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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra Dec. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV15014 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Construção e Validação da Escala de Comportamentos de Abordagem aos Média por Enfermeiros

Construction and Validation of the Escala de Comportamentos de Abordagem aos Média por Enfermeiros (Scale of Media Use Behaviours by Nurses)

Construcción y Validación de la Escala de Comportamientos de Interacción con los Medios de Comunicación por Enfermeros

 

João Manuel Garcia Nascimento Graveto*; Rodrigo José Martins Cardoso**; Fernando António Dias Zamith Silva***

* Ph.D., Professor, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [jgraveto@esenfc.pt]. Morada para correspondência: Rua Doutor Francisco Sá Carneiro, Lt. 1, n.º 160, 6.º B, 3000-194, Coimbra, Portugal. Contribuição no artigo: Revisão do instrumento de colheita de dados; análise de dados e discussão; colaboração na escrita do artigo.

** MsC., Enfermeiro Especialista Clínico, Centre Hospitalier Universitaire Vaudois, Lausanne, Suíça, 1011, Lausanne, Suíça [rcardoso50@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; construção do instrumento de recolha de dados; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; escrita do artigo.

*** Ph.D., Professor Auxiliar, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 4150-564, Porto, Portugal [zamith@gmail.com]. Contribuição no artigo: Revisão do instrumento de colheita de dados; análise de dados e discussão.

 

RESUMO

Enquadramento: As mensagens mediáticas sobre a saúde em Portugal tendem a desvalorizar o contributo dos enfermeiros e podem originar representações redutoras do setor. Compreender como os enfermeiros abordam os média torna-se fundamental para caracterizar esta problemática.

Objetivos: Construir e validar a Escala de Comportamentos de Abordagem aos Média por Enfermeiros.

Metodologia: Realizou-se um estudo metodológico numa amostra de enfermeiros pertencentes à mesma rede social (n=528). O processo de validação incluiu a análise fatorial, a análise da consistência interna e da estabilidade temporal.

Resultados: Obteve-se uma escala de 23 itens, distribuídos por 5 fatores, que explicam 70,98% da variância. O instrumento apresenta boa consistência interna e valores aceitáveis de estabilidade temporal.

Conclusão: O instrumento revelou-se válido e fiável. O desenvolvimento de programas educativos sobre abordagem mediática poderá ajudar os enfermeiros a evidenciar publicamente o valor e contributos da profissão.

Palavras-chave: Estudos de validação; enfermagem; comunicação social

 

ABSTRACT

Theoretical framework Media messages about healthcare in Portugal tend to undervalue the nurses' contributions and may lead to reductive representations of the sector. Understanding how nurses deal with the media is essential to characterise this issue.

Objectives: To build and validate the Escala de Comportamentos de Abordagem aos Média por Enfermeiros (Scale of Media Use Behaviours by Nurses).

Methodology: A methodological study was conducted using a sample of nurses from the same social network (n=528). The validation process included factor analysis, as well as the analysis of internal consistency and temporal stability.

Results: We obtained a scale composed of 23 items divided into 5 factors, which explain 70.98% of the variance. The scale shows a good internal consistency and an acceptable temporal stability.

Conclusion: The instrument proved to be valid and reliable. The development of educational programs about media approach may help nurses to publicly disseminate the value and the contributions of the profession.

Keywords: Validation studies; nursing; social communication

 

RESUMEN

Marco contextual: Los mensajes de los medios de comunicación sobre la sanidad en Portugal tienden a infravalorar la contribución de los enfermeros y pueden influir en la percepción de dicho sector. Entender cómo los enfermeros interactúan con los medios de comunicación es fundamental para comprender esta problemática.

Objetivos: Construir y validar la Escala de Comportamientos de Interacción con los Medios de Comunicación por Enfermeros.

Metodología: Se realizó un análisis metodológico en una muestra de enfermeros de la misma red social (n=528). El proceso de validación incluyó el análisis factorial, el análisis de la consistencia interna y de la estabilidad temporal.

