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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.8 Coimbra Mar. 2016

https://doi.org/10.12707/RIV15065 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

 

Vídeos Simuladores de Autocuidado em Lesão Medular: Conceção e Produção de um Protótipo

Self-Care Modeling Videos for Spinal Cord Injuries: Design and Production of a Prototype

Vídeos Simuladores de Autocuidado en Lesión Medular: Concepción y Producción de un Prototipo

 

Catarina Isabel Reis Silva Garcia e Teles de Araújo*

* Ph.D., Enfermeira Especialista, Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, 2649-506, Alcabideche, Portugal [garciacatarina@hotmail.com]. Morada para correspondencia: Rua Conde Barão – Alcoitão, 2649-506, Alcabideche, Portugal.

 

RESUMO

Enquadramento: A utilização de vídeos em reabilitação de pessoas com lesão medular (LM) permite transmitir informação complementar sobre técnicas/exercícios de autocuidado.

Objetivos: Identificar necessidades de informação de pessoas com LM e produzir e validar os conteúdos do treino de autocuidado em pessoas com LM passíveis de transmitir em vídeo.

Metodologia: Estudo qualitativo, de conceção e validação de um protótipo em vídeo. Após um estudo preliminar sobre necessidades de informação de pessoas com LM, segundo um grupo de pessoas com LM e um grupo de profissionais de reabilitação, foi produzido um conjunto de 10 vídeos visando técnicas de reabilitação. Os vídeos produzidos foram depois sujeitos a validação de conteúdo por 7 peritos.

Resultados: As críticas mais frequentes nas entrevistas aos peritos foram: posição/movimento da pessoa com LM; alternativas em produtos de apoio; alterações da imagem, ritmo, duração ou ângulo de filmagem.

Conclusão: Foi atribuída uma avaliação dos vídeos entre razoável a muito bom. Os peritos admitiram que os vídeos oferecem vantagens didáticas face a materiais escritos como manuais ou folhetos.

Palavras-chave: filmes e vídeos educativos; reabilitação; traumatismos da medula espinal; autocuidado; destreza motora

 

ABSTRACT

Background: The use of videos in the rehabilitation of spinal cord injury (SCI) patients allows providing additional information on self-care techniques/exercises.

Objectives: To identify the information needs of SCI patients, and produce and validate the contents of self-care training videos for SCI patients.

Methodology: Qualitative study on the design and validation of a video prototype. Following a preliminary study on the information needs of SCI patients using a group of SCI patients and another group of rehabilitation professionals, 10 videos focused on rehabilitation techniques were created. The contents of these videos were then validated by 7 experts.

Results: The most common suggestions from the interviewed experts were: positioning/movement of the SCI patient; use of alternative assistive devices; changes in shooting image, rhythm, duration or angle.

Conclusion: The videos were assessed as reasonable to very good. The experts referred that the videos offer educational benefits when compared to written materials, such as manuals or leaflets.

Keywords: instructional films and videos; rehabilitation; spinal cord injuries; self-care; motor skills

 

RESUMEN

Marco contextual: La utilización de vídeos en la rehabilitación de personas con lesión medular (LM) permite transmitir información sobre técnicas/ejercicios como complemento para los programas de autocuidado.

Objetivos: Identificar las necesidades de información de las personas con LM, así como producir y validar los contenidos relativos al entrenamiento del autocuidado en personas con LM que puedan ser transmitidos en vídeo.

Metodología: Adoptamos una metodología cualitativa con el objetivo de crear y validar un prototipo en vídeo y en lengua portuguesa. Tras realizar un estudio preliminar sobre las necesidades de información de los pacientes con LM con un grupo de personas con LM y un grupo de profesionales de rehabilitación, se creó un conjunto de 10 vídeos que incluyen técnicas de rehabilitación. Posteriormente, el contenido de los vídeos producidos fue validado por 7 expertos en el área.

