodologia: Estudo transversal, exploratório, prospetivo com abordagem quantitativa. Amostra composta por equipamentos/materiais e mobiliários de maior contacto com os pacientes e profissionais na Unidade de Terapia Intensiva. Dados analisados estatisticamente pelo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17. Das 49 amostras analisadas, 24,4% foram positivas para Acinetobacter baumannii multirresistente.

Resultados: Os equipamentos/materiais e mobiliário que obtiveram positividade foram: respirador, bomba de infusão, estetoscópio, grades da cama e mesa de evolução clínica. As bactérias isoladas apresentaram 100% de resistência aos grupos das cefalosporinas, carbamazepênico, quinolonas e nitrofuranos, com 100% de sensibilidade a Polimixina, Glicilciclina e aminoglicosídeo.

Conclusão: Superfícies inanimadas em UTI são fontes de patógenos com alta resistência antimicrobiana e representam um desafio na garantia da segurança do paciente.

Palavras-chave: resistência a fármacos; Unidade de Terapia Intensiva; infeção hospitalar.

 

ABSTRACT

Theoretical framework: The hospital has close links with hospital infections due to the fact that inanimate surfaces can harbor microorganisms of epidemiological importance.

Objectives: To microbiologically analyze inanimate surfaces in an Intensive Care Unit (ICU), as well as the resistance and sensitivity pattern of gram-negative bacteria found in these surfaces.

Methodology: Cross-sectional, exploratory, prospective study with a quantitative approach. Sample composed of equipment/materials and furniture in direct contact with patients and professionals at the ICU. Data were statistically analyzed using the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) software, version 17. Of the 49 samples analyzed, 24.4% were positive for multidrug-resistant Acinetobacter baumannii.

Results: The following equipment/materials and furniture tested positive: respirator, infusion pump, stethoscope, bed rails and clinical outcome table. Bacterial isolates were 100% resistant to cephalosporins, carbapenems, quinolones, and nitrofurans, and 100% sensitive to polymyxins, glycylcycline and aminoglycosides.

Conclusion: Inanimate surfaces in ICUs are sources of pathogens with high antimicrobial resistance and represent a challenge in ensuring patient safety.

Keywords: drug resistance; Intensive Care Unit; hospital-acquired infection.

 

RESUMEN

Marco Contextual: El ambiente hospitalario tiene una estrecha relación con las infecciones hospitalarias, debido al hecho de que las superficies inanimadas pueden albergar microorganismos de importancia epidemiológica.

Objetivo: Analizar microbiológicamente las superficies inanimadas en una Unidad de Cuidados Intensivos, así como el patrón de resistencia y sensibilidad de las bacterias Gram negativas encontrado en estas áreas.

Metodología: Estudio transversal, exploratorio, prospectivo y con enfoque cuantitativo. La muestra estuvo formada por los equipos / materiales y mobiliario con los que más contacto tienen los pacientes y los profesionales de la unidad de cuidados intensivos. Los datos se analizaron estadísticamente mediante el Paquete Estadístico para Ciencias Sociales (SPSS), versión 17. De las 49 muestras analizadas, el 24,4 % fue positivo para Acinetobacter baumannii multirresistente.

Resultados: Los equipos / materiales y mobiliario que dieron positivo fueron respirador, bomba de infusión, estetoscopio, barandillas de la cama y mesa de resultados clínicos. Las bacterias aisladas mostraron una resistencia del 100 % a los grupos de las cefalosporinas, carbamazepinas, quinolonas y nitrofuranos, con un 100 % de sensibilidad a la polimixina, glicilciclina y aminoglucósidos.

Conclusión: Las superficies inanimadas en la UCI son una fuente de patógenos con alta resistencia antimicrobiana y representan un desafío para garantizar la seguridad del paciente.

Palabras clave: resistencia a medicamentos; Unidades de Cuidados Intensivos; infección hospitalaria.