Resultados: Se obtuvo una escala con 23 ítems, distribuidos por 5 factores, que explican el 70,98% de la varianza. El instrumento presenta buena consistencia interna y valores aceptables de estabilidad temporal.

Conclusión: El instrumento demostró su validez y fiabilidad. El desarrollo de programas educativos sobre la interacción entre enfermeros y medios de comunicación puede ayudar a los enfermeros a mostrar públicamente el valor y la contribución de la profesión a la sociedad.

Palabras clave: Estudios de validación; enfermeira; comunicación social

 

Introdução

Nas últimas décadas tem-se assistido a uma crescente mediatização da saúde. O culto da imagem, o aumento da longevidade e as descobertas científicas na área das Ciências de Saúde consolidaram o interesse dos cidadãos e motivam a produção de conteúdos mediáticos nesta área (Aroso, 2012). Os média são centrais para a transmissão destes conteúdos, na medida em que “informam, explicam e enquadram temas de saúde que podem ajudar o cidadão na tomada de decisões sobre a própria saúde” (Araújo, Lopes, & Ruão, 2013, p. 139). Segundo estas autoras, os meios de comunicação são cada vez mais procurados para esclarecer dúvidas, ao invés da consulta isolada de profissionais de saúde.

Araújo et al. (2013) defendem que os média não fornecem apenas informação sobre saúde, eles criam representações sociais sobre o setor e constituem, muitas das vezes, os únicos recursos informativos a que as pessoas têm acesso. Esta opinião é partilhada por Fonseca e Baptista (2013), que apontam os média como construtores da realidade e estruturadores das sociedades contemporâneas. O mecanismo de construção da realidade (pelos média) é de tal forma importante, que aquilo que é noticiado passa a existir de forma consciente na mente do público e o que não é noticiado transforma-se em algo desqualificado e descartável. Desta forma, existem aspetos do acontecimento noticiado (como atores envolvidos e ações realizadas) que são ativamente ocultados pelos média, contribuindo muitas das vezes para a formação de representações incompletas e desequilibradas da realidade, por parte da opinião pública (Fonseca & Baptista, 2013).

Os conteúdos mediáticos da saúde tendem a refletir uma sociedade medicalizada e ancorada no Modelo Biomédico. Todavia, o sistema de saúde baseia-se nos contributos de dezenas de profissionais e na colaboração de diversas disciplinas do saber. Nesse sistema, os enfermeiros prestam a maioria dos cuidados diretos aos cidadãos, gerem unidades e departamentos, integram comissões e organismos decisórios, investigam problemas e exploram soluções tecnológicas. Apesar de exercerem em quase todos os contextos e contribuírem de forma ímpar para a melhoria da saúde e do bem-estar dos cidadãos, os enfermeiros continuam pouco visíveis na cobertura mediática da saúde (Buresh & Gordon, 2013; Cardoso, Graveto, & Albuquerque, 2014). Este estudo tem como objetivo construir e validar a Escala de Comportamentos de Abordagem aos Média por Enfermeiros (ECAME).

 

Enquadramento

A visibilidade mediática da profissão tem sido alvo de estudo em diversos países, com focos particulares: Cobertura noticiosa da profissão, análise das imagens e estereótipos usados nos programas de entretenimento sobre saúde, análise de conteúdos publicitários, análise das imagens publicadas na imprensa escrita e, em menor escala, relação entre jornalistas e enfermeiros.

Os programas de entretenimento condicionam a perceção dos cidadãos sobre o funcionamento do sistema de saúde e influenciam o seu comportamento e atitudes para com os profissionais (Buresh & Gordon, 2013). As autoras acrescentam que as representações de tomada de decisão autónoma por enfermeiros e do impacto dos seus cuidados para os cidadãos são raras neste tipo de programas, o que gera um desfasamento entre a realidade e a ficção mediática.

