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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.5 Coimbra jun. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV14035 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Efeitos da mobilização precoce na reabilitação funcional em doentes críticos: uma revisão sistemática

Effects of early mobilisation in the functional rehabilitation of critically ill patients: a systematic review

Efectos de la movilización temprana en la rehabilitación funcional de los pacientes en estado crítico: una revisión sistemática

 

Paulo Manuel Dias da Silva Azevedo*; Bárbara Pereira Gomes**

* MSN., Ciências de Enfermagem. Especialista em Enfermagem de Reabilitação. Enfermeiro Coordenador. Hospital da Arrábida Gaia, Doutorando em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, 4520-155, Santa Maria da Feira, Portugal [paulo.m.azevedo@gmail.com]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica, recolha de dados, análise de dados e discussão, redação do artigo. Morada para correspondencia: Rua das corgas, nº 22, Santa Maria da Feira, 4050-313, Porto, Portugal.

** Ph.D., Ciências de Enfermagem. Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [bgomes@esenf.pt]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica, recolha de dados, análise de dados e discussão.

 

RESUMO

Contexto: A mobilização precoce vem sendo considerada uma intervenção capaz de modificar factores de risco de morbilidade, com impacto na reabilitação funcional em doentes críticos.

Objetivo: Determinar os efeitos da mobilização precoce na reabilitação funcional de doentes internados em cuidados intensivos.

Método de revisão: Utilizando a estratégia PICO, realizou-se uma revisão sistemática da literatura entre 2003 e 2013, considerando-se artigos científicos em texto integral de estudos realizados com adultos internados em cuidados intensivos e submetidos à mobilização precoce. Pesquisaram-se as bases de dados PubMed, CINAHL, Cochrane Controlled Trial Database, Elsevier, LILACS, British Nursing Index e SciELO, revistas científicas de referência e as citações dos artigos selecionados. Na análise final dos estudos utilizaram-se ferramentas para avaliação da qualidade metodológica.

Interpretação dos resultados: Dos seis trabalhos identificados resulta que a mobilização precoce pode facilitar a reabilitação funcional destes doentes, promovendo ganhos de força muscular e maior participação nas atividades de vida diária.

Conclusão: São necessários estudos que usem as mesmas ferramentas de avaliação e que demonstrem o interesse da intervenção para a disciplina de Enfermagem.

Palavras-chave: reabilitação; cuidados intensivos; mobilização precoce.

 

ABSTRACT

Background: Early mobilisation has been considered as an intervention capable of modifying risk factors for morbidity, with an impact on the functional rehabilitation of critically ill patients.

Objective: To determine the effects of early mobilisation in the functional rehabilitation of patients admitted to intensive care units.

Review method: Using the PICO strategy, a systematic review was conducted of full-text scientific articles on adults admitted to intensive care units who underwent early mobilisation and published between 2003 and 2003. The search was performed in the following databases: PubMed, CINAHL, Cochrane Controlled Trial Database, Elsevier, LILACS, British Nursing Index and SciELO, and in scientific journals of reference and citations of the selected articles. Tools for methodological quality assessment were used in the final analysis of the studies.

Interpretation of results: The six studies identified show that early mobilisation may facilitate the functional rehabilitation of these patients, promoting muscle strength gains and increased participation in the activities of daily living.

Conclusion: Further studies using the same assessment tools and demonstrating the interest of this intervention for the Nursing discipline are needed.

Keywords: rehabilitation; intensive care; early ambulation.

 

RESUMEN

Marco contextual: La movilización temprana ha sido considerada una intervención capaz de modificar los factores de riesgo de morbilidad con un impacto en la rehabilitación funcional de los pacientes críticos.

Objetivo: Determinar los efectos de la movilización temprana en la rehabilitación funcional de los pacientes internados en cuidados intensivos.

Método de revisión: Utilizando la estrategia PICO, llevamos a cabo una revisión sistemática de la literatura entre 2003 y 2013, teniendo en cuenta artículos científicos con texto completo, estudios realizados con adultos ingresados en cuidados intensivos sometidos a la movilización temprana. Para esto, se consultaron las bases de datos PubMed, CINAHL, Cochrane Controlled Trial Database, Elselvier, LILACS, British Nursing Index y SciELO; revistas científicas de referencia y las citas de los artículos seleccionados. Para el análisis final de los estudios se utilizaron herramientas de evaluación de la calidad metodológica.