Resultados: Las críticas más frecuentes en las entrevistas a los expertos fueron: posición/movimiento de la persona con LM; alternativas en productos de apoyo; alteraciones de la imagen, ritmo, duración y ángulo de rodaje.

Conclusión: Los vídeos fueron valorados entre normal y muy bueno. Los expertos admitieron que los vídeos ofrecen ventajas didácticas frente a los materiales escritos, como manuales o folletos.

Palabras clave: películas y vídeos educativos; rehabilitación; traumatismos de la médula espinal; autocuidado; destreza motora

 

Introdução

As pessoas com limitações na sua mobilidade têm vindo a ser incentivadas a gerir o seu autocuidado. Em família e no domicílio, os utentes de reabilitação viram incrementada a sua responsabilidade e autogestão de informação sobre planos terapêuticos, formulários de medicação, diagnósticos clínicos específicos e identificação de sintomas. Estes fatores contribuem, por si só, para um crescente interesse dos consumidores em informação dirigida para a saúde.

O trabalho que agora apresentamos desenvolveu-se no âmbito da promoção de saúde de pessoas com lesão medular (LM). As pessoas com LM requerem uma procura de informação de saúde contínua ao longo da vida. Compete aos profissionais de saúde providenciar a informação em tempo útil, no local próprio e de forma personalizada.

Alguns trabalhos de investigação apontaram dificuldades que frustram as intervenções educacionais em saúde: insuficiência ou inexistência de instruções escritas (Hoffmann, McKenna, Herd, & Wearing, 2007; Hoffman & Cochrane, 2009); a grande quantidade de informações necessárias à manutenção da qualidade de vida (Matter et al., 2009); as diferenças de perceção de necessidades de informação entre os clientes/familiares e os profissionais de saúde (Suhonen, Nenonen, Laukka, & Välimäki, 2005), a falta de acompanhamento após a alta clínica (Hoffman et al., 2007); dificuldade na compreensão das instruções escritas (Hoffman et al., 2007; Hoffman & Cochrane, 2009); a insuficiente comunicação ou descoordenação entre a equipa de profissionais e clientes/familiares (Hoffman et al., 2007; Hoffman & Cochrane, 2009); a redução do tempo de internamento (Matter et al., 2009).

Os objetivos deste estudo foram: identificar necessidades de informação de pessoas com LM e produzir e validar os conteúdos do treino de autocuidado em pessoas com LM passíveis de transmitir em vídeo.

 

Enquadramento

O vídeo é considerado uma tecnologia de informação e comunicação e pode ser divulgado via televisão (ou DVD) ou pela internet. O vídeo tem sido, ao longo das últimas décadas, utilizado como suporte educacional em meio escolar, universitário e para o público em geral via televisão. A educação para a saúde e prevenção de riscos através de vídeos tem sido demonstrada como eficaz (Cho & Chambers, 2014; Dyson, Beatty, & Matthews, 2010; Shah & Velez, 2014; Zaffagnini, Russo, Muccioli, & Marcacci, 2013).

A reabilitação física após instalação de LM baseia-se no treino de estratégias compensatórias de défice de autocuidado ou comprometimento motor irreversível, foco fundamental da intervenção do enfermeiro especialista de reabilitação.

Novas estratégias comportamentais são ensinadas para o desempenho de atividades terapêuticas ou de vida diária tais como reaprender a rolar o corpo no leito, transferir-se para a cadeira de rodas e da cadeira de rodas para outra superfície/banco, ou levantar-se do chão para a cadeira de rodas (Matter et al., 2009). Cada competência motora implica o fortalecimento muscular acima do nível da lesão medular e requer movimentos de alavanca, uso do impulso, da inércia e da substituição de uso de grupos musculares como recurso na mobilização de um corpo parcialmente paralisado (Wheelchair Research Team, 2013). Os indivíduos com LM não recuperam a sua capacidade anterior à lesão de rolar no leito, de se vestir, de segurar num copo ou de entrar e sair de um carro. No entanto, desenvolvem um novo repertório de estratégias e movimentos para cumprir as atividades de autocuidado caso contrário tornam-se dependentes da assistência de terceiros.