Em Portugal, a maioria dos estudos debruça-se sobre a cobertura noticiosa e fontes de informação em saúde: Em 2008, Lopes, Ruão, e Pinto-Coelho (2009) analisaram 801 notícias sobre saúde publicadas em dois jornais portugueses e evidenciaram uma baixa representatividade dos enfermeiros enquanto fontes de informação; Silva (2011) analisou 2781 notícias de três jornais portugueses e concluiu que os enfermeiros foram fontes de informação em 1,1% dos casos, surgiram em 4,4% dos títulos e constaram de 2,6% dos artigos de saúde publicados nas primeiras páginas dos jornais; Lopes et al. (2013) recolheram 5667 notícias de saúde de três jornais nacionais durante 4 anos e concluíram que os enfermeiros foram fontes de notícia 0,4% das vezes no Semanário Expresso, 0,6% das vezes no Jornal Público e 1,3% das vezes no Jornal de Notícias; Cardoso et al. (2014) analisaram 946 notícias de nove sites informativos da imprensa escrita, rádio e televisão e verificaram que os enfermeiros foram fontes de informação 6,6% das vezes, sendo o conteúdo das notícias tendencialmente negativo e maioritariamente relacionado com greves e manifestações. Por último, Martins e Fernandes (2014) realizaram uma revisão integrativa da literatura e analisaram de que forma os enfermeiros promoviam a visibilidade da profissão, tendo constatado que a Enfermagem tem pouca visibilidade e que a sociedade desconhece o papel do enfermeiro e a importância dos cuidados que presta.

A reduzida cobertura noticiosa da Enfermagem é motivada, entre outros fatores, pelas relações que se estabelecem entre os enfermeiros e os meios de comunicação. Buresh e Gordon (2013) e Cardoso et al. (2014) indicam que os enfermeiros têm medo de falar com os jornalistas, pois receiam ser citados erradamente, ser questionados sobre temas fora da sua área de competência e serem repreendidos pelos organismos de chefia. Finkelman e Kenner (2013) apontam a evolução histórica da profissão e o silêncio culturalmente imposto como fatores que condicionam a participação mediática. Por outro lado, os profissionais de comunicação manifestam o desconhecimento das áreas de atuação, do mercado de trabalho e da carreira de Enfermagem e afirmam a invisibilidade dos enfermeiros perante os média (Kemmer & Silva, 2007). As rotinas dos jornalistas representam outros fatores que interferem nesta relação: O número de profissionais nas redações diminuiu, os prazos tornaram-se mais curtos, acentuou-se a dependência dos jornalistas pelas fontes de informação em saúde (dada a complexidade dos discursos que necessitam de descodificação), observa-se o recurso a fontes de informação oficiais (institucionais e académicas) e masculinas, a fontes de informação previamente utilizadas (mantendo um ciclo vicioso que dá voz a poucos atores da saúde) e existe uma preferência por médicos e políticos, aos quais os jornalistas reconhecem mais notoriedade e credibilidade (Lopes, Ruão, Marinho, Fernandes, & Gomes, 2012; Lopes et al., 2013).

Os enfermeiros tendem a não ser eleitos como fontes de informação em saúde, o que poderá justificar a baixa noticiabilidade da Enfermagem. Santos (2012, p. 205) exemplifica, referindo que embora “fosse relevante e complementar a palavra de um enfermeiro, e ainda que fosse possível obter informações tão ou mais relevantes com este profissional, mesmo assim apenas o médico foi consultado”. Lopes et al. (2012, p. 343) explica que “os médicos e os pacientes organizados em associações são aqueles que têm prioridade no discurso jornalístico. Os outros inexistem”. Neste âmbito, Lopes et al. (2013, p. 62) indicam que “a tendência para ouvir sempre as mesmas pessoas dentro destes grupos, neutralizou a visibilidade de outros interlocutores a quem teria sido importante conceder a palavra. [...] Profissionais importantes como os enfermeiros [...] teriam sido boas fontes, se não tivessem sido marginalizados”.

