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Revista de Enfermagem Referência
Print version ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra Dec. 2015
https://doi.org/10.12707/RIV15006
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
Prevalência de Violência no Namoro entre Adolescentes de Escolas Públicas de Recife/Pe – Brasil
Prevalence of Dating Violence among Adolescents from Brazilian Public Schools of Recife/Pe – Brazil
Prevalencia de la Violencia en el Noviazgo entre Adolescentes de Escuelas Públicas de Recife/Pe – Brasil
Maria Aparecida Beserra*; Maria Neto da Cruz Leitão**; Maria Isabel Domingues Fernandes***; Liliana Scatena****; Telma Sofia dos Santos Vidinha*****; Lygia Maria Pereira da Silva******; Maria das Graças de Carvalho Ferriane*******
* MsC., Professor Assistente, Universidade de Pernambuco, 50670-901, Pernambuco, Brasil [mcidabeserra@ig.com.br]. Contribuição no artigo: Recolha de dados; tratamento estatístico; escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua Dona Uzinha Nunes, Nº 237/ 702, 223407-006 Boa Viagem, Recife, Pernambuco, Brasil.
** Ph.D., Investigadora na Unidade Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mneto@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: Análise de dados e discussão.
*** Ph.D., Professora adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [liliana_scatena@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Análise de dados e discussão.
**** Bacharelato, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-902, Ribeirão Preto, Brasil [liliana_scatena@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Análise de dados e discussão.
***** RN., Enfermeira, Centro Hospitalar de Coimbra, EPE, 3041-801, Coimbra, Portugal [telmavidinha@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: Análise de dados e discussão.
****** Ph.D., Professora Adjunta, Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças, Universidade de Pernambuco, 50670-901, Pernambuco, Brasil [lygiapera@yahoo.com.br].
******* Ph.D., Professora Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-902, Ribeirão Preto, Brasil [gracacarvalho@usp.br]. Contribuição no artigo: Análise de dados e discussão.
RESUMO
Enquadramento: A violência no namoro é um grave e evitável problema de saúde pública mundial que poderá trazer consequências negativas à saúde dos adolescentes.
Objetivos: Estimar a prevalência da violência no namoro na adolescência; caracterizar ocorrências de acordo com variáveis sociodemográficas.
Metodologia: Estudo descritivo transversal com uma população estimada em 4.905 estudantes. Amostra constituída por 643 adolescentes, dessa foi extraído um subgrupo de 260 participantes que tinham namorado(a) na época da pesquisa. Utilizaram-se os questionários: Global School-based Student Health Survey, e Violência na Escola. Os dados foram analisados através do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.
Resultados: A prevalência da violência no namoro foi de 19,2%. Verificaram-se associações significativas entre o sexo e as questões (vítima ou agressor), observando-se mais raparigas agressoras (14,3%). Após a agressão, 40% respondeu que não sentiu nada e 28% achou normal, 40% afirmou não ter feito nada e 36% terminou a relação.
Conclusão: Observa-se uma naturalização da violência no namoro, pelo que seria necessário desenvolver programas de prevenção da ocorrência desse fenómeno.
Palavras-chave: Violência; adolescente; relacionamento; prevalência
ABSTRACT
Theoretical framework: Dating violence is a serious and avoidable public health issue worldwide, which may have negative consequences in adolescents' health.
Objectives: To estimate the prevalence of dating violence in adolescence and to characterise episodes of dating violence according to socio-demographic variables.
Methodology: Cross-sectional descriptive study, with an estimated population of 4,905 students. Sample composed of 643 adolescents, of which a subset of 260 participants who had a boyfriend/girlfriend at the time of the study was extracted. The following questionnaires were used: Global School-based Student Health Survey and Violência na Escola (Violence at School). Data were analysed using the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), version 21.
Results: The prevalence of dating violence was 19.2%. Significant associations were found between gender and the questions (victim or aggressor), with more girls being aggressors (14.3%). After the aggression episode, 40% of adolescents felt nothing and 28% considered it normal, 40% of participants did nothing and 36% ended the relationship.