Os vídeos permitem simular os contextos da prática diária dos pacientes na utilização de produtos de apoio e em ambientes semelhantes. A sua produção compreende o cuidado na forma de aproximar o interlocutor da comunicação à mensagem a transmitir, desde a inteligibilidade da linguagem utilizada até ao tipo de cenário e conforto criado bem como na familiaridade com o tipo de vestuário e ambientes selecionados. Os vídeos permitem a inclusão simultânea ou sequencial de informação através de imagem, sons, cores, movimentos, relações espaciais, ambientes ou cenários e ainda a interação entre pessoas ou com produtos de apoio ou tecnologias de assistência.

Os média interativos estão a alterar a natureza da prestação de cuidados de saúde, as implicações desta mudança podem constituir uma oportunidade para os profissionais expandirem a sua forma de comunicação mas também constitui em si mesma uma responsabilidade acrescida em termos de eficácia, qualidade e segurança nos cuidados. Os vídeos são melhor aceites pelos pacientes com baixa literacia sendo esta uma vantagem face a meios em suporte escrito (Cho & Chambers, 2014; Shah & Velez, 2014).

O treino de reabilitação é progressivo e dinâmico. Os exercícios são selecionados pela equipa multiprofissional e pela pessoa lesionada de acordo com as suas competências motoras remanescentes e com as capacidades que vai adquirindo durante o treino (grau de equilíbrio, destreza manual, graus de força, entre outros critérios).

Alguns desses exercícios de treino de mobilidade são bastante valorizados pelas pessoas com lesão vertebro medular (Simpson, Eng, Hsieh, & Wolfe, 2012), sendo indispensáveis ao autocuidado: treino de equilíbrio de tronco (no leito ou na cadeira de rodas), treino de mobilidade no colchão (ponte, rolar lateralmente, rotação da anca em posição de gancho, sentar, subir e descer os membros inferiores do leito, entre outros), treino de ortostatismo (Multidisciplinary Association of Spinal Cord Injury Professionals [MASCIP], 2013) entre barras, em standing frame, em frente ao leito; exercícios de mobilização dos segmentos articulares com ajuda (mobilizações passivas e/ou ativas assistidas) ou sem ajuda (auto mobilizações); treino de vestuário e calçado; treino de uso do WC e banheira ou duche; treino de transferências entre superfícies sem desnível de altura (exemplo cadeira de rodas/leito) ou com desnível (cadeira de rodas / sofá ou banco de uma viatura).

Em casos específicos dá-se início ao treino de reeducação funcional respiratória (Restreppo, Wettstein, Wittnebel, & Tracy, 2011) com vários exercícios possíveis e no qual se inclui a inspirometria de incentivo. Pode também dar-se início ao treino de esvaziamento vesical por auto algaliação para controlo de uma bexiga que tenha perdido a funcionalidade esfincteriana (Cardoso, Queirós, & Margato, 2006), bem como ao treino intestinal (MASCIP, 2012).

 

Questões de Investigação

Quais as necessidades específicas de informação das pessoas com LM?

Quais os conteúdos do treino de autocuidado em pessoas com LM passíveis de transmitir em vídeo?

 

Metodologia

O presente trabalho insere-se no paradigma qualitativo de compreensão do fenómeno estudado e da real relação entre a teoria e a prática. A conceção do instrumento integrou dois momentos principais:

1. Estudo prévio de auscultação de necessidades de informação (entrevista semiestruturada) das pessoas com LM.

2. Estudo de conceção/produção e validação de um conjunto de vídeos sobre reabilitação e autocuidado.

O estudo prévio de identificação das necessidades de informação e preferências de apresentação (estudo 1) consubstanciou-se numa entrevista a 120 participantes, que decorreu ao longo de 4 meses (60 pessoas com LM internadas em unidade de reabilitação e 60 profissionais de saúde especialistas em reabilitação: fisiatras, enfermeiros especialistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais). Na entrevista semiestruturada foi determinante o contacto direto com os participantes no quotidiano e contexto (centro de medicina de reabilitação) em que se inserem. Esta medida intencional permitiu a compreensão da complexidade do processo de reabilitação das pessoas com LM no ambiente em que ele decorre, minimizando o enviesamento de resultados por distanciamento espácio temporal desse ambiente.

