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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.18 Coimbra set. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV18022 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

As autarquias e a promoção da acessibilidade arquitetónica

Municipalities and the promotion of architectural accessibility

Los ayuntamientos y la promoción de la accesibilidad arquitectónica

 

Rute Salomé da Silva Pereira*
https://orcid.org/0000-0002-4468-0787

Maria Manuela Ferreira Pereira da Silva Martins**
https://orcid.org/0000-0003-1527-9940

Bárbara Pereira Gomes***

Soraia Dornelles Schoeller****
https://orcid.org/0000-0002-0758-3777

José Alberto Laredo-Aguilera*****
https://orcid.org/0000-0002-3661-3584

Isabel Ribeiro******

Paulo Cunha*******

 

* MSc., Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [rutesalomesilvapereira@gmail.com]. Contribuição no artigo: planeamento, colheita de dados, análise, elaboração e revisão do artigo. Morada para correspondência: Rua Eduardo Madeira nº 155 R/C esqº 4410-432 VNG

** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [mmartins@esenf.pt]. Contribuição no artigo: planeamento, colheita de dados, análise, elaboração e revisão do artigo.

*** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [bgomes@esenf.pt]. Contribuição no artigo: elaboração e revisão do artigo

**** Ph.D., Professora Coordenadora, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-370, Santa Catarina, Brasil [soraiadornelleschoeller@gmail.com]. Contribuição no artigo: elaboração e revisão do artigo.

***** Ph.D., Professor Assistente, Universidad de Castilla-La Mancha, Facultad de Terapia, Logopedia y Enfermería, 45600, Toledo, Espanha [josealberto.laredo@uclm.es]. Contribuição no artigo: elaboração e revisão do artigo.

****** MSc., Enfermeira Supervisora, Centro Hospitalar de São João, 4200-319, Porto, Portugal [isabel.ribeiro59@gmail.com]. Contribuição no artigo: elaboração e revisão do artigo.

******* MSc., Professor Assistente com Regência, Faculdade de Direito da Universidade Lusíada - Norte, 4369-006, Porto, Portugal [paulocunha.psd@gmail.com]. Contribuição no artigo: colheita de dados, elaboração e revisão do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: As barreiras arquitetónicas assumem um peso importante na prossecução das atividades de vida diária para pessoas com mobilidade condicionada.

Objetivos: Compreender as fragilidades e/ou potencialidades das respostas das autarquias locais para abolir barreiras arquitetónicas para pessoas com mobilidade condicionada quando inseridas no seu contexto social e habitacional.

Metodologia: Estudo descritivo, exploratório, com uma amostra de 21 presidentes de junta de dois municípios, a partir de uma amostragem não probabilística acidental.

Resultados: Da amostra, 76,2% presidentes de junta não sabem quantas pessoas com deficiência vivem na sua freguesia. A eliminação de barreiras arquitetónicas incidiu sobre passeios e percursos pedonais acessíveis (80%), passadeiras (75%), acesso a parques e jardins públicos (70%) e a cemitérios e mercado (70%). Os restantes equipamentos, mesmo os educacionais, têm representações abaixo de 50%.

Conclusão: Subsistem espaços de uso público com barreiras arquitetónicas. Existe pouca articulação entre profissionais de saúde e a sociedade para a promoção da acessibilidade.

Palavras-chave: enfermagem em reabilitação; estruturas de acesso; governo local; pessoas com deficiência; limitação da mobilidade

 

ABSTRACT

Background: Architectural barriers have a significant impact on the daily activities of people with reduced mobility.

Objectives: To understand the weaknesses and/or opportunities in the responses of local authorities to eliminate the architectural barriers for people with reduced mobility in their social and residential context.

Methodology: A descriptive, exploratory study was conducted with a sample of 21 parish council presidents from two municipalities using an accidental non-probabilistic sampling method.

Results: In this sample, 76.2% of parish council presidents do not know how many people with disabilities live in their parish. The elimination of architectural barriers focused on accessible sidewalks and pedestrian routes (80%), pedestrian crossings (75%), access to public parks and gardens (70%), and access to cemeteries and markets (70%). Other equipment, even educational ones, represent less than 50%.

Conclusion: Some public spaces still have architectural barriers. There is little cooperation between health professionals and society to promote accessibility.