A reduzida visibilidade mediática da Enfermagem decorre das condicionantes anteriormente descritas e comporta graves prejuízos para a profissão e para a sociedade, com impacto no recrutamento de enfermeiros, na perceção pública da profissão, no financiamento em educação e investigação em Enfermagem, na relação com outros profissionais de saúde, gestores e políticos, na violência contra enfermeiros, no desempenho profissional, nas condições de trabalho (carga de trabalho, burnout e insatisfação com o trabalho) e ainda na autoimagem e autoconceito dos enfermeiros (Rezaei-Adaryani, Salsali, & Mohammadi, 2012; Finkelman & Kenner, 2013; McAllister, Downer, Hanson, & Oprescu, 2014). Reconhecendo as consequências potencialmente nefastas da invisibilidade mediática, importa caracterizar os esforços realizados por enfermeiros para abordar os meios de comunicação, no sentido de melhorar a visibilidade dos cuidados que concebem e prestam. Para caracterizar a relação com os meios de comunicação, usámos o conceito de abordagem ao invés de interação, uma vez que o segundo pressupõe algum tipo de feedback e a realidade dos meios de comunicação nem sempre contempla esse feedback: Os enfermeiros abordam os meios de comunicação no sentido de partilhar informação sobre saúde com vista à sua publicação, mas nem sempre essa informação é publicada ou existe uma resposta concreta por parte do meio de comunicação.

 

Questão de Investigação

A ECAME, construída no âmbito deste trabalho, apresenta critérios de fidelidade e de validade satisfatórios para ser utilizada como instrumento de medida da frequência de comportamentos de abordagem aos média por enfermeiros?

 

Metodologia

Tipo de Estudo

O estudo compreendeu a construção e validação da ECAME.

População e Amostra

Tratou-se de um estudo metodológico com uma amostra de 528 enfermeiros de Portugal Continental e Ilhas. Solicitou-se a participação voluntária num grupo fechado de uma rede social ao qual só pertencem enfermeiros. Definiu-se como critério de inclusão estar legalmente autorizado para exercer a profissão de enfermeiro em Portugal Continental e Ilhas.

Instrumentos

Foi realizada uma extensa revisão da literatura, a partir da qual se definiram 30 itens representativos de comportamentos de abordagem aos média, passíveis de serem realizados por enfermeiros. A lista de itens foi revista por um painel de peritos em Enfermagem, Comunicação Social e Ciências da Comunicação, nomeadamente um investigador doutorado da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e membro da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), um investigador doutorado da Universidade do Porto, uma investigadora licenciada em Ciências da Comunicação e um investigador mestre em Ciências da Comunicação. Após uma reunião de grupo, foram selecionados os 24 itens que obtiveram o consenso de todos os peritos.

Os dados foram colhidos através de um instrumento de autopreenchimento, composto por um questionário sociodemográfico e pela ECAME. As questões sociodemográficas englobaram as variáveis sexo, idade, habilitações académicas, área de atuação profissional dominante, anos de experiência profissional e região do país. Englobava ainda outras variáveis como a frequência de formação pré e pós-graduada específica de comunicação, a existência de relacionamento prévio com profissionais de comunicação e a regularidade de consumo de conteúdos mediáticos sobre saúde (através da imprensa escrita, televisão, rádio e internet). A ECAME avalia a variável frequência de abordagem aos média por enfermeiros, através de 24 enunciados relativos aos comportamentos tidos até 1 mês antes do preenchimento. Trata-se de uma escala com respostas tipo Likert, com 5 alternativas que vão de (nunca) até sempre (pontuações de 0 a 4). Pontuações mais elevadas correspondem a maiores frequências de comportamentos de abordagem aos média por enfermeiros.

De forma a testar a validade facial, foi realizado um pré-teste com 28 enfermeiros. Os participantes salientaram a facilidade e a rapidez de preenchimento, pelo que não foi necessário proceder a alterações suplementares.