 

Introdução

As UTI`s (Unidades de Terapia Intensiva) são consideradas epicentros de resistência bacteriana, sendo a principal fonte de surtos de bactérias multirresistentes, responsáveis por um grande número de infeções relacionadas com a assistência à Saúde. Esses micro-organismos, ao longo dos anos, têm desenvolvido resistência aos antibióticos de uso comum e até impenetráveis às novas terapias, gerando na comunidade cientifica preocupação com a temática resistência bacteriana (Oliveira & Silva, 2008).

A incidência de infeção hospitalar associada a micro- -organismos resistentes tem aumentado em todo o mundo. Nos Estados Unidos, mais de 70% das bactérias isoladas nos hospitais são resistentes a pelo menos um antibiótico comumente utilizado no tratamento da infeção. A aquisição de micro-organismos ocorre, geralmente, a partir da transmissão pelo contato das mãos dos profissionais com os pacientes e pelo contato direto do paciente com material ou ambiente contaminado (Oliveira, Silva, Díaz, & Iquiapaza, 2010).

Neste contexto a segurança do paciente apresenta-se como um componente estruturante e uma variável essencial para a qualidade em saúde. Estudar a contribuição do ambiente hospitalar na transmissão de patógenos é de suma importância nesse contexto, visto que pode elucidar algumas questões envolvendo a tríade: micro-organismo – suscetível – ambiente, como também levantar reflexões acerca das ações dos profissionais de saúde no ambiente de trabalho, considerando o seu papel na transmissão das infeções. Este estudo teve como objetivo analisar microbiologicamente as superfícies inanimadas em Unidade de Terapia Intensiva, bem como o padrão de resistência e sensibilidade de bactérias Gram- -Negativas encontrado nessas superfícies.

 

Enquadramento

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2010) define microorganismos multiresistentes como microorganismos resistentes a diferentes classes de antimicrobianos testados em exames microbiológicos e microorganismos pan-resistentes com resistência comprovada in vitro a todos os antimicrobianos testados em exame microbiológico. São considerados, pela comunidade científica internacional, patógenos multiresistentes causadores de infeções/colonizações relacionadas com a assistência à saúde: Enterococcus spp. resistente aos glicopeptídeos, Staphylococcus spp. resistente ou com sensibilidade intermediária a vancomicina, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Enterobactérias resis­tentes a carbapenêmicos (ertapenem, meropenem ou imipenen).

O mecanismo de resistência desenvolvido pelas bactérias aos antimicrobianos dá-se naturalmente por resistência a uma classe de agentes antimicrobianos, que se chama de resistência natural. Além disso, há o mecanismo de resistência adquirida, onde inicialmente populações suscetíveis de bactérias tornam-se resistentes a um agente antimicrobiano através de mutação e seleção ou através da aquisição de informações de genes de outras bactérias que codificam a resistência (Tenover, 2006).

Damasceno (2010) e Kramer, Schwebke, e Kampf (2006) apontam que equipamentos e superfícies inanimadas próximas ao paciente, tocadas com frequência pelos profissionais, soluções e água podem tornar-se contaminados e constituir um reservatório de patógenos multiresistentes. Destacam que pelo pouco número de pesquisas relacionadas ao tema, estudos são necessários para determinar as características epidemiológicas de microorganismos de importância clínica para o serviço, já que o perfil das infeções varia entre as instituições, quando presentes nas superfícies, soluções, equipamentos e possível semelhança com resultados positivos de culturas dos pacientes. Um contacto de mão única, com uma superfície contaminada, resulta num grau variável de transferência de patógenos. Mãos contaminadas também podem ser a fonte de re-contaminação da superfície.