Keywords: rehabilitation nursing; architectural accessibility; local government; disabled persons; mobility limitation

 

RESUMEN

Marco contextual: Las barreras arquitectónicas asumen un peso importante en la realización de las actividades de la vida diaria de las personas con movilidad reducida.

Objetivos: Comprender las fragilidades y/o potencialidades de las respuestas de los ayuntamientos locales para abolir barreras arquitectónicas para personas con movilidad condicionada cuando se encuentran en su contexto social y habitacional.

Metodología: Estudio descriptivo, exploratorio, con una muestra de 21 presidentes de junta de dos municipios, a partir de un muestreo no probabilístico accidental.

Resultados: De la muestra, el 76,2% de los presidentes de junta no sabe cuántas personas con discapacidad viven en su barrio. La eliminación de barreras arquitectónicas incidió sobre paseos y zonas peatonales accesibles (80%), pasos de peatones (75%), acceso a parques y jardines públicos (70%) y a cementerios y mercados (70%). Los restantes equipamientos, incluso los educacionales, tienen representaciones por debajo del 50%.

Conclusión: Subsisten espacios de uso público con barreras arquitectónicas. Hay poca articulación entre los profesionales de la salud y la sociedad para promover la accesibilidad.

Palabras clave: enfermería en rehabilitación; estructuras de acceso; gobierno local; personas con discapacidad; limitación de la movilidad

 

Introdução

O enfermeiro de reabilitação “promove a mobilidade, a acessibilidade e a participação social” (Regulamento nº125/2011, p. 8659) através de conhecimentos próprios sobre legislação específica, sensibilização da comunidade para práticas inclusivas, identificação e eliminação de barreiras arquitetónicas e emissão de pareceres técnico-científicos sobre estruturas e equipamentos sociais da comunidade.

As pessoas com mobilidade condicionada são confrontadas com o problema das barreiras arquitetónicas quando inseridas nas suas áreas de residência, pelo que é pertinente alargar o estudo deste fenómeno a outros atores com responsabilidade neste processo. A exploração das perceções dos presidentes de junta permitirá compreender a realidade local e responder aos seguintes objetivos: compreender as fragilidades e/ou potencialidades das respostas das autarquias locais para abolir barreiras arquitetónicas para pessoas com mobilidade condicionada quando inseridas no seu contexto social e habitacional; descrever a perceção dos presidentes de junta acerca da importância do seu papel na acessibilidade arquitetónica; identificar os constrangimentos que os presidentes de junta vivenciam para a abolição de barreiras arquitetónicas e caracterizar as autarquias quanto à acessibilidade, na perspetiva dos presidentes de junta.

Pretende-se contribuir com conhecimento que possa melhorar a intervenção dos enfermeiros de reabilitação, desenvolvendo parcerias e intervenções inovadoras para responder às reais necessidades das pessoas com mobilidade condicionada.

 

Enquadramento

Na atividade censitária de 2011, a principal dificuldade declarada foi a limitação no andar, seguida da dificuldade em ver (Instituto Nacional de Estatística, 2012). Para pessoas com deficiência ou mobilidade condicionada, as barreiras arquitetónicas podem fazer diferença entre a exclusão e a participação social (Gamache et al., 2017).

No Decreto-Lei nº 163/2006, que define o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, as pessoas com mobilidade condicionada são definidas como aquelas que se deslocam em cadeira de rodas, que são incapazes de andar ou percorrer grandes distâncias, que apresentam dificuldades sensoriais ou que se encontram temporariamente condicionadas (grávidas, crianças e idosos). Para todas estas pessoas, as barreiras arquitetónicas surgem como inultrapassáveis nos vários espaços necessários ao desenvolvimento da vida diária, condicionando ou impedindo a mobilidade (Bárrios & Fernandes, 2014).

A nível europeu e nacional têm sido desenvolvidas estratégias para a promoção da acessibilidade arquitetónica e, exemplo disso é uma das propostas do XXI Governo Constitucional que passa pelo desenvolvimento do programa “Territórios Inclusivos”. Para Falcato (2017), as autarquias locais encerram um papel importante na eliminação de barreiras, com destaque na promoção de um ambiente acessível e livre de barreiras arquitetónicas. As autarquias devem alargar a sua atuação, deixando de se limitar aos domínios das infraestruturas e dos equipamentos básicos. É importante criar/reforçar sinergias entre o poder autárquico e o setor da saúde, num binómio de promoção da saúde e da acessibilidade para pessoas com mobilidade condicionada.

