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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra dez. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV14049 

ARTIGO DE REVISÃO

 

O Trabalho Informal e as Repercussões para a Saúde do Trabalhador: Uma Revisão Integrativa

Informal Work and the Implications for the Workers' Health: An Integrative Review

El Trabajo Informal y las Implicaciones para la Salud de los Trabajadores: Una revisión integradora

 

Débora Cristina de Almeida Mariano Bernardino*; Marilda Andrade**

* Pós-Graduação., Ciências da Saúde/ Enfermagem. Mestranda., Ciências do Cuidado. Enfermeira, Universidade Federal Fluminense (UFF), Escola de Enfermagem Aurora de Afonsocosta (EEAAC), 24020091, Rio de Janeiro, Brasil [dcamariano@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha, análise e discussão dos dados, escrita do artigo.Morada para correspondência: Avenida Carlos Meziano, Nº 482, Lote 01, Bloco 06 B, Apartamento 305, Portuguesa,Rio de Janeiro.

** Ph.D., Ciências da Saúde/ Enfermagem. Enfermeira, Orientadora, Universidade Federal Fluminense (UFF), Escola de Enfermagem Aurora de Afonsocosta (EEAAC), 24020091, Rio de Janeiro, Brasil [marildaandrade@uol.com.br]. Contribuição no artigo: contribuição substancial na análise e discussão dos dados e revisão final do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: Atualmente, 127 milhões de pessoas trabalham em condições de informalidade na América Latina e nas Caraíbas. O trabalho informal é marcado pela não-garantia de acesso a direitos sociais e laborais básicos, acentuando as desigualdades sociais.

Objetivos: Conhecer as repercussões do trabalho informal para a saúde dos trabalhadores inseridos neste setor da economia.

Metodologia: Estudo de revisão integrativa da literatura, realizada entre os meses de dezembro de 2013 e fevereiro de 2014.

Resultados: Foram incluídos neste estudo 17 artigos redigidos em português, inglês ou espanhol, disponíveis nas bases de dados LILACS, MEDLINE e CINAHL.

Conclusão: Evidencia-se que, no contexto do trabalho informal, o trabalhador é acometido prevalentemente por complicações que afetam o sistema osteomuscular e a saúde mental. Decorrentes de um trabalho predominantemente braçal, mal remunerado, insuficiente para arcar com as necessidades do trabalhador e da sua família, gerando sentimento de inutilidade, e por vezes depressão.

Palavras-chave: Saúde do trabalhador; condições de trabalho; trabalhadores; saúde

 

ABSTRACT

Background: There are currently 127 million people working in informal conditions in Latin America and the Caribbean. Informal work is characterised by not ensuring access to basic social and labour rights, accentuating social inequalities.

Objectives: To identify the implications of informal work for the health of the workers in this sector of the economy.

Methodology: Integrative literature review, conducted between December 2013 and February 2014.

Results: The study included 17 articles written in Portuguese, English or Spanish, available in the LILACS, MEDLINE and CINAHL databases.

Conclusion: In informal work settings, the workers are mostly affected by musculoskeletal system diseases and mental health problems. This type of work is a predominantly manual work, poorly paid, and not enough to meet the needs of the workers and their families, thus generating feelings of worthlessness and sometimes depression.

Keywords: Occupational health; working conditions; workers; health

 

RESUMEN

Marco contextual: En la actualidad, 127 millones de personas trabajan en condiciones informales en América Latina y el Caribe. El trabajo informal se caracteriza por no garantizar el acceso a los derechos sociales y laborale básicos, lo que acentúa las desigualdades sociales.

Objetivos: Conocer el impacto del trabajo informal para la salud de los trabajadores incluidos en este sector de la economía.

Metodología: Estudio de revisión integradora de la literatura, llevado a cabo entre los meses de diciembre de 2013 hasta febrero de 2014.

Resultados: El estudio incluyó 17 artículos escritos en portugués, inglés o español, disponibles en las bases de datos LILACS, MEDLINE y CINAHL.

Conclusión: Podemos ver que en el contexto del trabajo informal, el trabajador se ve afectado principalmente por complicaciones que afectan al sistema músculo-esquelético y a la salud mental, que derivan de un trabajo predominantemente manual, mal remunerado, insuficiente para hacer frente a las necesidades de los trabajadores y sus familias, lo que genera sentimientos de inutilidad y, a veces, depresión.