Esta entrevista integrou oito questões sobre determinação das necessidades de informação de pessoas com LM, seis das quais de resposta aberta e duas questões de resposta fechada, colocadas intencionalmente por esta ordem para que as questões de resposta fechada não influenciassem as primeiras (em que se pretendia a expressão mais abrangente e flexível da experiência individual dos participantes). A conjugação dos dois tipos de pergunta de resposta aberta e fechada foi intencional para obtenção de informações complementares. A análise de conteúdo dos resultados desta entrevista seguiu os pressupostos teóricos e técnicos de Bardin (2004).

Para certificar que a terminologia usada nas perguntas era inteligível e neutra, foi realizado um conjunto de 12 entrevistas pré-teste (a seis profissionais de saúde e a seis pessoas com LM) minimizando os desvios por má interpretação semântica ou influência do vocabulário usado. As entrevistas pilotos não integraram a mesma análise do grupo de 120 entrevistas do estudo preliminar.

Já no estudo de conceção e produção dos vídeos de simulação (estudo 2), além de serem considerados os resultados do estudo prévio, foram consultados protocolos nacionais de intervenção de enfermagem junto da pessoa com LM (Veiga et al., 2011; Cardoso et al., 2006; Henriques et al., 2007;) e guidelines internacionais (Wheelchair Research Team, 2013; MASCIP, 2013; MASCIP, 2012; Restreppo et al., 2011).

Na produção dos vídeos foram filmadas pessoas com LM durante as atividades de autocuidado seguindo as práticas e normas de segurança da instituição. Estes modelos diferiam em idade, género ou cultura/nacionalidade, sendo uma preocupação desde o início do trabalho, maximizar o alcance dos vídeos enquanto modelo numa sociedade inclusiva e pluricultural. As filmagens, realizadas durante 8 meses, tiveram a colaboração de um técnico de filmagem e outro de multimédia na gravação. A áudio/narração foi realizada por colaboradores da instituição onde decorreu o estudo e que observam, tal como os profissionais de saúde, regras de sigilo e reserva perante o trabalho com pessoas internadas/utentes dos serviços e no respeito pela privacidade e intimidade dos participantes envolvidos.

Foram desenvolvidos 10 vídeos (primeira versão) sobre técnicas de autocuidado em reabilitação: elevações de tronco em cadeira de rodas ou push-up; inspirometria de incentivo; esvaziamento vesical no homem por auto algaliação; esvaziamento vesical na mulher por auto algaliação; ortostatismo em mesa de verticalização ou standing-frame; posicionamentos padrão no leito; transferência para o leito com elevador elétrico; transferência para o carro de uma pessoa com paraplegia; transferência para o carro de uma pessoa com tetraplegia; subir e descer passeios em cadeira de rodas.

A Tabela 1 resume os recursos e materiais técnicos necessários à vídeo gravação das técnicas de reabilitação em estudo.

A primeira versão dos vídeos foi submetida a avaliação do seu conteúdo numa entrevista individual não estruturada a sete peritos com reconhecida experiência profissional e curricular em reabilitação. Após uma breve explicação do estudo em curso, os vídeos foram visionados sequencialmente em computador e foi oferecida a cada perito a oportunidade de ser interrompida a visualização sempre que fosse necessário comentar/sugerir alteração em cada vídeo, bem como a possibilidade de se realizarem repetidas visualizações de cada vídeo ou de excertos do filme para melhor apreciação do seu conteúdo.