A primeira fase decorreu entre 16 e 30 de outubro de 2013 e consistiu no preenchimento do questionário online. Foi pedido aos participantes que introduzissem um código de participação (composto pelas duas primeiras letras do primeiro nome, pelas duas últimas letras do último nome e por três algarismos não sequenciais) e que o enviassem para um endereço de email criado especificamente para o efeito, caso desejassem participar na segunda fase de preenchimento. De 1 a 15 de janeiro de 2014, 61 enfermeiros participaram novamente e preencheram apenas a ECAME, sendo possível comparar os dados através do código de participação.

Tratamento de dados

De forma a poder utilizar a ECAME num estudo alargado, tornou-se necessário testar as suas propriedades psicométricas. Dessa forma, analisou-se a validade de construto através da análise fatorial exploratória (AFE); a consistência interna através da determinação do alpha de Cronbach e a estabilidade temporal através da correlação de Spearman.

Na AFE optámos pelo método de extração de componentes principais, com recurso à rotação ortogonal varimax. Adotámos os critérios utilizados nos estudos de Almeida, Rodrigues, e Escola (2013) e de Martins e Andrade (2014) para a determinação de fatores e retenção de itens: 1) fatores com eigenvalue igual ou superior a 1 (critério de Kaiser); 2) itens com peso fatorial e comunalidade iguais ou superiores a 0,4; 3) exclusão de itens que apresentem valores superiores a 0,3 em mais do que um fator e cuja diferença de valores seja superior a 0,15; 4) os fatores retidos devem explicar, no mínimo, 40% da percentagem de variância; 5) cada fator terá o mínimo de três itens.

A análise da consistência interna baseou-se nos critérios utilizados por Almeida et al. (2013): 1) a escala deverá apresentar um alpha de Cronbach igual ou superior a 0,70; 2) as correlações item/item total não devem ser inferiores a 0,4; 3) o valor de alpha não deverá aumentar aquando da eliminação de um item. A estabilidade temporal foi avaliada através de teste- -reteste, pela comparação dos dados obtidos entre as duas aplicações do instrumento (com 2 meses de intervalo).

Uma vez que não se observou a adesão da variável frequência de comportamentos de abordagem aos média à distribuição normal (teste não-paramétrico de Kolmogorov-Smirnov), usou-se o teste de correlação de Spearman na avaliação da estabilidade temporal. Para o tratamento dos dados usou-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.

Procedimentos formais e éticos

Os respondentes foram esclarecidos sobre o estudo e os seus objetivos, bem como da natureza voluntária da sua participação. Garantiu-se o anonimato e a confidencialidade em todas as respostas e assegurou-se o direito dos participantes à privacidade. Trata-se de um estudo no âmbito do projeto Comunicar Enfermagem: dos Média à Sociedade, inserido numa unidade de investigação em saúde, em Portugal.

 

Resultados

A amostra é composta por 528 enfermeiros, sendo 415 do sexo feminino e 113 do sexo masculino. Como se pode observar na Tabela 1, a média de idades dos participantes é de 35,10 anos (DP = 9,28 anos). As zonas do País que agregam mais respostas são o Centro com 35,8% (n= 189), o Norte com 25,6% (n=135) e Lisboa e Vale do Tejo com 23,5% (n=124), seguidos do Alentejo (5,1%), do Algarve (4,5%), da Madeira (3%) e dos Açores (2,5%). Os enfermeiros da amostra têm como atividade principal a prestação de cuidados generalistas (69,3%, n = 366), a prestação de cuidados especializados (13,3%) e a gestão (8,5%). O consumo de conteúdos mediáticos de saúde é realizado com frequência através da Internet (96,3%, n= 508), seguido da televisão (86,7%), da imprensa escrita (83,3%) e da rádio (48,1%).

Características psicométricas da ECAME

Foram avaliadas as características psicométricas da ECAME, nomeadamente a validade de construto, a consistência interna (fiabilidade) e a estabilidade temporal. Obtivemos uma solução final com 23 itens, agrupados em cinco fatores.