Palabras clave: Salud laboral; condiciones de trabajo; trabajadores; salud

 

Introdução

O trabalho informal pode ser definido como uma relação laboral que não está em conformidade com o pagamento de impostos e não é coberta pela segurança social, carecendo de benefícios trabalhistas (Organización Internacional del Trabajo [OIT], 2013a).

Entretanto, existe uma outra forma de conotação do trabalho informal, que é considerar como trabalhadores pertencentes a este grupo os assalariados sem contrato formal, os trabalhadores por conta própria que não contribuem para a segurança social, os trabalhadores não remunerados e os envolvidos em construção para o próprio uso e produção para autoconsumo (Krein, Cardoso, Biavaschi, & Texeira, 2013).

Atualmente, 127 milhões de pessoas trabalham em condições de informalidade na América Latina e Caraíbas (OIT, 2013a).

Segundo Costa (2010), a informalidade é marcada pela precariedade das condições de trabalho e de vida, assim como pela negação dos princípios mais elementares de cidadania, acentuando as desigualdades sociais. Esta afirmativa baseia-se nas peculiaridades inerentes ao trabalho informal.

No Brasil, assim como nos países em desenvolvimento de forma geral, boa parte da população ocupada está inserida no trabalho informal. Neste cenário, encontramos relações autoritárias, prevalecendo a falta de segurança, a assistência médica de péssima qualidade, a pobreza, a fome e a exploração. Esta última, corriqueiramente expressa por longas jornadas de trabalho, remunerações muito baixas e a não garantia de acesso a direitos sociais e laborais básicos (Matsuo, 2009).

Uma análise realizada por Mattoso (como citado em Costa, 2010), a respeito da evolução do setor informal no Brasil, refere que a década de 1990 foi um marco histórico no que toca à reconfiguração do mundo do trabalho. As modificações estruturais e económicas no país resultaram num aumento das formas precárias de trabalho em larga escala. Cerca de 3,3 milhões de postos de trabalho formais foram extintos.

Para a grande maioria dos trabalhadores demitidos, a informalidade significou uma oportunidade de permanecer no mundo do trabalho. A população passou a encontrar a sua fonte de renda em atividades laborais definidas como informais, que se expandem em diversas modalidades: Vendedores ambulantes, vigias de carro nas ruas, catadores de lixo, outdoors humanos ambulantes, trabalhadores domésticos casuais, entre outras (Costa, 2010).

Recentemente, a Organização Internacional do Trabalho pronunciou-se dizendo: A América Latina e Caraíbas continuam sendo a região mais desigual do mundo, e isso se deve em grande parte, ao fato de que a maioria da população trabalhadora está inserida na economia informal, o que reduz a capacidade de gerar renda perpetuando os ciclos de pobreza. (OIT, 2013b, p.45)

Em apoio a esta ideia, Sobral e Freitas (2010) referem que os estratos sociais influenciam os diferenciais de exposição e vulnerabilidade aos riscos de danos à saúde sob a forma de doenças ou acidentes, e consequentemente, o estado de saúde das populações. Deste modo podemos inferir que trabalhadores informais, que compartilham das mesmas características de inserção ocupacional, assim como do prestígio social e da riqueza, representados respetivamente por escolaridade e renda, apresentam-se em situação de vulnerabilidade, por se enquadrarem numa posição social menos favorável.

Diante do exposto, torna-se relevante a realização de estudos de revisão integrativa que abordem as repercussões do trabalho informal para a saúde da população inserida neste setor da economia. Estes estudos, com o intuito de trazer a público a realidade de saúde e condições laborais dos trabalhadores informais, tornam possível futuras proposições de medidas de promoção, proteção e recuperação da saúde destes, levando em consideração todas as suas especificidades.

O objetivo deste estudo foi conhecer as repercussões do trabalho informal para a saúde dos trabalhadores inseridos neste setor da economia, por meio do levantamento da produção científica do período de 1990 a 2014, de artigos que tratem deste assunto. Com o propósito de alcançar o objetivo proposto, elaborou-se a seguinte questão: Quais as condições de saúde dos indivíduos inseridos na economia informal, evidenciada pela literatura científica, no período de 1990 a 2014?