 

Questões de investigação

Os presidentes de junta reconhecem a importância do seu papel na eliminação das barreiras arquitetónicas nos espaços públicos, equipamentos coletivos e edifícios públicos da sua área de atuação? Quais os constrangimentos que os presidentes de junta vivenciam para a abolição de barreiras arquitetónicas? Quais as intervenções que os presidentes de junta realizaram para a eliminação de barreiras arquitetónicas para pessoas com mobilidade condicionada no seu mandato autárquico? Quais as barreiras arquitetónicas que os presidentes de junta identificam na sua freguesia como problemáticas para o acesso a locais públicos para pessoas com mobilidade condicionada? Quais os apoios que os presidentes de junta disponibilizam às pessoas com mobilidade condicionada para a eliminação de barreiras arquitetónicas em diversos contextos?

 

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, com recurso ao paradigma quantitativo. O estudo foi desenvolvido nos municípios do Porto e Vila Nova de Famalicão, com uma população formada por 41 presidentes de junta. A técnica de amostragem foi não probabilística acidental, uma vez que foi constituída por indivíduos que se encontravam acessíveis. A amostra é constituída por 17 presidentes de junta de Vila Nova de Famalicão e quatro do Porto, num total de 21, sendo a sua representação de cerca de 50% nos dois municípios.

Para a colheita de dados, foi aplicado aos presidentes de junta um questionário ad hoc de autopreenchimento, que foi submetido a um teste de aferição da compreensão do conteúdo e da formulação das questões com um grupo de quatro presidentes de junta que não fizeram parte do estudo.

As variáveis consideradas foram: características sociodemográficas; importância das barreiras arquitetónicas; posição das autarquias face à acessibilidade arquitetónica; eliminação de barreiras arquitetónicas por área de intervenção; constrangimentos à eliminação de barreiras; barreiras arquitetónicas problemáticas no acesso a locais públicos; apoios para pessoas com mobilidade condicionada concedidos pela junta de freguesia; opinião sobre o cumprimento do Decreto-Lei nº 163/2006 e percursos acessíveis em espaços de uso público.

A colheita de dados foi realizada em colaboração com os municípios e decorreu entre janeiro e julho de 2017. Os participantes receberam uma mensagem de correio eletrónico com informações sobre a investigação e os seus objetivos e, em anexo, o questionário e o consentimento informado em formato pdf, que foram devolvidos após preenchimento, não havendo contacto entre investigadores e participantes.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Escola Superior de Enfermagem do Porto a 31 de janeiro de 2017, através do parecer nº 11/2017.

Os dados foram tratados com recurso ao software IBM SPSS Statistics, versão 20.0, e utilizada estatística descritiva através do cálculo de frequências absolutas (N) e relativas (%), medidas de tendência central (média e mediana) e medidas de dispersão (mínimo, máximo e desvio padrão).

 

Resultados

A amostra é constituída por 20 participantes do género masculino (95,2%) e uma do género feminino (4,8%) e, que têm, em média, 55 anos de idade. Exercem a função de autarca, em média, há 9,24 anos e mais de metade (52,4%) exerce essa função entre 3 a 7 anos. A maioria possui o ensino secundário (47,6%). Quanto à distribuição da amostra por município, 81% dos presidentes de junta são de Vila Nova de Famalicão e 19% do município do Porto.

Os presidentes de junta consideram muito importante (42,9%) e extremamente importante (57,1%) a eliminação de barreiras arquitetónicas como forma de promover a acessibilidade para pessoas com mobilidade condicionada; 42,9% concordam e 52,4% concordam totalmente que as juntas de freguesia e respetivos presidentes têm uma importância estratégica, dada a proximidade com os cidadãos, na promoção da acessibilidade para uma autarquia inclusiva.

Relativamente ao conhecimento do número de pessoas com deficiência física, 76,2% referem não saber quantas pessoas têm deficiência física na área territorial correspondente à localidade que governam. Por outro lado, dos que referem ter conhecimento (23,8%) a média identificada foi de 7,20 pessoas, com um desvio padrão de 3,701 pessoas com deficiência, sendo que existem, no mínimo, três pessoas com deficiência física por freguesia e, no máximo, 12 pessoas.