Interpretación de los resultados: Los resultados de los seis estudios indican que la movilización temprana puede facilitar la rehabilitación funcional de estos pacientes, haciendo que ganen fuerza muscular y una mayor participación en las actividades diarias.

Conclusión: Se necesitan estudios que utilicen las mismas herramientas de evaluación y que demuestren el interés de la intervención para la disciplina de enfermería.

Palabras clave: rehabilitación; cuidados intensivos; ambulación precoz.

 

Introdução

Ao longo das últimas décadas tem vindo a aumentar o número de pessoas internadas em unidades de cuidados intensivos (UCI). Simultaneamente, a crescente capacidade de suporte de funções vitais, associada à eficácia de novos tratamentos, possibilitou o aumento da sobrevivência de doentes críticos. Neste contexto, referimo-nos ao doente crítico como a pessoa em que a vida se encontra ameaçada devido à falência ou eminência de falência de uma ou mais funções vitais, dependendo a sua sobrevivência de meios avançados de vigilância, monitorização e terapêutica (Regulamento nº 124, de 18 de Fevereiro. Diário da República nº 35/11 - II Série. Ordem dos Enfermeiros. Lisboa, Portugal). Segundo o Intensive Care National Audit & Research Centre (ICNARC) (Intensive Care National Audit & Research Centre, 2013), em Inglaterra e País de Gales, anualmente, são internados em UCI mais de 100.000 pessoas, das quais 76% têm alta hospitalar. Na Austrália e Nova Zelândia o número de admissões ultrapassa as 120.000 pessoas por ano, vindo a ter alta para casa 70% dos doentes internados (Australian and New Zealand Intensive Care Society, 2013). Em Portugal, segundo os últimos dados publicados pelo Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde (IGIF) (Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, 2005), tiveram alta da UCI 11.583 pessoas. Se, conjuntamente com estes números, se pensar que, aliado ao aumento da esperança média de vida nos países desenvolvidos, existe um número crescente de pessoas portadoras de várias comorbilidades e que vêm aumentando as indicações médicas para internamento em UCI, podemos constatar que o número de pessoas que sobrevive a um episódio de doença grave tenderá a aumentar. Tal justifica uma análise mais cuidada dos processos de transição dos sobreviventes ao internamento em cuidados intensivos. Uma visão para além dos resultados de curto prazo, como a taxa de sobrevivência após a alta, não pode deixar de ser profundamente perturbadora. O legado do internamento numa UCI é extremamente pesado e difícil, manifestando-se por profunda e persistente incapacidade (Unroe et al., 2010), com repercussões negativas de longo prazo a nível físico, neuropsiquiátrico e na qualidade de vida (Desai, Law, & Needham, 2011). Estas repercussões obrigam a uma luta pela recuperação da independência, nomeadamente da força física e das capacidades funcionais (Ågård, Egerod, Tønnesen, & Lomborg, 2012). Simultaneamente, a multiplicidade de transições de cuidados, resulta no aumento dos custos associados aos cuidados de saúde. A compreensão da trajetória de recuperação dos doentes críticos afigura-se então importante, por poder revelar os fatores de risco modificáveis e averiguar as intervenções que podem contribuir para a diminuição das comorbilidades associadas ao internamento em UCI.