A obtenção de um valor de 0,903 no teste de Kaiser-Meyer Olkin e de qui-quadrado de 9091,126 (p = 0,000) no teste de esfericidade de Bartlett permitiram aferir a adequação da análise fatorial. Ao realizar a primeira análise fatorial pelo método de extração de componentes principais, obtivemos uma solução de cinco fatores com eigenvalue superior a 1, que englobavam os 24 itens iniciais da escala e explicavam 68,75% da variância total. Todavia, o item 21 – Dinamizei programas de televisão (investigação prévia e produção de conteúdos) – apresentava um valor de comunalidade de 0,292, razão pela qual foi eliminado. Foi realizada uma segunda análise fatorial com os 23 itens remanescentes, tendo-se obtido uma solução de cinco fatores com eigenvalue superior a 1, que explicavam 70,98% da variância total. Alguns itens carregaram valores superiores a 0,3 em mais do que um fator. Todavia, como a diferença entre os pesos fatoriais foi superior a 0,2, eles não foram eliminados. Todos os fatores obtidos nesta solução compreendem três ou mais itens, como definido previamente.

Como se observa na Tabela 2, todos os itens apresentam valores de comunalidade acima dos 0,5 e carregaram nos diferentes fatores com pesos fatoriais satisfatórios.

Sobre a estrutura fatorial obtida, é de realçar que o fator 1 explica 42,03% da variância e nele saturam os itens 1, 2, 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13. Uma vez que estes itens estão relacionados com abordagens que pretendem aumentar a cobertura mediática da profissão (como convidar os média para eventos de enfermagem ou promover reportagens no local de trabalho) e melhorar a interação com os média (como contactar produtores de séries televisivas ou participar ativamente em conferências de imprensa), atribuiu-se a este fator a designação de Promoção de cobertura noticiosa e interação com os média. O fator 2 explica 12,31% da variância e nele saturam os itens 14, 15, 16, e 17. Como se tratam de itens que dizem respeito a abordagens aos meios de comunicação radiofónicos atribuímos a este fator a designação de Comunicação na rádio. O fator 3 explica 5,51% da variância e nele saturam os itens 18,19 e 20. Estes itens encontram- -se relacionados com comportamentos de abordagem aos meios de comunicação televisivos, pelo que atribuímos a este fator a designação de Comunicação na televisão. O fator 4 explica 6,05% da variância e nele saturam os itens 22, 23 e 24, que dizem respeito a comportamentos de fornecimento de informação aos média, informação essa que provém de organizações da profissão e que está disponível online. Dessa forma, atribuímos a este fator a designação de (Re)- Produção e partilha de conteúdos online. O fator 5 explica 5,08% da variância e nele saturam os itens 4,5 e 6. Estes itens dizem respeito a comportamentos de reação à produção mediática online, sob a forma de comentários de natureza diversa. Assim, atribuímos a este fator a designação de Comentários de conteúdos mediáticos online. A divisão obtida pela análise fatorial indicia uma categorização dos comportamentos de abordagem aos média com base na sua natureza: Promoção de cobertura noticiosa, comunicação na rádio e na televisão, partilha de informação e comentários na Internet.

Uma vez que se pretendia avaliar a frequência de um conjunto de comportamentos de abordagem aos média e não a frequência de comportamentos de natureza particular ou relacionados com um único tipo de média, considera-se que a ECAME deve constituir uma escala única, com um score global.

O estudo da fiabilidade compreendeu a determinação da consistência interna dos itens da ECAME e da estabilidade temporal. De acordo com o apresentado na Tabela 3, obteve-se um valor de alpha de Cronbach muito bom para o global da escala, nomeadamente 0,920. Obtiveram-se valores de correlação corrigida de cada item com o total entre 0,473 e 0,705, dados que confirmam a consistência interna da ECAME.

Obtiveram-se bons valores de alpha de Cronbach para cada um dos fatores da escala, como se pode ler na Tabela 4. Para o fator 1, obtiveram-se valores de correlação corrigida de cada item com o total entre 0,591 e 0,745, o fator 2 obteve valores entre 0,495 e 0,830, o fator 3 revelou valores entre 0,699 e 0,832, o fator 4 obteve valores entre 0,893 e 0,922 e o fator 5 revelou valores entre 0,734 e 0,807.