Foi solicitado a cada perito um parecer crítico sobre aspetos de segurança da realização da técnica, bem como sugestões de incremento da qualidade e rigor da informação transmitida. Todas as sugestões ou críticas dos peritos foram registadas.

Cada entrevista foi transcrita para suporte digital. As sugestões e críticas efetuadas pelos peritos foram hierarquizadas quanto à sua frequência, ao seu significado, legitimidade e relevância para o cumprimento do propósito original dos vídeos de simulação. A técnica de análise de conteúdo segundo Bardin (2004) foi então aplicada aos dados recolhidos.

Procurou-se conhecer os significados, as ideias, as mensagens imbuídas nos discursos dos peritos, atribuindo-lhes uma estrutura por subcategorias ou dimensões de análise. Desta avaliação por peritos resultou uma lista de alterações de aperfeiçoamento prioritárias a introduzir nos vídeos.

O estudo de validação do conteúdo dos vídeos incluiu peritos de diferentes contextos profissionais (prestação de cuidados, academia e autoridades científicas/profissionais) e regionais (Lisboa, Porto e Coimbra). Tentou-se com isto minimizar o enviesamento de resultados. O rigor da validação de conteúdo seria menor contemplando apenas duas ou três avaliações de peritos, motivo pelo qual se escolheu um painel mais alargado e variado.

Foi então realizada uma nova versão dos vídeos com introdução no protótipo inicial de excertos de novas filmagens, infografia complementar e novos excertos narrativos. Esta segunda etapa decorreu ao longo de 3 meses tendo-se posteriormente submetido a segunda versão dos vídeos a uma reavaliação do conteúdo por parte de um dos peritos, nomeado pela Sociedade Portuguesa de Medicina Física e Reabilitação (SPMFR) e diretor clínico do serviço de internamento onde decorreu o estudo. Esta segunda avaliação, intencional, seria uma etapa necessária para a utilização dos vídeos num estudo seguinte e mais abrangente de avaliação de impacto do instrumento numa amostra populacional de pessoas com LM.

A produção de vídeos de simulação das técnicas de reabilitação foi realizada num centro de Medicina de Reabilitação da grande Lisboa com autorização formal escrita do seu Conselho Diretivo e tendo sido assumido, pela investigadora, um compromisso de respeito e salvaguarda dos critérios e protocolos vigentes no centro de reabilitação para o ensino das técnicas de autocuidado. O consentimento de cada uma das pessoas filmadas foi também solicitado, com explicitação do propósito dos vídeos (quem acederia aos mesmos e possibilidade futura de colocação online), a possibilidade de recusar ou suspender o consentimento em qualquer fase do processo e a não existência de quaisquer implicações ou interferências nos cuidados de saúde recebidos pelos participantes no centro de reabilitação onde decorreu o estudo. Estas informações foram veiculadas presencialmente, tendo sido assinado o consentimento informado pelos participantes antes do início de qualquer filmagem.

No respeito pelo princípio da não maleficência recorreu-se a um painel de peritos para procederem a uma validação do conteúdo técnico-científico dos vídeos. Com efeito, solicitou-se à Ordem dos Enfermeiros (OE), na pessoa do Colégio de Especialidade de Enfermagem de Reabilitação e SPMFR colaboração nesta atividade, tendo sido designados respetivamente dois elementos consultores para este propósito. Para além de uma enfermeira especialista de reabilitação designada pela OE e de uma médica fisiatra de um centro de reabilitação nomeada pela SPMFR, o painel de peritos incluiu dois enfermeiros especialistas de reabilitação com mais de 20 anos de exercício profissional num centro de reabilitação, três docentes de Enfermagem de Reabilitação de Escolas Superiores Públicas de Enfermagem (Porto e Coimbra).