Conclusion: A naturalisation of dating violence is observed, thus prevention programs should be developed.
Keywords: Violence; adolescent; relationship; prevalence
RESUMEN
Contexto: La violencia en el noviazgo es un problema de salud pública mundial grave y evitable que puede dar lugar a consecuencias negativas para la salud de los adolescentes.
Objetivos: Estimar la prevalencia de la violencia en el noviazgo en la adolescencia; caracterizar casos de acuerdo con variables sociodemográficas
Metodología: Estudio descriptivo transversal con una población estimada en 4.905 estudiantes. La muestra estuvo constituida por 643 adolescentes, de los cuales se extrajo un subconjunto de 260 participantes que tenían novio/a en el momento de la investigación. Para ello, se utilizaron los cuestionarios: Global School-based Student Health Survey y Violencia en la Escuela. Los datos se analizaron a través del Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versión 21.
Resultados: La prevalencia de la violencia en el noviazgo fue del 19,2 %. Se verificaron asociaciones significativas entre el sexo y las cuestiones (víctima o agresor), y se observó que hay más chicas agresoras (14,3 %). Después de la agresión, el 40 % respondió que no sintió nada y el 28 % lo consideró normal; el 40 % afirmó que no hizo nada y el 36 % que terminó la relación.
Conclusión: Se observa una naturalización de la violencia en el noviazgo, por lo que sería necesario desarrollar programas de prevención de este fenómeno.
Palabras clave: Violencia; adolescente; prevalencia; relación
Introdução
O presente estudo foca-se na violência no namoro entre adolescentes da cidade do Recife - Brasil. A violência no namoro é segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um “comportamento dentro de uma relação íntima que causa dano físico, sexual ou psicológico, incluindo atos de agressão física, coerção sexual, abuso psicológico e comportamentos controladores” (citado por Heise & Garcia-Moreno, 2002, p. 107), sendo uma violação dos direitos humanos. A adolescência é definida pela OMS como o período que vai de 10 a 19 anos, ou seja, a segunda década de vida das pessoas (World Health Organization [WHO], 2015). A conceção de adolescência pode ser construída a partir da realidade objetiva e concreta e, portanto, factores como classe social, etnia, sexo, idade e cultura são importantes na construção do sentido de ser adolescente (Ozella & Aguiar, 2008), constitui-se em uma fase da vida na qual muitas das características de personalidade e de modelos de relacionamentos das pessoas são delineadas. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2014) afirma que a crença de que a violência no namoro é aceitável é um dos fatores que mais fomenta a ocorrência de comportamentos mais violentos. A violência, quando naturalizada e banalizada no relacionamento amoroso, expõe a população jovem às suas consequências, o que suscita o desenvolvimento de pesquisa que venha contribuir no direcionamento de estratégias de enfrentamento e prevenção.
Este fenómeno tem adquirido cada vez mais importância mundialmente, pelo que Minayo, Assis, e Njaine (2011) valorizam a realização de estudos nacionais e internacionais com vista a melhorar as experiências afetivo-sexuais entre os adolescentes e a prevenir a violência conjugal. Um estudo realizado por Barreira, Lima, e Avanci (2013) no Brasil, com adolescentes matriculados em escolas públicas e particulares, com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos, identificou nas relações de namoro uma prevalência da violência física de 19,9%, da violência psicológica de 82,8% e de ambas de 18,9%. Outros estudos têm demonstrado que a violência no namoro pode influenciar negativamente a saúde ao longo da vida. Os jovens que são vítimas são mais propensos a apresentarem sintomas de depressão e ansiedade, a envolverem-se em comportamentos pouco saudáveis, como o uso do tabaco, drogas e álcool, ou a apresentarem comportamentos antissociais e pensamentos suicidas (Foshee, Reyes, Gottfredson, Chang, & Ennett, 2013).
Nas últimas décadas verifica-se que a saúde do adolescente tem-se tornado uma prioridade em muitos países, nomeadamente para instituições que promovem a investigação, porque a construção do estilo de vida é crucial, não apenas para o adolescente, mas também para as gerações futuras (Ruzany, 2008).