A reabilitação do doente crítico, com início na UCI, tem vindo a constituir motivo de investigação e a ser referida como parte importante do plano de cuidados. No âmbito da reabilitação funcional, a mobilização precoce dos doentes críticos tem sido sugerida como uma terapêutica importante na modificação do risco de desenvolvimento de sequelas ao nível da morbilidade física e funcional, que se encontram relacionadas com a perda de força muscular que origina a fraqueza adquirida em cuidados intensivos. Num estudo recente, visando doentes críticos com insuficiência respiratória aguda, a ausência de mobilização precoce foi identificada como fator preditivo de readmissão ou morte, durante o primeiro ano após a alta hospitalar (Morris et al., 2011). Por outro lado, a perda de força muscular pode ter diversos fatores contribuintes, como os efeitos diretos da doença, a utilização de determinados fármacos (como os relaxantes musculares e os corticoesteroides) mas também, em grande parte, devido aos prolongados períodos de imobilidade no leito, importante fator de risco, que pode ser modificável se a reabilitação tiver início numa fase precoce do tratamento. Pretende-se assim, promover o retorno da força muscular que permita melhorar o desempenho e a progressão para a independência possível na realização das atividades básicas de vida diária. Segundo Grap e McFetridge (2012), a mobilização precoce (também denominada mobilidade progressiva) descreve um padrão de aumento da atividade com início na mobilização passiva até à deambulação, que se inicia imediatamente após a estabilização hemodinâmica e respiratória, geralmente entre as 24 e 48 horas após a admissão na UCI. Porém, a mobilização precoce do doente crítico, reveste-se de diversas particularidades inerentes ao contexto da ação e utiliza diversas atividades de acordo com as necessidades de cada doente. Deste modo, numa lógica de avaliação da qualidade dos cuidados de Enfermagem de reabilitação, importa avaliar o processo de reabilitação com base nas intervenções e nos resultados obtidos no doente (Gomes, Martins, Gonçalves, & Fernandes, 2012). O planeamento das intervenções mais adequadas a cada doente, em função dos objetivos preconizados, carece do conhecimento dos resultados que se esperam alcançar, pelo que a pesquisa de evidências científicas com base nos princípios da prática baseada na evidência, afigura-se essencial para o processo de tomada de decisão no âmbito do planeamento da reabilitação do doente crítico. Na procura da melhor evidência disponível, numa lógica de melhoria da qualidade dos cuidados, foi realizada uma revisão sistemática da literatura, com o objetivo de determinar os efeitos da mobilização precoce na reabilitação funcional em doentes internados em cuidados intensivos. A questão de revisão: Quais os efeitos da mobilização precoce na reabilitação funcional em doentes críticos? Orientou a procura de informação relevante para a tomada de decisões no plano da reabilitação desta população de utentes.

 

Método de Revisão Sistemática

Iniciou-se a revisão sistemática pela formulação da questão orientadora, segundo a estratégia PICO (População, Intervenção, Comparação e Outcome). A definição de critérios de inclusão/exclusão (Tabela 1) teve como finalidade orientar a pesquisa e selecionar a literatura em função dos resultados pretendidos e da questão formulada.

 

 

Estratégia de pesquisa e identificação dos estudos

A revisão visou a literatura publicada durante o período de referência escolhido (entre 2003 e 2013), tendo-se pesquisado artigos científicos nas bases de dados: PubMed, CINAHL, Cochrane Controlled Trial Database, Elsevier, LILACS, British Nursing Index e SciELO. Foi ainda realizada pesquisa manual em revistas científicas de referência (Critical Care Medicine e Intensive Care Medicine). Para assegurar uma maior revisão de artigos, foram também pesquisadas as listas de referencia bibliográficas dos artigos selecionados, procurando assim identificar potenciais artigos com relevância para a temática em estudo.

A estratégia de pesquisa procurou uma estrutura lógica que combinasse os termos de busca, os operadores booleanos e os componentes da estratégia PICO. Como descritores da pesquisa foram usados os tópicos: mobilization; mobilisation; mobility; physical activity; exercise; intensive care unit; e critical illness. A frase booleana foi construída da seguinte forma: critical illness AND intensive care unit AND mobilization OR mobilisation OR mobility OR physical activity OR exercise.

O processo de seleção da literatura foi realizado por dois revisores, que analisaram de forma independente os títulos e resumos dos artigos segundo os mesmos critérios.

Avaliação da qualidade metodológica dos estudos

Para avaliar a qualidade dos estudos os dois revisores utilizaram ferramentas proforma. No caso dos estudos clínicos randomizados, foi utilizada a ferramenta proposta pelo Critical Appraisal Skills Programme (CASP) (Public Health Resource Unit, 2006) e para avaliação crítica dos estudos de coorte, recorreu-se aos critérios propostos por Suzumura, Oliveira, Buehler, Carballo, e Berwanger (2008).