 

Procedimentos Metodológicos de Revisão Integrativa

A metodologia utilizada para alcançar o objetivo proposto por este estudo foi a revisão integrativa da literatura, que visa a compreensão de um determinado tema, a partir de outros estudos independentes, por meio da sistematização e análise dos resultados. O estudo permeou seis fases: Identificação do tema; revisão da literatura; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; interpretação dos resultados; e apresentação da revisão (Ganong 1987, como citado em Santos e Hormanez, 2013).

A realização da colheita de dados ocorreu de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014. Os critérios de inclusão dos artigos selecionados nesta investigação foram: Estudos observacionais, ensaios clínicos, quase experimentais, descritivos, exploratórios e pesquisas etnográficas, compilando publicações tanto de abordagem quantitativa, quanto de abordagem qualitativa. Os estudos tinham que ter data de publicação entre os anos de 1990 e 2014 nos idiomas português, inglês ou espanhol, gratuitos, disponíveis na íntegra, nas bases de dados eletrónicas: LILACS, MEDLINE, CINAHL e Cochrane. A delimitação temporal justifica-se pelo facto de o ano de 1990 ser considerado um marco histórico no que se refere à reconfiguração do mundo do trabalho no Brasil, havendo portanto, um aumento significativo de populações que passaram a encontrar a sua fonte de renda em atividades laborais definidas como informais.

Foram excluídos da pesquisa os artigos que não mencionavam ou deixavam dúvidas a respeito do vínculo trabalhista ao qual os sujeitos de pesquisa estavam submetidos, ou seja, somente foram incluídos no âmbito desta revisão os estudos que tratavam de sujeitos considerados trabalhadores informais. Desta maneira, os artigos incluídos discorriam sobre empregados sem contrato de trabalho, trabalhadores por conta própria não contribuintes, trabalhadores não remunerados e os envolvidos em construção para o próprio uso e produção para autoconsumo.

Na LILACS, empregaram-se os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (Decs): Occupational Health and Working Conditions and Workers - categoria SP3.056.092. O uso deste último descritor justifica-se pelo facto de não se ter no vocabulário estruturado e trilíngue DeCS, uma expressão que representasse de forma mais específica os trabalhadores informais, sendo portanto, a palavra workers, tratada como sinónimo de trabalhadores informais no próprio conjunto de Descritores em Ciências da Saúde. Na busca realizada, foram identificadas 1479 ocorrências. Destas, 532 foram selecionadas como potenciais artigos elegíveis para compor a presente revisão, após a leitura do resumo de todas as ocorrências, deste total, 12 foram incluídos no estudo.

Na MEDLINE priorizou-se como MeSH terms: Occupational Health and Health Status, sendo acrescido o descritor Working Conditions. Isso resultou na ocorrência de 2562 publicações, na qual todos os resumos foram lidos, sendo 108 artigos selecionados. Desses, dois repetiam-se na base de dados LILACS, e tiveram que ser excluídos. Somente foram abarcados na pesquisa três artigos.

Na Cinahl foram inseridos os títulos: Occupational Health and Health Status. Foram levantadas 785 ocorrências, 64 destas foram selecionadas após a leitura dos resumos, e somente dois artigos incluídos.

Na Cochrane foram encontradas seis publicações a partir dos MeSH terms: Occupational Health and Health Status. Contudo, nenhum dos artigos tinha relação com o tema de estudo. O que resultou na não-seleção e inclusão de tais artigos na revisão.

Portanto, dos 704 artigos selecionados a partir da leitura do resumo de todas as ocorrências, considerando os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos pela pesquisa, 17 foram compilados para compor esta revisão integrativa, por de facto apresentarem pertinência ao estudo proposto. Estes dados podem ser melhor visualizados na Tabela 1.

Para melhor descrever os procedimentos metodológicos da revisão integrativa, destacamos que, após o levantamento das ocorrências resultantes dos termos de busca, DeCS e MeSH, associaram-se os filtros existentes às bases de dados pesquisadas. A partir de então, todos os resumos foram lidos, havendo a seleção dos artigos que apresentavam potencial para compor esta revisão integrativa, em conformidade com os critérios de inclusão e exclusão preestabelecidos. Posteriormente, realizou-se a leitura minuciosa de todos os artigos selecionados, com a finalidade de estabelecer quais estudos seriam de facto incluídos nesta revisão. As etapas de categorização e avaliação dos artigos foram suportadas por um formulário de apoio que tinha como objetivo sumarizar os estudos que respondessem à questão de pesquisa, identificando o título dos artigos, o tipo de estudo, o ano de publicação, as publicações onde foram encontrados, o país onde os mesmos foram realizados, e os principais apontamentos a respeito das condições de saúde dos trabalhadores informais.