Sobre a existência de locais públicos com barreiras arquitetónicas na área territorial da junta, 66,7% dos participantes referem que persistem locais de uso público com barreiras arquitetónicas (por exemplo, as sedes das juntas ou centros de saúde).

A realização de intervenções para a eliminação de barreiras arquitetónicas foi referida por 95,2% dos presidentes de junta e 4,8% não realizou qualquer intervenção. Conforme a Tabela 1, as intervenções mais efetuadas foram em passeios e percursos pedonais acessíveis (80%), em passadeiras (75%), no acesso a parques e jardins públicos (70%) e no acesso a cemitérios e mercado (70%).

Os presidentes de junta concordam que os constrangimentos que enfrentam são: o incumprimento da legislação sobre acessibilidade (38,1%); a ausência de recursos financeiros (47,6%), formação sobre a acessibilidade (38,1%) e especificações técnicas de acordo com o Decreto-Lei n.º 163/2006 (38,1%); apoio técnico para fundamentar a tomada de decisão (38,1%) e participação dos cidadãos (33,3%). As barreiras arquitetónicas problemáticas no acesso a locais públicos são: ocupação dos passeios pelo estacionamento indevido e ausência de plataformas elevatórias e de elevadores que permitam o uso por uma pessoa em cadeira de rodas (Figura 1).

Sobre o cumprimento das disposições legais do Decreto-Lei nº 163/2006, na opinião dos presidentes de junta, foram colocados em apreciação 35 itens no total sendo que, destes, apenas oito itens obtiveram maior incidência de resposta no sim: o revestimento do piso dos passeios tem uma superfície estável, durável e firme (38,1%); o acesso frontal/lateral para o abrigo tem uma largura = 0,80 m e não apresenta obstáculos (42,9%); os sumidouros são colocados em locais que permitem o rápido escoamento das águas pluviais e a secagem dos pavimentos (42,9%); o sinal verde de travessia para peões quando aberto permite a travessia a uma velocidade de 0,4m/segundo (38,1%); a botoneira do semáforo está localizada a uma altura do piso entre 0,8m-1,2m (52,4%); as passadeiras têm os limites assinalados no piso por alteração da textura ou pintura com cor contrastante (38,1%) e, os espaços comuns no interior de edifícios permitem a circulação de uma pessoa em cadeira de rodas (52,4%). Posto isto, de acordo com as dimensões em estudo, as indicações do Decreto-Lei, na sua maioria, não são cumpridas ou não o são na totalidade.

Para o desenvolvimento da vida diária, os presidentes de junta consideram acessíveis sem dificuldade os seguintes espaços: junta de freguesia, cemitério e postos de abastecimento de combustível com 71,4% das respostas, seguidos dos lares/residências/centros de dia (61,9%). Foram notificados como não acessíveis: junta de freguesia (9,5%), creche/jardim-de-infância (4,8%), escola E.B.1,2,3 (4,8%), equipamentos desportivos/campos de futebol/piscina pública (4,8%) e museus/teatros (4,8%). Estes resultados revelam que existem assimetrias importantes dado que alguns espaços garantem todas as condições de acessibilidade e outros permanecem não acessíveis. Como se constata na Tabela 2, o acesso à estação de caminho-de-ferro/central de camionagem foi o único considerado acessível sem dificuldade (28,6%), sendo que os restantes afirmam não ter esse espaço na sua freguesia (71,4%).

Os apoios que obtiveram maior percentagem de respostas e que podem ser solicitados pela pessoa com mobilidade condicionada nas juntas de freguesia, tendo em vista a eliminação de barreiras arquitetónicas existentes nos percursos pedonais, são o outro tipo de apoio (42,9%); para eliminar barreiras arquitetónicas existentes no acesso ao meio edificado concedem apoio técnico (38,1%) e para eliminar barreiras nos percursos envolventes à área habitacional prestam outro tipo de apoio (38,1%). Para eliminar barreiras arquitetónicas em equipamentos públicos, a maior incidência de respostas refere que não é da competência da junta de freguesia (38,1%), bem como a realização de obras dentro da habitação da pessoa com mobilidade condicionada para fomentar a acessibilidade (47,6%), como se pode observar na Tabela 3.