É importante refletir sobre um princípio da Organização Mundial de Saúde (OMS) que coloca a segurança do paciente como prioridade nos serviços de saúde, considerando a necessidade de um cuidado limpo, livre de contaminações. Existe uma provável relação entre a presença de patógenos resistentes em superfícies e equipamentos do ambiente hospitalar e a frequência no qual são limpos, a forma como é realizada a limpeza, o uso adequado dos desinfetantes e técnica adequada de desinfeção (Oliveira & Damasceno, 2010).

A avaliação microbiológica das superfícies do ambiente hospitalar, apesar do custo elevado, é indicada para investigações de surtos quando fontes ambientais estão implicadas epidemiologicamente na disseminação de infeções (Centers for Disease Control and Prevention, 2003).

A segurança do paciente é definida como a ausência de acidentes ou ferimentos evitáveis produzidos durante o processo de cuidados em saúde. Inclui todas as ações, elementos estruturais, processos, ferramentas e metodologias compatíveis com as evidências científicas, realizadas a fim de minimizar o risco de um evento adverso na prestação de um serviço de saúde e minimizar os danos. Promovendo um cuidado que atenda aos padrões de segurança elevados (Fernandes & Queirós, 2011). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a segurança é um princípio fundamental do cuidado do paciente e um componente crítico da gestão da qualidade. A sua melhoria exige uma tarefa complexa, que afeta todo o sistema, que envolve uma ampla gama de medidas para melhorar a gestão de riscos de segurança, desempenho e ambiente.

 

Metodologia

Estudo transversal do tipo descritivo exploratório, prospetivo com abordagem quantitativa. O estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do adulto composto por 28 leitos do Hospital da Restauração da cidade do Recife, Pernambuco, Brasil. A população foi composta por todos os equipamentos/materiais e mobiliários que compõem a Unidade de Terapia Intensiva.

A amostra foi composta por equipamentos/materiais e mobiliários de maior contacto com os pacientes e profissionais. Foram selecionados: respiradores mecânicos, bombas de infusão, monitores cardíacos, estetoscópios, grades da cama, maçaneta interna da porta de entrada e saída, da gaveta de cabeceira do leito, mesa de evolução clínica e telefone.

A colheita de dados foi realizada no mês de junho de 2012 após apreciação e aprovação pelo Comité de Ética em Pesquisa da instituição selecionada (CAAE n° 0056.0.102.000-11). Os materiais/equipamentos para a colheita foram agrupados em dois grupos distintos, amostragem por conveniência: grupo 1: pacientes em isolamento de contato por Acinetobacter baumannii multirresistente e grupo 2: pacientes não – isolados. Para composição pareada do 1º com o 2º grupo, foi realizado um sorteio simples para eleição dos leitos. Dessa forma, o grupo 1 foi formado pelos leitos 5, 6, 7 e 10 e o grupo 2 pelos leitos 3, 9, 12 e 18.

As amostras foram colhidas em turnos diurnos no horário das 8 horas pelo próprio pesquisador, antes da limpeza diurna dos equipamentos, sem aviso prévio, com rolamento dos swabs nas superfícies dos locais selecionados. Não foi utilizado neutralizante de desinfetante após colheita das amostras, nem padronizado os tamanhos das áreas que foram colhidas as amostras. O serviço utiliza para limpeza das superfícies desinfetante com características bactericida, virucida, fungicida, tuberculicida e esporicida. Segundo o CDCP (2003) a colheita de amostragem ambiental deverá seguir técnica asséptica e as superfícies deverão estar visivelmente limpas. O ponto de colheita de cada equipamento/materiais e mobiliários são apresentados na Tabela 1. Os swabs, após utilização, foram introduzidos em tubo com 1 ml de solução salina tamponada e esterilizada. Em seguida, transportados até ao laboratório, onde foi realizada a semeadura superficial e espalhamento em Placas de Petri com meio de cultura Ágar-sangue. As amostras, após identificação, foram levadas para estufa a 35º onde permaneceram por 24 horas.