Os resultados foram apresentados de forma descritiva e gráfica, com o intuito de resgatar as evidências relativas à saúde e às condições laborais dos trabalhadores informais.

 

Resultados e Interpretação

Dos 17 artigos publicados sobre o assunto em questão, nove (53%) foram desenvolvidos no Brasil; três (17,6%) foram desenvolvidos na Colômbia; dois (11,7%) foram desenvolvidos na Índia. Honduras, Peru e Estados Unidos da América foram cenários de estudo de uma pesquisa apenas, ou seja, cada um desses países contribui com (5,8%) do total de estudos incluídos na presente revisão. Todos os estudos incluídos respeitaram os princípios éticos e legais de pesquisas que envolvem seres humanos.

Quanto ao ano de publicação, o estudo levantou artigos de 1990 a 2014. Contudo, não houve nenhum artigo publicado até o ano de 2001. Em 2002 foi publicado apenas um artigo e em 2004 foram dois artigos. Entre os anos de 2007 e 2013 foram publicados 14 artigos. Em relação à metodologia empregada nos artigos analisados neste estudo, percebeu-se que dez (59%) estudos são observacionais; quatro (23,2%) são de cunho descritivo e exploratório; dois (11,8%) são descritivos e um é um (5,9%) estudo etnográfico. De acordo com os dados referentes às condições de saúde dos trabalhadores informais, ilustrados pelos estudos analisados, observou-se que dos 17 artigos, 14 (82,3%) apresentaram problemas osteomusculares como uns dos principais problemas de saúde entre os sujeitos de pesquisa. A presença de dores nas pernas, braços, ombros, costas, coluna, joelhos e tendinites foram frequentes. Da mesma forma, constatou-se que os trabalhadores informais sofrem problemas de ordem psíquica. Dos 17 estudos, seis (35,2%) apontaram problemas relacionados à saúde mental dos sujeitos avaliados, entre eles: Stress, ansiedade, insónia, alcoolismo, perda da auto estima, sensação de inferioridade, insegurança, desamparo.

Na Tabela 2, estão sumarizados os estudos que compuseram esta revisão integrativa, apresentando o título dos artigos e autoria, o tipo de estudo, o ano e a base de dados em que foram publicados, o país onde foram desenvolvidos e os principais apontamentos em relação as condições de saúde dos trabalhadores informais.

As características de ordem socioeconómica emergem em grande parte das publicações analisadas. O nível de escolaridade é expresso em 12 (70,5%) artigos; desses, 11 (92%%) referem que o nível de escolaridade dos trabalhadores informais é considerado baixo, variando do analfabetismo ao ensino básico. Somente um (8%) estudo menciona que há entre os sujeitos de pesquisa pessoas licenciadas ou com o ensino secundário completo.

A renda média mensal dos trabalhadores informais apresenta-se em 11 (65%) dos artigos, sendo que desses, sete (64%) relataram que os profissionais recebiam o equivalente a um salário mínimo brasileiro ou menos, em reais (R$), nos dias atuais, portanto, cerca de US$ 330,97. E quatro (36%) referiram que os trabalhadores lucravam até dois salários mínimos, em reais, ou seja, cerca de US$ 661,94.

A jornada de trabalho foi mencionada em 13 (76,4%) dos artigos analisados. Destes, seis (46%) relatavam que os sujeitos de pesquisa trabalhavam entre 40-50 horas por semana, quatro (31%) mencionavam que os profissionais informais trabalhavam cerca de 50 horas semanais ou mais, podendo atingir uma carga horária de até 80 horas por semana. Somente dois (15,5%) artigos referem que os sujeitos de pesquisa trabalhavam cerca de 30-40 horas por semana, e apenas um (7,5%) relata a carga horária de trabalho na faixa de 30 horas semanais ou menos.