 

Discussão

Em 2006 foi aprovada a Lei da Paridade, que previa uma representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos nas listas de candidaturas apresentadas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais. Pode concluir-se que a participação feminina no presente estudo é reduzida, dado que uma vez que apenas uma mulher estava presente na representação da política local (4,8%).

Relativamente às habilitações académicas, os resultados obtidos são concordantes com os nacionais, predominando os presidentes de junta com habilitações ao nível do ensino secundário (47,6%) e com licenciatura (23,8%), sendo que os restantes possuem entre o 1º, 2º e 3º ciclo (Tavares, Rodrigues, & Silva, 2013). Relativamente à idade, podemos afirmar que, na sua maioria, a amostra do nosso estudo possui mais de 51 anos. Quanto aos anos de exercício da função de autarca, a sua maioria encontra-se em funções entre 3 a 7 anos.

De acordo com as competências legais das autarquias e, nomeadamente dos presidentes de junta, compete-lhes promover a acessibilidade para pessoas com mobilidade condicionada, construindo ambientes acessíveis através da eliminação de barreiras arquitetónicas, dado que estas são um evidente impedimento à sua utilização por uma pessoa com mobilidade condicionada e um obstáculo à participação social (Falcato, 2017; Gamache et al., 2017). Os presidentes de junta, na sua maioria, consideram extremamente importante a eliminação de barreiras arquitetónicas para pessoas com mobilidade condicionada e, a maioria concorda (42,9%) e concorda totalmente (52,4%) que as juntas de freguesia têm uma importância estratégica na promoção da acessibilidade.

Apesar de assumirem a importância da eliminação de barreiras arquitetónicas, apenas 23,8% conhecem quantas pessoas com deficiência vivem na sua freguesia, o que demonstra envolvimento e preocupação, contudo, 76,2% não sabem, revelando uma lacuna na articulação entre os serviços de saúde e as estruturas de apoio local.

Em matéria de apoios descritos, fica evidente que alguns presidentes de junta referem que não é da competência da junta eliminar barreiras arquitetónicas existentes em equipamentos públicos (38,1%) nem dentro da habitação das pessoas com mobilidade condicionada (47,6%).

Num estudo sobre os percursos dos lesionados medulares efetuaram-se 93 entrevistas, das quais 28 a pessoas com lesão medular em reabilitação inicial e, destas, 19 referiram que tiveram que mudar de habitação ou as casas sofreram obras de adaptação, sendo que para estas obras as juntas assumiram especial relevância já que ofereceram os materiais e, por vezes, a mão de obra (Fontes & Martins, 2015).

Num estudo realizado em três concelhos da região centro de Portugal, no qual se efetuou o levantamento documental dos programas de gestão autárquica desses concelhos, encontraram um programa habitacional que tem como objetivo a melhoria das condições básicas de habitabilidade, nas quais as questões da acessibilidade arquitetónica são consideradas, por exemplo, através da realização de pequenas reparações no interior da habitação (Bárrios & Fernandes, 2014). No mesmo estudo, os autores também constataram que em algumas autarquias existem programas de intervenção no ambiente e em espaços verdes que incluem medidas de adaptação dos espaços a pessoas com mobilidade condicionada.

Pode evidenciar-se que, apesar de determinados presidentes de junta considerarem que intervir na eliminação de barreiras arquitetónicas dentro das habitações ou em equipamentos públicos não é da sua competência, outros chamam a si esta responsabilidade e disponibilizam apoio para alterações nos domicílios.

Os apoios mais disponibilizados pelas juntas são: o outro tipo de apoio na eliminação de barreiras nos percursos pedonais (42,9%) e nos percursos envolventes à área habitacional (38,1%) e o apoio técnico para eliminação de barreiras no acesso ao meio edificado (38,1%). Sendo estas áreas as que mais apoios recebem, nunca o financeiro foi referido, ao que acresce a ausência de recursos financeiros ser o constrangimento mais referido, e essencial para a decisão na atribuição de apoios.

No relatório das Nações Unidas sobre o direito à habitação e à vida nas cidades para pessoas com deficiência, salienta-se a extrema relevância das autarquias locais na promoção da vida independente através de planos de acesso sem barreiras arquitetónicas a serviços e espaços públicos (Szporluk, 2015). Acresce que Portugal é signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Na realidade, dos participantes do presente estudo, 66,7% declaram que ainda subsistem locais públicos com barreiras. Estes dados são corroborados por um estudo que avaliou as barreiras arquitetónicas no acesso a 20 edifícios públicos, revelando que 50% não era acessível (Almeida, Ferreira, & Figueiredo, 2008).