Considerando que a adolescência é um período importante por se estabelecerem as bases necessárias para a construção de relações saudáveis e do bem-estar geral ao longo da vida, a garantia de que adolescentes e jovens desfrutem de relacionamentos livres de violência é um importante investimento para o seu futuro.
Enquadramento
A violência no namoro é um grave e evitável problema de saúde pública. A comunidade científica tem-se interessado cada vez mais por este problema, sobretudo pelo impacto que tem na vida e saúde das pessoas vítimas e pela importância e necessidade de serem estruturados programas de prevenção. A exploração desta problemática para a identificação da sua multicausalidade leva a possíveis mecanismos de enfrentamento (Minayo et al., 2011). Para além de ter causas complexas, a violência no namoro é resultado de múltiplos fatores: Individuais, familiares, comunitários e sociais. Tais fatores podem incluir um comportamento agressivo ou delinquente, o uso de álcool ou outras drogas, a presença ou experimentação de violência na infância, os conflitos conjugais, o domínio e perda de controlo num relacionamento e o desemprego (Minayo et al., 2011).
Os estudos centrados nas relações de namoro entre os adolescentes, embora apresentem uma ampla variação conceptual, identificam uma prevalência da violência muito expressiva e diversificada: 8,9% (Barreira et al., 2013); 20% (Basile et al., 2006); e 83,9% (Barreira, Lima, Bigras, Njaine, & Assi, 2014). Esta disparidade é frequentemente atribuída à utilização de diferentes metodologias e à ausência de um padrão conceptual (Barreira et al., 2013).
Em Portugal vários estudos vêm sendo desenvolvidos com o intuito de contribuir para o dimensionamento e discussão do problema na perspetiva da prevenção desse fenómeno a exemplo do trabalho de Leitão et al. (2013) que traz a reflexão sobre o impacto da violência de género nos direitos humanos e na saúde e bem-estar das vítimas e famílias.
Questão de Investigação
Considerando a magnitude da violência nas relações de namoro e o impacto que esta tem na saúde dos adolescentes, decidimos realizar o presente estudo com a finalidade de dimensionar a gravidade do problema. Levantamos como hipótese que a violência no namoro faz parte do quotidiano das relações dos adolescentes em vários espaços sociais, sendo distinta para cada sexo.
Assim, este estudo tem os seguintes objetivos: Estimar a prevalência da violência no namoro na adolescência; caracterizar as ocorrências de acordo com as variáveis sociodemográficas; e identificar os tipos de violência perpetrada e vitimada.
Metodologia
Estudo transversal e descritivo, com cariz epidemiológico, que explora o fenómeno da violência no namoro, faz parte de uma pesquisa maior que teve como objetivo analisar a violência na adolescência dentro do contexto escolar. A população foi de 4.905 estudantes, de ambos os sexos e com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, matriculados em seis escolas estaduais no bairro de Santo Amaro na Cidade de Recife - Pernambuco/Brasil. A escolha das escolas estaduais deu-se pelo facto de que esse bairro é considerado de grande incidência de pobreza e violência, dominado pelo tráfico de drogas e não possuir escolas particulares.
Para determinação do tamanho amostral, foram considerados: O tamanho populacional estimado de 4.905 alunos matriculados nas seis escolas estaduais do bairro; a margem de erro de 5%; a confiabilidade de 95% de que a margem de erro não era ultrapassada; proporção esperada de 50% para cada categoria de resposta, valor este que maximizava o tamanho amostral. Após os cálculos resultou uma amostra de 643 adolescentes, desta amostra foi extraído um subgrupo de 260 participantes que na época da pesquisa tinham namorado(a), e com esse subgrupo foi realizada a investigação.