Extração e síntese dos dados

Os artigos foram analisados de forma independente por cada um dos revisores, tendo sido obtido consenso quanto aos que foram incluídos para análise da qualidade metodológica. Procedeu-se à descrição geral dos artigos, considerando o país de origem, o desenho do estudo, os objetivos e participantes, o início e duração da intervenção, os resultados e as conclusões. Os itens foram em seguida compilados em tabela de extração, com a finalidade de proceder ao resumo narrativo dos dados.

 

Apresentação dos resultados

Considerando os procedimentos descritos, os resultados da pesquisa foram sendo refinados ao longo do proceso, em função dos critérios estabelecidos, até se chegar ao número final de artigos incluídos nesta revisão (Figura 1):

 

 

Foram assim selecionados para a análise final seis estudos, dois estudos de coorte e quatro estudos controlados randomizados, sumarizados na tabela seguinte (Tabela 2):

Avaliando metodologicamente a qualidade dos estudos de coorte, podemos dizer que estes apresentam algumas limitações. Os resultados do E1 apenas podem ser considerados relativamente a doentes do foro respiratório médico. Neste estudo, sem grupo de controlo, existe a possibilidade de viés na escolha dos doentes, uma vez que foram selecionados aqueles que tinham maior probabilidade em deambular e não é referido o poder estatístico do estudo. Eventuais fatores com influência nos resultados não foram reportados, como a administração de corticóides e agentes neuromusculares. Já no E2, os eventuais fatores de confusão decorrentes da administração de medicação foram controlados e apresenta análise estatística adequada. Contudo, embora seja reportado o nível de significância, não é referido o poder do estudo para o cálculo do tamanho da amostra. Apresenta como possível viés, a discrepância quanto à reabilitação entre os grupos, que foi menor no grupo de controlo.

Quanto aos estudos controlados randomizados, o E3 apresenta os resultados de forma precisa, no entanto tem como limitação o facto de os doentes sob ventilação mecânica não receberem cuidados de reabilitação e os doentes do grupo de controlo apenas os receberam quanto tal era prescrito. Neste estudo é reportado o controlo da variável sedação e analgesia, mas não o uso de corticóides. No E4 não é referido se este estudo foi realizado de forma cega e apresenta ainda como limitações a falta de poder estatístico da amostra, a não referência ao controlo de fatores de confusão como a administração de alguns fármacos, a presença ou não de fraqueza muscular em ambos os grupos e o facto de terem sido avaliados parâmetros na alta hospitalar sem controlo da reabilitação realizada após a alta da UCI, considerando que os doentes tiveram alta para serviços com diferentes tipologias. O E5 apresenta também algumas limitações, desde logo pela falta de poder estatístico da amostra e por não ser percetível o método de randomização utilizado e se o estudo foi realizado de forma cega. Não refere também, se foram controlados fatores de confusão como a administração de fármacos. Neste estudo, verificou-se à partida a existência de diferenças na força muscular entre os grupos, com o grupo de controlo a apresentar maior debilidade muscular. O E6 é um estudo longitudinal bem delineado, no entanto apresenta como limitações o não atingimento do número de participantes necessário, para lhe conferir poder estatístico para determinar diferenças na realização da prova de marcha dos seis minutos, aos doze meses após a alta da UCI, que constituía o resultado principal em avaliação. Também não refere se foram controlados fatores de confusão como a administração de medicação com efeitos sobre a força muscular.

Da avaliação crítica dos estudos apresenta-se o resumo dos principais resultados com interesse para a temática em análise, que se encontram referidos no quadro seguinte:

Tabela 3

 

Interpretação dos resultados

As sequelas resultantes do internamento em UCI são hoje motivo de preocupação quando se avaliam os resultados em saúde. A morbilidade física, com importante impacto na diminuição das capacidades funcionais, tem vindo a ser investigada na tentativa de se encontrarem intervenções que se revelem eficazes na prevenção e redução do problema. No âmbito da reabilitação do doente crítico, a mobilização precoce, tem sido sugerida como forma de mitigar os efeitos deletérios ao nível funcional, pelo que interessa perceber quais os resultados até agora alcançados pelos estudos realizados.