Uma vez que permanecem locais públicos com barreiras arquitetónicas, constatou-se que a maioria dos presidentes de junta (95,2%) realizou intervenções para eliminar barreiras arquitetónicas porém, um assumiu não ter realizado nenhuma. Num estudo sueco sobre implementação da acessibilidade ao nível municipal, 55% dos municípios refere ter implementado medidas (Wennberg, Stahl, & Hydén, 2009).

As principais áreas de intervenção vão ao encontro das competências específicas das juntas, nomeadamente na gestão e manutenção de parques infantis públicos, cemitérios, arruamentos e pavimentos pedonais. As barreiras arquitetónicas mais intervencionadas foram: passeios e percursos pedonais acessíveis (80%); passadeiras (75%); o acesso a equipamentos como cemitério e mercado (70%) e o acesso a parques e jardins públicos (70%).

Os presidentes de junta ainda identificam, na sua área territorial, com uma concordância de 42,9%, a existência de degraus, a ausência de elevadores sem medidas adequadas para pessoas em cadeira de rodas e de plataformas elevatórias e com 38,1% os pisos em mau estado de conservação e ausência de instalações sanitárias adaptadas para pessoas com mobilidade condicionada. Num estudo realizado a cuidadores primários de crianças com paralisia cerebral desenvolvido por Pereira, Caribé, Guimarães, e Matsuda (2011), obteve-se um resultado que confirma estas barreiras arquitetónicas também como as mais problemáticas.

Na atual legislação, é sugerida a utilização do símbolo internacional de acessibilidade, contudo ele não está presente em 95,2% das juntas. Num estudo sobre as condições de acessibilidade em 27 escolas de Chapecó, no Brasil, observou-se a inexistência deste símbolo em todas as escolas (Gallo, Orso, & Fiório, 2013).

Dos constrangimentos que os presidentes de junta vivenciam no sentido de abolir as barreiras arquitetónicas, a dificuldade mais referida foi a ausência de recursos financeiros (47,6%), sendo que a construção de equipamentos municipais e outras obras que cumpram a legislação e os princípios do desenho universal, integrados logo na fase de planeamento, permitirão economizar recursos a longo prazo, por meio de um correto planeamento das cidades (Government of Ontario, 2015).

A ausência de formação sobre a acessibilidade e sobre as especificações do Decreto- Lei nº 163/2006 são dificuldades referidas (38,1%), porque a legislação introduziu indicações de difícil interpretação. Isto motivou a criação de um instrumento clarificador da legislação, o Guia Acessibilidade e Mobilidade para Todos (Instituto Nacional de Reabilitação, 2010). É fundamental a sensibilização, transferência de conhecimento e capacitação dos presidentes de junta para a criação/implementação de políticas inclusivas.

A ausência de participação dos cidadãos (33,3%) também é uma dificuldade, sendo essencial a mobilização em prol do outro, desenvolvendo uma cultura democrática e participativa (Perestrelo, 2012).

O incumprimento da legislação em vigor sobre a acessibilidade é outra dificuldade exposta (38,1%), dado que a legislação permite aos órgãos da administração pública central, regional e local (que não necessitam de licenciamento/autorização camarária) certificar o cumprimento das normas legais através de um termo de responsabilidade. Também a forma como a fiscalização do cumprimento da legislação está organizada se apresenta como uma dificuldade, já que muitas vezes as câmaras são as entidades licenciadoras de obras e fiscalizadoras, o que gera ineficácia no processo.

Os espaços que os presidentes de junta mais vezes referiram ser os acessíveis sem dificuldade foram a junta de freguesia, o cemitério e os postos de abastecimento de combustível (71,4%), contudo existem assimetrias importantes, dado que alguns garantem todas as condições de acessibilidade e outros permanecem totalmente não acessíveis ou com necessidade de ajuda por terceiros.