Para a recolha dos dados foram utilizados dois questionários autoaplicados e constituídos por questões fechadas: O Global School-based Student Health Survey (World Health Organization, 2012), para a caracterização socioeconómica e demográfica dos estudantes; e o Violência na Escola (Freire, Simão, & Ferreira, 2006), validado para a população brasileira, ao qual foram acrescentadas sete questões relacionadas com a violência no namoro. Os dados foram recolhidos entre 7 de julho e 5 de setembro de 2014. Os resultados foram analisados através de distribuições absolutas e percentuais. Para avaliar a associação entre duas variáveis categóricas foi utilizado o teste estatístico Qui-quadrado ou o teste Exato de Fisher quando a condição para a utilização do teste Qui-quadrado não foi verificada. Para avaliar o grau da associação foi obtido o Odds ratio (OR) e o respetivo intervalo de confiança (IC). A margem de erro utilizada nas decisões dos testes estatísticos foi de 5% e os IC foram obtidos com confiabilidade de 95%. O programa SPSS, versão 21, foi utilizado em todas as análises estatísticas deste estudo.
A investigação teve em consideração os aspetos éticos e as implicações legais da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde do Brasil, preservando o anonimato dos sujeitos envolvidos. Os dados só foram recolhidos após a aprovação do Comité de Ética de Pesquisa da Universidade de Pernambuco, sob o nº de protocolo 705.598 em 01/07/2014, e após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo adolescente e pelos seus pais ou responsáveis.
Resultados
Participaram no estudo 643 adolescentes, cuja caracterização sociodemográfica faz ressaltar: 56,5% tinham entre 15 e 18 anos e os restantes entre 12 e 14; 64,2% eram do sexo feminino e 93,6% solteiros; a maioria considerou-se de raça não branca (82,3%), sendo que 70,6% se autoavaliou como pardo/mulato/moreno; e mais de metade da amostra (54,1%) tinha o ensino médio e os restantes o ensino fundamental.
Em relação às questões “Trabalha?”, “Mora com o pai?”, “Mora com a mãe?” e “Em que região você vive?”, verificou-se que a maioria não trabalhava (87,9%); 56,8% morava com o pai e 89,7% com a mãe; e 95,5% habitava na região urbana. Um pouco mais de metade (52,3%) das mães dos participantes tinha entre 8 e 11 anos de escolaridade, e 28,9% tinha menos de 8 anos de escolaridade.
Dos 643 adolescentes participantes, 260 (40,4%) tinham namorado(a) e entre estes verificou-se que: 19,2% já tinham sido agredidos(as) pelo namorado(a) e neste subgrupo (Tabela 1) a violência mais frequente foi a verbal/moral (60,4%), seguida da física (28,3%) com a ressalva de que um mesmo participante pode ter sofrido mais do que um tipo de violência. Vinte e dois vírgula sete por cento afirmou já ter agredido o(a) namorado(a), com maior prevalência da violência verbal/moral (60,3%) e física (35,3%).
Dos 50 adolescentes que tinham sido agredidos(as) pelo namorado(a), a maioria (26,7%) afirmou não ter desenvolvido nenhum sentimento acerca da agressão; 18,7% considerou normal; e os sentimentos de revolta, vingança e deceção apresentaram percentagens que variaram de 18,7% a 16,0%. Em relação à tomada de atitude após a violência, a maioria (40,0%) não tomou nenhuma atitude (pedido de apoio) e 36,0% referiram ter terminado o namoro.
Nas Tabelas 2 e 3 apresentam-se os resultados da associação entre cada uma das variáveis relativas à agressão pelo(a) namorado(a), a faixa etária e o sexo, no grupo dos 260 participantes que tinham namorado(a) na data da recolha dos dados.
Na Tabela 2 verifica-se que 11,9% dos inquiridos são agressores, 10,8% são vítimas e agressores e 8,5% são apenas vítimas. O término do namoro apresentou maior expressão nos jovens que tinham entre 12 e 14 anos (47,6%). Porém, não houve associação significativa entre a faixa etária dos participantes e a violência no namoro.