 

 

O teste-reteste permitiu analisar a estabilidade temporal da ECAME. Os dados foram obtidos através de uma segunda participação de 61 enfermeiros, com 2 meses de intervalo. Como se pode observar na Tabela 5, o coeficiente de correlação de Spearman entre as duas aplicações da ECAME é aceitável (ρ de Spearman = 0,512) e estatisticamente significativo (p<0,01). Os coeficientes de correlação do fator 2 e 3 são negativos, mas não são estatisticamente significativos. Os restantes fatores apresentam valores de correlação aceitáveis e estatisticamente significativos.

A frequência de comportamentos de abordagem aos média dos 528 enfermeiros que compunham a amostra registou um valor médio de 6,24 pontos, com um desvio padrão de 9,17 pontos. Num máximo de 92 pontos possíveis, registou-se uma variação entre os 0 e os 61 pontos. Os comportamentos mais frequentes dizem respeito ao item 5 com χ= 0,95 pontos e DP = 1,13 pontos (Fiz comentários nas redes sociais, sobre publicações pertencentes a Profissionais de Comunicação Social), ao item 6 com χ= 0,68 pontos e DP = 0,97 pontos (Fiz comentários em sites oficiais e páginas das redes sociais, pertencentes a meios de comunicação social informativos) e ao item 4 com χ= 0,62 pontos e DP = 0,98 pontos (Fiz comentários em blogues ou páginas pertencentes a Profissionais de Comunicação Social). Os comportamentos menos frequentes dizem respeito ao item 17 com χ= 0,06 pontos e DP = 0,32 pontos (Dinamizei programas de rádio - investigação prévia e produção de conteúdos sobre saúde/enfermagem), ao item 16 com χ= 0,06 pontos e DP = 0,32 pontos (Participei em outros programas da rádio nacional) e ao item 19 com χ= 0,07 pontos e DP = 0,30 pontos (Participei em outros programas de televisão local/regional).

 

Discussão

O presente estudo teve como objetivos construir e validar a ECAME e analisar a relação entre a frequência de comportamentos de abordagem aos média e determinadas variáveis sociodemográficas. A ECAME apresenta bons indicadores de validade e fidelidade. A validade facial foi assegurada após a construção do instrumento. A validade de conteúdo foi assegurada pela extensa revisão bibliográfica e pela análise do painel de peritos em enfermagem, comunicação social e ciências da comunicação. A análise fatorial por componentes principais determinou a exclusão de um item por apresentar valores baixos de comunalidade, obtendo-se uma estrutura de 23 itens agrupados em cinco fatores. Todos os itens carregaram nos diferentes fatores com pesos fatoriais entre os 0,538 e os 0,905 e explicam 70,98% da variância, o que garante a validade de construto.

Relembramos que a ECAME foi criada para avaliar a frequência de comportamentos de abordagem aos média na sua globalidade. Ainda assim, optámos pela avaliação da fiabilidade e da estabilidade temporal dos seus cinco fatores. Os fatores da escala apresentam bons valores de α de Cronbach, entre os 0,865 e 0,957. Da mesma forma, obtiveram-se valores de r corrigido entre os 0,473 e 0,705 e um valor de α de Cronbach da globalidade da escala de 0,920, o que sugere uma boa consistência interna do instrumento. No global, a ECAME apresenta valores de correlação de 0,512 para a estabilidade temporal. Embora se trate de um valor aceitável, este poderá estar relacionado com o período noticioso em causa (período festivo, em que menos notícias sobre a profissão poderão gerar menor frequência de contacto com os média). Apesar de existirem diversos estudos na área desde há várias décadas, não foi encontrada outra escala que avalie a frequência com que os enfermeiros abordam os média. Esta investigação sugere, por isso, que a ECAME é um bom instrumento de avaliação desta variável em amostras de enfermeiros.