 

Resultados e Discussão

No estudo prévio, as seis questões de resposta aberta foram então analisadas segundo dimensões de análise (análise temática) contidas nas respostas, ou seja, as respostas foram divididas em unidades de registo, categorizadas em dimensões de análise e então calculadas as frequências (análise quantitativa) na amostra. Não existindo uma comparação dos grupos de participantes em estudo, utilizou-se o teste binomial (indicou/não indicou) para as respostas encontradas. O estudo estatístico das probabilidades binomiais entre os dois grupos de participantes (clientes e profissionais) permitiu verificar se existiam diferenças significativas entre as respostas dadas pelos dois grupos e assim perceber a valorização atribuída à informação. Na comparação das ponderações atribuídas às duas questões fechadas recorreu-se ao teste de Mann-Whitney.

Da colheita de dados numa amostra de 120 participantes sobre as necessidades de informação de pessoas com LM concluiu-se, tal como em outros trabalhos de investigação maior importância relativa atribuída pelos participantes internados a: serviços que deem continuidade à relação unidade de internamento-paciente após a alta clínica (Breen & Matusitz, 2010), informação sobre tratamentos e consultas e esclarecimento de dúvidas (Edwards, Krassioukov, & Fehlings, 2002) e sobre ensaios clínicos/novas tecnologias. Já os profissionais entrevistados priorizaram antes: as temáticas que valorizam a responsabilidade do paciente na gestão da sua saúde (Edwards et al., 2002; Harrison & Kouzel, 2009), a informação relacionada com o autocuidado e a prevenção de riscos e agravamento da situação clínica.

As diferenças encontradas entre os grupos de participantes podem constituir uma barreira à eficácia da comunicação entre profissionais e clientes. Autores como Hoffmann e Cochrane (2009) referem, no seu trabalho, a necessidade de adequar a comunicação e coordenação da informação entre os membros da equipa profissional às necessidades de informação dos clientes. Também Suhonen et al. (2005) concluíram que o grupo de doentes prefere informações sobre a doença e tratamento e não valorizam tanto a informação sobre a gestão diária do processo de doença como o autocuidado após a alta ou os seus direitos enquanto doente.

No estudo de validação de conteúdo dos vídeos registaram-se com frequência sugestões ou críticas, proferidas por mais do que um perito, com referências semelhantes por quatro ou cinco peritos sobre os mesmos aspetos, e aspetos em que todos os peritos concordaram, mostrando elevada concordância entre os peritos. A transcrição completa das entrevistas e das sugestões mais frequentes no discurso dos peritos tornar-se-ia exaustiva (total de cento e quarenta e três sugestões/ referências, ntotal= 143) pelo que descrevemos de um modo geral as subcategorias mais frequentes, indicando o valor absoluto em que ocorreram com a seguinte notação (n=x): Posição ou movimento da pessoa com LM durante as técnicas/exercícios (n=26); Alternativas no uso de produtos de apoio nas técnicas (n=25); Alterações da imagem, ritmo, duração ou ângulo de filmagem dos vídeos (n=28).

A posição ou movimento da pessoa com LM nas atividades diárias deve otimizar a sua mobilidade, a sua segurança, conforto e assegurar o princípio de não maleficência, fundamental nas intervenções em saúde. As alternativas sugeridas ao uso de produtos de apoio, nem sempre determinantes no desempenho das técnicas, refletem a valorização atribuída pelos profissionais de saúde aos equipamentos/dispositivos auxiliares. Será discutível a inclusão em vídeo de todos os produtos de apoio sugeridos ou a sua qualidade num contexto de escassez de recursos materiais sempre que aqueles não sejam estritamente necessários à segurança e autonomia da pessoa com LM.