Na Tabela 3 podem-se observar as diferenças significativas: Entre o sexo e a posição do inquirido face à situação de violência, se foi vítima, agressor, ambas as situações ou não sofreu agressão; entre o sexo e a agressão física ou verbal/moral sofrida ou praticada; e entre o sexo e o que sentiu quando foi agredido. Para as referidas variáveis destaca-se: A percentagem dos que não sofreram agressão e dos que foram agressores mais elevada no sexo feminino (72,0% e 14,3% respetivamente) do que no sexo masculino (63,0% e 7,6% respetivamente); a percentagem dos que foram vítimas foi mais elevada no sexo masculino (18,5%); a percentagem dos que sofreram agressão verbal/moral foi mais elevada no sexo masculino (19,6%); a percentagem dos que praticaram agressão física foi mais elevada entre os adolescentes do sexo feminino (11,9%); e a percentagem que teve vontade de se vingar foi mais elevada no sexo masculino (9,8%). O término do namoro foi a atitude tomada mais referida, sendo a sua prevalência maior no sexo feminino (39,1%); em relação à atitude não fazer nada após a vitimização, verificou-se uma percentagem bastante significativa no sexo masculino (40,7%) e no sexo feminino (39,1%).
Discussão
No que concerne aos resultados sobre a perpetração e vitimização da violência no namoro, evidenciou-se que 19,2% dos adolescentes referiram já ter sido agredidos pelo(a) namorado(a). Os valores de prevalência encontrados são relativamente semelhantes a outros estudos, nacionais e internacionais, desenvolvidos por vários autores. Internacionalmente a prevalência estimada encontra-se entre os 21,8% e os 60% (Haynie et al., 2013; Straus, 2004). Basile et al. (2006), numa investigação que envolveu 15.214 estudantes americanos de 158 escolas do ensino médio, verificaram que 8,9% experienciaram violência no namoro, sendo que 8,9% eram do sexo masculino e 8,7% do feminino. No Brasil, um estudo com uma amostra de 455 jovens universitários de São Paulo identificou uma prevalência de 21,1% de violência entre parceiros íntimos (Aldrighi, 2004). Na Cidade do Recife/Pernambuco, Barreira et al. (2013), ao trabalharem com uma amostra significativa de adolescentes de escolas públicas e privadas, constataram que 19,9% dos adolescentes perpetraram violência física contra os seus parceiros íntimos. Oliveira, Assis, Njaine, e Carvalhaes (2011), num estudo com jovens de escolas públicas e privadas de capitais de dez estados brasileiros, identificaram uma prevalência de vitimização e perpetração bem acima dos valores nacionais e internacionais - 86,9% como vítimas e 86,8% como perpetradores. A bidirecionalidade da violência ou prática recíproca entre ambos os parceiros adolescentes foi também constatada no estudo de Minayo et al. (2011).
Embora algumas investigações apontem com maior frequência o sexo feminino como vítima, neste estudo encontra-se uma maior prevalência de vitimização no sexo masculino (18,5%) e de agressão no sexo feminino (14,3%). Estes resultados corroboram os que foram alcançados por Oliveira, Assis, Njaine, e Pires (2014), que verificaram uma maior frequência de perpetração de violência no namoro ou nas relações de “ficar” por adolescentes do sexo feminino (18,4%). Straus e Gozjolko (2014) salientam que embora alguns estudos comprovem que o sexo feminino se envolva com maior frequência em atos de violência, os efeitos adversos sobre as vítimas são muito maiores quando exercidos pelo sexo masculino, podendo causar mais lesões (tanto físicas como psicológicas), mais mortes e mais medo.
Em relação à natureza da violência no namoro, a percentagem dos que sofre violência verbal/moral foi mais elevada no sexo masculino (19,6%). Segundo Oliveira et al. (2011), a violência verbal é a que mais ocorre nas relações entre os jovens e enfatizam que a sua elevada frequência contribui para que esta seja banalizada, porque é comum e aceitável em algumas situações. Barreira et al. (2013) também encontraram uma prevalência da violência psicológica perpetrada em 82,8%, sendo 80,6% no sexo feminino e 85,6% no sexo masculino. Num estudo realizado por Bonomi, Anderson, Nemeth, Rivara, e Buettner (2014), constatou-se que 28,4% das raparigas e 19,3% dos rapazes sofreram violência física e/ou violência sexual; e a violência psicológica do tipo gritar, insultar e ameaçar foi mais predominante no sexo feminino (47,6%) do que no sexo masculino (40,7%).