A partir da análise dos estudos selecionados pode afirmar-se que a mobilização precoce em doentes críticos é possível, segura e pode ser iniciada logo após a estabilização fisiológica (E2 e E3), existindo evidências que contribuem para melhorar os resultados ao nível da reabilitação funcional. No seu conjunto, os artigos selecionados envolvem um total de 806 doentes, nos quais foram reportadas melhorias na recuperação funcional que podem ser atribuídas à modificação do padrão habitual de cuidados de reabilitação, através da instituição da mobilização precoce. A instituição desta intervenção é apontada como fator contributivo para a diminuição do tempo decorrido até à realização do primeiro levante (E2), ao aumento de número de doentes com ganhos na força muscular (E3, E4 e E5), que conseguiram deambular (E1 e E4) e que aumentaram a capacidade para o desempenho de várias atividades de vida diária (E2, E3 e E6). Contudo, devem considerar-se na interpretação dos resultados algumas limitações encontradas nos diferentes estudos.

As principais dificuldades residem sem dúvida nas características da população em estudo, que é heterogénea e onde normalmente a doença cursa de forma súbita, tornando difícil a comparação entre o estado de saúde alcançado após o internamento na UCI e o estado de saúde existente antes do desenvolvimento de um evento de grande gravidade. Por outro lado, as realidades contextuais, dos países de onde são provenientes os estudos, são bastante diferentes entre si. Apenas um estudo foi realizado em contexto europeu (E4), sendo conhecidas as tradicionais diferenças na organização e planificação de cuidados entre as unidades de cuidados intensivos europeias e norte americanas, pelo que se torna importante a clarificação e descrição do que são os cuidados de reabilitação de base, para facilitar a compreensão e comparação entre os resultados alcançados. Um outro aspeto a considerar, reside na duração dos programas de reabilitação, que variam desde o internamento na UCI, alta da UCI, alta hospitalar e follow-up até aos 12 meses, pelo que neste momento não é ainda possível verificar se os efeitos alcançados se prolongam, ou não, no tempo.

São também diferentes os testes usados para avaliar os resultados obtidos (E3 – Índice de Barthel, E4 – SF36 e prova de marcha dos seis minutos, E6 – prova de marcha dos seis minutos), bem como os pontos no tempo escolhidos para o fazer. Apenas dois estudos usam o mesmo teste (prova de marcha dos seis minutos), contudo em momentos muito diferentes, o E4 apenas no momento da alta hospitalar e o E6 após alta da UCI, na alta hospitalar e aos 3, 6 e 12 meses após a alta da UCI, pelo que é difícil a comparação dos resultados entre os diferentes estudos. Tratando-se de diferentes testes de avaliação, os resultados serão também diferentes e portanto são necessários instrumentos de avaliação que possam ser sistematicamente reproduzidos, de forma a produzir indicadores de resultado comparáveis. Por outro lado, sendo o processo de reabilitação de índole multiprofissional e multidisciplinar, é também necessário que se estabeleçam os resultados com interesse para a disciplina de Enfermagem, que possam servir de guia para a prática e a investigação, o que não foi verificado em nenhum dos estudos analisados.

Verifica-se ainda, que em apenas dois estudos foi reportado o controlo de fatores como a administração de fármacos (E2 e E3), que parecem influenciar o desenvolvimento de fraqueza muscular, nomeadamente corticoesteroides (excepto o E3) e agentes neuromusculares (Griffiths & Hall, 2010; Schweickert & Hall, 2007), pelo que não se pode aferir completamente a influência que podem ter tido nos resultados obtidos nos restantes estudos. Porém, os resultados do E3, demonstram que se obtiveram ganhos na força muscular nos doentes do grupo de intervenção e que mais de metade desses doentes conseguiu atingir a independência funcional no momento da alta hospitalar. Este estudo, é também o primeiro a reportar uma diminuição na incidência de delírio, o que associado a uma melhor capacidade física, permitiu menor tempo de ventilação mecânica. A melhoria das capacidades físicas e do estado de consciência parece possibilitar maior participação dos doentes no seu processo de reabilitação, o que favorece a recuperação das capacidades para o desempenho das atividades inerentes ao autocuidado.