As colónias bacterianas formadas foram analisadas macroscopicamente, com enfoque na pesquisa de bactérias Gram-Negativas, grupo onde se enquadram os patógenos multirresistentes de importância epidemiológica para o serviço. Em seguida, essas colónias foram isoladas com a alça de platina e semeadas em meio de cultura cromogênico CPS da bioMerieux (Marcy I’Etoile, France). Não foi realizada contagem do crescimento microbiano. Após 24 horas, foi realizada a diluição em meio salino estéril na escala de 0,5 de McFarland para leitura automatizada em equipamento Vitek 2 Compact bioMerieux (Marcy I’Etoile, France), para identificação das bactérias e realização do antibiograma. Foram testados os antimicrobianos padronizados no serviço: Aminnoglicosídeos (Amicacina, Gentamicina), B-lactâmicos (Ampicilina, Cefepime, Cefalotina, Cefotaxime, Ceftazidime, Imipenen, Meropenem, Piperaciclina, Amoxacilina), Quinolonas (Ciprofloxacina, Levofloxacina, ácido nalidixico), Polimixina (Colistina), Glicilciclinas (Tigeciclina), Nitrofuranos (Nitrofuraz).

Na análise dos dados foram utilizadas técnicas de estatística descritiva por meio de distribuições absolutas e percentuais. Foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson como técnica de estatística inferencial. A margem de erro utilizada na decisão dos testes estatísticos foi de 5%. O programa estatístico utilizado para digitação dos dados e obtenção dos cálculos estatístico foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.

 

Resultados

Obteve-se um total de 49 amostras colhidas, onde 46 amostras referem-se aos equipamentos/materiais (respiradores mecânicos, bombas de infusão, monitores cardíacos, estetoscópios e grades da cama,) e 3 amostras referem-se aos mobiliários (mesa de evolução clinica, telefone e maçanetas) conforme a Tabela 2. Foram positivas para Acinetobacter baumannii multirresistente 12 amostras, correspondendo a 24,4% do total da amostra.

Na avaliação das frequências da presença da bactéria Acinetobacter baumannii multirresistente nas superfícies de equipamentos/materiais e mobiliários, segundo o grupo de pacientes em isolamento de contato ou não em UTI, vê-se, na Tabela 3, a presença de Acinetobacter baumannii multirresistente em 83% (5/6) dos respiradores, seguido de 37,5% (3/8) das bombas de infusão, 25% (2/8) dos estetoscópios e 12,5% (1/8) das grades da cama. Vê-se ainda na Tabela 3 a frequência da presença da bactéria Acinetobacter baumannii multirresistente, nos equipamentos/materiais, segundo o grupo de pacientes em isolamento de contato ou não em UTI. Observa-se que para o grupo 1 (pacientes em isolamento) a contaminação foi de 22,7% positiva para Acinetobacter baumannii multirresistente nos equipamentos/materiais. No grupo 2 (pacientes não isolados) foi de 25% para Acinetobacter baumannii multirresistente nos equipamentos/materiais. Nesse caso não houve diferença estatística significativa.

A Tabela 4 demonstra o padrão de resistência e sensibilidade a antimicrobianos das cepas de Acinetobacter baumannii multirresistente nas amostras de superfícies inanimadas em UTI. Foi evidenciado a resistência de todas as amostras às cefalosporinas, carbapenêmicos, B-lactâmicos, nitrofuranos, sulfas e, sensibilidade para Amicacina (aminoglicosídeo), Colistin (Polimixina) e Tigeciclina (Glicilciclinas).

 

Discussão

O crescimento microbiano predominante de Acinetobacter baumannii multiresistente nas superfícies de materiais e equipamentos estudados mostra a relevância deste patógeno no contexto hospitalar, uma vez que cepas de Acinetobacter têm a capacidade de sobreviver em superfícies secas por periodos longos de tempo, mantendo a sua capacidade de multiplicação e infectividade (Menezes, 2007).