Quanto às alterações da imagem, ritmo, duração ou ângulo de filmagem refletem a valorização da forma como a mensagem é transmitida e como esse formato pode influenciar o conteúdo da mensagem e o poder de promoção das habilidades motoras. As tecnologias de produção e edição de vídeo devem, segundo os peritos, colocar em evidência os pormenores mais importantes relativos à segurança dos utilizadores durante a realização das técnicas ou exercícios. Os peritos confirmaram que fatores como a duração de um exercício, o número de repetições da filmagem ou zoom sobre pormenores do filme podem ser determinantes na compreensão da mensagem. Os ângulos de filmagem, quando escolhidos criteriosamente, permitem a visualização de todos os movimentos, produtos de apoio ou posicionamentos relativos de materiais e pessoas. Em alguns casos, poderá ser necessário captar a mesma atividade ou técnica sob diferentes ângulos de filmagem.

Segundo o painel de peritos foi sugerida a eliminação de estrangeirismos (n=8) nos vídeos (tais como: push-up, transfer, standing-frame), embora os exercícios e atividades terapêuticas fiquem conhecidos com frequência nas instituições de reabilitação pelo nome original utilizado pelos profissionais de saúde que os ensinam. A terminologia mesa de verticalização ou standing-frame, por vezes utilizada pelos profissionais de saúde, poderá ser considerada também uma forma de jargão profissional, mais inteligível seria a terminologia mesa de posição de pé. No compromisso entre a inteligibilidade para o público e o reconhecimento institucional na versão final desse vídeo optou-se por mesa de verticalização. Ao alterar a designação técnica pela qual uma atividade terapêutica é conhecida no seu contexto institucional poder-se-á correr o risco de não reconhecimento da mesma por parte dos recetores da mensagem. Também muito relevantes foram as sugestões sobre prevenção de lesões, acidente ou quedas e promoção de eficácia de desempenho do cuidador/pessoa com LM (n= 16). Algumas dessas sugestões versaram sobre o destaque da importância dos travões, das rodas anti volteio, do bloqueio de membros inferiores da pessoa com LM durante os movimentos de transferência e da proteção dos segmentos articulares ou proeminências ósseas da pessoa durante os posicionamentos no leito e durante as transferências face a obstáculos à progressão do movimento corporal.

Da mesma forma foram sugeridas pelos peritos mensagens complementares da narração alertando os pacientes para a necessidade de supervisão por profissionais especializados (n=4) em caso de lesão durante a técnica ou no caso de técnicas cujos risco de queda ou traumatismo fosse mais acentuado. A prevenção de infeção (n=7), úlceras de pressão (n=6), a introdução de medidas de conforto, estética ou bem-estar (n=8), a necessidade de realçar as vantagens terapêuticas da técnica (n=3) ou promoção da independência da pessoa com LM foram sugeridos com menor ordem de grandeza. No entanto, por serem ainda qualitativamente muito relevantes, foram integradas na versão final dos vídeos.

Este estudo abordou a conceção e produção de um instrumento em vídeo dirigido à promoção/prevenção em saúde para pessoas com LM e até ao momento da sua realização não eram conhecidos outros estudos semelhantes em Portugal. Existem estudos semelhantes de outros países, de vídeos em inglês e em áreas como o controlo de diabetes mellitus, prevenção tabágica em adolescentes, uso de terapêutica inalatória, a realização de exames de despiste oncológico (cancro da mama, pele ou colorretal) ou a reabilitação pós-cirúrgica entre outros (Cho & Chambers, 2014; Dyson et al., 2010; Shah & Velez, 2014; Zaffagnini et al., 2013). Estes estudos corroboram os resultados encontrados na entrevista aos peritos, que os materiais em vídeo podem incrementar a eficácia da transmissão de conhecimento de um modo que não seria possível com materiais escritos e que melhoram a adoção de destreza ou habilidades motoras por parte de quem os utiliza.