Evidencia-se que grande parte das publicações é oriunda de países em desenvolvimento, caracterizando que o trabalho informal afeta prevalentemente os países mais pobres e está relacionado com as desigualdades sociais, as condições ambientais e económicas de uma determinada população, interferindo consequentemente nas condições de saúde destes indivíduos. Os estudos realizados por Almeida et al. (2009), Jaimes e Amaya (2013) e Prosenewicz e Lippi (2012), referem que os trabalhadores informais participantes da pesquisa se encontram em situação de vulnerabilidade, pois enfrentam deficiência no saneamento básico, dificuldades no acesso aos serviços de saúde, desenvolvem as suas atividades em ambientes de trabalho insalubres, apresentando condições de saúde limitadas. Ainda Díaz et al. (2010) descrevem como resultado do seu estudo as características sociodemográficas dos mineradores de carvão, em Paipa, na Colômbia, e referem que tais características são compatíveis com a pobreza extrema.

No que se refere ao recorte temporal, observou-se que o assunto não foi explorado na comunidade científica no período de 1990 a 2001, indicando que talvez o tema ainda fosse muito recente na década de 1990 para que se pudesse fazer alguma inferência sobre a saúde dos trabalhadores informais. Este fenómeno no mercado de trabalho foi gradualmente tomando forma em decorrência das mudanças económicas e estruturais ocorridas neste período. Contudo, este perfil começa a modificar- se de maneira muito tímida no ano seguinte (2002), no qual foi publicado um artigo sobre o tema. Podemos observar que de 2009 em diante há um aumento significativo no volume de publicações referentes à saúde dos trabalhadores informais, quando são lançados 12 artigos, apontando para um interesse mais recente no meio académico sobre o assunto em questão. Os dois últimos artigos foram publicados no ano de 2013.

Das publicações analisadas, constatou-se uma prevalência de problemas osteomusculares nos trabalhadores informais. Tais problemas são evidenciados por queixas como lombalgia, cervicalgia, dores nas pernas e joelhos, tendinites e cansaço físico extremo. Estas condições podem estar relacionadas com a prática de um trabalho desgastante, que exige excesso de esforço físico e movimentos repetitivos, caracterizado por extensas jornadas de trabalho que podem chegar a 60 horas semanais ou mais. Os apontamentos referentes a esta questão foram registrados nos estudos de Alencar et al. (2009); Ballesteros et al. (2012); Gangopadhyay e Das (2012); Lakhani (2004); Rosa e Matos (2010).

O facto do trabalhador informal não possuir direitos trabalhistas e sociais, colabora para exploração e precarização do trabalho. O estudo realizado por Vigil et al. (2007) refere que os transportadores de carga manual manipulam sacos de 150Kg, podendo movimentar diariamente de 10 a 20 toneladas, demonstrando que não há uma regulamentação do limite de peso transportado por meio de normas, leis ou decretos, no sentido de resguardar a saúde deste trabalhador.

Também foram identificados, em menor proporção, mas de grande relevância no campo da saúde do trabalhador, transtornos de ordem psíquica entre os trabalhadores informais. Refletindo a respeito deste achado, podemos dizer que a ausência de direitos trabalhistas, corrobora com a depreciação da saúde mental do trabalhador informal. O facto de não possuir renda fixa, faz com que aquele que desempenha as suas funções deliberadamente, trabalhe mais tempo, pois quanto maior o número de horas investidas no trabalho, maior a possibilidade de melhorar a renda mensal. Essa, por sua vez, é considerada baixa, variando de um salário mínimo ou menos, a um máximo de dois salários. Neste contexto, a incapacidade de sustentar a família de forma plena, mesmo após a realização de tarefas perigosas e desgastantes, faz o trabalhador desenvolver um sentimento de inutilidade e depressão, o que contribui para o desencadeamento de transtornos mentais, que resultam em más condições de vida (Gangopadhyay & Das, 2012; Lakhani, 2004).

Observa-se como limitações do estudo a ausência de pesquisas de coorte, capazes de avaliar a ocorrência do desfecho frente a uma exposição no decorrer do tempo, assim como o baixo número de publicações que abordam o tema aqui discutido.

 

Conclusão

O estudo alcançou o objetivo proposto inicialmente: Retratar através de artigos científicos as repercussões do trabalho informal para a saúde dos trabalhadores inseridos neste setor da economia.