No estudo de Lima, Carvalho-Freitas, e Santos (2013) uma participante referiu que não sai de casa sozinha porque tem medo do estado do meio físico da cidade e do que pode encontrar, o que intensifica a dependência. Outros relataram que saem sozinhos mas que dependem de pessoas que encontram na rua para ultrapassar algumas barreiras, sendo que um participante referiu sentir vergonha se tiver que ser transportado para subir escadas.

Reconhece-se que o presente estudo possui limitações, como a dimensão da amostra e a circunscrição a dois municípios, sendo que a amostra é apenas representativa para as autarquias do Porto e de Vila Nova de Famalicão, pelo que para se poder generalizar resultados deverão ser estudados outros municípios e explorados outros contextos. Foram efetuadas diligências no sentido de contactar várias câmaras municipais para a realização da investigação, porém não foi obtida resposta.

 

Conclusão

Com a realização deste estudo compreende-se como potencialidade o facto de os presidentes de junta considerarem importante a eliminação de barreiras arquitetónicas e, na sua maioria, concordarem com a importância da posição estratégica que ocupam na promoção da acessibilidade arquitetónica, dada a sua proximidade com as pessoas.

O reconhecimento da necessidade de formação sobre a temática da acessibilidade é uma potencialidade a desenvolver pelas autarquias locais, pelo que o enfermeiro de reabilitação poderá ministrar formação aos autarcas, uma vez que possui conhecimentos técnico-científicos, e assim sensibilizando para o impacto das barreiras arquitetónicas na qualidade de vida destas pessoas e que, muitas vezes, podem ser eliminadas com medidas simples e um correto planeamento de recursos.

Nas respostas das autarquias verifica-se a necessidade de criar parcerias e trabalhar em rede com as estruturas de saúde, nomeadamente os enfermeiros de reabilitação, que, integrados nas equipas de cuidados continuados integrados, deverão criar protocolos para notificação de pessoas com deficiência/mobilidade condicionada. Esta é uma estratégia importante uma vez que apenas cinco dos presidentes de junta conheciam o número de pessoas com deficiência física na sua área territorial.

A ausência de recursos financeiros foi identificada como uma fragilidade, contudo esta realidade leva a reconhecer a necessidade de tomar decisões que exigem um grande investimento no planeamento sustentado e na partilha do conhecimento de multiprofissionais, para que não se tomem decisões isoladas. Também a ausência de apoio técnico para fundamentar o processo de tomada de decisão é uma fragilidade encontrada, pelo que é importante integrar nos órgãos executivos das câmaras e/ou juntas de freguesia enfermeiros de reabilitação, dado possuírem conhecimentos sobre as pessoas com mobilidade condicionada e a sua capacitação funcional, bem como, sobre legislação e normas técnicas de promoção da integração social.

Evidencia-se ainda a ausência de participação dos cidadãos, pelo que é importante implementar medidas para aumentar o seu envolvimento nas decisões que afetam as suas vidas diariamente e assim, as autarquias locais devem promover o debate e a auscultação municipal sobre as condições de acessibilidade.

Considera-se que é possível transformar estas fragilidades das autarquias locais em potencialidades se a sua ação estiver orientada para a manutenção de uma sociedade inclusiva pelo combate ao isolamento social e à discriminação, onde todos poderão participar na vida social, política, profissional e familiar.

A conceção dos cuidados de enfermagem de reabilitação conhece assim novas metas e horizontes, num contexto cada vez mais complexo e multidimensional. Os enfermeiros de reabilitação deverão promover o desenvolvimento de políticas de saúde fortes, influenciando decisões políticas, técnicas e sociais para a promoção de ambientes acessíveis, nomeadamente através da sensibilização e formação dos presidentes de junta para a importância da eliminação de barreiras arquitetónicas e do respeito e valorização da diversidade humana para uma plena participação social das pessoas com mobilidade condicionada, uma vez que a ausência de formação foi uma dificuldade. Os órgãos autárquicos locais são os atores políticos de construção de territórios inclusivos para pessoas com mobilidade condicionada.

Em pesquisas futuras será importante replicar este estudo a outros municípios, realizar estudos observacionais de levantamento e identificação das barreiras arquitetónicas em edifícios, instalações e espaços da administração central, local e institutos públicos e via pública e, ainda, caracterizar a acessibilidade arquitetónica em contexto habitacional, por exemplo na população idosa em habitação social.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 12.04.18

Aceite para publicação em: 23.07.18

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