Após análise crítica dos estudos, pode dizer-se que a qualidade da evidência é moderada, pelo que são necessários estudos com poder estatístico e controlo de fatores de confusão que confirmem a eficácia desta intervenção. Confirma-se que a mobilização precoce é possível e segura em doentes críticos, podendo ser iniciada logo após a estabilização fisiológica e que, considerando o balanço entre os efeitos desejáveis e indesejáveis, se pode concluir que, claramente, o peso dos efeitos desejáveis é bastante maior que o dos eventuais efeitos indesejáveis, aparentando ter efeitos positivos, pelo que se recomenda a introdução da mobilização precoce no plano de cuidados do doente crítico, com início o mais precocemente possível durante o internamento na UCI.

A mobilização precoce, como estratégia de melhorar os resultados da reabilitação do doente crítico, para ser encarada como uma prioridade, obriga também a uma modificação cultural na equipa de saúde, numa lógica de cuidados centrados no doente. Para tal, devem ser revistas as práticas em uso, identificadas as barreiras e constrangimentos existentes na equipa multidisciplinar e compreendidas as vantagens decorrentes da adoção de uma estratégia que obrigue a uma maior interação com o doente e que procura deste uma maior participação no seu processo de reabilitação. Neste sentido, o enfermeiro especialista em reabilitação, assume um papel primordial na identificação e modificação de fatores de risco e na implementação de intervenções que possam potenciar o início da reabilitação precoce e que se estende até ao seguimento destes doentes em follow-up, de forma a poderem ser claramente identificáveis as repercussões ao nível da recuperação física e não física e o impacto ao nível da qualidade de vida do doente e família.

 

Conclusão

Devido ao crescente número de doentes admitidos em UCI, num contexto de necessidade de otimização dos recursos humanos e financeiros, os profissionais de saúde deverão assumir a responsabilidade de advogar e desenvolver formas sustentáveis e eficientes que permitam melhorar os resultados na reabilitação dos doentes vitimados por uma doença grave, que a evidência vem demonstrando ter profundos impactos negativos na sua qualidade de vida. Torna-se portanto necessária uma avaliação contínua dos benefícios decorrentes de uma estratégia de reabilitação mais pró-ativa ao longo do trajeto de recuperação dos doentes críticos conforme estes vão transitando da UCI para a enfermaria e comunidade.

Os estudos realizados sobre esta temática e mais especificamente sobre os efeitos da mobilização precoce são ainda escassos. De qualidade metodológica moderada, permitem afirmar que esta intervenção é possível, segura e que é facilitadora da recuperação funcional, nomeadamente em ganhos na força muscular e desempenho de algumas atividades. Não existe consenso quanto à intensidade, frequência e duração das intervenções mas há evidência que sugere que programas estruturados e individualizados podem facilitar a recuperação do doente crítico. As limitações encontradas, decorrem das características intrínsecas da complexidade das respostas do doente crítico à doença e também da ausência de instrumentos consistentes para avaliação dos resultados, encontrando-se ainda pouco esclarecidos os efeitos resultantes da administração de medicação com influência no desenvolvimento de fraqueza muscular e a sua relação com maior ou menor dificuldade na evolução da recuperação.

Do ponto de vista da Enfermagem de reabilitação, não basta apenas que se evidenciem ganhos ao nível da força muscular, torna-se necessário verificar em que medida esses ganhos podem contribuir para a capacitação para o autocuidado e desempenho das Atividades Básicas de Vida Diária, no sentido da reaquisição da máxima independência possível, verificando a sustentabilidade dos resultados ao longo do tempo, o que não pode ser verificado a partir da literatura analisada.

Esta revisão pretende fornecer indicações úteis para a tomada de decisões e fundamentação das intervenções no âmbito da reabilitação do doente crítico, um domínio que vem assumindo bastante pertinência, justificando-se a necessidade da realização de estudos controlados que se centrem numa perspetiva longitudinal e que consigam identificar quais as subpopulações de doentes que mais podem beneficiar com a introdução da mobilização precoce.

 

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Recebido para publicação em: 08.05.14

Aceite para publicação em: 13.01.15

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