Concluímos que tais sujeitos estão submetidos a condições de trabalho insalubres, baixas remunerações, extensas jornadas de trabalho, desencadeando morbilidades de natureza física e mental. Estes aspetos foram observados em diferentes partes do mundo, na América Latina, Índia, Honduras ou nos EUA.

Portanto, por meio desta pesquisa, foi possível compreender que há uma forte relação entre a saúde e a atividade laboral desempenhada pelo indivíduo. Frequentemente o trabalho torna-se a ocupação que ocupa o maior tempo da vida diária do trabalhador informal, podendo alcançar 16 horas numa única jornada.

Assim sendo, ao se tratar da saúde de trabalhadores no contexto da informalidade, não se pode desconsiderar o processo de trabalho, a caracterização das atividades realizadas, e o tipo de exposição ao qual estão submetidos esses trabalhadores. Sem mencionar os riscos inerentes ao ambiente de trabalho, sejam estes de acidente, ergonómico, físico, químico ou biológico, que influenciam negativamente a saúde do trabalhador.

Neste contexto, é importante destacar que o trabalhador informal não possui qualquer amparo legal relacionado com as atividades laborais, e por conseguinte, não estão incluídos em programas que visam a promoção e a preservação da saúde por meio da deteção precoce de problemas de saúde relacionados com o trabalho ou de doenças profissionais. Tais sujeitos encontram-se desamparados, à mercê da própria sorte. Almejam não adoecer para que possam continuar a sustentar as suas famílias, mesmo que de forma insuficiente para atender todas as suas necessidades.

Ao refletirmos a respeito dos resultados deste estudo, apreendemos que os trabalhadores informais se encontram em situação de vulnerabilidade social, e que se torna necessário a realização de mudanças estratégicas no sentido de garantir a assistência à saúde desses trabalhadores, evitando que sejam excluídos do direito à saúde devido à sua forma de inserção no mercado de trabalho. É necessária a construção de políticas públicas que contemplem a segurança e saúde dos trabalhadores informais, dando maior visibilidade social a uma atividade que não tem tido destaque, cujos riscos inerentes à saúde, e a ela vinculados, não têm sido investigados e identificados.

Apesar de a informalidade atingir diferentes países do mundo, principalmente os mais pobres, como revelam os resultados da presente pesquisa, não há um número expressivo de publicações que discutam o trabalho informal e os seus aspetos sob a ótica da saúde ocupacional. Acreditamos que conhecer as condições de trabalho de indivíduos inseridos na economia informal, e as suas repercussões para a saúde do trabalhador, oferece-nos suporte para compreender o seu contexto social e, dessa forma, encontrar melhores possibilidades de assistência enquanto profissionais de saúde.

Neste sentido, em nível assistencial, este estudo propõe a criação de horários alternativos nos serviços de saúde para atender os trabalhadores informais, na tentativa de não os excluir do direito à saúde, ampliando o acesso à saúde de forma equitativa. Propõe também incorporar na prática dos profissionais de saúde a identificação e registo da situação de trabalho e da ocupação dos usuários nas unidades e serviços de atenção à saúde com o intuito de potencializar a deteção precoce da relação entre o trabalho e o problema de saúde apresentado pelo usuário, para fins de diagnóstico e notificação dos problemas de saúde relacionados com o trabalho.

Na esfera do ensino, este estudo contribui para o fomento de discussões académicas sobre a presente temática, enriquecendo o conhecimento de discentes e docentes, nestes espaços de troca. Estimula a formação de grupos de trabalho, comprometidos em investigar a situação de saúde e possíveis eventos relacionados com as atividades desenvolvidas por trabalhadores informais, despertando o olhar crítico acerca das distintas dimensões e circunstâncias que envolvem o cuidado ao trabalhador.

Por fim, este estudo demonstra a necessidade de realizar pesquisas de campo que caracterizem as condições de saúde e trabalho de uma significativa parcela da população de trabalhadores, suportando reflexões e proposições que resultem em melhores formas de garantir a assistência à saúde daqueles que apesar de desenvolverem as suas atividades laborais no âmbito da informalidade são cidadãos por direito.

 

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Recebido para publicação em: 23.06.14

Aceite para publicação em: 30.04.15

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