Algumas limitações deste trabalho prendem-se com opções metodológicas iniciais que foram corrigidas em tempo útil. Ao momento da conceção da entrevista de auscultação de necessidades de informação, idealizava-se a produção de um instrumento eletrónico via internet (website) para divulgação das informações de saúde/vídeos para pessoas com LM. Isto poderia influenciar de forma tendenciosa algum tipo de resposta, sobretudo relacionado com o meio de veiculação das informações necessárias às pessoas com LM. Por motivos de indisponibilidade de tempo e recursos, a avaliação de impacto de um instrumento desta natureza e alcance populacional seria inviável, motivo pelo qual se optou pela conceção e produção de um instrumento em vídeo.

Uma outra limitação a considerar relaciona-se com a capacidade do investigador se tornar um elemento neutro no espaço de entrevista, na medida em que fazendo parte do contexto enquanto profissional especializado poderia influenciar o tipo de respostas obtidas quer no estudo prévio quer no estudo de conceção do instrumento vídeo. Optou-se, assim, por minimizar os comentários/sugestões durante as entrevistas de ambos os estudos.

Outras limitações sérias prendem-se com as dificuldades tecnológicas de realização dos vídeos, um processo moroso (2 anos) e oneroso (câmara filmar, técnicos som e imagem, trabalho em edição de vídeo/infografia, entre outros) e que por isso poderiam influenciar o resultado obtido no protótipo inicial.

 

Conclusão

No estudo prévio, profissionais de reabilitação e pessoas com LM valorizaram informação bastante diferente. Desde logo, as pessoas com LM revelaram mais incertezas, dando frequentemente respostas de tipo não sabe, o que não se verificou no grupo de profissionais de saúde, que tinham opiniões mais convictas e fundamentadas. De um modo geral encontrou-se discrepância nas temáticas consideradas prioritárias pelos dois grupos.

Os temas/itens da disfunção sexual, da reeducação funcional respiratória e da saúde mental foram abordadas pelos profissionais de saúde com maior frequência do que entre o grupo de pessoas com LM.

Finalmente, no estudo de conceção e validação de conteúdo do instrumento vídeo, os sete peritos admitiram que os vídeos oferecem vantagens didáticas que os materiais escritos como manuais ou panfletos não permitem. Todos os peritos atribuíram à primeira versão dos 10 vídeos uma avaliação entre razoável a muito bom na promoção das habilidades motoras. Alguns referiram que os vídeos eram convincentes e úteis na transmissão da informação e todos apontaram a necessidade de produzir mais vídeos sobre técnicas de reabilitação complementares ou mais prolongadas do que as que foram apresentadas. Três peritos mencionaram a necessidade de produzir outros vídeos com maior especificidade para cada nível de dependência/autonomia permitindo ao utilizador selecionar os vídeos que mais se assemelhassem à sua situação clínica. Globalmente a visualização ou supervisionamento dos vídeos não originou quaisquer expressões ou opiniões negativas sobre o rigor ou a utilização dos mesmos. As sugestões apontadas pelo painel de peritos permitiram perceber que algumas informações devem ser transmitidas explicitamente pelo narrador sob pena de passarem despercebidas ao utilizador.

A versão final dos vídeos de simulação com integração das sugestões do painel de peritos oferece maior rigor comunicacional e técnico-científico do que o protótipo original. A validação de conteúdo por peritos constituiu uma etapa determinante para garantir a eficácia e segurança do instrumento audiovisual em estudo.

Alguns movimentos ou estratégias filmadas devem ser esclarecidas pela narração e, uma vez omissas, a informação dificilmente será retida pelo utilizador. A utilidade da infografia (legendas, gráficos, títulos) como recurso na edição dos vídeos foi apreciada e promovida várias vezes pelo painel de peritos.

Não será despiciendo referir que, em caso de escassez de recursos materiais ou de tempo na futura elaboração de vídeos de simulação de técnicas de autocuidado ou atividades terapêuticas, será sempre recomendável encurtar o número de técnicas de simulação, privilegiando o rigor e a qualidade de planeamento e produção do filme.

 

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Recebido para publicação em: 26.10.15

Aceite para publicação em: 26.01.16

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