Profissionais de saúde também podem tornar-se colonizados. Porém, pacientes imunocomprometidos, submetidos a um vasto número de procedimentos invasivos e tratados com antibioticoterapia de largo espectro, como os pacientes de UTI, estão mais vulneráveis a adquirir infeções por Acinetobacter baumannii, causa frequente dos casos de pneumonia nosocomial. A literatura cita também uma crescente preocupação com o aumento da resistência de Acinetobacter a antimicrobianos em todos os continentes (Allen & Hartman, 2005).

Como a causa do isolamento de contato dos pacientes inclusos no grupo dos infetados foi o Acinetobacter baumannii, houve uma grande probabilidade de superfícies inanimadas, na área circundante ao leito, se tornarem contaminadas pelo mesmo microrganismo, através do toque frequente dos profissionais envolvidos na assistência. Em conformidade com os nossos resultados, é citado um estudo em UTI neurocirúrgica, diante de um surto de Acinetobacter baumannii, que obtiveram uma correlação direta entre o número de isolados ambientais e o número de pacientes que foram colonizados ou infetados com a mesma cepa durante o período analisado. Nesse caso, durante surtos, o ambiente pode desempenhar um papel significativo para a transmissão de patógenos nosocomiais. No nosso estudo houve 100% de similaridade fenotípica entre o resultado das culturas ambientais com culturas dos pacientes isolados; onde se observou a positividade do Acinetobacter baumannii nas superfícies selecionadas (Kramer et al., 2006). As evidências apontam que a medida mais eficaz no combate às infeções hospitalares é a higienização das mãos. Essa prática é fundamental para a redução da disseminação da resistência bacteriana. A última recomendação oficial sobre a higienização de mãos foi proposta em 2002, pelo CDC, e oficializada no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2010), sugerindo que esta seja realizada com sabão antisséptico (PVP-I ou clorexidina 2%) antes e após o cuidado aos pacientes com isolamento de micro- -organismos resistentes.

Esta medida fundamenta-se essencialmente no fato de que os profissionais responsáveis pelo cuidado em saúde frequentemente podem estar envolvidos na disseminação da resistência bacteriana a partir de atos aparentemente inócuos como: tocar a pele intacta de um paciente colonizado, apoiar a mão na cama do paciente ou mesmo na maçaneta, prontuário ou telefone, podendo resultar na sua contaminação (Oliveira & Silva, 2008).

Há possibilidade dos micro-organismos resistentes persistirem nas mãos, objetos inanimados, superfícies/ambientes e de serem transmitidos de um paciente a outro ou para superfícies e ambientes quando os profissionais de saúde não exercitam o hábito da higiene das mãos, perpetuando assim a cadeia de transmissão (Oliveira et al., 2010).

Entretanto, os equipamentos que menos se mostraram contaminados foram os monitores multiparamétricos, onde todas as amostras foram negativas. Esse achado pode ser reflexo do toque menos frequente dos botões do monitor pelos profissionais de saúde, visto que a mensuração dos sinais vitais pode ser programada automaticamente a intervalos regulares.

Quando analisada a presença de bactérias em amostras de superfícies de materiais e equipamentos do peri-leito de acordo com o grupo 1 (pacientes isolados) e grupo 2 (pacientes não-isolados) , observa-se que não houve significância estatística entre os resultados (p>0,5). Acinetobacter baumannii esteve presente em 22,7% das amostras de superfícies do grupo 1 (pacientes isolados) quando comparadas a 25% de positividade de amostras do grupo 2 (pacientes não-isolados). Estes dados demonstram que as superfícies podem estar contaminadas, independentemente do paciente estar infetado ou não.