Os 528 enfermeiros da amostra registaram frequências muito baixas de comportamentos de abordagem aos média, tendo-se observado um valor médio de 6,24 pontos em 92 pontos possíveis. Os comportamentos mais frequentes não apresentam valores médios superiores a 1 ponto, em 4 pontos possíveis. Buresh e Gordon (2013) afirmam o receio que os enfermeiros têm em contactar os média e estes achados poderão surgir como consequência desse mesmo receio. Da mesma forma, os achados vão ao encontro das conclusões de Calvo (2011), que afirma que as enfermeiras não se têm preocupado o suficiente em comunicar a sua verdadeira identidade à sociedade e não se têm ocupado a melhorar a sua imagem nos média.

Diversos autores defendem a formação em comunicação pública para enfermeiros, como forma de aumentar a visibilidade mediática da profissão. Chaffee (2000) afirma que a criação de programas de formação em comunicação poderá ajudar os enfermeiros a compreender e expressar o seu trabalho, bem como contribuir para o entendimento do público sobre a Enfermagem. A autora sugere que essa formação seja feita em parceria com profissionais de comunicação social e ciências da comunicação. Finkelman e Kenner (2013) defendem que o desenvolvimento de competências de comunicação pública é fundamental para que os enfermeiros possam educar a sociedade sobre a profissão. Por sua vez, Martins, e Fernandes (2014) indicam que as aulas curriculares de Enfermagem devem integrar os conteúdos mediáticos sobre a profissão.

Da mesma forma, estabelecer relações profissionais com os média parece ser uma boa estratégia para aumentar a visibilidade mediática. Num mundo em que a realidade social é cada vez mais uma construção mediática e no qual os profissionais de comunicação detêm o poder de transmitir imagens que influenciam a perceção dos cidadãos sobre os cuidados de saúde, torna-se urgente que os enfermeiros assumam uma postura proativa e que sejam capazes de gerir e influenciar as representações mediáticas da profissão (Calvo, 2011; Martins & Fernandes, 2014).

Este estudo poderá comportar algumas limitações considerando algumas das opções feitas. Os participantes foram recrutados numa rede social da internet, o que poderá excluir todos aqueles que não usam este recurso mas que abordam os média através de outros canais. Fatores culturais ou institucionais que possam interferir na frequência com que os enfermeiros abordam os média não foram investigados, mas podem influenciar esta variável.

 

Conclusão

A ECAME apresenta boas propriedades psicométricas, o que sugere a possibilidade da sua aplicação em diferentes grupos de enfermeiros e em diferentes contextos. Os enfermeiros da amostra abordaram os média com pouca frequência, sendo a Internet o meio privilegiado para o contacto. Estes achados vão ao encontro da evidência científica, que aponta a reduzida cobertura mediática da enfermagem: É possível que a invisibilidade mediática da profissão esteja relacionada com a falta de iniciativa dos enfermeiros e, consequentemente, com a reduzida frequência com que abordam os média. Importa definir espaços e mecanismos de reflexão sobre a prestação de cuidados que fortaleçam o discurso dos enfermeiros e permitam a sua disseminação para a esfera pública e mediática. Trata-se de um estudo inovador, que indicia a necessidade de integrar conhecimentos de comunicação pública nos programas curriculares de Enfermagem e que abre portas para novas investigações: A utilização da ECAME em amostras de enfermeiros diversificadas, a análise dos fatores pessoais e laborais que impedem os enfermeiros de abordar os média, a análise da relação entre enfermeiros e profissionais de comunicação e construção e a avaliação de programas formativos na área da comunicação pública e abordagem aos média.

Numa sociedade cada vez mais médiatizada, cabe aos enfermeiros desenvolver estratégias que permitam gerir a sua imagem pública e as relações com os profissionais de comunicação. Uma sociedade informada sobre o contributo dos enfermeiros para a saúde e bem-estar de todos, poderá ajudar estes profissionais a conceber e prestar cuidados de forma competente, segura e eficaz.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 13.03.15

Aceite para publicação em: 24.09.15

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