Verificamos ainda que a violência física está em segundo lugar com 9,2%. A percentagem dos que praticaram violência física foi mais elevada entre os adolescentes do sexo feminino (11,9%), corroborando os resultados de outros estudos, como o de Oliveira et al. (2011), com 16,8% para o sexo masculino e 28,5% para o feminino, e o de Barreira et al. (2013), com 21,8% para o sexo feminino e 17,4% para o masculino.
Num estudo realizado com jovens universitários de 32 nações, incluindo o Brasil, 17% a 49% deles relataram ter agredido fisicamente o parceiro no último ano, com uma média de 29%, e a prevalência de agressões físicas mais severas, como esmurrar, estrangular e agredir com armas, foi, em média, de 10% a 15% (Straus, 2004).
A violência sexual foi muito pouco referida pelos adolescentes de ambos os sexos, tanto a sofrida (4,0%) como a praticada (1,7%). No estudo de Oliveira et al. (2014) foi identificada uma percentagem bastante significativa deste tipo de violência em ambos os sexos, com 43,8% a sofreram e 38,9% a perpetraram alguma forma de violência sexual nas relações amorosas, tais como: Beijar quando o parceiro não quer; tocar sexualmente e forçar a fazer sexo quando ele ou ela não quer; e usar a ameaça para tentar fazer sexo. Salienta-se o facto da adolescência ser uma fase de exploração, durante a qual a maioria dos adolescentes começa a namorar e a explorar a sua sexualidade.
A naturalização da violência no namoro surge nas questões referentes aos sentimentos dos adolescentes e na decisão tomada após a agressão sofrida. Verificou-se uma percentagem bastante significativa que respondeu, não sentiu nada (40,0%), e achou normal (28,0%). Na decisão tomada após a agressão, 40,0% não fez nada e 36,0% terminou o namoro. Oliveira et al. (2014) referem que algumas noções enraizadas na vida social propiciam a ocorrência de relações interpessoais violentas, o qual designam por fenómeno cultural. Acrescentam que atos e atitudes comuns nos adolescentes, como por exemplo a aceitação da humilhação pelo parceiro (ou mesmo da agressão física e sexual), são oriundos de uma cultura que romantiza o amor, naturalizando o sentimento de posse ou o ciúme.
Neste sentido, o presente estudo traz conhecimentos adicionais significativos para o contexto atual do fenómeno da violência no namoro, que poderão servir de subsídios para ações futuras que visem o desenvolvimento de habilidades sociais saudáveis, que são cruciais para o futuro dos adolescentes.
Este estudo pretendeu trazer alguns conhecimentos com dados epidemiológicos da violência no namoro. Por se tratar de um estudo transversal, as características aqui apresentadas se referem a um momento específico, podendo sofrer modificações na medida em que sejam implantadas ações de intervenção.
Conclusão
Os resultados deste estudo indicam que os(as) adolescentes são perpetradores e vítimas no relacionamento de namoro e que o sexo masculino apresenta uma maior taxa de vitimização, ao contrário do que a maioria da literatura sugere. Verifica-se uma elevada prevalência deste problema associada à sua naturalização, indiciando que a violência integra com normalidade as relações de namoro, corroborando a hipótese do estudo. No estudo não houve associação significativa da violência no namoro com a faixa etária dos adolescentes. Em estudos futuros considera-se necessário explorar as razões dos comportamentos dos(as) adolescentes nas suas relações de namoro, a fim de se obterem informações que permitam acompanhar este fenómeno e adquirir uma maior compreensão do mesmo. Assim, será possível planear ações preventivas que erradiquem este fenómeno e minimizem as consequências da violência no namoro para o(a) adolescente.
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Agradecimento: Este estudo é parte das atividades planejadas para o Estágio Doutorado Sanduíche e teve o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, Órgão do Ministério da Educação do Brasil.
Recebido para publicação em: 13.02.15
Aceite para publicação em: 14.10.15