Nesse contexto, a contaminação pode estar associada com a contaminação cruzada, onde ao cuidar de pacientes em isolamento de contato e não realizar higienização das mãos, objetos e superfícies ao entorno de outros pacientes são tocadas, contaminadas e tornam-se fonte de infeção para o paciente suscetível. O desconhecimento dos profissionais em Enfermagem quanto ao papel das superfícies ambientais como principais reservatórios para disseminação das bactérias resistentes a múltiplas drogas (BRMD) é alarmante; implicando na possibilidade de exposição a tais fatores sem as devidas precauções e, consequentemente, a riscos de contaminação e de disseminação destas BRMD (Panhotra, Saxena, & Abdulrahman, 2005).

O impacto da contaminação ambiental e da inadequação de higienização das mãos pelos profissionais de saúde na transmissão de Acinetobacter baumannii, aumentam o número de indivíduos colonizados e, consequentemente o grau de contaminação ambiental. Os profissionais de saúde com baixa adesão à higienização das mãos contaminam mais frequentemente o ambiente e os pacientes suscetíveis. Quando há associação entre as variáveis ambiente, paciente e agente infetante, há correlação entre a inadequação na higienização das mãos e a contaminação ambiental (Moura & Gir, 2007). Aspetos relativos a medidas de limpeza e desinfeção de superfícies, junto com a higienização das mãos contribuem de forma efetiva para evitar e/ou minimizar o surgimento de reservatórios ambientais, fontes de infeção para o paciente crítico.

O CDC (Centers for Disease Control and Prevention, 2003) recomenda a limpeza e desinfeção frequente e rotineira das superfícies durante o internamento e após a alta do paciente de forma supervisionada a fim de eliminar a possibilidade de atuarem como um reservatório. A adequação do tempo, frequência e cuidados específicos na limpeza de superfícies merecem maior atenção, pois a remoção de sujidades é relevante para a redução de biofilmes. A disseminação dos patógenos pode ser prevenida com o reforço nas técnicas de limpeza rigorosa de superfícies ao redor do paciente, de equipamentos bem como no uso correto de desinfetantes hospitalares (Wisplinghoff, Schmitt, & Wöhrmann, 2007).

Pensando na importância do ambiente hospitalar no contexto das infeções hospitalares, o Ministério da Saúde do Brasil, em 2010, elaborou um manual com recomendações de limpeza e desinfeção de superfícies, visando a segurança do paciente e a garantia por parte das instituições de oferecer aos utentes um local limpo e um ambiente com menor carga de contaminação possível, contribuindo para a redução da possibilidade de transmissão de infeções oriundas de fontes inanimadas.

Implementar uma cultura de segurança do cuidado em saúde tornou-se um dos pilares do movimento de segurança do paciente. Segurança do paciente é a ausência de danos evitáveis a um paciente durante o processo de cuidados à saúde. As estimativas apontam que um em cada 10 pacientes é prejudicado ao receber assistência hospitalar. Baseado nesse princípio, a Organização Mundial de Saúde, através da formação de uma Aliança Internacional desde 2004, vem defendendo a campanha Clean Care is Safer Care (Cuidado Limpo é Cuidado Seguro), a fim de estabelecer normas e padrões globais para apoiar os esforços dos países no desenvolvimento de políticas e práticas de segurança do paciente, reduzindo as consequências sociais e de saúde de eventos adversos resultantes de cuidados de saúde inseguros (Pittet & Donalson, 2005).

Tratar infeções por Acinetobacter baumannii tem sido extremamente difícil devido ao fenótipo de múltipla resistência a antibióticos da maioria dos isolados clínicos. Este fenótipo notável de resistência poderia ser atribuído também à capacidade de cepas clínicas de Acinetobacter baumannii formarem biofilmes em superfícies abióticas (Pier, Francesco, Maria, Maria, & Raffaele, 2011). Devido à resistência a carbapenêmicos (Imipenen, Meropenen), o tratamento fica limitado à polimixinas, como por exemplo a colistina (Pier et al., 2011). Isso corrobora os achados nesta pesquisa, onde 100% das amostras positivas para Acinetobacter baumannii multirresistente apresentaram sensibilidade a colistina. Em contra partida, um estudo encontrou uma sensibilidade de Acinetobacter de 52-68% a carbapenêmicos em hemoculturas (Aguirre, Mijangos, Zavala, Coronado, & Amaya, 2009). A diferença de resultados entre os estudos pode estar associada a características de cepas bacterianas existentes em cada unidade hospitalar. Não sendo frequente identificar Acinetobacter sensível a carbapenêmicos, atualmente.

Estudos com genoma bacteriano, evidenciaram que genes estão envolvidos em mecanismo de resistência a drogas, bem como codificam proteínas de membrana, como a OmpA, que tem papel fundamental na formação de biofilme. Resistência a múltiplas drogas é uma característica chave de Acinetobacter baumannii e vários genes estão relacionados no estabelecimento de um fenótipo multidroga resistente. A capacidade de Acinetobacter baumannii em aderir e persistir em superfícies como biofilmes pode ser central para a sua patogenicidade, o que pode explicar a sua habilidade para sobreviver em ambientes hospitalares, causando infeções relacionadas com dispositivos em pacientes imunocomprometidos (Gaddy, Tomaras, & Actis, 2009).

Acinetobacter baumannii também foi detetado na mesa de evolução clínica, o que demonstra limitações na adesão efetiva dos profissionais à higienização das mãos. Como esse espaço é destinado e acessível a todos os profissionais, a contaminação direta pode vir do próprio indivíduo após contato com o paciente e servir como reservatório do patógeno. Outro profissional que venha a utilizar e acomodar-se na mesa, mesmo após um breve período e mesmo que não tenha tido contato direto com qualquer paciente pode vir a tornar-se colonizado e, consequentemente, disseminar cepas multirresistentes para outros setores da instituição ou até mesmo levá-las para outros hospitais ou para sua própria residência, através de seus objetos pessoais contaminados.

Embora o CDC não recomende a colheita de culturas ambientais de rotina, afirma que essa atividade pode ajudar a determinar a eficácia de procedimentos de limpeza e desinfeção, com supervisão da Comissão de Controle de Infeção Hospitalar (CCIH) e Laboratório de Microbiologia da Instituição. Ressalta que a amostragem de superfície pode ser útil para fins de garantia de qualidade. Como ferramenta de pesquisa, a amostragem de superfície tem sido utilizada para determinar o potencial de reservatórios ambientais para sobrevivência de agentes patogénicos, identificação de micro-organismos nas superfícies e, consequentemente, identificação das fontes de contaminação.

 

Conclusão

Houve predominância do Acinetobacter baumannii multirresistente em respiradores mecânicos, bombas de infusão, estetoscópios e grades da cama. Não houve significância estatística (p=0,857>0,5) entre os grupos de pacientes em isolamento e não isolados. As cepas de Acinetobacter baumannii apresentaram resistência às cefalosporinas, carbapenêmicos, B-lactâmicos, nitrofuranos, sulfas e sensibilidade para Amicacina (aminoglicosídeo), Colistin (Polimixina) e Tigeciclina (Glicilciclinas).

Prevenir o aparecimento e a transmissão de patógenos multiresistentes requer uma participação multidisciplinar abrangente. A adoção de medidas administrativas/institucionais e educação continuada devem juntos promover práticas seguras no cuidado ao paciente crítico, através da oferta de um ambiente microbiologicamente seguro que evidencie a excelência da assistência.

O estudo apresentou limitações quanto à amostra por conveniência; a não realização de genotipagem para confirmação da similaridades das cepas entre as superfícies de pacientes isolados e não, a fim de demonstrar a contaminação cruzada.

Conhecer a contaminação das superfícies inanimadas e como eliminá-las promove qualidade da assistência e segurança ao paciente. Estudos futuros com genotipagem de pacientes isolados ou não são sugestivos para avaliar a responsabilização da equipa na propagação da infeção.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 14.07.12

Aceite para publicação em: 18.06.14

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